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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.18 no.1 São Paulo jan./abr. 2021

http://dx.doi.org/10.32467/issn.19982-1492v18nesp.p73-91 

ARTIGO

 

Implementação de um ambulatório psicossocial para pessoas expostas a situação de violência em um hospital universitário

 

Implementation of a psychosocial outpatient clinic for people exposed to violence in a university hospital

 

Implementación de una clínica psicosocial ambulatorial para personas expuestas a la violencia en un hospital universitario

 

 

Alice Andrade SilvaI; Carolina Con Andrades LuizI; Rosana Teresa Onocko-CamposI; Erotildes Maria LealII; Giovana Pellatti D LopesI; Juliana Américo DaineziI

IFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

 


RESUMO

Discute-se o processo de implementação de um ambulatório que oferta psicoterapia de grupo com base psicanalítica às crianças, adolescentes e adultos expostos à violência, adscritos à região Norte de Campinas-SP. A implementação acontecerá no Hospital Universitário - Unicamp, em parceria com o Laboratório de Saúde Coletiva e Saúde Mental - Interfaces, a Assistência Social e de Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas. Objetiva-se qualificar a assistência e articulação da rede de serviços públicos no território (Atenção Primária à Saúde e Assistência Social), ofertando-se apoio matricial e seguimento conjunto dos casos; e construir evidências sobre a efetividade da psicanálise de grupo na terapia de transtornos associados à exposição à violência. Utilizar a psicanálise justifica-se no contexto da abordagem e da prevenção à violência na medida em que espaços seguros de escuta possibilitam à pessoa em situação de exposição à violência um lugar de legitimação do sofrimento, elaboração e ressignificação da experiência traumática; do contrário há riscos de invalidar, negar, calar e perpetuar a violência naturalizando-a. A psicanálise tem contribuições significativas para compreensão das causas e consequências individuais e coletivas da violência, bem como para intervir e prevenir a transmissão transgeracional por meio de dispositivos terapêuticos que consideram os níveis coletivo, intersubjetivo e intrapsíquico.

Palavras-chave: pesquisa de implementação; exposição à violência; grupoterapia psicanalítica e grupo-análise.


ABSTRACT

The process of implementation of an outpatient clinic offering psychoanalytic group psychotherapy to children, adolescents and adults exposed to violence, assigned to the northern region of Campinas-SP, is discussed. The implementation will take place at the University Hospital - Unicamp, in partnership with the Collective Health and Mental Health Laboratory - Interfaces, the Social and Health Care of the Campinas City Hall. The objective is to qualify the assistance and articulation of the public services network in the territory (Primary Health Care and Social Assistance), offering matrix support and joint follow-up of cases; and to build evidence on the effectiveness of group psychoanalysis in the therapy of disorders associated with exposure to violence. Using psychoanalysis is justified in the context of the approach and prevention of violence as safe listening spaces allow the person in a situation of exposure to violence a place of legitimation of suffering, elaboration and resignification of traumatic experience; otherwise there are risks of invalidating, denying, silencing and perpetuating violence by naturalizing it. Psychoanalysis has significant contributions to understand the individual and collective causes and consequences of violence, as well as to intervene and prevent transgenerational transmission through therapeutic devices that consider the collective, intersubjective and intrapsychic levels.

Keywords: implementation research; exposure to violence; psychoanalytic group therapy and group analysis.


RESUMEN

Se discute el proceso de implementación de una clínica ambulatoria que ofrece psicoterapia grupal psicoanalítica a niños, adolescentes y adultos expuestos a la violencia, asignados a la región norte de Campinas-SP. La implementación tendrá lugar en el Hospital Universitario - Unicamp, en colaboración con el Laboratorio de Salud Colectiva y Salud Mental - Interfaces, la Atención Social y de Salud del Ayuntamiento de Campinas. El objetivo es calificar la asistencia y articulación de la red de servicios públicos en el territorio (Atención Primaria de Salud y Asistencia Social), ofreciendo apoyo matricial y seguimiento conjunto de casos; y para construir evidencia sobre la efectividad del psicoanálisis grupal en la terapia de trastornos asociados con la exposición a la violencia. El uso del psicoanálisis se justifica en el contexto del enfoque y la prevención de la violencia, ya que los espacios seguros de escucha permiten a la persona en una situación de exposición a la violencia un lugar de legitimación del sufrimiento, elaboración y resignificación de la experiencia traumática; de lo contrario, existe el riesgo de invalidar, negar, silenciar y perpetuar la violencia al naturalizarla. El psicoanálisis tiene contribuciones significativas para comprender las causas y consecuencias individuales y colectivas de la violencia, así como para intervenir y prevenir la transmisión transgeneracional a través de dispositivos terapéuticos que consideran los niveles colectivos, intersubjetivos e intrapsíquicos.

Palabras clave: investigación de implementación; exposición a la violencia; Terapia grupal psicoanalítica y análisis grupal.


 

 

Introdução

Embora ainda seja inexpressivo no Brasil e raramente explorado na área da saúde mental, o campo das pesquisas de implementação é apontado na literatura internacional como potencial contribuidor para tornar as políticas e programas de saúde pública cada vez mais efetivos. De forma geral, a intenção desse tipo de pesquisa é entender como as intervenções funcionam nas configurações do "mundo real", testando abordagens para melhorá-las e avaliando os resultados produzidos a partir das mesmas. As pesquisas de implementação buscam avaliar e transformar redes de saúde, introduzindo propostas de soluções no sistema de saúde, para promover a superação de entraves institucionais, como, por exemplo, a lacuna entre o que é oferecido pelos serviços e o que de fato é necessário para os usuários no cotidiano (Peters, Adam, Alonge, Agyepong, & Tran, 2014; Proctor et al., 2008).

A escalada de violência em bairros e comunidades têm trazido imensa repercussão psicossocial para suas vítimas e pessoas próximas. Muitas dessas pessoas recusam procurar ajuda no próprio bairro por medo de represálias e ou de estigmatização. Por outro lado, existe uma carência de dispositivos especializados para a realização desse cuidado, assim como faltam evidências sobre a eficácia de diferentes abordagens terapêuticas.

Considerando o potencial das pesquisas de implementação para as políticas públicas e a demanda social relacionada à exposição à violência, o presente artigo analisa um projeto de implementação de um ambulatório para pessoas expostas à situação de violência adscritos à região Norte da cidade de Campinas-SP. Esse projeto consiste no planejamento ascendente, implementação e posterior avaliação quase experimental de um ambulatório psicossocial direcionado a crianças, adolescentes e adultos expostos diretamente e indiretamente à violência.

A violência sofrida diretamente se refere àquela denominada pela Organização Mundial de Saúde como sofrimento causado em uma dimensão física, sexual, psicológica ou de privação/negligência. Entretanto, os danos acarretados pela violência se estendem indiretamente às pessoas que presenciaram, testemunharam ou ouviram falar de episódios e cenas de violência (Patias, Silva, & Dell'Aglio, 2016).

A necessidade de implementação de um ambulatório psicossocial para o atendimento de pessoas expostas diretamente e indiretamente a violência fundamenta-se nos altos índices de violência vividos pelas mulheres, adolescentes e crianças da região norte da cidade de Campinas/SP, território marcado pela perpetuação da violência de forma transgeracional (Corrêa, 2000). Essa região é referenciada pelo Hospital Universitário da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), local onde o ambulatório será implementado, em parceria com o Laboratório de Saúde Coletiva e Saúde Mental - Interfaces -Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a rede de Assistência Social e da Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas.

Segundo o Atlas da Violência (Cerqueira, 2018), em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Em dez anos, observa que esse índice aumentou 6,4%. As mulheres que se tornaram uma vítima fatal, geralmente, foram anteriormente vítimas de outras violências de gênero, como por exemplo a violência psicológica, patrimonial, física ou sexual. Nesse sentido, muitas mortes podem ser evitadas mediante atendimento especializado, que realize um trabalho clínico e de articulação de rede capaz de impedir o desfecho fatal. Nesse sentido, os serviços especializados precisam ofertar opções concretas e apoio para que o público exposto diretamente e indiretamente consiga sair de um ciclo de violência.

Outro dado alarmante é o crescimento no número de casos de violência doméstica registrados no Brasil em 2017. No total, foram relacionados 1.273.398 processos em tramitação nas justiças estaduais em todo o país, sendo 388.263 destes novos casos são de violência doméstica e familiar contra a mulher, um aumento de 16% em relação ao ano anterior. De acordo com dados do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até o final de 2017 havia um processo judicial de violência doméstica para cada 100 mulheres brasileiras.

Um estudo publicado na Revista Panamericana de Salud Pública (Silva, Coelho, & Pires, 2014), aponta que mulheres que sofrem com a violência podem apresentar depressão, abuso de substâncias psicoativas e problemas de saúde como cefaleias, distúrbios gastrintestinais e sofrimento psíquico. Além disso, a violência impacta também na saúde reprodutiva, como no caso de gravidez indesejada, dor pélvica crônica, doença inflamatória pélvica e doenças sexualmente transmissíveis. A violência também pode ocasionar a ocorrência tardia de morbidades como artrite, problemas cardíacos e hipertensão.

A violência pode perpassar gerações, o que chamamos de violência transgeracional. Em outras palavras, as pessoas que sofrem violência, podem vir a praticar atos violentos e/ou de negligência contra os filhos, irmãos ou pessoas que compõem sua rede de relações (Onocko-Campos, 2018).

Segundo dados de um estudo organizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, o Brasil vive um quadro de alto índice de violência contra crianças e adolescentes, com negligência, abandono e violência física. Entre as crianças com até 1 ano de idade, a negligência representa 80% dos casos. Entre as crianças com idade entre 2 e 9 anos a violência física se destaca, sendo a residência o principal local da ocorrência dos casos. No caso dos adolescentes, o principal tipo de violência praticada contra eles é a física, o que representa 47% do total de casos notificados entre adolescentes com idade entre 10 e 19 anos. A residência é o local com maior notificação de ocorrências, 23% dos casos. Quanto aos agressores, as crianças são vítimas na maioria dos casos dos próprios pais (40% dos casos), enquanto os adolescentes de desconhecidos (45% dos casos).

A região Norte de Campinas apresenta percentuais de 18,3% do índice total de vulnerabilidade do município, segundo o plano municipal de assistência social (PMAS 2014/2017) representando alto percentual de vulnerabilidade de sua população, o que indica que podem estar expostos a situações diversas de violência. Das três regiões do município referenciadas pelo Hospital de Clínicas da Unicamp, a região Norte é a que possui menos barreiras de acesso, por isso o desenho do ambulatório concentra-se nessa região, para posteriormente ampliar sua oferta se ele se mostrar efetivo.

Dados do Sistema de Notificação de Campinas (SISNOV) demonstram que dos 1.285 casos de violência notificados até setembro de 2018 no município, 871 casos ocorreram nas regiões referenciadas pelo Hospital das Clínicas da Unicamp, sendo 313 notificados na região norte, 265 na região sul e 293 na região sudoeste. Assim, a região norte apresentou o maior número de notificações de casos de violência até setembro de 2018. Dos casos notificados na região norte, podemos observar que os tipos de agressão mais recorrentes na comunidade até setembro de 2018 foram a violência sexual (42%) seguida da violência física (20%), tentativas de suicídio (18%), negligência (11%), psicológica (5%), financeira e econômica (1%) e abandono (1%).

Considerando o local de ocorrência dos diferentes tipos de violência constatamos que 227 casos (72,51%) notificados na região norte ocorreram em âmbito doméstico. Destes casos, 18,53% aconteceram entre 0 e 9 anos, 27,15% aconteceram entre 10 e 19 anos, 50,15% aconteceram entre 20 e 59 anos e 4,15% aconteceram acima de 60 anos.

O perfil dos tipos de violência que ocorrem em âmbito doméstico e são notificados na região norte se distribui da seguinte maneira: entre 0 e 9 anos predominaram a violência sexual (11,45%) e negligência (7,48%); entre 10 e 19 anos predominaram a violência sexual (14,53%) e as tentativas de suicídio (3,96%); entre 20 e 59 anos predominaram as tentativas de suicídio (15,41%) e a violência física (14,53%); acima de 60 anos predominaram a violência física (2,64%).

Cada ciclo de vida são etapas com características singulares, cujas demandas e especificidades estão sendo levantadas e consideradas para o processo de implementação do ambulatório, possibilitando a ampliação da oferta de cuidado aos diferentes grupos etários da população da região norte de Campinas. Nesse sentido, o ambulatório irá, em conjunto com as Unidades Básicas de Saúde e com os equipamentos da Proteção Social Especial de Alta Complexidade da região Norte da Cidade. de Campinas, ampliar a oferta de acompanhamento grupal psicoterápico de crianças, adolescentes, mulheres, famílias, vítimas de violência provenientes dessa região.

Ainda quando existem diferentes ofertas na rede de atenção às pessoas expostas a situação de violência, a literatura indica a pertinência de não restringir o projeto terapêutico às possibilidades internas dos serviços e incluir atividades fora dos serviços de referência e nos bairros de origem para promover experiências de suporte mútuo (Davis et al., 2013). O serviço de assistência às pessoas expostas à violência proposto sustentará uma rede de suporte regular para os serviços comunitários, com potencial transformador e de melhoria do cuidado em saúde mental oferecido pelos serviços de base comunitária na região Norte de Campinas/SP.

Dessa forma, torna-se indispensável a articulação do ambulatório com a atenção primária à saúde, à qual o projeto prevê a oferta de estratégias de suporte consideradas fundamentais para consolidação do trabalho em rede, como por exemplo, a inserção em fóruns de redes, apoiadores institucionais e matriciais. Nesse sentido, desde a fase de pré-implementação estão sendo articuladas ações que possibilitem a construção e desenho do ambulatório de forma participativa com os trabalhadores e com as pessoas que passaram por situações de violência, tanto das Unidades Básicas de Saúde, quanto dos equipamentos da Proteção Social Especial de Alta Complexidade da região Norte de Campinas.

As atividades de psicoterapia grupal ofertada pelo ambulatório às pessoas expostas diretamente e indiretamente à violência baseiam-se na psicanálise. Haverá atendimentos grupais de acordo com as diferentes faixas etárias da população encaminhada.

Desde o seu surgimento, a psicanálise tem sido um procedimento para a investigação de processos psíquicos, um método de tratamento baseado nessa investigação e uma compilação de conhecimentos psicológicos sobre o humano (Freud, 1923[1922]/1969). Seu uso se justifica no contexto da abordagem e da prevenção à violência na medida em que espaços seguros de escuta podem oferecer à pessoa vítima de violência um lugar, legitimar sua experiência e possibilitar a elaboração da experiência traumática, que, quando narrada e compartilhada, pode ser ressignificada; do contrário, corre-se o risco de invalidar, negar, calar e, por isso, perpetuar a violência que vai sendo vivida, transmitida e naturalizada.

Dispositivos como o atendimento em psicoterapia de orientação psicanalítica, o atendimento familiar e o atendimento em grupo fazem parte de experiências consolidadas em países como França e Israel, em que se observa crescimento da utilização em Saúde Pública de dispositivos terapêuticos baseados na psicanálise nos cuidados com pessoas expostas à violência, como por exemplo, o atendimentos a famílias de refugiados (Moro, 2005) e a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual (Durban, 2017).

No Brasil, ainda enfrentamos um gap de conhecimento no que se refere a estudos mais aprofundados e evidências de que o trabalho com psicanálise e grupos possa vir a ser efetivo no enfrentamento da violência endêmica. Alguns autores (Broide, 2010; Onocko-Campos, 2012; Onocko-Campos, 2018), indicaram a pertinência da clínica psicanalítica para qualificar a intervenção das políticas públicas voltadas para a realidade dos adolescentes em situações de conflito com a lei. A psicanálise torna-se um marco teórico adequado para pensar a violência, suas causas e suas consequências individuais e coletivas, bem como para propor intervenções, prevenção da transmissão transgeracional (Eiguer, 1998; Corrêa, 2000) e dispositivos terapêuticos que operacionalizam as interações entre os níveis coletivo, intersubjetivo e intrapsíquico.

 

Método

O arcabouço teórico-metodológico das pesquisas de implementação se constituiu como um "elo perdido" entre as áreas do planejamento e avaliação em saúde. Acompanhar o processo de implementação significa monitorar os desafios e potencialidades da intervenção desde o início e mensurar os impactos, as mudanças trazidas com a consolidação da proposta. Trata-se de um percurso no qual precisamos considerar constantemente as configurações políticas, culturais e técnicas do contexto real da intervenção.

No contexto de crescimento dos índices de violência e a crescente demanda por estratégias efetivas de prevenção secundária dos efeitos deletérios, implementar um ambulatório que oferte psicoterapia de grupo com base psicanalítica às crianças, adolescentes e adultos expostos à violência exige a elaboração estratégias complexas.

Diante da complexidade dessa tarefa, propomos uma análise multidimensional do processo de implementação do programa, integrando fatores sociais, contextuais e individuais na análise dos resultados obtidos (Macintyre, Maciver, & Sooman, 1993). Sistematizamos a proposta de intervenção em três etapas: "pré-implementação: diagnóstico situacional da rede e desenho do ambulatório"; "implementação: consolidação e monitoramento das mudanças" e "pós-implementação: mensuração do impacto".

Na "pré-implementação: diagnóstico situacional da rede e desenho do ambulatório" grupos focais, oficinas de consenso e o levantamento de dados secundários são as estratégias desenvolvidas para traçarmos o diagnóstico situacional da rede e aprimorar o desenho do ambulatório.

Os grupos focais com crianças, adolescentes e adultos que utilizam as unidades de saúde e serviços de proteção básica da assistência social incluíram os stakeholders e consistem em uma estratégia significativa para garantir o sucesso de uma intervenção (Onocko-Campos, 2011). Facilitar a participação de trabalhadores, gestores e usuários do serviço contribui para delimitar o foco da intervenção de acordo com as necessidades da população e as demandas dos serviços e garantir a sustentabilidade na fase da implementação e pós-implementação (Proctor et al., 2011). Além disso, os trabalhadores são os principais envolvidos na aplicação direta da implementação e fazem a mediação e estabelecem conexão entre as políticas públicas e aqueles que utilizam os serviços nas comunidades locais. Assim, com os grupos focais e oficinas de consenso traçamos o perfil do itinerário terapêutico, os desafios e as potencialidades as demandas e as ofertas existentes.

O levantamento de dados secundários, além de estabelecer um marco zero do processo de implementação, nos permite diagnosticar o funcionamento da rede. Utilizamos como fontes secundárias o banco nacional de dados sociais (IBGE), o Sistema Nacional de Notificação (SISNOV), o Registro das Ações Ambulatoriais de Saúde (RAAS), o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), dentre outros sistemas de informações da gestão local. Assim, delineamos o número de atendimentos às vítimas de violência na Atenção Primária, o perfil dos encaminhamentos da Atenção Primária para os serviços da rede especializada em violência, o número de casos notificados e caracterização do público vítima de violência.

Na fase da implementação são capacitados os cuidadores, monitores, educadores e equipes técnicas. Essa capacitação aborda a temática da violência para aproximá-los dos problemas relacionados à violência e fortalecer repertório para identificação da necessidade de cuidado e encaminhamento.

No Hospital Universitário são implementados os grupos terapêuticos de base psicanalítica, supervisionados e monitorados ao longo do ano. Leichsenring (2005), em uma ampla revisão meta analítica, conclui que a terapia psicanalítica, em um estudo quase experimental, demonstrou maior eficácia do que o não tratamento e do que outros tipos de psicoterapia breve psicodinâmica.

Utilizamos uma bateria de testes para dimensionar o desfecho clínico da intervenção. Os instrumentos foram escolhidos de acordo com "o objetivo da avaliação, idade e escolaridade do respondente e tempo disponível para administração da escala" como sugere a literatura (Gorenstein, Wang, & Hungerbühler, 2016, p. 157). Todos os testes incluídos no programa trata-se de escalas disponíveis em domínio público ou obtidas pela editora Casa do Psicólogo, e são utilizados para avaliação de sintomas clínicos, aspectos da qualidade de vida, dentre outros fatores importantes para a saúde mental da população estudada. Os instrumentos são medidas já utilizadas na versão brasileira, validadas por diferentes autores (Gorenstein et al., 2016; Pinto & Assis, 2013).

A aplicação dessas escalas ocorre no contato inicial com os pacientes dos grupos de psicoterapia. As medidas de intensidade sintomatológica são reaplicadas nos participantes ao final do ano de intervenções. Os resultados dessa bateria de escalas são complementados por entrevistas em profundidade, com base na abordagem metodológica da interpretação hermenêutica qualitativa, para acessar a dimensão individual da experiência dos participantes neste estudo-piloto.

Realizamos participação mensal em reunião de equipe, tanto das unidades básicas de saúde da região de abrangência do projeto quanto dos serviços da assistência social, para discutir os casos das crianças, adolescentes e adultos acompanhados pelo ambulatório. Busca-se com essa atividade qualificar a assistência oferecida pelos serviços da Atenção Primária à Saúde e da Assistência Social por meio de dispositivos de integração de rede (apoio matricial, seguimento conjunto de casos etc.).

Na fase de pós-implementação realizamos uma avaliação quase experimental utilizando o método de série consecutiva para alocação nos grupos para mensurar a efetividade da exposição aos grupos terapêuticos de base psicanalítica. Será realizado uma comparação entre o grupo experimental e o grupo controle. Serão incluídos no estudo como grupo experimental todos os usuários que foram atendidos nos grupos terapêuticos de base psicanalítica que concordarem participar do estudo.

São realizadas análises a partir de estatística descritiva das variáveis selecionadas para o estudo. Por meio desses dados será possível caracterizar a ocorrência do desfecho estudado quanto sua magnitude e distribuição de acordo com as variáveis independentes. Diferenças entre as médias no resultado dos desfechos estudados (sofrimento mental, depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, dentre outros descritos na tabela) serão avaliadas por meio do teste de Chi quadrado será quando se tratar de variáveis categóricas e teste T de Student quando variáveis contínuas. Quando pertinente, serão calculadas as razões de chance com estimativa do intervalo de confiança (IC: 95%) para o desfecho entre o grupo experimental e de controles por meio de regressão logística, ajustada para covariáveis pertinentes. A entrada das variáveis na análise ajustada se dará em um único bloco e adotará como critério de inclusão associação com o desfecho ao nível de p=<0,20 na análise bivariada. Será considerado significativo P-value com valor inferior a 0,05. Buscamos assim contribuir para a construção de evidências consistentes sobre a efetividade do programa, indicando a importância de investimentos futuros.

A avaliação do impacto da implementação no funcionamento da rede se dará por meio da reavaliação dos aspectos analisados na etapa de pré-implementação, ou seja, pretende-se reaplicar a coleta de dados secundários, comparando seus resultados pré e pós implementação em termos de análise de tempos de espera para atendimento, aumento da resolutividade dos serviços comunitários, etc.

Aliado ao processo de implementação do ambulatório, se fazem necessárias ações que promovam uma comunicação organizacional junto às equipes e usuários do serviço em questão. O processo de construção da comunicação organizacional se dará ao longo de todas as etapas do projeto (pré implementação, implementação e pós implementação), e a escolha dos meios de comunicação a serem implantados e a utilização dos suportes disponíveis devem ser observados junto às equipes e usuários de modo a facilitar todo o processo, com o menor índice de ruídos possíveis.

 

Resultados Preliminares e Discussões

A violência tem constituído um grande ônus para as políticas públicas, seja na saúde ou na assistência social. A demanda é crescente e há necessidade de estratégias efetivas para a prevenção secundária de seus efeitos deletérios (em termos de saúde física e mental, tempo de trabalho perdido etc.). Assim, também tem se assistido, quase que de maneira impotente, a repetição do ciclo da violência, geração após geração, criando um círculo vicioso de difícil solução. Se o ambulatório que será implementado se mostrar efetivo no combate a essas mazelas, poderemos oferecer à sociedade brasileira uma tecnologia de assistência psicossocial efetiva, acessível e reproduzível em grande escala para um dos maiores problemas do país na atualidade.

Um primeiro resultado desse processo, foi a constituição de um Comitê Gestor de Pesquisa, em que conseguimos reunir trabalhadores da assistência social e da saúde para discutir e refletir em grupo quais são as demandas do território e como a pesquisa pode contribuir para saná-las. Esses trabalhadores são eleitos representantes dos serviços e participam de reuniões periódicas junto aos pesquisadores. O objetivo desses encontros são discutir e adequar o desenho da pesquisa de acordo com as necessidades locais da população e dos serviços. Nesse sentido, as decisões do Comitê Gestor da Pesquisa são fundamentais para que o processo de implementação seja efetivo e sustentável.

Em constante diálogo com essa rede de serviços que constituíram o Comitê Gestor da Pesquisa, mapeamos as diferentes formas de atendimento já existentes. Esse é um segundo resultado da pesquisa. O Sistema de Notificação de Violências (SISNOV) indica cinco caminhos para ofertar cuidados às pessoas expostas violência. Trata-se do 1) Fluxo do centro de referência e apoio à mulher em situação de violência doméstica de Gênero (CEAMO); 2) Fluxo do Iluminar - Fluxo de atendimento das vítimas de violência sexual; 3) Fluxograma de atendimento e de informação para Tentativas de Suicídio; 4) Protocolo para atendimento de vítimas da violência sexual nos Centros de Saúde; e 5) Programa de atendimento às violências e maus tratos domésticos contra a pessoa idosa. Nesse sentido, podemos observar que as redes existentes tomam como público-alvo de suas intervenções as pessoas que foram expostas diretamente à violência, ou seja, pessoas que de alguma maneira sofreram violência física, sexual, psicológica, ou de outra natureza, e precisa de uma série de cuidados clínicos e psicossociais para superar esse contexto.

Diante do exposto, refletimos com o Comitê Gestor da Pesquisa que o ambulatório pode complementar a rede formal de atendimento às pessoas expostas à violência se o desenho do mesmo visar como público alvo as pessoas expostas indiretamente à violência. Atualmente, esse constitui um gap importante para o qual precisamos ofertar cuidado, em que lugar a mãe de um adolescente assassinado no tráfico pode cuidar desse luto? Em que lugar os familiares de uma criança vítima de violência sexual podem elaborar esse sofrimento? O ambulatório, a partir da discussão com o grupo, constituiu-se como um elemento complementar a uma rede de serviços mapeados já existentes no município e que cobrirá esse gap identificado.

Durante os encontros com o Comitê Gestor da Pesquisa, além do gap identificado nas redes formais de atendimento às pessoas expostas a violência, percebemos a importância de incluir nos grupos focais as crianças e adolescentes. Estes, vistos em um aspecto negativo de não aceitar regras e demonstrar comportamentos questionadores, são muitas vezes excluídos dos processos decisórios. Porém, se o ambulatório visa atender a esse público, porque não os incluir na fase de pré-implementação, momento em que iremos redefinir o desenho do ambulatório baseado nas perspectivas dos diferentes atores que constituem nosso público alvo? Esse questionamento, realizado durante reunião com o Comitê Gestor da Pesquisa, modificou o desenho dos grupos focais de modo que, como resultado, atualmente estamos desenvolvendo grupos focais com crianças e adolescentes, usuários dos serviços de saúde e assistência, além de homens e mulheres adultos, trabalhadores de nível médio e superior, lideranças comunitárias.

 

Considerações Finais

Se a implementação de um ambulatório para pessoas expostas à violência se mostrar efetiva no combate a essas mazelas, poderemos oferecer à sociedade brasileira uma tecnologia de assistência psicossocial efetiva, acessível e reproduzível em grande escala para um dos maiores problemas do país na atualidade. Esse arcabouço teórico-metodológico expressa uma forte dimensão ética e pragmática, pois busca intervir com responsabilidade, compromisso e respeito às necessidades locais e ao mesmo tempo se preocupa em difundir boas práticas em saúde. Concluímos, portanto, que a experiência do presente projeto contribuirá com a expansão e consolidação das pesquisas de implementação dentro da área das políticas públicas no Brasil.

Discutir sobre a importância da prática clínica dos grupos psicanalíticos e o potencial de aplicação no âmbito das políticas públicas. O trabalho com os grupos consiste em uma solução que transpõe sua utilidade técnica de atender muitas pessoas e diminuir o tempo de espera em filas. Investir em um setting terapêutico a partir dos grupos tem uma função clínica: reatar laços subjetivos e simbólicos em um território marcado pela fragmentação dos sentidos e negação de direitos. O que pode um grupo? Capaz de reestruturar e fortalecer as relações familiares e os vínculos dos usuários dos serviços públicos de saúde, assistência e educação com o território onde se vive, a grupoterapia é uma ferramenta afirmativa do potencial do coletivo na construção de sentido e elaboração do sofrimento.

Considerando os objetivos do estudo, esperamos que o ambulatório de atendimento especializado às vítimas de violência pode favorecer os seguintes desfechos:

• Aumento do número de atendimentos de pessoas expostas à violência no distrito norte do Município de Campinas;

• Aumento do número de atividades intersetoriais desenvolvidas entre a rede de Saúde e Assistência social do Município com o Hospital Universitário da Unicamp, propiciando uma experiência eficaz de integração e regulação do cuidado entre os vários níveis de atenção da saúde;

• Aumento do número de casos de violência notificados e consequente redução da subnotificação;

• Desenvolvimento de tecnologia de intervenção psicossocial com evidências de efetividade e adequação à sociedade e cultura brasileira;

• Desenvolvimento de um plano de comunicação intra e extra setorial sobre a temática da violência que contribua para a prevenção e vinculação precoce das vítimas;

• Qualificação da assistência oferecida pelos serviços da Atenção Primária à Saúde e da Assistência Social por meio de dispositivos de integração de rede (apoio matricial, seguimento conjunto de casos, etc.);

• Comprovação de que a psicoterapia psicanalítica grupal pode favorecer a redução dos sintomas relacionados aos transtornos decorrentes da exposição à violência;

• Comprovação de que a psicoterapia psicanalítica grupal pode favorecer o rompimento do ciclo de violência perpetrado entre as gerações e nas comunidades urbanas.

 

Referências

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Alice Andrade Silva: Psicóloga, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (UNICAMP).
E-mail: andrade.alice.silva@gmail.com
Carolina Con Andrades Luiz: Terapeuta Ocupacional, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (UNICAMP).
E-mail: carolcon@gmail.com
Rosana Teresa Onocko-Campos: Professora Adjunta na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
E-mail: rosanaoc@unicamp.br
Erotildes Maria Leal: Professora Adjunto do Departamento de Medicina da Família e Comunidade da Faculdade de Medicina da UFRJ.
E-mail: eroleal@gmail.com
Giovana Pellatti D Lopes: Terapeuta Ocupacional, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (UNICAMP).
E-mail: giovanapellatti@gmail.com
Juliana Américo Dainezi: Psicóloga, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (UNICAMP).
E-mail: julianaadainezi@gmail.com

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