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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.18 no.2 São Paulo maio/ 2021

http://dx.doi.org/10.32467/issn.19982-1492v18nesp.p499-506 

ARTIGO

 

O trabalho com fotolinguagem nos grupos de formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupos

 

Working with photolanguage in training groups of psychotherapists and coordinators of groups

 

Trabajar con fotolenguaje en grupos de formación de psicoterapeutas y coordinadores de grupos

 

 

Rose Pompeu de Toledo

Psicóloga clínica, mestre e atualmente coordenadora de curso do NESME. E-mail: rptoledo@uol.com.br

 

 


RESUMO

A autora abordará o trabalho com fotolinguagem nos grupos de formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupos. Contextualizará a introdução do método da fotolinguagem no Brasil, descreverá brevemente como ocorre uma sessão e utilizará exemplos de situações grupais. Mostrará que o seu uso facilita a participação do sujeito no grupo, favorece as trocas identificatórias e o contato com os processos psíquicos inconscientes experimentados no grupo. Além disso, apresenta aos futuros terapeutas e coordenadores de grupos o dispositivo dos grupos de mediação. Concluirá que a fotolinguagem contribui para a formação dos profissionais e para a possibilidade de reflexão sobre a sua prática.

Palavras-chave: grupos de formação; fotolinguagem; grupos de mediação.


ABSTRACT

The author will adress the work with photolanguage in psychotherapist training groups and group coordinators. It will contextualize the introduction of the photolanguage method in Brazil, briefly describe how a session occurs and will use examples of group situations. It will show that its use facilitates the participation of the persons in the group, favors the identification exchanges and the contact with the unconscious psychic processes experienced in the group. The work with photolanguage also introduces future therapists and group coordinators to the device of mediation groups. It will conclude that photolanguage contributes to the training of professionals and to the possibility of reflection on their practice.

Keywords: formation groups; photolanguage; mediation groups.


RESUMEN

El autor abordará el trabajo con Fotolenguaje en grupos de formación de psicoterapeutas y coordinadores de grupo. Contextualizará la introducción del método del Fotolenguaje en Brasil, describirá brevemente cómo ocurre una sesión y utilizará ejemplos de situaciones grupales. Mostrará que su uso facilita la participación del sujeto en el grupo, favorece los intercambios de identificación y el contacto con los procesos psíquicos inconscientes experimentados en el grupo. También presenta a los futuros terapeutas y coordinadores de grupo al dispositivo de los grupos de mediación. Llegará a la conclusión de que el Fotolenguaje contribuye a la formación de profesionales y a la posibilidad de reflexionar sobre su práctica.

Palabras clave: grupos de formación; Fotolenguaje; grupos de mediación.


 

 

Introdução

Abordarei o trabalho com fotolinguagem nos grupos de formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupos.

Sou professora, coordenadora de grupos operativos e coordenadora de cursos de formação de profissionais que trabalham com grupos em diferentes contextos com referencial psicanalítico, mais especificamente a psicanálise das configurações vinculares.

A maioria desses cursos é oferecida para profissionais que trabalham com grupos em instituições de saúde mental, assistência social e educação.

A proposta desses cursos é baseada em aulas teóricas, supervisão da prática profissional e participação/vivência em um grupo operativo.

Nos cursos do NESME, logo após a apresentação do curso é realizada uma sessão de Fotolinguagem© para a apresentação e acolhimento dos alunos. E para ajudá-los a fazerem uma representação de suas expectativas e visualizarem o grupo como realizador desse propósito; ou seja, para que o grupo comece a construir uma representação em comum.

No meio dos cursos realizamos uma sessão de Fotolinguagem junto com a aula Grupos com objetos mediadores para trabalhar a articulação entre a teoria e a prática desse dispositivo.

No fim dos cursos também é realizada uma sessão de Fotolinguagem para o fechamento do processo.

 

Método da fotolinguagem

Foi criado a partir de 1965 por um grupo de psicólogos e psicossociólogos franceses que trabalhava com adolescentes que encontravam dificuldades de se exprimir e falar em grupo de suas experiências diversas, e frequentemente dolorosas.

Conforme Castanho: "é um recurso para o trabalho grupal que pode ser utilizado por diferentes referenciais teóricos... Seu uso por Claudine Vacheret distingue-se pela leitura e fundamentação psicanalíticas rigorosas". (Castanho, 2018, p.181).

O método foi introduzido no Brasil, por Claudine Vacheret, em 2010 com a formação dos primeiros animadores.

Segundo Vacheret (2015) é utilizado em formação de adultos e em psicoterapia. É indicado para pacientes que demonstram uma falha no funcionamento do pré-consciente, que carecem do pensamento associativo e cuja transferência é marcada pela dinâmica da violência (toxicômanos, alcoólicos, detentos em prisão, adolescentes delinquentes e todas as patologias graves próximas da psicose e dos estados-limite). Da formação dos adultos ao tratamento psíquico, cobrem um amplo espectro de demandas e de públicos.

Na sessão de Fotolinguagem é formulada uma pergunta à qual todos os participantes do grupo responderão com uma foto.

A produção da pergunta é a parte mais complexa e delicada do método. A escolha da questão deve ser preparada com cuidado e criatividade.

Uma especificidade desse método é que o animador participa da escolha das fotos. Segundo Vacheret: "os grupos de Fotolinguagem© se desenvolvem muito prontamente pelo fato de que, quando os animadores se implicam, os participantes têm imediatamente a percepção de que não se trata de uma atividade muito perigosa" (Vacheret, 2008, p.184).

A sessão se desenvolve em dois tempos:

• 1º tempo - escolha das fotos.

• 2º tempo - trocas em grupo: Cada um apresenta sua foto quando desejar, a pessoa fala da foto que escolheu e será ouvida atentamente pelos outros. Então os demais participantes do grupo dizem o que viram de semelhante ou de diferente naquela foto. Essa regra desencadeia o processo associativo grupal.

Uma das características desta fase é que a percepção que o grupo tem do objeto se modifica.

Para Kaës: "o discurso associativo em grupo produz duas cadeias associativas: a de cada sujeito no grupo e a do grupo. Cada uma traz consigo os efeitos do inconsciente". (KAES, 2011, P.137).

Os grupos de mediação e a fotolinguagem

Referindo-se aos grupos de mediação, Kaës afirma que esses dispositivos de trabalho psíquico reúnem um grupo restrito de pessoas cujas relações são mediatizadas por um meio sensorial, por exemplo, o sonoro, ou por objetos culturais como o conto ou a fotografia. "O objetivo perseguido por esses grupos é de ativar ou reanimar certos processos psíquicos não mobilizáveis ou modificáveis de outro modo, ou que o sejam, com esse dispositivo, de modo mais eficaz". (Kaës 2005, p. 47).

A fotografia como objeto mediador

Para Vacheret: "o objeto mediador é um objeto intermediário entre o sujeito e o grupo, entre os membros do grupo e, além disso, ele pode ser representativo do grupo como entidade." (Vacheret, 2015, P. 90-91).

O objeto mediador é um objeto intermediário, não é nem eu nem outro, nem dentro e nem fora e tolera as contradições.

O objeto mediador é um objeto metafórico, gerador de símbolos, como se.

O uso de objetos mediadores nos grupos favorece o trabalho de elaboração psíquica, de ligação e de simbolização.

Vacheret destaca a importância do processo de sinergia, a ligação dinâmica entre o grupo e o objeto mediador:

Os processos psíquicos grupais, de um lado, e os processos psíquicos gerados pela presença concreta e material de um objeto mediador, de outro, constituem o conjunto complexo do qual esse dispositivo é portador e que poderia se chamar de duplo apoio, no grupo e no objeto de mediação. (Vacheret, 2015, P. 86).

 

Experiências

Início de um curso para profissionais de saúde mental de diferentes regiões e diferentes serviços (NESME)

• Questão: O que você espera desse grupo? Diga com uma foto.

A foto mais comentada foi a do estouro de uma boiada com os boiadeiros portando laços e chicotes. Os alunos falavam dos seus sentimentos em relação ao seu trabalho: desrespeitados em sua singularidade, desconsiderados em seus saberes, vivendo em condições que os adoecem, cerceados em sua liberdade e autonomia por gestores autoritários e com uma convivência com os colegas caracterizada pela expressão "cada um por si".

Comentei que a foto me remetia a sentimentos de medo, desesperança e sofrimento.

Alguns lembraram que a situação tinha aspectos positivos, pois estavam tendo a oportunidade de realizar um curso para ajudá-los a trabalhar com grupos.

O grupo de alunos estava vivendo uma situação de grande sofrimento, a sessão de Fotolinguagem© permitiu a mobilização de processos psíquicos e a colocação em palavras de uma situação vivida coletivamente.

Um dos objetivos da primeira sessão de Fotolinguagem© é auxiliar os alunos a fazerem uma representação de suas expectativas e visualizarem o grupo como realizador desse propósito; ou seja, que o grupo comece a construir uma representação em comum. Percebemos fortes motivos para a vinculação entre os alunos: pertencer a um grupo que os respeitem os considerem e os ouçam; que os acolham e que os ajudem diante dos perigos.

Aqui lembramos uma equação proposta por Kaës (1997): Grupo = Mãe = Enquadre. O grupo como a mãe tem a função de enquadre, de continente e também de acolher as fantasias, as imagens, as ideias e as angústias de cada um e de todos no sentido de transformar o sofrimento psíquico em algo simbolizável.

Todo grupo de mediação oferece ao sujeito uma oportunidade de encontrar novos modelos identificatórios através dos personagens colocados em cena permitindo que o sujeito se reaproprie de partes de sua história e de sua grupalidade psíquica interna, muitas vezes sem que isso seja de conhecimento de cada um e do grupo.

Meio do curso

• Questão: O que é compartilhar para você? Responda com uma foto.

Nesse exemplo aparentemente não importa a foto, nem a pergunta, o que importa é o enquadre, são as regras do jogo; é isso que garante a possibilidade dessa experiência.

A foto em questão é de um grupo de pássaros.

Essa é a segunda sessão de fotolinguagem nesse grupo de pessoas e é a segunda vez que Y volta para o grupo sem a sua foto.

Os participantes do grupo falam de suas fotos e quando um deles fala da foto dos pássaros Y diz que também escolheu essa foto. X que apresentou a foto dá a foto para Y falar da foto com ela.

Y se emociona ao pegar a foto e fala da sua emoção: "estava sem a minha foto, de novo, mas a X foi generosa e me entregou a nossa foto. Foi muito especial ver que uma coisa pode ser nossa: não precisa ser só da X ou só minha".

Término do curso

• Questão: Pensando no processo desse curso, o que parece mais importante dessa experiência? Responda com uma foto.

A foto mais comentada foi a de uma menina com o corpo dentro da água e a cabeça para fora com uma expressão contemplativa, aparentemente num mangue.

As associações do grupo de alunos referiram-se ao prazer em respirar, em estar em paz, em poder olhar o mundo com esperança e estar em harmonia com a natureza e consigo mesmos.

Houve referências ao perigo de se afogar, de ficar preso e atolado, mas a possibilidade de viver criativamente prevaleceu.

Nesse método o sujeito que apresenta a foto expõe-se aos outros, mas não fala diretamente de si, fala de si através da foto. Os outros escutam "atentamente" e depois falarão sobre esta foto e então falarão deles, mas também falarão um pouco sobre aquele que apresentou a foto. A palavra de cada membro do grupo que intervêm sobre uma foto contribui para alimentar a cadeia associativa grupal e, nesse exemplo, o grupo vai produzir um imaginário comum, feito das imagens de cada um e do grupo: um grupo que se constituiu e pode trabalhar criativamente. Promoveu aprendizagens e resultados; assim, o grupo pode encarar seu fim e seus componentes puderam projetar outros caminhos e outras tarefas.

 

Concluindo

O trabalho com Fotolinguagem© nos grupos de formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupos é eficaz no sentido de auxiliar a mobilização de processos psíquicos e a colocação em palavras de uma situação vivida coletivamente.

Possibilita que os alunos vivenciem um grupo de mediação e apresenta uma técnica de trabalho grupal que pode ser utilizada em diversos contextos.

Em conjunto com as aulas teóricas, supervisões e vivências em grupos de reflexão, facilita o processo do grupo no sentido de compartilhar experiências e favorece as trocas identificatórias. Permite ao grupo de alunos alcançar seus objetivos, realizar suas tarefas, se representar com um projeto próprio e um papel no contexto da saúde mental.

 

Referências

Castanho, P. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições. São Paulo: Linear B Editora.         [ Links ]

Kaës, R. (1997). O grupo e o sujeito do grupo: elementos para uma teoria psicanalítica do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

_______ (2005). Os espaços psíquicos comuns e partilhados. Transmissão e negatividade. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

_______ (2011) Um singular plural: a psicanálise à prova do grupo. São Paulo: Edições Loyola.         [ Links ]

Vacheret, C. (2008). A Fotolinguagem: um método grupal com perspectiva terapêutica ou formativa. Psicologia: Teoria e Prática, 10(2):180-191        [ Links ]

________ (2015). O grupo, o objeto mediador e o acesso ao pensamento metafórico. In ABUD, C. C. et al. A Subjetividade nos grupos e instituições: constituição, mediação e mudança. Chiado Editora, 2015.

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