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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.18 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.32467/issn.19982-1492v18nesp.p535-543 

ARTIGO

 

Grupanálise de psicóticos frente ao desamparo, e a força do vínculo de preservação

 

Psycho group analysis facing helplesnesss, and the strength of the preservation link

 

Análisis del grupo psico enfrentando la impotencia la fuerza y la fuerza del vinculo de preservacón

 

 

Pedro Roberto de Paula

Psiquiatra, Psicanalista (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo), Grupanalista (Associação Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo) Assistente e Diretor Clínico da Clínica Vivência Psiquiatria Dinâmica - Campinas / SP

 

 


RESUMO

Grupo de psicóticos, defronta com desamparo frente à mudança de setting para cidade vizinha. A característica comum é que todos os componentes são egressos de internação psiquiátrica, onde foram atendidos em grupo terapia pelo respectivo terapeuta. Viveram momentos regredidos, desagregados e desamparados pela doença. No tratamento multidisciplinar hospitalar criou-se forte vínculo terapêutico, que prosseguiu no consultório. Este grupo adquiriu a característica psicodinâmica trazida da experiência institucional. Portanto, no consultório experimentamos um setting dinâmico, além da sala: (parque público, caminhadas, praça de alimentação de shopping, comemorações na sala, pão de queijo, etc.). Assim estamos juntos por mais de quinze anos.

Palavras-chave: Grupo; desamparo; vinculo.


ABSTRACT

Group of psychotics faces helplessness facing the change of setting to neighboring city. The common feature is that all components are discharged from psychiatric hospitalization, where they were treated in group therapy by the respective therapist. They lived moments regressed, disaggregated and helpless by the disease. In hospital multidisciplinary treatment, a strong therapeutic bond was created, which continued in the office. This group acquired the dynamic psycho characteristic brought from institutional experience. Therefore, in the office we experimented with a dynamic setting in addition to the room: (public park, hiking, mall food court, room celebrations, cheese bread, etc.). So we have been together for over fifteen years.

Keywords: Group; helplessness; link.


RESUMEN

Grupo de psicóticos, se enfrenta a la impotencia ante el cambio de escenario a la ciudad vecina. La característica común es que todos los componentes son dados de alta de la hospitalización psiquiátrica, donde fueron tratados en terapia grupal por su terapeuta. Vivieron momentos regresados, desglosados e indefensos por la enfermedad. En el tratamiento hospitalario multidisciplinario, se creó un fuerte vínculo terapéutico, que continuó en la oficina. Este grupo adquirió la característica psicótica dinámica traída de la experiencia institucional. Por lo tanto, en la oficina, experimentamos un entorno dinámico más allá de la sala: (parque público, senderismo, patio de comidas, fiestas, pan de queso, etc.). Así que hemos estado juntos por más de quince anos.

Palabras clave: Grupo; desamparo; vínculo


 

 

Ao tomar conhecimento do XII Congresso Brasileiro de Psicanálise das Configurações Vinculares, X Encontro Paulista de Saúde Mental, com o tema VINCULOS EM TEMPOS DE DESAMPARO, percebi um movimento interno, que posso descrever como um impacto favorável, e significativo no espaço mental. A memória ativada, com movimentos de pensamentos, emoções, cenários antigos e atuais na minha história com grupos; e o desejo compartilhar experiências; impulsionando esta construção de comunicação escrita. Antes se faz importante relembrar em termos conceituais, o significado das palavras-chave pertinentes ao tema do congresso.

 

DEFINIÇÕES

VINCULOS1: conexão, laços, o que tem capacidade de estabelecer uma relação lógica, o que estabelece uma ligação afetiva ou moral entre duas ou mais pessoas.

TEMPOS1: fases, andamentos, pulsações, temporadas. Período sem interrupções, no qual os acontecimentos ocorrem. Sucessão de momentos em que desenrolam os acontecimentos.

DESAMPARO1: abandono, condição de quem está abandonado, desprotegido, na penúria. O desamparo é um sentimento de abandono, acompanhado de uma sensação de vulnerabilidade, solidão, tristeza e medo.

 

HISTÓRICO

Algumas destas descrições trazem dados de memória, com emoções vividas em contextos históricos significativos na minha relação com grupos de pacientes, que ilustram, tornam presentes uma imensidão de vivências; sintetizadas no tema do congresso. Com a descrição de como pratico a PSICOTERAPIA ANALÍTICA DE GRUPO, com pacientes Psicóticos, espero contribuir, como referência, para reflexões, e nutrientes, aos pensamentos dos que também praticam esta nobre arte de estar em grupos terapêuticos

Para compreensão conceitual, considero aqui os termos:- Psicoterapia Analítica de Grupo, Grupoterapia, Grupanálise como sinônimos, para descrever o mesmo fato que é prática de tratamento psiquiátrico através de grupos.

 

OS PRIMEIROS PASSOS

Os primeiros passos, referentes aos sentimentos pertinentes à vínculo e desamparo, no tocante a cuidar de pacientes psiquiátricos, foram vividos durante o internato, em 1977, no ambulatório de psiquiatria da hoje UFTM (Universidade Federal do Triangulo Mineiro), na época FFMTM (Faculdade Federal de Medicina do Triangulo Mineiro), na cidade de Uberaba/MG. Havia uma realidade, de privações: grande número de pacientes, para poucos "profissionais", na condição de cuidar, naquele distante, no tempo, e hoje, saudoso "Ambulatório Maria da Glória" de Especialidades Médicas, do Hospital-Escola, da FFMTM. Em meados do primeiro semestre de 1977, o reconhecimento daquela situação ativou sentimentos variados: limitações, frustração, impotência, compaixão; mas também vitalizou o vínculo, a disposição de solucionar, e impulsionou a integração, a criatividade e sobretudo uma coragem entre membros do departamento de psiquiatria. Foi fundamental e de vital importância o apoio do professor, assistente do departamento de psiquiatria, Adroaldo Modesto Gil, já falecido; ao qual expresso meu sentimento de gratidão, numa homenagem póstuma; por me conduzir, ensinando os primeiros passos, em estar em grupo de pacientes, iniciando assim a minha trajetória, no que viria a ser um longo caminho no território da prática de grupos na assistência psiquiátrica. Este professor, na época, recém chegado de uma experiência em Psiquiatria Social, na Espanha, com formação em Psicanálise, humilde, portador de humanismo, e com forte vínculo, na função de ensino, nos cuidados com os alunos e atento ao desamparo, às privações vividas por aqueles pacientes, nos encorajou à formar "Grupos de Esclarecimento e Apoio", solução esta, que atendeu a demanda reprimida, na atenção terapêutica, aos pacientes do já referido Departamento de Psiquiatria. Nestes grupos de até 10 pessoas, havia uma prática de conversar sobre os sintomas, causas, os cuidados com as medicações, exercícios de mudanças etc; e proporcionava livre expressão dos importantes e variados "casos" individuais que vinham à tona nos grupos. Assim era vivido um exercício estimulante, destacando a importância do encontro, e dos sucessivos reencontros. Na época, o conhecimento teórico sobre grupos era limitado, quase inexistente; mas era muito rico e acolhedor as discussões periódicas, uma espécie de "supervisão" sobre a prática. Sem dúvida, o que nutriu e proporcionou a manutenção dos grupos, por nove meses (tempo do internato em Psiquiatria naquele ano), foi a força do vínculo, a necessidade pessoal daqueles encontros, e o nutriente desenvolvido na discussão clínica.

Vale destacar também o apoio e amparo crescente, que sentia; pois de certa forma também a gente se identificava, muitas vezes, com algumas pessoas, seus sintomas, história de vida, etc., estabelecendo uma trama, tipo cuidar e ser cuidado. O encerramento daquela experiência no final de 1977 foi doloroso, pelas perdas na ruptura, mas, porém, muito gratificante; num momento de satisfação pela conclusão do curso de medicina, mas também de muita incerteza do que viria pela frente no processo de especialização.

 

A CAMINHADA

A escolha do território onde seria o início da base da formação em Psiquiatria configurou um tempo de desamparo, pois era impossível um lugar "perfeito", que não tivesse qualquer "senão". Nesta época a assistência psiquiátrica no Brasil, sobretudo nos hospitais psiquiátricos era muito deficitária. Hospitais enormes, superlotados, com uso do leito psiquiátrico atendendo mais o interesse financeiro do que a real necessidade terapêutica dos pacientes, e familiares. Paralelo a esta triste realidade nas instituições, a macro sociedade vivia as consequências de uma ditadura militar, implantada em primeiro de abril de 1964. Era desamparo, repressão e medo, que de alguma forma se reproduzia nas instituições em geral. Então a escolha de um local para a Residência Médica em Psiquiatria, era nesta época bastante limitada, desanimadora, para quem trazia "na veia" a sensibilidade para questões sociais, e a expectativa de encontrar um terreno que oferecesse esta configuração. Nas três possibilidades que me apresentaram, de exame seletivo para a residência/especialização, duas eram em instituições que praticava uma assistência dinâmica, nos moldes de "Comunidade Terapêutica" \ focada em modelos grupais; e uma outra num hospital tradicional, que de imediato foi descartada. Então a opção foi ficar por aqui no estado de São Paulo, na Cidade de Itapira/SP; "Clínica de Repouso Santa Fé - Comunidade Terapêutica Psiquiátrica" que possibilitava também me sentir mais "protegido", amparado pela proximidade da família, amigos, uma vez que a outra referência estava em Porto Alegre/RS. Contrastando com o que se vivia na sociedade, na comunidade terapêutica era dada ênfase na comunicação livre entre equipe e grupos de pacientes e nas atitudes permissivas que encorajam a expressão de sentimentos implica numa organização social democrática, igualitária e não numa organização social de tipo hierárquico tradicional, como dizia Maxwell Jones.

Nos dois primeiros anos da residência, o chamado R1, R2, foram intensos a prática de grupo, com mais exercício de leitura, supervisão semanal, um intenso "aprendizado ao vivo" num rico cenário de convívio com "loucura", agora mais protegido, amparado pelo início da análise pessoal, sendo "presenteado" com a oportunidade de assumir a coordenação de um Grupo Operativo, no início do R3. Terminado os três anos de Residência, vieram as oportunidades de trabalho, nos quais, sempre que possível, pondo em prática as terapêuticas grupais. A sociedade vivia o desamparo da liberdade de expressão, o medo decorrente do regime ditatorial, de governo autoritário; mas em compensação um fortalecimento nos vínculos familiares, culturais; e demanda reprimida, uma sede pela liberdade de expressão. Neste contexto, proporcionar uma prática de grupos nas instituições de tratamento e nos consultórios, tinha uma boa repercussão, receptividade, favorecendo força vincular, numa proposta democrática de lidar com as dores psíquicas.

 

TERRITÓRIO DA PSIQUIATRIA INSTITUCIONAL

Em janeiro de 1982, acontece mais um fato, agora já pós residência médica. Um desafio que exigiu coragem, despertando um misto de medo, desamparo, mas que imprimiu um exercício de vincularidade, ao assumir a coordenação de uma Equipe Técnica multidisciplinar: psiquiatras, psicólogos, enfermeiras, assistente social, terapeuta ocupacional, e educador físico; com objetivo de implantar uma experiência de tratamento hospitalar, nos moldes de uma "comunidade terapêutica" com pacientes psicóticos de primeira e segunda internação psiquiátrica, numa unidade com 28 leitos, dentro de um hospital psiquiátrico tradicional. Este seria um plano piloto, num manifesto e ideológico desejo de democratização do referido hospital psiquiátrico, que prefiro manter no anonimato.

A prática de grupo terapia com os então pacientes psicóticos em crise aguda ou re-agudizados, foi intensa à partir do início de 1982. Além do aprendizado ao vivo, no contato frequente entre equipe e os grupo de terapia, as leituras, grupos de estudos, a análise pessoal, e grupoterapia analítica juntamente com a formação pela então, hoje extinta, Associação Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo; foram pilares importantes, que marcaram presença, durante o tempo de formação de uma base, na estrutura individual, lapidando um "Eu grupal", que vem prosseguindo ao longo da vida profissional, até o momento. É importante frisar, que os pacientes, nos incontáveis grupos foram e são os grandes mestres, assim como o professores, da formação nas instituições de Psicanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo. Após uma ruptura, por um impasse na relação clínico/administrativa, deixando boas lembranças e gratidão; e o sentimento de gratidão muito presente; me ligo em meados de 1985, ao corpo clínico da Clínica Vivencia, como assistente e fazendo parte da composição societária. Esta Clínica foi fundada em 1982, em Campinas/ SP, sendo pioneira em hospital dia na região. Atualmente mantém em seu complexo assistencial: 22 leitos para tratamento de internação; agregando também na mesma área física; o hospital dia, com até 22 pacientes /dia; e mantendo a continuidade ambulatorial, em outra área física, o assim chamado "espaço terapêutico vivência" com presença média semanal de 60 pacientes. A proposta de tratamento é de uma assistência multidisciplinar, tendo nas organizações grupais sua atenção básica tratamento. Mantendo o modelo de "comunidade terapêutica" com enfoque psicodinâmico. Os grupos com objetivos terapêuticos acontecem diariamente durante a semana, com patologia psíquica neurótica e predominantemente psicótica, em seus vários estágios no tempo de evolução. Com a formação institucional iniciada em 1984 , torna se mais rico o território da prática dos grupos terapêuticos no tratamento tanto hospitalar; quanto no consultório, turbinando um crescente aprendizado ao vivo e ampliando a afinidade por cuidar de pacientes psicóticos.

 

GRUPOS TERPÊUTICOS COM PSICÓTICOS

O modelo de assistência psicodinâmica praticado na Clínica Vivência proporciona várias possibilidades de agrupamentos. Numa prática que agrega terapia ocupacional, grupo terapêutico, grupo operativo, atendimento de grupo de multifamiliar, atividade física, grupo lúdico e o grupo técnico há um intenso exercício do indivíduo no grupo e do grupo no indivíduo.

Como disse no início deste artigo, sobre desamparo, só que agora o focalizo ligado à crise psicótica aguda. Trata se de um momento doloroso, não só para o indivíduo em crise, mas também para seus familiares, amigos, e muitas vezes colegas de trabalho, ou de estudo. A proximidade com o paciente nas várias formas de assistência, descrita acima, e a atenção aos seus familiares, promove sentimentos de acolhimento, solidariedade, proteção e favorece para o resgate do vínculo de confiabilidade. É frequente ser a pessoa do terapeuta um sólida referência organizadora durante o tempo de seu tratamento de internação, hospital dia e ambulatório. Este "grupo de psicóticos" a que me refiro teve sua origem a partir da minha presença na rede assistencial com grupos em várias situações e sobretudo nos grupos terapêuticos. Com uma demanda frequente, e crescente, logo são formados grupos no consultório. Então foi possível compor um grupo com pacientes psicóticos, com diagnóstico de Esquizofrenia, que teve seu início em tratamento em meados de 1994. O grupo a que me refiro neste trabalho está junto há mais de 15 anos, tendo um novo integrante também com diagnóstico de esquizofrenia há pouco mais de dois anos. Ressalto que o setting terapêutico no acompanhamento deste grupo de psicóticos é historicamente dinâmico: sala do consultório, parque público, cantina, praça de alimentação de shopping às vezes em comemorações de fim de ano, com doces e salgadinhos etc.

 

MUDANÇA/DESAMPARO/PRESERVAÇÃO DO VÍNCULO

Em 2015 surge na pessoa do terapeuta uma situação concreta de mudança do consultório, da Cidade de Campinas/SP, onde estava desde 1982, para Valinhos/SP, que embora próximas, trouxe turbulências na logística e no trânsito mental dos indivíduos no grupo e vice versa, proporcionando sentimentos os mais variados: desamparo, morte, abandono, medo o grupo acaba? O terapeuta vai parar? Mesmo sendo trabalhado por mais ou menos uns seis meses, em nossos encontros semanais, a angústia frente a tal mudança persistiu. Sentimentos de perdas, angústias depressivas, ausências, somatizações, necessidade de ajuste medicamentoso, re-agudizações dos sintomas psicóticos, embora atenuados; mas perturbadores. A intensidade e força do vínculo que há tantos anos se faz presente, neste grupo; contém o movimento de aniquilamento. Emerge a proposta para encontros em menor ritmo no novo local, preservando o horário das 09:30, compatível com manutenção do dia do "pão de queijo". Tradicionalmente há anos acontecendo na última sessão de cada mês, o do pão de queijo, que se tornou símbolo de acolhimento neste grupo. Frente à uma solicitação minha, sobre como sentem acerca do dia do "grupo do pão de queijo" recebo por escrito de um dos integrantes, o mais antigo do grupo, uma rica comunicação por escrito, lido e aprovado no grupo, com uma salva de palmas:

- "nosso grupo de terapia é levado pelo senhor, uma vez por mês, ao shopping, para tomarmos café com pão de queijo. No consultório cada um fala de seus problemas, e no shopping, uma vez por mês é o dia de fazermos a terapia da terapia. As pessoas quando têm problemas e saem esquecem-nos. O dia do "pão de queijo" era esse dia. Esse dia nos proporciona mais que um passeio ou recreação, mas uma união forte de estarmos amparados e em companhia, onde não estamos somente nos problemas, mas também nos momentos de lazer e alegria. É como uma continuidade de nossa família."

Então, desde maio de 2015, após mudança do consultório, mantemos as sessões quinzenais, conservando a característica habitual de um setting dinâmico. Concretizamos juntos a superação do desamparo, e o fortalecimento do vínculo.; e há cada dois meses praticamos "o grupo do pão de queijo"

 

REFERENCIAS

Maxwell, J. (1972). A comunicação terapêutica. Rio de Janeiro: Editora Vozes.         [ Links ]

 

 

1 Di-Dicionario in Formal Interprises

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