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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.19 no.1 São Paulo jan./jun. 2022

http://dx.doi.org/issn.19982-1492v19n1a1 

EDITORIAL

https://doi.org/10.32467/issn.19982-1492v19n1a1

 

Vínculos, identidade e grupalidade: perspectivas em tempos de provocações

 

 

Tânia Aldrighi Flake1; Leila Regina da Silva Teixeira2

Endereço para correspondência

 

 

Um passo, seguido de outro, na tentativa de não se perder, olhando para os lados, identificando os laços, propondo no coletivo algo que possa fazer sentido. Um passo, passo a passo, um após o outro, fortalecendo os vínculos, cuidando do possível, se aproximando do vulnerável, visualizando o que ficou caído. Erguer é só para quem pode, mas, o fato de ao menos perceber e validar o combalido, pode fazer surgir possibilidades outras e atuações. Estamos falando da esperança – um brilho, para começar.

Foi nesse caminhar que, nós editoras recém-chegadas, instigadas pela elaboração do editorial, percorremos alguns caminhos e, a pergunta sobre a identidade da Vínculo – Revista do NESME, nos direcionou à história da própria revista e nos deparamos com os 18 anos desde a sua primeira publicação.

Idade emblemática, da maioridade, remete a ideia de desafios, de descobertas, mas junto responsabilidade, compromisso, olhar para si mesmo e para o coletivo.

Fomos buscar em Erikson, a noção de identidade que define ser este um momento de intensa análise e exploração de diferentes formas de olhar para si mesmo e o externo. Erikson observou que desenvolver um senso de identidade é importante neste momento do desenvolvimento, embora a formação e o crescimento da identidade não se limitem apenas à esta etapa (Erikson, 1972; 1998).

E, justamente, um dos fatores fundamentais no ambiente de qualquer ser humano no processo de desenvolvimento e, neste momento específico em que os relacionamentos são indicadores de uma identidade com sustentação, os vínculos se destacam. Estamos falando de vínculos que se constroem desde antes do nascimento e que se vão moldando ao longo da vida. Para entender esta dimensão, precisamos nos apropriar de que vínculo estamos falando e, identificamos consonância com a definição apresentada por Fernandes (2021, pag.29) de que "Vínculo é uma estrutura relacional em que ocorre experiência emocional entre duas ou mais pessoas ou partes da mesma pessoa. Tem espaço ou dimensão intrassubjetiva, intersubjetiva e transobjetiva".

Isto nos remete a pensar na maioridade com uma ênfase nas relações interpessoais, além do grupo familiar e, então não podemos deixar de considerar a perspectiva intersubjetiva. E neste sentido, olhar para o fenômeno psíquico deste prisma, abrem-se novas linhas de compreensão que, inevitavelmente, beneficiam a teoria e a clínica em geral e, particularmente, enriquecem os pressupostos teóricos que sustentam a "Psicanálise Vincular".

Enfim, das analogias aqui apresentadas com o processo da maioridade no desenvolvimento e dos nossos referenciais de base, a inspiração para pensar a maioridade da Vínculo, como um processo completo e da importância do reconhecimento dos legados e das bases estruturais consolidadas pelos antecessores que, estiveram à frente das edições anteriores, propiciando a construção de um percurso para a revista, reconhecida aqui na interseção da tríade: vínculo, identidade e grupalidade.

A Vínculo – Revista do NESME, tão viva quanto a cultura, não é apenas uma Revista. Ela é também pessoas, afetos, sonhos, desejos, atravessamentos. Ela perpassa e é perpassada pelas experiências de cada um e do todo que a compõe e que, das formas mais diversas, a toca. Tocando e sendo tocada, a Vínculo, que tem vivido tantas transformações ao longo de sua existência, se apresenta neste momento em modificações significativas e, uma destas, diz respeito a renovação da equipe de editores da Vínculo.

E, é em meio aos desafios político, social, cultural e ético ao qual estamos atravessando coletivamente no Brasil e no mundo, acreditamos que viemos do brilho da esperança e a ele nos apegamos. Vislumbramos no potencial produtivo que poderemos juntos alcançar e dar sustentação para os desafios da Vínculo que, inspirada na psicanálise vincular, se propõe ser um espaço de compartilhamento, de produção de conhecimento e de criatividade em tempos de tantas provocações.

Todo esse movimento de papeis, ordens e vínculos nos incitam pensar nos elementos internos e subjacentes que norteiam a presente edição: Instituição-Família e suas constituições. Para esse novo passo, esse que também nos permite a sustentação, é com muita alegria que apresentaremos 13 importantes trabalhos de autores dedicados a seus temas, com propostas robustas de reflexões, resultados e questões a respeito de assuntos fundamentais, possibilitando uma troca efetiva.

Passos reflexivos, atuantes, considerando a cultura e suas transformações. Essas são algumas das peças que compõe o artigo que abre a sequência de trabalhos desta edição. A partir do olhar sobre a maternidade, sua constituição e relações com elementos que abrangem a cultura e sociedade, os autores apresentam críticas sobre teorias que tratam deste tema, convocam os leitores a refletir sobre a necessidade de novas construções de saberes e ações mais cuidadosas, abrangentes e saudáveis. Ainda sobre questões a respeito do feminino na posição de mãe, o segundo artigo apresenta diversas dimensões e efeitos danosos sofridos pela mulher-mãe quando discursos rígidos e olhares para uma única perspectiva são mantidos - sobretudo em situações em que histórias e tramas familiares são desconsideradas.

A dinâmica do grupo familiar, na perspectiva da relação parental com os filhos, propicia indagações complexas e, por vezes, difíceis de serem respondidas. Afetos como angústia e medo são comumente vivenciados pelos pais quando estes se deparam com questões que implicam pensar em como seus filhos e familiares serão afetados a partir de alguma intercorrência. Através de dados e questões a respeito destes temas, os quatro próximos artigos apresentam-se com propostas que convocam o leitor a se aproximar de instigantes realidades vivenciadas pelos pais no e com o grupo familiar.

Os cinco próximos artigos desta sequência abordam propostas e cuidado da família inserida em instituições de saúde e assistência social. São trabalhos que propõem um olhar e cuidado da perspectiva do terapeuta e do coordenador de grupo, inseridos nas instituições. Questões fundamentais para a atuação profissional em instituições, os autores apresentam desafios, impasses, criatividade e propõem recursos que possibilitam resoluções possíveis para diversas experiências. Esses são alguns apontamentos importantes apresentados pelos autores, elementares para a atuação profissional em instituições.

Experiência vivenciadas pelo ser humano – seja no âmbito privado ou grupal – nem sempre são de fáceis resoluções ou passíveis de simples elaborações. Os dois últimos artigos retratam considerações acerca de dimensões do sofrimento.

O penúltimo artigo toma como objeto de estudo o luto por suicídio e se propõe a investigar o enlutamento a partir da utilização de uma obra cinematográfica. O trabalho destaca a importância da rede de apoio próxima, como grupo familiar e amigos, para que o enfrentamento da situação de luto seja mais bem cuidado e vivenciado pelos enlutados.

O fechamento desta edição conta com um último trabalho que apresenta considerações importantes a respeito da proximidade entre a clínica do traumático em Ferenczi e a Justiça Restaurativa (JR). A partir das proposições teóricas, os autores advertem que o formato de trabalho desenvolvido pela JR pode proporcionar no sujeito participante, inclusive nos facilitadores, experiências da ordem do sofrimento que poderão requerer suportes éticos e cuidadosos para seu enfrentamento. Desta forma, o artigo propõe a clínica do traumático em Ferenczi como possibilidade de aprimoramento e construções de novos saberes junto a intervenções de JR.

Fechando este número os leitores serão presenteados com a revisão crítica de uma obra, ainda não publicada no Brasil, em que o autor percorre cada um dos textos, com uma leitura crítica, provocativa e reflexiva, despertando, no mínimo, o interesse para conhecer o pensamento e as ideias inovadoras de dois autores, sobre psicanálise, grupos numa perspectiva interpessoal e transpessoal.

Com este conjunto de temas que se entrelaçam, convidamos os leitores a mergulharem nesta Revista que concede a possibilidades de diferentes caminhos: refletir, indagar ou simplesmente deixar-se pensar. Celebremos a maioridade e continuemos na produção de conhecimentos, de práticas transformadoras e no fortalecimento de vínculos.

 

Referências

Aching, M. C. (2017). A experiência de mães refugiadas na clínica winnicottiana da maternidade. (Tese de Doutorado), Psicologia, PUC-Campinas, Campinas, SP        [ Links ]

Erikson, E. (1972). Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar        [ Links ]

Erikson, E. (1998). O Ciclo de Vida Completo. Porto Alegre: Artmed        [ Links ]

Fernandes, W. (2021). Conceitos introdutórios sobre grupalidade e Psicanálise Vincular. In. Santero; Fernandes; Fernandes, W. (orgs). Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: teoria, prática e pesquisa. Londrina: Clínica Psicológica. Acessado em: http://www.uel.br/clinicapsicologica/pages/publicacoes.php         [ Links ]

 

Endereço para correspondência
Tânia Aldrighi Flake
Leila Regina da Silva Teixeira
E-mail: publicações@nesme.com.br

 

 

1 Psicóloga, Dra. Ciências da Saúde, Especialista em Psicoterapia Familiar e de Casal, Membro do NESME, Editora da Vínculo – Revista do NESME.
2 Psicóloga, Psicanalista, Membro do NESME, Coeditora da Vínculo – Revista do NESME.

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