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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.19 no.1 São Paulo Jan./June 2022

http://dx.doi.org/issn.19982-1492v19n1a14 

ARTIGOS

https://doi.org/10.32467/issn.19982-1492v19n1a14

 

Considerações acerca da dimensão traumática no trabalho da Justiça Restaurativa: por um diálogo com Sándor Ferenczi

 

Considerations on the traumatic dimension in the work of Restorative Justice: towards a dialogue with Sándor Ferenczi

 

Consideraciones sobre la dimensión traumática en el trabajo de Justicia Restaurativa: hacia un diálogo con Sándor Ferenczi

 

 

Carla Arantes de Souza1,I; Pablo Castanho2,II; Jorge Broide3,III

IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), São Paulo, SP, Brasil
IIUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil
IIIPontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de trabalho teórico que busca aproximar a clínica do traumático de Ferenczi (psicanálise) das práticas de Justiça Restaurativa (JR). Através da exposição de algumas das proposições ferenczianas acerca da etiologia do trauma e de suas consequências para o psiquismo, pretendeu-se demonstrar que a condução dos círculos, conferências e encontros restaurativos podem levar a que os sujeitos (inclusive os facilitadores) tomem contato com experiências traumáticas que demandarão a construção de algum sentido e uma ética do cuidado que garanta ambiente hospitaleiro, evite retraumatismos e leve em conta a complexidade dos conflitos que se apresentam. Ao final, concluiu-se que o diálogo com a clínica do traumático de Ferenczi pode ser profícuo para aprimorar as metodologias restaurativas, sobretudo ao reclamar uma ética das intervenções de JR, apontar alguns limites e convocar outros saberes.

Palavras-chave: clínica do traumático; Sándor Ferenczi; Justiça Restaurativa; testemunho; Judiciário.


ABSTRACT

On this theoretical paper we seek to bring Ferenczi's clinic of trauma closer to Restorative Justice (JR) practices. Through the exposition of some Ferenczian propositions about the etiology of trauma and its consequences for the psychism, we intend to demonstrate that the conduction of so called circles, conferences and restorative meetings can lead the subjects (including facilitators) to get in touch with traumatic experiences. These experiences are in search for meaning and require an ethic of care. Such ethic aims at ensuring a hospitable environment, avoiding retraumatizations and taking into account the complexity of the conflicts that emerge. We concluded that the dialogue with Ferenczi’s clinic of trauma can be fruitful to improve restorative methodologies (especially with regard to the ethics of JR interventions) point out some limits and summon other knowledges into the debate.

Keywords: trauma clinic; Sándor Ferenczi; Restorative Justice; testimony; Judicial Power.


RESUMEN

En este trabajo teórico, pretendemos acercar la clínica de lo traumático (psicoanálisis) de Ferenczi a la práctica de la Justicia Restaurativa (JR). A través de la exposición de algunas de las proposiciones ferenczianas sobre la etiología del trauma y sus consecuencias para el psiquismo, se pretendió demostrar que la conducción de círculos, conferencias y encuentros restaurativos puede llevar a los sujetos (incluyendo a los facilitadores) a entrar en contacto con experiencias traumáticas que exigirán la construcción de algún significado y una ética del cuidado que garantice un ambiente hospitalario, evite retraumatismos y tenga en cuenta la complejidad de los conflictos que se presentan. Al final, concluimos que el diálogo con la clínica del traumático de Ferenczi puede ser útil para el perfeccionamiento de las metodologías restaurativas, especialmente a la hora de reivindicar una ética de las intervenciones de JR, señalando algunos límites y convocando otros saberes.

Palabras clave: clínica del trauma; Sándor Ferenczi; Justicia Restaurativa; testimonio; Poder Judicial.


 

 

Introdução

A presença da Justiça Restaurativa no Brasil e no mundo é recente, data das décadas de 2000 e 1970, respectivamente. Os primeiros países a adotarem tais práticas - Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália - o fizeram, a princípio, para atender às demandas de populações tradicionais (indígenas e aborígenes) que pleiteavam uma prática de justiça mais alinhada aos seus valores e cosmovisões. Para aqueles, o ato delituoso não era entendido como algo que dizia respeito a danos experimentados por indivíduos, relação que pudesse ser explicada pelo binômio vítima-ofensor. O "mau feito" estaria relacionado a algo da comunidade que estava em desequilíbrio e que, portanto, deveria ser tratado pela própria comunidade. Nos Estados Unidos e na Bélgica, as práticas de JR ganharam impulso no bojo do abolicionismo penal, dos movimentos que pleiteavam a reparação dos danos das vítimas e uma maior participação destas no processo criminal. (Zehr, 2015)

Acreditamos que esta visão demanda o diálogo com outros campos do conhecimento que ofereçam entendimentos e subsidiem práticas intersubjetivas relacionadas ao ato delituoso. Este artigo pretende colaborar com este processo buscando aproximar a clínica do traumático de Ferenczi (psicanálise) das práticas de Justiça Restaurativa (JR).

Com este intuito é importante compreendermos um pouco mais das bases e práticas da Justiça Restaurativa (JR). Na justiça orientada pelo paradigma retributivo-punitivo tem-se como objeto máximo de interesse a aplicação da norma ao fato social (procedimento denominado no linguajar tecnico silogismo jurídico) e a cominação das penas aos infratores, por meio dos debates entre as autoridades jurídicas competentes - promotor de justiça, juiz de direito e advogados das partes. Diferentemente disto, nas práticas de JR a palavra é restituída àqueles afetados direta ou indiretamente pelo delito, o propósito será o de reparar os danos materiais e imateriais experimentados e construir comunitariamente respostas efetivas e sustentáveis que possam evitar reincidências.

No Brasil, as primeiras experiências ocorreram em 2005, quando a secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), fomentou a realização de projetos pilotos em três Estados da Federação: São Paulo, Brasília e Porto Alegre. Desde então, a JR vem galgando cada vez mais relevância no judiciário brasileiro como alternativa ao sistema retributivo-punitivo, cujo principal produto - o encarceramento em massa - demonstrou não ser eficaz na promoção da pacificação social.

Dentre as práticas de JR no nosso país, destacam-se três dispositivos: o círculo de paz, a conferência de grupo familiar e a mediação vítima-ofensor. Tais metodologias possuem algumas variações, que não caberia aprofundamento nesta ocasião, no entanto, todos possuem como pontos comuns o uso do diálogo como principal recurso, o protagonismo das partes afetadas (com a validação das suas percepções), a circulação da palavra em ambiente seguro, a exploração dos múltiplos aspectos do conflito (sobretudo os relacionais), a expressão de sentimentos, a identificação de danos a serem reparados, e a construção participativa de "soluções" que incluam as "visões" e as necessidades de todos.

Mas ao se propor a circulação da palavra entre pessoas ofendidas, ofensores e outros afetados pela ofensa, o que está em jogo? Que recursos temos, na cultura chamada ocidental, para compreender e operar com as intensidades afetivas implicadas neste processo? A aposta neste artigo é de que a psicanálise possa prestar serviço importante neste processo e dentro dela, especialmente, a teoria do trauma de Sandór Ferenczi.

O trauma é recorrentemente referido pelos estudiosos da JR, como Howard Zehr e Elizabeth M. Elliot, sendo que o primeiro traça uma relação direta entre eventos traumáticos e cometimento de malfeitos (denominados crimes pelo Direito Penal):

O trauma é uma experiência central não somente para aqueles que são vitimados, mas também para os que ofendem. Muito da violência pode ser, na verdade, a reedição de um trauma experimentado anteriormente que não teve uma resposta adequada. A sociedade tende a responder com mais trauma na forma do aprisionamento. Ainda que o trauma não deva ser utilizado como justificativa, ele precisa ser compreendido e adequadamente abordado." (Zehr, 2015, p. 44, tradução nossa)4

Podemos imaginar com certa facilidade como o ato delituoso, como furtos, assaltos, agressões etc sejam da ordem do traumático para as pessoas ofendidas. Mais complexo é identificar como a dimensão do trauma pode atingir outras pessoas ligadas a este ato, tais como familiares, amigos, colegas de trabalho etc. Para avançarmos na compreensão da consistência, etiologia e tratamento do traumático, propomos uma incursão na problemática pela psicanálise.

O trauma ocupou papel de destaque nos primeiros escritos de Freud, sobretudo no trabalho desenvolvido em parceria com Breuer com as histéricas5. Naquele momento, Freud sustentava a hipótese de que na origem da histeria residiam traumas sexuais infantis. As histéricas sofreriam de reminiscências de um evento real traumático. A experiência violenta teria nelas se alojado como um objeto estranho e os afetos represados dessa experiência é que se atualizariam incessantemente na forma dos sintomas. Parte importante do tratamento consistiria na revivescência do trauma, através da cartarse6, para a posterior expulsão do objeto intrusivo.

Esta que ficou conhecida como a primeira teoria freudiana do trauma - presente nos denominados escritos pré-psicanalíticos - foi logo abandonada diante da descoberta de Freud de que os relatos de situações traumáticas de suas pacientes histéricas não eram necessariamente reais, mas antes, muitas vezes, constructos da fantasia. Conforme Mészáros, não era mais imprescindível que houvesse uma violência real na origem de um trauma, esse também poderia se configurar a partir de uma fantasia patogênica. A marca da segunda teoria do trauma de Freud, nas palavras da autora, consistiria no fato de que "o efeito traumático da realidade externa foi substituído pelo papel da fantasia no desenvolvimento das experiências traumáticas" (2011, on line).

Sándor Ferenczi (1873-1933), que era conhecido por suas experiências inovadoras em psicanálise e por se propor a tratar pacientes considerados "difíceis", intratáveis pelo paradigma psicanalítico da época, dedicou-se intensamente ao trauma no final de sua vida (de 1927 a 1933). Ferenczi restitui a importância da realidade objetiva na etiologia do trauma, ou seja, a realidade psíquica não seria, para ele, suficiente para compreender as psicopatologias que estudava, ainda que, como veremos, segue tendo papel determinante. Sublinhamos aqui que em Ferenczi os chamados traumas são formações psíquicas originadas de violências vividas nas relações, em determinadas condições. Ainda de modo introdutório, cabe apontar que demandam uma escuta sensível em ambiente hospitaleiro e acolhedor, de forma que o paciente sinta-se seguro e confiante para narrar - e inevitavelmente reviver - o trauma, mas desta vez, obtendo uma resposta de um outro que lhe possibilite integrar a experiência.

A perspectiva ferencziana, em suas relações com a JR interessa-nos, sobretudo, na medida em que a etiologia do trauma é concebida como fenômeno intersubjetivo . Não só sua origem depende da intersubjetividade, mas como será melhor analisado a seguir, o trauma para Ferenczi deveria ser também tratado na intersubjetividade.

Interessante notar que, como observado por Elliot, "a revisão da literatura sobre as vítimas de crimes revela uma notável ausência de discussão sobre o trauma" (2018, p. 244). Mas, como pensar uma prática em Justiça Restaurativa, sem operadores teórico-práticos capazes de endereçar esta categoria?

A clínica do traumático e sua dimensão social em Ferenczi

Tentemos compreender a complexidade do fenômeno traumático, buscando percorrer por que caminhos se constitui e analisar alguns de seus impactos no psiquismo, para ressaltar, simultaneamente, algumas das mais relevantes contribuições de Ferenczi para a teoria moderna do trauma.

O trauma é indizível

De acordo com o Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis (1987/2016), o trauma pode ser entendido como:

Acontecimento da vida do sujeito que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se encontra o sujeito de reagir a ele de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogênicos duradouros que provoca na organização psíquica. Em termos econômicos, o traumatismo caracteriza-se por um afluxo de excitações que é excessivo em relação à tolerância do sujeito e à sua capacidade de dominar e de elaborar psiquicamente estas excitações. (p. 522)

Estamos diante, na situação traumática, de um ato deflagrador de excessiva dor que, apesar das tentativas, não se consegue, a partir das redes de significações disponíveis, inscrever a vivência na ordem do representável, dotá-la de um sentido. Há uma falha de inscrição no aparelho psíquico do sujeito.

Maia elucida o caráter paradoxal do trauma, que pode ser subjetivante ou dessubjetivante, a depender do processo de afetação com o mundo (2005). De acordo com ela, o trauma comporta aspectos positivos - na medida em que convoca a narrativa, podendo provocar desdobramentos de formas, sentidos e significações, e negativos, ao ensejar imensa dificuldade de veiculação do vivido, desafiando memórias e, frequentemente, impossibilitando a narração do ocorrido. (Maia, 2005, p. 94)

Ferenczi descreve o evento traumático como "um choque inesperado, não preparado e esmagador, age por assim dizer como um anestésico (...) Segundo parece, pela suspensão de toda espécie de atividade psíquica, somada à instauração de um estado de passividade desprovido de toda e qualquer resistência" (1934/2011e, p. 129, grifo nosso). Nesta passagem Ferenczi ressalta o apassivamento, pela impossibilidade de reação, do sujeito diante do horror. A transformação de uma postura passiva em ativa, conforme retomaremos a seguir, será condição necessária para o tratamento do trauma.

Seguimos com Ferenczi (1934/2011e, pp. 129-130) que explica, no mesmo texto, que à impossibilidade de reação motora à situação traumática se relaciona, também, a interrupção momentânea das faculdades da percepção e do pensamento, a qual resulta na absoluta ausência de recursos para proteger-se, o que faz com que o sujeito experimente o desamparo típico dos primeiros momentos da vida. Ora, se não é possível registrar os eventos, devido à obstrução da percepção sensorial, os fatos que deram origem ao trauma não ficarão acessíveis à memória, nem ao menos no inconsciente.

Neste sentido, para Maia (2011) a metáfora adequada ao trauma é a de "uma cidade após um grande terremoto" (p. 94), e não a "da cidade de Pompéia, com seus subterrâneos preservados abaixo dos escombros" (p. 94). Nisso reside a quase impossibilidade de narrar o trauma e a afirmação de Seligmann-Silva de que "o testemunho [da experiência traumática] de certo modo só existe sob o signo de seu colapso e de sua impossibilidade" (2008, p. 67)

O testemunho7 de um trauma, muitas vezes, será marcado por um discurso fragmentado, reticente e errante. É premente que quem escuta o relato traumático compreenda esta dinâmica, e possa, então, servir de suporte para as tentativas, muitas vezes frustradas e insuficientes, de reconstituir a cena traumática. Demanda, portanto, "um abrir-se para sua assistematicidade, para suas fraturas e silêncios". (Seligmann-Silva, 2008, p. 78)

O sujeito traumatizado: o sujeito cindido

Ferenczi nos fala de um mecanismo de defesa recorrentemente utilizado diante do trauma, a clivagem, e que tem como propósito último o de proteger o Eu da aniquilação completa:

O homem abandonado pelos deuses escapa à realidade e cria para si um outro mundo, no qual liberto da gravidade terrestre, pode alcançar tudo o que quiser. Se até aqui esteve privado de amor, inclusive martirizado, desprende agora um fragmento de si mesmo que, sob a forma de pessoa dispensadora de cuidados, prestimosa, cheia de solicitude e amor, na maioria das vezes maternal, sente piedade da parte restante e atormentada da pessoa, cuida dela, decide por ela e tudo isso com extrema sabedoria e uma inteligência penetrante. Ela é a própria bondade e inteligência, um anjo da guarda por assim dizer. Esse anjo vê desde fora a criança que sofre, ou que foi morta (portanto, ele se esgueirou para fora da pessoa durante o processo de "fragmentação"), imagina coisas para a criança que nada pode salvar…(Ferenzci, 1934/2011e, p. 134)

Na clivagem, ocorre uma cisão do Eu em duas partes, uma que é inibida, desligando-se da realidade, apesar de "esforçar-se constantemente por manifestar-se" (Ferenczi, 1930/2011, p. 74), e outra, a parte que "sabe tudo mas nada sente" (Ferenczi, 1931/2011c, p.77), que levará em conta a realidade e procurará a ela se adaptar. Este mecanismo resulta em "uma "desorientação psíquica", gerada pela destruição do que mantém a coesão das formações psíquicas em uma entidade". (Osmo; Kupermann, 2012, p. 332) O sujeito perde a confiança em si, nas próprias percepções, e no entorno.

De acordo com Kupermann "a situação traumática indica a necessidade de o sujeito abandonado criar, por meio da clivagem, uma instância autoperceptiva no sentido de substituir, ele próprio, seus cuidadores ausentes." (2019, p. 73)

Haverá consequências na relação com o corpo, pois o anjo, descrito por Ferenczi, dele se destaca, para que possa assistir aos eventos de fora, sem afetação, alheio ao próprio sofrimento e à própria dor. É por isso que o corpo pode ser anestesiado, apassivado. E, talvez, esta seja uma chave importante para compreender o comum relato de vítimas de crimes violentos, que dizem ter tido, inexplicavelmente, postura extremamente colaborativa e obediente para com o agressor. Pensamos que esse possa ser um tema relevante para estudos futuros.

Os três tempos do trauma

Uma nota importante para a análise da proposição ferencziana do trauma: apesar de Ferenczi referir-se frequentemente à violação de uma criança por um adulto, sua teoria se aplica às mais distintas situações traumáticas já que, como assinalado por Kupermann, diante do trauma somos todos crianças em busca de alguém a quem possamos confiar e expressar nossas dores (2019).

O mesmo autor identificou três tempos do acontecimento traumático na obra de Ferenczi. O primeiro tempo, denominado o tempo do indizível, consiste no evento desencadeador do trauma, perpetrado por um adulto, e que resulta na violação da criança; o segundo tempo do trauma, o tempo do testemunho, é caracterizado pela busca de um outro, em quem a criança confia, para o qual possa testemunhar a sua experiência ultrajante e obter o reconhecimento do seu sofrimento. Somente no terceiro tempo, o tempo do desmentido (Verleugnung)8, é que o trauma - ou o trauma patogênico, segundo Maia (2005) - se consolida, "quando se configura o abandono daquele que fora requisitado para autenticar e significar a violação por meio do reconhecimento da dor que se apoderou do ser da criança" (Kupermann, 2019, p. 57-59).

O seu caráter relacional denota que o trauma, enquanto fenômeno complexo, tem múltiplos fatores determinantes e se consolida a posteriori do seu evento desencadeador.

A vivência traumática não comporta sentido em si. Será a partir dos afetos desencadeados pelo transbordamento de excitações que o psiquismo buscará soluções: aquilo que se configura como dor ganhará significação ou não, mediante um desdobramento do psíquico frente ao traumático. Este terá seu desfecho definido em uma complexa rede intersubjetiva a que estarão implicados tanto aspectos intra quanto interpsíquicos. (Maia, 2005, p. 94)

Em outras palavras, apesar de um sujeito ser exposto a uma situação potencialmente traumatizante, se puder encontrar um outro que possa acolhê-lo e ajudá-lo a dar um sentido à experiência, essa situação pode passar a integrar a sua história. A partir disso o vitimado poderá ter um papel ativo para lidar com os efeitos e consequências da situação aviltante.

A presença de um outro que acolha a criança (ou o adulto), tanto antes melhor, pode representar um novo sopro de vida para o sujeito traumatizado e, segundo Gondar e Antonello, capaz de criar um espaço potencial para o que pode vir a ser (2016, p. 19).

Ressalte-se que, conforme Ferenczi, a questão fundamental para a constituição do trauma patogênico será a resposta do meio àquele que demanda reconhecimento do seu sofrimento. O silenciamento, o descrédito, a indiferença, o escárnio são diametralmente opostos às condições de possibilidade de elaboração9.

Testemunhar o trauma pode ser traumatizante?

A clínica do traumático - pensamos que também se aplica à Justiça Restaurativa-, tem, como tarefa fulcral, a oferta de um testemunho para a vivência do insuportável, tendo em vista "a produção de sentido a partir da experiência traumática" (Kupermann, 2019, p. 78). Estamos diante de situações em que ocorreram danos que não se apagarão; há que se fazer disto algo.

Trata-se de tarefa, prestar o testemunho, promover a clínica do traumático -ou, assim o afirmamos, restaurar relações rompidas por um crime-, que exigiria a construção de uma linguagem própria e apropriada, para tornar possível a expressão daquilo que é irrepresentável e indizível, mas, também, inaudível (Kupermann, 2017; 2019). Demandaria, por outro lado, a presença sensível de um semelhante que tolere se defrontar com o absurdo e o intolerável próprios da experiência traumática.

Neste sentido, há os que apontaram para o fato de que testemunhar um trauma desperta em cada um aquilo de mais traumático, não elaborado. Outros, ainda, defendem que o próprio ofício de testemunhar o testemunho é por si traumatizante, ainda que não haja um trauma anteriormente vivido. Para Kupermann "A realidade do relato de sofrimento traumático soa monstruosa e passível de provocar horror nas suas testemunhas, no sentido de convocá-las para uma dimensão da experiência humana muito além do tolerável pelos ideais compartilhados socialmente, que compõem sua visão de mundo necessariamente ordenada e estável." (2017, p. 52)

A questão dos efeitos do trauma em quem testemunha o testemunho, pensamos seja extremamente relevante para a JR e será retomada a seguir.

Testemunho no Judiciário?

A construção de espaços de testemunho no Judiciário e fora dele pode ter o condão de interromper silenciamentos e desmentidos, recolocar os efeitos deletérios de um malfeito no espaço social, na contramão da concepção individualizada dos conflitos, que busca responsabilizar individualmente e seletivamente, mediante critérios que não são sentidos como manifestação de Justiça por aqueles que mais dela necessitam para que possam renascer subjetivamente.

Por certo, compreendemos a JR como fenômeno que extrapola o Judiciário. No entanto, ainda que em sua dimensão comunitária possa residir seu caráter mais inovador, concebemos que a tarefa da JR também é a de transformar o sistema de Justiça instituído e a própria ciência jurídica. A premissa é a de que não se pode prescindir da institucionalidade para a transformação dos modos de se fazer Justiça.

Ademais, o reconhecimento pelo Estado dos danos advindos dos malfeitos, inclusive muitos deles perpetrados por ele próprio, pode ter um efeito psíquico muito relevante para as vítimas de traumas. Isso é o que nos relata Sylvia, assistente social de Ruanda que vivenciou o terror do genocídio dos hutus, em 1994, quando 1.300.000 pessoas foram assassinadas com facões no período de apenas três meses.

No fundo de mim mesma não se trata de perdão ou de esquecimento, mas de reconciliação. O branco que deixou os assassinos agirem, não há nada a lhe perdoar. Quem olhou o vizinho abrir o ventre das moças para matar o bebê diante dos olhos delas, não há nada a perdoar. Não há por que desperdiçar palavras para falar desse assunto com esta gente. Só a justiça pode perdoar... Uma justiça que ofereça um lugar à verdade, para que o medo se esvaia... Um dia, talvez, uma coabitação ou uma ajuda mútua voltem a existir entre as famílias dos que mataram e dos que foram mortos (Sylvie, citada por Hatzfeld, apud Seligmann-Silva, 2008, p. 77-78).

Se conforme Seleigmann-Silva "a justiça e sua capacidade de negociação entre os partidos e entre o passado e o presente ainda pode ter um papel a desempenhar nesta cena…" (2008, p. 77), perguntamo-nos: de que forma seria possível promover o testemunho no âmbito do Judiciário? certamente não daquela que fizeram com K-Zetnik no julgamento de Eichmann!10

K-Zetnik era o pseudônimo do escritor Yehiel Dinoor, ele ficou preso em Auchwitz por quase dois anos e foi uma das 112 pessoas que prestaram depoimento no julgamento de Adolf Eichmann, que ocupava posto de alto escalão no Reich e teve papel de grande relevo na condução da logística do holocausto. K-Zetnik foi perguntado pelo acusador, o que equivaleria ao Promotor de Justiça do nosso sistema, acerca do porquê utilizava esse pseudônimo, ao que o escritor começou a responder dizendo sobre sua experiência no planeta Auchwitz, conforme trecho a seguir:

Esta é uma crônica do planeta Auchwitz. Eu estive lá por mais ou menos dois anos. O tempo lá era diferente do que é aqui na Terra. Cada fração de segundo transcorria em um ciclo de tempo diferente. E os habitantes daquele planeta não tinham nomes. Eles não tinham pais nem filhos. Eles não se vestiam como nos vestimos aqui. Eles não nasciam lá e ninguém dava à luz. Até mesmo sua respiração era regulada por leis de outra natureza. Eles não viviam, nem morriam, de acordo com as leis deste mundo. Seus nomes eram os números "K-Zetnik tal e tal". (Felman, 2011, p. 192)

Enquanto relata sua experiência em Auchwitz e fala dos horrores que testemunhou, do olhar daqueles que iam em direção à morte sem sentido, do seu compromisso para com eles de testemunhar suas experiências, aquele mesmo que o havia perguntado (o acusador) o interrompe dizendo que gostaria de fazer mais algumas perguntas. K-Zetinik tenta prosseguir com seu testemunho, e é uma vez mais interrompido, agora pelo juiz que preside a sessão pedindo que atentasse ao que o acusador teria dito, e imediatamente após, o desmaio de K-Zetinik. Seu corpo se desfaz no chão, ao que se segue o bater do martelo do magistrado encobrindo o barulho das pessoas que se comovem. Felman (2011, p. 193) relata que após este incidente K-Zetinik ficou hospitalizado por duas semanas.

Trata-se de uma cena que pode ilustrar os efeitos iatrogênicos (que agrava o sofrimento psíquico) de se testemunhar em um ambiente não acolhedor, que não reconhece como válida a linguagem imprecisa daquele que busca expressar o trauma.

Segundo Osmo "o próprio conteúdo da fala de K-Zetinik tematiza essa dificuldade de narrar o que aconteceu em Auschwitz, por meio da imagem do "planeta Auchwitz" que busca dar a ideia da grande distância e estranheza que separa a experiência vivida naquela ocasião e aquilo que seria mais próprio de nosso mundo humano" (2018, p. 109) K-Zetinik tentava à sua maneira relatar algo da experiência, do indizível dos quase dois anos em Auchwitz, fazia seu relato enquanto superstis, mas os vestidos de beca demandavam um discurso e linguagem apropriados a um testis.

Testemunho na Justiça Restaurativa?

Os processos restaurativos, segundo se convencionou dizer no meio, contemplariam alguma dimensão de cura dos traumas daqueles atingidos pelo delito (perpetrador, vítima, membros da comunidade e outros) e, nos parece, em certa medida, compartilharem de alguns dos propósitos da clínica do traumático – e, também, diferenciar-se em outros-, pois ainda que por meios diversos, reconhecem a necessidade da reparação psíquica.

Tendo em vista que a JR toma o malfeito, em uma visão holística, como expressão do desequilíbrio da comunidade (todos estão interconectados), a cura se daria indissociavelmente pelo e no vínculo comunitário. De acordo com Howerd Zehr (2019, pp.19-29), no sentido da recomposição da vítima após o trauma, é premente que sua verdade seja escutada e validada por outros. Além disso, é necessário que sinta que possui escolhas reais e que sejam reparados os danos experimentados (materiais e imateriais).

As metodologias de JR, que promovem o encontro entre aqueles que sofreram os danos e seus causadores, podem proporcionar oportunidade ímpar para que os sujeitos traumatizados tenham acesso a respostas que de outra maneira não seria possível, tais como aquelas questões enunciadas por Zehr: "Por que eu? Essa pessoa tinha alguma coisa pessoal contra mim? Ele ou ela vão voltar? O que aconteceu com minha propriedade? O que eu poderia ter feito para não me tornar uma vítima?" (2008, p. 26). Também, ressaltamos, pode ser espaço de escuta sensível para os outros sujeitos que foram atingidos pelo malfeito, bem como para o próprio causador do dano - que na realidade brasileira, na grande maioria das vezes, é vitimado por situações sociais radicalmente adversas, marcadas por violências e vulnerabilidades sociais.

A JR tem como premissa o fato de que as vítimas precisam ter reafirmado por semelhantes que o que lhes aconteceu é errado, injusto, imerecido. trata-se de condição fundamental à reconstrução da confiança em si e na relação com os outros. Sobretudo, é fundamental e urgente a experiência concreta de justiça para o sujeito maculado, o que inclui a tomada de medidas pelos responsáveis para a correção de injustiças e a adoção de políticas que evitem que o mesmo aconteça com outros. A agressão deverá ser compreendida e desarticulada no interior e na sua relação com o sistema que a gerou, o que implicará ir além da dicotomia vítima-ofensor. Há, portanto, que se produzir consequências no espaço público e nos modos como os sujeitos com ele se relacionam. (Endo, 2008)

Do diálogo com a psicanálise, algumas questões se apresentam para a JR que podem ter o condão de contribuir para o aprimoramento de suas metodologias, a ensejar, sobretudo, transformações nas formas de escuta do facilitador, na necessidade de manejos tendo em vista a se manter a hospitalidade e a evitar retraumatismos e nas próprias estratégias de implementação dos programas de JR nos territórios.

Se com a interpolação da violação de direitos e do cometimento de crimes somos todos (sujeitos atendidos e facilitadores) marcados por experiências traumáticas, que demandam algum lugar de expressão e trabalho psíquico: 1) como ouvir o impossível de ser narrado, e o impossível de ser escutado - o inaudível - nas metodologias restaurativas? e 2) em que situações narrar o trauma na JR promove saúde, e em que contextos pode agravar o sofrimento?

As metodologias restaurativas, com sua notável complexidade, podem desencadear em cada um dos participantes, inclusive nos facilitadores, desdobramentos psíquicos que demandarão um sentido. Há uma necessidade ética de zelar para que aqueles que testemunham encontrem no dispositivo espaço acolhedor e sensível; também, que os conteúdos psíquicos mobilizados nas metodologias de JR possam ser trabalhados em outros espaços, próprios e especializados, a seu próprio tempo.

Neste sentido, o trabalho de uma consultoria realizada por um grupo de psicanalistas ligados à Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA)11, junto à 3ª Vara da infância e juventude da cidade de Porto Alegre – RS, a qual coordenava à época o Projeto Justiça para o século 21 e exercia papel fundamental na aplicação da JR no atendimento técnico dos adolescentes em conflito com a lei, apontou alguns achados muito relevantes. (Broide et. al., 2011)

Demonstrou-se naquela oportunidade, em síntese, que o projeto libertário da JR conflitava com o sistema de justiça tradicional, que não possibilita a escuta sensível da vítima, quem diria do acusado; que os facilitadores de práticas restaurativas viam-se diante de casos de extrema complexidade, marcadas por vulnerabilidades, rupturas e violências, sentiam-se pouco preparados para operarem os círculos restaurativos e pressionados diante de exigências institucionais de alta performance. Não possuíam espaços para a elaboração das angústias relacionadas ao desempenho da tarefa e percebiam-se pouco respaldados pela instituição judiciária, que se limitava a prestar auxílio administrativo e operacional à realização do círculo, mas que não se responsabiliza junto com os facilitadores pelo trabalho - não perguntavam aos facilitadores como havia sido desempenhar a tarefa, como explicitou uma das facilitadoras atendidas. (Broide et. al., 2011) Conclui-se que "O desamparo sentido pelo profissional, ao realizar o círculo e não encontrar, na instituição, espaço de fala para elaboração do acontecido, leva a uma situação de impotência, quando facilmente pode ficar identificada ao ator do ato infracional, visto não encontrar ancoragem para sua angústia (Broide et. al., 2011, p. 77).

A ética do cuidado na JR, talvez, resultaria no reconhecimento de que as metodologias também possuem limites, e podem não ser suficientes para que o trabalho psíquico demandado pela experiência traumática se desenrole, o que reclama o comparecimento de saberes multidisciplinares e a atuação em rede com serviços de atendimento especializado.

Há também a problemática da sua relação com o território, ainda de acordo com o estudo precitado, pois observou-se que ele inevitavelmente emergia, com toda sua conflitividade, no dispositivo grupal na transferência entre os membros do grupo, para com os coordenadores e com as demais instituições envolvidas. O que aponta a necessidade de os projetos de JR se dediquem com afinco na tarefa de compreender a complexidade dos territórios onde pretendem operar, pois caso isso não se dê "ocorre o risco de ser uma rolha no mar do conflito de ausência ou enfraquecimento das mais diversas instituições, do Estado e da lei" (Broide et. al., 2011, p. 80).

Por último, mas não menos importante, é fundamental que os facilitadores de práticas restaurativas estejam atentos aos próprios conteúdos psíquicos mobilizados pelas situações traumáticas que se apresentarem nos círculos, conferências ou encontros restaurativos. É importante que este material seja trabalhado na supervisão ou outro dispositivo de cuidado, como os grupos operativos de aprendizagem, utilizados no processo de consultoria-pesquisa da experiência dos pioneiros da implantação da JR em Porto Alegre (Broide et. al., 2011). Afinal, ao se trabalhar com o trauma não se pode sair ileso.

 

Considerações finais

A clínica do traumático nos demonstra que não se pode esperar um discurso linear e coerente na tentativa de relatar uma vivência que tenha originado um trauma. As lacunas, silêncios e fragmentações são comumente os meios disponíveis para se dar a conhecer o que não foi inscrito. Isso é muito importante para aqueles que trabalham com os efeitos do ato delituoso nos âmbitos judicial e extrajudicial, pois o testemunho de um sobrevivente (superstis) se relaciona com a realidade, mas não é seu relato factual direto, ele demanda urgentemente por uma escuta sensível, que não se ocupe exclusivamente pelo interesse em identificar o que é ficção ou realidade. Demandar que o sujeito traumatizado relate sua experiência como testis pode ser nocivo e, em última instância, pode retraumatizá-lo, como a experiência de K-Zetinik nos deu notícias.

Além do mais os processos restaurativos podem levar a que os sujeitos (inclusive os facilitadores) tomem contato com experiências traumáticas que demandarão trabalho de elaboração, de forma que possam a ela atribuir algum sentido. Também, inevitavelmente, convocarão para dentro dos dispositivos restaurativos o complexo de conflitos do território, o que demanda, também, escuta, manejo e estratégias adequadas. O diálogo com a clínica do traumático e a psicanálise pode ser profícua para aprimorar as metodologias restaurativas, como este trabalho pretendeu demonstrar, sobretudo ao reclamar uma ética das intervenções de JR, apontar alguns limites e convocar outros saberes.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Carla Arantes de Souza
Endereço: Rua Pedro Vicente, 625, São Paulo - CEP 01109-110.
E-mail: carlaarantes.ifsp@gmail.com

Pablo Castanho
Endereço: Av. Professor Mello Moraes, 1721 – Bloco F – Sala 10 Cidade Universitária – São Paulo, SP – CEP 05508-030.
E-mail: pablo.castanho@usp.br

Jorge Broide
Endereço: R. Ministro de Godoy, 1270, Perdizes, São Paulo – SP, CEP 05015-00.
E-mail: jorgebro@uol.com.br

Submissão em: 28/10/2021
Aceite em: 10/02/2022

 

 

1 Facilitadora de práticas restaurativas, mediadora de conflitos, doutoranda em Psicologia Clínica pela USP, docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP).
2 Professor Dr. do Instituto de Psicologia da USP, membro do NESME, autor do livro "Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições" (Linear A-barca, 2018).
3 Professor Dr. do curso de Psicologia da PUC/SP, coordenador do Curso de Especialização em Psicanálise nas Situações Sociais Críticas da PUC/SP, autor de diversos livros dentre os quais "A Psicanálise em Situações Sociais Críticas - Metodologia Clínica e Intervenções.
4 "Trauma is a core experience not only of those victimized, but also of many who offend. Much violence may actually be a reenactement of trauma that was experienced earlier but not responded to adequately. Society tends to respond by delivering more trauma in the form of imprisonment. While the realities of trauma must not be used to excuse, they must be understood, and they must be addressed" (ZEHR, 2015, p. 44)
5 Para aprofundar-se neste tópico, ver a obra de Freud e Breuer "Estudos sobre a histeria", publicada pela primeira vez em 1895. (Freud; Breuer, 1895/2016)
6 A catarse consistia em "fazer o paciente viver por uma segunda vez o trauma psíquico em estado de hipnose, mas dessa vez reagindo. Assim, ele poderia se libertar do afeto ligado à representação do trauma que antes estava estrangulado, pondo fim ao efeito da lembrança que não havia sido ad-reagida". (Osmo, 2018, p. 83)
7 Aqui utilizamos testemunho no sentido de superstis, aquele que sobreviveu à situação aviltante testemunha sua experiência e seu sofrimento; esta concepção é distinta da maneira como o Judiciário toma o testemunho no âmbito do processo adversarial, como prova de que algo aconteceu, para atestar algo, que estaria relacionado à ideia de testis.
8 Kupermann (2019) adota "desmentido" como a melhor tradução para o termo Verleugnung - em detrimento de descrédito, rejeição, negação ou recusa -, mas tece importante observação no sentido de que tal fenômeno deve ser entendido nos seus distintos aspectos e efeitos intrapsíquicos e interpsíquicos. Dessa forma, o desmentido consiste em um mecanismo intersubjetivo, ao passo que "a desautorização se refere aos processos intrapsíquicos experimentados tanto pelo adulto que desmente - o que atesta sua impossibilidade de testemunhar a expressão da dor da criança - quanto pela criança, vítima do trauma, que passa a duvidar das suas próprias percepções."(p. 62)
9 Ferenczi aponta que também são inadequadas as seguintes respostas a uma criança traumatizada: a punição; exigir "da criança um grau de heroísmo de que ela ainda não é capaz", e o "silêncio de morte" dos adultos "que torna a criança tão ignorante quanto se lhe pede que seja". (Ferenzci, 2011, p. 127)
10 Nossa leitura do depoimento de K-Zetnik foi construída a partir da gravação disponível do youtube (o julgamento foi filmado e transmitido em sua íntegra) e das análises de Shoshana Felman (2011) e Alan Osmo (2018).
11 O trabalho foi coordenado por três psicanalistas: Emília Estivalet Broide, Jaime Betts e Jorge Broide. Contou ainda com a colaboração, na condição de cronistas: Anamaria Brasil de Miranda, Camila Lângaro Becker, Claudia Muller, Josiane Dias Novelli, Julia Lângaro Becker, Mariana Betts e Viaviane Dias. (BROIDE et. al., 2011)

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