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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.3  Rio de Janeiro Nov. 2004

 

Divulgação Científica

 

Como os bebês aprendem a falar?

 

How babies learn to speak?

 

 

Marcelo Kenji Shigetomi

Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da Saúde, UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

Comentário sobre o artigo: Early language acquisition: cracking the speech code (2004). Patrici. K. Kuhl, Nature Reviews Neuroscience, 5: 831-843. http://www.nature.com/nrn.

 

Embora qualquer bebê consiga começar a falar após 1 ano de vida, a pergunta acima permanece aberta. Crianças têm uma habilidade inata de aprender novas linguagens, porém não se sabe ainda como elas são (ou nós fomos) capazes. Esse padrão de aquisição se repete indistintamente em relação à cultura, etnia e nacionalidade, o que demonstra o alto grau de adaptabilidade deste sistema. Assim, a primeira tarefa para o entendimento da fala é a segmentação da frase ouvida. Entretanto, a complexidade deste processo é enorme logo de início: como separar em lexicons/tokens uma frase ouvida? O som que chega às orelhas tem um formato isento de pausa ou marcadores entre as sílabas, e a voz, assim como demais sons, são formados pelo somatório de varias vibrações de amplitude, freqüência e deslocamentos de fases diferentes.

O bebê, ainda nos primeiros meses, aprende a identificar as unidades fonéticas. Estima-se que no mundo haja 600 consoantes e 200 vogais, mas cada língua utiliza apenas uma combinação de aproximadamente 40 destes fonemas. Desta forma, após a identificação, é necessário aprender as composições entre eles. O próximo passo é localizar, a partir de sinais específicos, onde estão os fonemas. Para tanto, utilizamos métodos estatísticos e prosódicos, o que irá transcorrer em uma janela de tempo de 9 meses bem delimitada, após a qual o individuo torna-se um ouvinte condicionado pela cultura.

Posteriormente, o indivíduo irá descobrir o milagre das palavras. Num diálogo, as pausas presentes na fala não são marcadores funcionais dos limites de cada palavra. Estudos mostram, que crianças aprendem as palavras por inferências. Elas conseguem analisar as probabilidades com que diferentes sílabas ocorrem, uma após a outra (probabilidade de adjacência de transição), pois algumas sílabas apresentam uma maior chance de estar no final de uma palavra. Logo, bebês são capazes de desmembrar uma frase em palavras mesmo antes de entender o seu significado. Pistas da prosódia também ajudam as crianças a identificarem os possíveis candidatos às palavras. Em geral, há ênfase na pronúncia da primeira sílaba, sendo as demais menos intensas, num padrão forte-fraco. Aos 7,5 meses de idade, os bebês conseguem segmentar palavras no padrão forte-fraco, mas não no fraco-forte.

O uso da estratégia de isolamento de palavras de uma frase varia com o tempo. Crianças de 7 meses utilizam pistas estatísticas para tal tarefa, enquanto que as de 8 meses fazem valer das pistas da prosódia para identificar as palavras. Entretanto, fatores sociais também influenciam no aprendizado da linguagem. Assim, apesar do aprendizado computacional indicar que o infante aprende simplesmente pela exposição à informação auditiva, a interação social é essencial para auxiliar no aprendizado mais complexo. Analogamente, a privação do convívio social tem um impacto negativo no desenvolvimento da linguagem, chegando, até mesmo, nos casos mais drásticos, a não aquisição das habilidades lingüísticas normais. Tal fato também pode ser evidenciado em crianças portadoras de autismo, as quais se interessam mais pelos sinais descorrelacionados com a fala.

O olhar do "instrutor" é um ótimo reforçador positivo durante o aprendizado, podendo juntar a atenção visual a um objeto cujo nome está sendo ensinado à criança, o que a auxiliaria na tarefa de segmentar as palavras. Nota-se que a interação social pode facilitar o aprendizado da criança, que irá evitar cálculos desnecessários, pois receberá o feedback de um ser mais experiente sobre o seu progresso. Acredita-se que a pressão seletiva tenha reforçado as conexões entre o cérebro social e o lingüístico.

O estudo da aprendizagem da linguagem em crianças também nos indica o porque da dificuldade dos adultos em aprender uma língua estrangeira. A hipótese do comprometimento neural para linguagem nativa (NLNC) propõe que o aprendizado da linguagem constrói redes neurais dedicadas que codificam os padrões (as regularidades estatísticas e prosódicas) da fala da língua nativa. Esse conhecimento auxiliaria no desenvolvimento de computações de mais altos níveis da linguagem nativa, ao mesmo passo que dificultaria o aprendizado de línguas que não sigam o padrão consolidado. Mensurando a habilidade de discriminar a fala aos seis meses, possibilita prever a habilidade lingüística aos 13, 15 e 24 meses.

Outro resultado interessante atualmente levantado é que crianças que amadurecem mais rapidamente o NLNC conseguem ter um progresso mais rápido na aprendizagem da linguagem. O amadurecimento da NLNC é dado pela estimulação do processo de mapeamento neural via fala ou linguagens de sinais. Assim, crianças bilíngües (que são estimuladas com dois padrões distintos de propriedades estatísticas e prosódicas) teriam um tempo maior antes do fechamento da NLNC, porém aprenderão mais facilmente as duas línguas. No entanto, com tantas variáveis a serem ponderadas, ainda será necessário um grande esforço para entender todo o processo de construção da linguagem, cujos fundamentos contemplam parâmetros perceptuais, computacionais, prosódicos, sociais e neurais.