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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.4  Rio de Janeiro Mar. 2005

 

Artigo Científico

 

O conhecer e o conhecimento: comentários sobre o viver e o tempo

 

To know and the kwowledge: some observations about the living and the time

 

 

Luiz Antônio Botelho AndradeI; e Edson Pereira da SilvaII

IDepartamento de Imunobiologia, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior, FEUFF, UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil;
IILaboratório de Genética Marinha, Departamento de Biologia Marinha, UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


Resumo

Com base nas idéias de Humberto Maturana e Francisco Varela, é mantido que todos os organismos vivos são sistemas cognitivos e, portanto, capazes de conhecer o mundo em que vivem. No entanto, nem todos os organismos são capazes de fazer uma referência à história, utilizando os recursos da linguagem. A esta atividade denominamos conhecimento, ou seja, a produção de enredos explicativos, restrito ao mundo humano. Nesta definição reside a novidade proposta por este artigo, à distinção entre conhecer e conhecimento, pela associação da história à teoria da autopoiese. Segue-se uma discussão sobre a linguagem e sua relevância para produção de qualquer que seja o sistema de conhecimento.

Palavras-chave: Conhecer; conhecimento; linguagem; aprendizagem; ensino; epistemologia.


Abstract

Based on Humberto Maturana's and Francisco Varela's ideas, it is maintained that all living being are cognitive systems and, therefore, are able to know the place where they live. However, not all of them are able of talking about the sequence of events involved in their way of living, which means they are not able to recognize the history. This activity is what is defined as knowledge: the use of the language to make reference to the history of the way of living, which is restricted to mankind. The novelty of this article is the distinction between to know and the knowledge, by means of incorporating history to the autopoiesis theory. This article also discusses the relevance of language to the production of any kind of knowledge system.

Key-words: to know; knowledge; language; learning; teaching; epistemology.


 

 

"Talvez uma das razões pelas quais se tende a evitar tocar as bases de nosso conhecer é que nos dá uma sensação um pouco vertiginosa pela circularidade do que resulta se utilizar o instrumento de análise para analisar o instrumento de análise: é como se pretendêssemos que um olho se visse a si mesmo" (Maturana e Varela, 1995).

 

Introdução

Embora pareça trivial propor uma distinção entre conhecer e conhecimento, gostaríamos de ressaltar que algumas diferenças importantes ficam eclipsadas pela crença de que o que diferencia ambos é somente a morfossintaxe dessas palavras, verbo e substantivo, respectivamente1.

Deste modo, a trajetória intelectual que pretendemos fazer neste artigo se inicia com a pergunta: "o que é o conhecer?". Durante o caminho, explicitaremos os argumentos que nos permitem fazer a distinção entre conhecer e conhecimento.

 

Sobre o Conhecer

Quando nos encontramos com a pergunta sobre o conhecer (ou sobre a cognição) na vida cotidiana fazemos, geralmente, referência à conduta adequada de um organismo em face de um contexto, de um entorno, especificado por uma pergunta e validada por um observador ou por uma comunidade de observadores (Maturana, 2001).

Nessa perspectiva, a questão sobre o conhecer pode ser estabelecida no âmbito das experiências da vida cotidiana. Assim, o que temos que explicar é a experiência - o experienciar - e é prontamente isso que vincula a questão do conhecer à biologia. Essa vinculação tem sido enfatizada, de forma original, por alguns autores (Piaget, 1970, 1976, 2000; Maturana, 1970; Maturana e Varela, 1995); no entanto, para o nosso propósito neste artigo, é suficiente que façamos a seguinte pergunta cognitiva: como o vivo se mantém vivo? Como é evidente, a resposta para essa pergunta está sempre vinculada à biologia, porque qualquer que seja o domínio especificado pelo observador, ele estará sempre fazendo uma referência ao viver e ao seguir vivendo de um ou outro organismo. Morre-se, quando se deixa de saber viver.

Conhecimento, substantivo masculino, que significa, entre outras coisas, ato ou efeito de conhecer; noção, informação; experiência; discernimento; consciência de si mesmo; apropriação do objeto pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação: como definição, como percepção clara, apreensão completa, análise, etc. (Dicionário Aurélio, 1984).

Nesta ótica, podemos ampliar a definição do conhecer para fora do âmbito humano e, assim, aceitar que todos os organismos vivos atuais possuem uma conduta adequada aos contextos em que vivem (estão adaptados) e, portanto, estão em ato contínuo de conhecer o mundo em que vivem, justificando-se, assim, o aforismo "viver é conhecer", anunciado pelos neurobiólogos chilenos, Humberto Maturana e Francisco Varela, com a Biologia do Conhecer (Maturana, 1970; Maturana e Varela, 1995).

É precisamente este "se manter vivo", em acoplamento estrutural com o meio, que estamos conotando como conhecer biológico, ou seja, todo organismo vivo está, momento a momento, em ato contínuo de conhecer. Assim, não devemos surpreender-nos com o conhecer de um pássaro em migração, vencendo distâncias de mais de 5.000 km para fugir do inverno. Tampouco devemos nos surpreender se um outro pássaro mergulha para capturar um peixe abaixo da linha d'água e, mesmo sem saber a lei de difração de Snell, é bem sucedido em seu empreendimento. E o peixe, que conhece o mundo d'água, é interrompido no seu ato contínuo de conhecer o mundo (d'água) e morre. Nesse caso, tanto o pássaro quanto o peixe conhecem o mundo em que vivem e podem morrer quando deixam de estar em ato contínuo de conhecer, isto é, perdem o acoplamento estrutural com o meio, deixam de saber viver.

 

Sobre a Distinção entre o Conhecer e o Conhecimento

Embora possamos afirmar que todos os organismos vivos são sistemas cognitivos e, portanto, capazes de conhecer o mundo em que vivem, não podemos afirmar, no entanto, que todos os organismos vivos são capazes de produzir conhecimento, ou seja, são capazes de fazer uma referência à história, utilizando as recursões da linguagem, como estamos fazendo agora, ao elaborar este texto. Dito isto, já estamos anunciando qual será o nosso argumento para fazermos a distinção entre o conhecer, inerente ao mundo biológico, incluindo o próprio homem, e o conhecimento - produção de enredos explicativos, restrito ao mundo humano.

Pode ser que um de nossos leitores tenha aceitado somente uma parte de nosso argumento e, assim, queira apontar, por exemplo, uma colméia como produto do conhecer biológico das abelhas e, por conseguinte, queira afirmar que a colméia, como produto, é uma forma de conhecimento das abelhas. Aceitamos ser a colméia um produto do conhecer das abelhas, mas gostaríamos de ressaltar que aquilo que é por nós chamado de conhecimento não é simplesmente um produto emanado do vivo, mesmo que esse tenha uma certa complexidade inerente. Aquilo que chamamos de conhecimento é o produto advindo do processo sistemático do conhecer e inclui, além do produto advindo do processo, a capacidade do organismo observar e de fazer referência, de forma recursiva e recorrente, à própria história do processo. Essa capacidade de fazer referência à história, utilizando as recursões da linguagem é particular e constitutiva do mundo humano.

Tendo definido que o conhecimento é tanto um produto do conhecer quanto à capacidade de um observador fazer referência à história do processo de produção, segue-se que a linguagem é uma condição necessária para qualquer que seja o sistema de conhecimento - mito, religião, filosofia, ciência, psicanálise, arte, etc.

Para Maturana, a linguagem, entendida como fenômeno biológico, é uma maneira dos indivíduos fluírem em interações recorrentes por meio das "coordenações de coordenações condutuais consensuais" (Maturana, 1989, 1997). Seguindo essa definição, o autor faz-nos três alertas com relação à linguagem: primeiro, a linguagem não tem lugar no corpo dos participantes, mas sim, no espaço de coordenações recorrentes e consensuais de conduta. Segundo, nenhuma conduta em particular constitui, por si só, um elemento da linguagem, mas é parte dela somente na medida em que pertencer a um fluir recursivo de coordenações consensuais de conduta. Assim, são palavras somente àqueles gestos, sons e posturas corporais participantes do fluir recursivo como elementos das coordenações de coordenações consensuais de conduta que constituem a linguagem. Terceiro, a capacidade do ser humano em fazer referência à história por meio das distinções na linguagem, pelas recursões recorrentes de coordenações de coordenações condutuais consensuais com as quais e pelas quais surgem tanto o observar quanto o observador. Logo, pensar o conhecimento é assumir um referencial de segunda ordem. Para além dos enredos fenomênicos e para além dos enredos explicativos, construir um enredo do enredo - um meta-enredo. Nesse sentido, talvez pudesse ser dito, usando a pescaria como uma metáfora, que o peixe é a rede. É esse movimento de reflexão para conhecer o conhecer, esse se voltar sobre a volta que conotamos como conhecimento e que nos permite recuperar da vertigem referida por Maturana e Varela na epigrafe deste ensaio.

 

Sobre a Inevitabilidade do Aprender

Voltando ao fio condutor que nos levou à distinção entre o conhecer e o conhecimento, podemos afirmar agora a inevitabilidade do aprender no âmbito dos organismos vivos. Dito isso, propomos aos nossos leitores, na condição de observadores, uma reflexão sobre o aprender. Partindo da premissa de que há uma vinculação lógica entre o aprender e o conhecer, aplicaremos para o aprender o mesmo raciocínio que utilizamos para a questão do conhecer.

Destarte, se o conhecer é a conduta adequada de um organismo em face de um contexto, o aprender é o comentário feito por um observador a respeito da mudança de conduta do organismo (que pode ser ele mesmo). Embora o aprender guarde uma certa similaridade com o conhecer, particularmente no que diz respeito à conduta de um organismo em face de um contexto, é possível fazer uma distinção entre um e o outro: no caso do aprender, há de se fazer referência ao intervalo de tempo em que ocorreu a mudança, mesmo se tal intervalo não for explícito no comentário do observador. Seguindo essa linha de raciocínio, o aprendizado é o comentário de um observador sobre o resultado do processo de mudança da conduta de um organismo. Há de se ressaltar que o comentário do observador sobre o que ele conota como aprender (mudança) e aprendizado (resultado da mudança) implicam sempre um referencial comparativo entre a ocorrência de duas condutas distintas em, pelo menos, dois momentos (t1 e t2). Geralmente, a conduta do organismo observada em t2 é valorizada pelo observador, que a concebe como mais adequada ao contexto especificado. O sentido dessa valorização, de adequação ao contexto, não implica valores morais ou éticos, mas, sim, indicadores como rapidez, intensidade, eficácia, eficiência, refinamento e permanência. Se o que é aprendido é conservado pelo organismo, por meio de mecanismos recursivos, o observador pode referenciar a conduta aprendida e conservada como memória.

Se o leitor aceitou que o conhecer - conduta adequada de um organismo em um contexto - pode ser ampliado para toda escala biológica, solicitamos também ao leitor que aceite a possibilidade do aprender - mudança da conduta de um organismo - ser ampliado da mesma forma. Se isso for aceito, segue que o aprender acontece o tempo todo, como uma mudança contínua da conduta do organismo. É precisamente essa ação contínua do mudar de conduta do organismo que estamos afirmando como inevitável, pelo menos enquanto esse organismo estiver realizando a autopoiese, em acoplamento estrutural com o mundo.

Para fazer a distinção entre o conhecer e o aprender, lançamos mão de uma temporalidade, explícita ou implícita, no comentário do observador. Assim, o aprender é o conhecer na seta do tempo. Seguindo esse raciocínio, podemos, então, afirmar que tanto o conhecer (sincrônico) quanto o aprender (diacrônico) são condições necessárias ao seguir vivendo. Ou seja, se "viver é conhecer", seguir vivendo implica aprender, ou, dito de outra forma, vivendo e aprendendo, ou vice-versa.

 

Sobre a Impossibilidade do Ensinar

Antes de tecer nossa argumentação sobre a impossibilidade do ensinar e/ou do instruir no âmbito dos organismos vivos, torna-se importante chamar a atenção do leitor para os fenômenos já apontados - conhecer, aprender e conhecimento. Assim, há de se ressaltar que os referidos fenômenos são comentários do observador sobre condutas, são fenômenos que ocorrem na relação entre o organismo e o seu contexto. O observador não pode confundir o que ocorre internamente no organismo (sua estrutura, sua fisiologia) com o que ele observa na relação - a conduta. Embora possamos fazer referências, na condição de observadores, ao domínio da fisiologia, é um equivoco confundir este primeiro domínio de descrição (fisiologia) com o que acontece no domínio relacional - a conduta (Maturana, 1997, 2001). Assim, é um equívoco apontar moléculas, células ou mesmo o sistema nervoso (domínio da fisiologia) como os responsáveis únicos pelas condutas apontadas por um observador, porquanto, as condutas, só podem ser descritas no domínio relacional a que o observador tem acesso.

Esse equívoco é muito comum entre os autores que buscam os fundamentos do conhecer na aparente linearidade de uma relação causal entre os objetos do mundo exterior e o organismo. Se o conhecer, dentro desse paradigma, é representar o mundo internamente, o aprender é concebido como um processo de ajustamento cada vez maior, ou cada vez melhor, do organismo a um mundo previamente estabelecido. Não é de se estranhar, portanto, que o senso comum e mesmo alguns educadores famosos, apoiados no quadro mental tradicional, concebam o ensinar como ação instrutiva, como uma ação de transmissão de conhecimentos, ou, ainda, como a ação de transferência de informações de emissores para receptores.

Na Filosofia, duas correntes fundamentais - o Empirismo e o Racionalismo - afirmam a existência de um mundo exterior de objetos e de um mundo interior de imagens desses objetos. Para o Empirismo, todos os nossos conhecimentos provêm dos nossos sentidos. O seu lema básico é, ainda, o de Aristóteles: nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos. Para um empirista, se alguma coisa não é objeto de experiência, segue-se automaticamente que ela não é válida. Logo, para o Empirismo: a) o espírito é uma tabula rasa; b) as leis do espírito são a posteriori; c) não há idéias inatas e d) o objeto exterior impõe-se ao sujeito, que não o constitui. Para o Racionalismo, por outro lado, a experiência sensível nos engana. Devemos dela desconfiar e ficar com nossa razão. Vale, para essa corrente, o lema de Aristóteles corrigido por Leibniz: nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos, a não ser o próprio intelecto. Assim, para o racionalismo: a) a fonte de nossos conhecimentos é a razão; b) as leis do pensamento são a priori universais e possuem validade universal; c) existem idéias inatas (por ex., a idéia de Deus) e d) o espírito possui papel ativo na constituição do objeto exterior.

Kant faz uma síntese dessas correntes afirmando que todo conhecimento começa "com" a experiência, mas não vem todo "da" experiência. Assim, o sistema kantiano mantém a idéia da representação e, portanto, defronta-se com as mesmas dificuldades impostas pelo quadro mental tradicional, qual seja: o dualismo da coisa em si e do fenômeno, daquilo que transcende a consciência e daquilo que lhe é imanente.

Embora uma boa parte da filosofia e da ciência contemporânea estejam apoiados em pilares representacionistas, transcreveremos uma passagem na qual o filósofo Merleau-Ponty problematiza a idéia de que a conduta seja especificada pelos estímulos do mundo exterior, isto é, em uma lógica heterônoma. Diz ele:

"O organismo não pode ser adequadamente comparado a um teclado sobre o qual tocariam os estímulos exteriores, e no qual delineariam sua forma própria pela simples razão de que o organismo contribui para constituí-la... As propriedades do objeto e as intenções do sujeito (...) não são apenas entremescladas, mas também constituem um novo todo. Quando o olho e o ouvido seguem um animal que foge, na troca de estímulos e das respostas, é impossível dizer "qual deles começou". Considerando-se que todos os movimentos do organismo são sempre condicionados pelas influências externas, pode-se bem, se se quer, tratar o comportamento como um efeito do meio. Mas, do mesmo modo, como todas as estimulações que o organismo recebe só foram possíveis, por sua vez, através de seus movimentos precedentes que culminaram na exposição do órgão receptor às influências externas, poder-se-ia dizer também que o comportamento é a causa primeira de todas as estimulações. Assim, a forma do estimulador é criada pelo próprio organismo, por sua maneira própria de se oferecer às ações de fora. Sem dúvida, para poder subsistir, ele precisa encontrar ao seu redor um certo número de agentes físicos e químicos. Mas é o próprio organismo - segundo a natureza adequada de seus receptores, segundo os limiares de seus centros nervosos e segundo os movimentos dos órgãos - que escolhe no mundo físico os estímulos aos quais ele será sensível. O meio se destaca no mundo segundo o ser do organismo - estando claro que um organismo não pode existir, salvo se ele conseguir encontrar no mundo um ambiente adequado. Seria um teclado que se move a si mesmo, de maneira a oferecer - e segundo ritmos variáveis - esta ou aquela de suas teclas à ação, em si mesma monótona, de um martelo exterior." (Merleau Ponty, 1975)

Maturana e Varela vão ao encontro desse insight filosófico ao recomendarem a necessidade de fazermos uma contabilidade lógica estrita para caminharmos no fio da navalha que separa o representacionismo do solipsismo. Contra o representacionismo, afirmam: não há informação, ou seja, não existe a seqüência causal que vai do objeto exterior até a representação que dele fazemos. Contra o solipsismo, segundo o qual a única realidade é o eu e suas modificações subjetivas, dizem eles: não há a arbitrariedade da ausência do objeto, onde qualquer coisa parece possível. Logo, aceitar que o sistema nervoso opere com representações das coisas do mundo nos torna cegos à possibilidade de encará-lo como sistema operacionalmente fechado (clausura operacional). Por outro lado, aceitar que o sistema nervoso funcione completamente no vazio não explica a adequação da conduta do organismo ao seu contexto, ao seu mundo.

Atualmente, vários programas de pesquisa estão comprometidos com esse "caminhar no fio da navalha". Muitos deles já apresentam resultados bastante promissores em suas respectivas áreas do conhecimento (vide Varela et al., 2003). No entanto, o nosso principal objetivo, já concluindo, é chamar a atenção do leitor para o fenômeno da linguagem.

A linguagem, como fenômeno biológico, é uma maneira dos indivíduos fluírem em interações recorrentes por meio das coordenações de coordenações condutuais consensuais (Maturana, 1997). Não há, para essa definição, a necessidade de se fazer o uso do que o senso comum e a engenharia chamam de informação. Ou seja, informar ou informação para o senso comum tem o sentido da ação ou do ato de instruir com conhecimento. Para a engenharia da comunicação, por sua vez, informar ou informação tem o sentido de fazer trafegar uma mensagem por meio de dois ou mais sistemas projetados e construídos de tal maneira que sejam isomórficos e complementares - emissor e receptor (Maturana, 1983).

O problema, anunciado por vários autores em diferentes contextos, é o fato de toda linguagem ter um furo, uma impossibilidade (Andrade e Silva, 2003), mas é possível chegar-se a um consenso por meio de suas recursões. Assim, não é possível ensinar, mas é possível aprender (mudanças condutuais no fluxo do viver) o que, no âmbito humano, depende da aceitação do outro como legítimo outro da relação. Diante da estranheza do impossível da comunicação entre sistemas fechados, a autopoiese cria uma explicação da possibilidade da vida cotidiana e do aprender humano.

 

Conclusão

Dessa forma, acreditamos que o ensino não existe, pelo menos da forma como ele é entendido pelo senso comum, como instrução, como transferência de informações, de comunicados. Existe um fechamento operacional do vivo, implicando com isto que o seu operar é sempre auto-referencial e, portanto, hermético às informações (Maturana, 1970). Isso não impede, no entanto, que sejamos estimulados pelo mundo exterior. Os estímulos de fora não podem especificar de forma instrutiva a estrutura interna do organismo como um todo, nem a sua conduta - a relação do organismo com o meio (Maturana, 1970; Maturana e Varela, 1995).

 

Referências Bibliográficas

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Notas

L.A.B. Andrade
Endereço para contato: Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), UFF, Reitoria, Rua Miguel de Frias, Nº 9, Icaraí, Niterói, RJ 24.000-000.
E-mail: labaproex@vm.uff.br.

E.P. da Silva
Endereço para contato: Laboratório de Genética Marinha, Instituto de Biologia, UFF, Outeiro São João Batista, s/Nº, Valonguinho, Niterói, RJ 24.001-970.
E-mail: laba@gar.uff.br.

(1) Conhecer, verbo transitivo direto, do latim cognoscere, que significa, entre outras ações: (a) ter noção de; ser versado em; travar conhecimento com; ter convivência com; ter experiência de; distinguir; apreciar; prever; reconhecer.