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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.4  Rio de Janeiro Mar. 2005

 

Caso Clínico

 

Vertigem: as dificuldades diagnósticas na terceira idade

 

Vertigo: the difficulties of the diagnosis in the third age

 

 

Maurício Aranha

Instituto de Ciência Cognitivas (ICC) - Núcleo de Juiz de Fora/MG

 

 


Resumo

Este estudo teve por objetivo analisar o quadro clínico apresentado por um paciente idoso, portador de transtorno de vertigem que não apresenta sintomas clássicos, a abordagem realizada e o tratamento adotado.

Palavras-chave: vertigem; diagnóstico; tratamento; psicologia; clínica; anamnese.


Abstract

The aim of this study was to analyze the clinical progression presented by a senior patient, suffered of vertigo that presents no classic symptoms, the used approach and the treatment performed.

Keywords: vertigo; diagnosis; treatment; psychology; clinic; anamnesis.


 

 

Descrição do Caso

J.B.M., 74 anos, sexo masculino, moreno, natural do interior de Minas Gerais. Em agosto/02, sentindo-se fatigado já há 4 meses, decidiu procurar atendimento médico na rede pública de saúde. Ao ser abordado sobre o que sentia, ficou evidente que o mesmo apresentava queixas objetivas de discreto desequilíbrio ao deambular. Informou-nos que já havia procurado outros médicos. Com o fim de esclarecer o diagnóstico, foram realizados, até mesmo, exames complementares como RNM, exames bioquímicos e metabólicos, todos com achados fisiológicos. Ocorreu, porém, que os sintomas persistiam, apesar dos fármacos que lhe foram indicados.

Os sintomas evoluíram com quadro de desânimo, ansiedade e instabilidade do humor. Por essa ocasião, foi proposto ao paciente o uso de antidepressivo em associação com ansiolítico (amitriptilina 12,5 mg/dia + clordiazepóxido 5 mg/dia), no entanto o paciente apresentou reação adversa, cursando com taquirritmia e retenção urinária (efeitos que podiam ter sido produzidos pela amitriptilina). Foi proposta a troca do fármaco pela fluoxetina 20 mg/dia fazendo uso por 3 meses, sem remissão dos sintomas.

Em janeiro/03, o paciente passou a referir piora significativa do quadro de desequilíbrio ocasionado por intenso desequilíbrio, instabilidade ao deambular, com dificuldade até mesmo para se levantar, dificuldade de conduzir-se em linha reta e episódios de queda. Na última vez em que sofreu queda ao solo, foi levado ao pronto socorro municipal onde foi proposto o tratamento com flunarizina à dose de 25 mg/dia, sendo-lhe informado que estava sofrendo de labirintite. Por esta época, queixava-se ainda de sensação de estar com a cabeça vazia e balançando ao andar, insegurança ao erguer-se de onde estava sentado ou deitado, anorexia, sentimento de menos valia e opressão precordial, bem como zumbido no ouvido, o qual aumentava à noite.

De janeiro/03 a junho/03, J.B.M. não mais conseguiu manter suas atividades cotidianas e laborativas, permanecendo a maior parte do tempo em domicílio. Este fato contribuía para uma baixa estima, uma vez que sempre foi ativo, dirigindo seu comércio, mesmo após se aposentar.

Em setembro/03, J.B.M. veio à procura de atendimento, tendo em vista o insucesso dos tratamentos até então tentados durante o período acima. Nesta ocasião, relatava a inalteração de seu estado em relação ao quadro em janeiro/03. Foram solicitados exames clínicos e complementares para melhor elucidação diagnóstica, obtendo-se os seguintes resultados: exame clínico, cárdio-respiratório, osteomioarticular, níveis pressóricos e temperatura axilar, todos normais; exame neurológico evidenciando discreta alteração da marcha e nistagmo de posicionamento à manobra de Hallpike - positiva.

O paciente se queixava de dores no ombro direito com presença de hematoma produzido por sua mais recente queda ao solo, escoriações nos membros superiores, face direita e região periorbital direita. Motivo pelo qual foi solicitado uma Tomografia Computadorizada (TC) de crânio, além de exames bioquímicos e metabólicos, todos sem achados patológicos.

J.B.M. foi medicado com diclofenaco de sódio 50 mg/dia (AINH), enquanto procedia aos exames complementares, com retorno marcado para 1 semana. Neste período, ligou informando piora dos sintomas, com exacerbação do desequilíbrio, sendo orientado a suspender imediatamente o AINH e passar a fazer uso de betaistina 32 mg/dia e dimenidrinato 75 mg/dia, até completar a realização dos exames, quando deveria retornar para consulta.

No retorno, o paciente apresentava o seguinte relato: sensação de estar com a cabeça vazia e balançando ao andar, com pouca melhora; melhora significativa ao erguer-se de onde estava sentado ou deitado; melhora do apetite; sentimento de menos valia e opressão precordial mantidos; zumbido no ouvido que exacerbava à noite persistia; queixou-se, ainda, de piora da fadiga e epigastralgia ao uso da betaistina.

Decidiu-se, face o relatado, por suspender a betaistina e proceder alguns exames laboratoriais, sendo-lhe solicitado a realização de: curva glicêmica, audiometria e otoneurológicos. Somente neste último foi encontrada alteração do tipo irritativo vestibular periférico moderado. A partir deste momento, o paciente foi orientado para a realização de exercícios de reabilitação do equilíbrio corporal, sendo-lhe prescrito ginkgo biloba 240 mg/dia e marcado retorno para 30 dias.

O paciente ao retornar relatou que estava usando regularmente o medicamento, mas por falta de recursos não procedeu ao exercício de reabilitação recomendado. Apresentou o seguinte quadro evolutivo: sensação de estar com a cabeça vazia e balançando ao andar com pouca melhora; assintomatologia ao erguer-se de onde estava sentado ou deitado; melhora do apetite; sentimento de menos valia e opressão precordial mantidos; zumbido no ouvido que exacerbava à noite, com melhora discreta; fadiga persistente e epigastralgia ausente. Ao exame observou-se: instabilidade significativa ao deambular. Foi mantido o ginkgo biloba na dose prescrita e acrescentado clonazepam 0,5 mg/dia, com retorno marcado para daí a uma semana.

Após o último contato, o paciente evoluiu com melhora da instabilidade ao deambular, melhora da qualidade do sono, da sensação de angústia e precordialgia ausente, remissão da fadiga. J.B.M., então, orientado a aumentar em 0,25 mg/dia o clonazepam em tomada fracionada e retornar em trinta dias.

Ao retornar, o paciente se apresentou clinicamente estável, sem queixas ou intercorrências, com melhoria dos ruídos, estabilidade do humor, retomada das atividades laborativas e cotidianas. A medicação foi mantida por mais três meses, com redução do ginkgo biloba para dose de 160 mg/dia com diminuição gradual de 80 mg a cada mês. Igual procedimento foi feito em relação ao clonazepam, na proporção de 0,25 mg a cada mês. Após, manteve-se assintomático nos seis meses que se seguiram, levando à alta médica.

 

Discussão

O paciente manifestava quadro clínico compatível com transtorno do equilíbrio, porém somava-se a este um quadro de ansiedade e uma alteração vestibular senil que contribuíam para a piora dos sintomas. Na evolução, o paciente teve a persistência do quadro que levou a pensar na possibilidade de uma vertigem posicional paroxística benigna devido às inúmeras quedas ao solo que poderiam contribuir para uma patologia de origem traumática.

Há de se notar que, algumas vezes, as queixas de pacientes senis não se manifestam tão linearmente em relação aos achados clássicos, assim sendo, é possível encontrar relatos de instabilidade, desequilíbrio e sintomas de astenia, contrariando os sintomas vertiginosos mais comumente relatados.

O tratamento sofreu um agravamento com as manifestações epigástricas produzidas pelo AINH, o que num primeiro momento contribui negativamente com a estima do paciente, o qual já vinha comprometida e que por já vir buscando tratamento inúmeros, sem resolutividade, serviu para aumentar sua angústia e frustrar suas perspectivas de cura.

Os medicamentos vasoativos empregados proporcionaram uma melhora relativa, mas não o que se esperava, deste modo, foi fator decisivo a associação ao clonazepam, uma vez que o paciente foi beneficiado por seus efeitos sedativo vestibular e ansiolítico em baixas doses, favorecendo a evolução da resposta clínica. Tudo isso faz-nos crer que ao considerar o diagnóstico e tratamento do idoso, deve-se levar em conta uma história da doença atual e pregressa pormenorizada, verificar as possíveis causas centrais, iniciar um tratamento o mais breve possível, realizar consultas em menor prazo de tempo para que se possa detectar as intercorrências e atuar de forma mais eficaz facilitando a adesão do paciente ao tratamento, possibilitando a pronta intervenção médica e oferecendo segurança emocional ao paciente que passa a sentir segurança em seu tratamento, o que reflete na relação médico-paciente favorecendo o tratamento.

 

 

Notas

M. Aranha
E-mail para contato: mauricioaranha@uol.com.br.