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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro nov. 2005

 

Artigo Científico

 

A educação formal e as metáforas do conhecimento: a busca de transformações nas concepções e práticas pedagógicas

 

Formal education and metaphors for knowledge: searching for changes in pedagogical concepts and practices

 

 

Ricardo Luiz Teixeira de Almeida

Universidade Federal Fluminense (UFF), Programa de Pós-Graduação em Letras, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo parte do pressuposto de que nossas práticas sociais e institucionais são informadas por nossas crenças e que estas, por sua vez, devem uma boa parte de sua composição às metáforas que nos ajudam a compreender diversos conceitos. Portanto, é de se supor que a metáfora utilizada pelo professor para dar conta da natureza do conhecimento seja de fundamental importância para o aparecimento e a valorização desta ou daquela prática educativa. Partindo desta hipótese, reconhecemos a existência de três metáforas de conhecimento que hoje disputam espaço nas concepções de professores e outros profissionais da educação. São elas: (1) o conhecimento transmitido, (2) o conhecimento construído e (3) o conhecimento tecido em rede(s). Assim, o objetivo deste trabalho é discutir que implicações resultariam da adoção de cada uma dessas metáforas nas práticas de sala de aula, bem como traçar um panorama histórico das crenças e valores de professores e educadores. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 06: 12-25.

Palavras-chave: conhecimento; metáfora; educação.


ABSTRACT

This article assumes that our social and institutional practices are informed by our beliefs and that these, on their turn, owe a good deal of their composition to the metaphors which help us understand a lot of different concepts. So, we may suppose that the metaphor used by teachers to conceptualize the nature of knowledge will be very important in the creation and appreciation of different educational practices. From this hypothesis, we recognize the existence of three metaphors for competing knowledge for hegemony in the thoughts of teachers and other educational professionals nowadays. They are (1) knowledge is transmitted, (2) knowledge is built and (3) knowledge is interlaced in web(s). So, the goal of this paper is to discuss which implications would come from the adoption of each one of these metaphors in classroom practices, as well as trying to describe the historical changes in the beliefs and values of teachers and educators. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 06: 12-25.

Keywords: knowledge; metaphor; education.


 

 

 

Introdução

Acreditamos ser correto afirmar que nossas práticas sociais e institucionais são informadas por nossos valores e crenças. Estas, por sua vez, parecem se apoiar (e se revelar) em boa medida nas metáforas que utilizamos para compreender diversos conceitos (Lakoff e Johnson, 2002). Assim, é de se supor que a metáfora utilizada pelo professor para dar conta da natureza do conhecimento seja de grande importância no surgimento, valorização, manutenção ou transformação desta ou daquela prática educativa. Portanto, o objetivo deste trabalho é investigar as metáforas sobre o conhecimento que aparecem no discurso de um determinado grupo de professores e alunos de licenciatura, buscando discutir as concepções de ensino-aprendizagem que subjazem a essas escolhas discursivas, bem como que práticas pedagógicas tais crenças favoreceriam.

Para tanto, buscamos analisar as respostas desse grupo a um questionário composto por uma pergunta de múltipla escolha sobre o conhecimento, seguida de questões de resposta construída sobre linguagem, significado e conhecimento. Decidimos perguntar também sobre linguagem, pois, como procuraremos demonstrar ao longo do trabalho, linguagem e conhecimento parecem estar indissociavelmente ligados na cultura em geral e na prática de sala de aula em particular. Interessou-nos mais o léxico escolhido para a formulação das respostas que as afirmações em si, visto que para se ter acesso a essas crenças pareceu-nos mais produtivo analisar os aspectos do discurso que não foram monitorados pelo desejo de responder corretamente.

Contudo, antes de analisarmos as crenças que subjazem aos discursos de professores e licenciandos, precisamos estabelecer com maior clareza nossos pressupostos teóricos. Assim, começaremos por discutir a noção de metáforas conceituais, proposta por Lakoff e Johnson (2002), e seu impacto nos estudos da linguagem e da cognição, passando, então, para as relações entre metáfora e cultura. Finalizando esse primeiro momento do trabalho, discutiremos o fenômeno das metáforas novas e até que ponto seu uso intencional teria poder para reestruturar experiências sociais e institucionais.

Estabelecido o enquadre teórico mencionado acima, passaremos à questão específica das metáforas do conhecimento e da linguagem presentes nos discursos de diversas tradições pedagógicas. Tais discursos encontram-se em disputa e interação nas práticas de sala de aula neste início de século. Pois, se é verdade que a atual formação universitária dos professores já busca levar a uma visão mais sócio-interacional de conhecimento e significado, também o é que a força da tradição, manifestada no próprio uso da linguagem, encarrega-se de manter viva uma concepção do aprendiz como receptor passivo de conhecimentos prontos e acabados. Assim, mais do que uma luta aberta entre partidários de diferentes concepções pedagógicas, o que parece ocorrer é que a compreensão consciente dos fenômenos ligados ao conhecimento e à aprendizagem é, por assim dizer, sabotada por crenças arraigadas que vêm das práticas que experimentamos quando alunos e que se revelam nas metáforas que usamos sem nos dar conta para falar de conhecimento e linguagem.

Tais escolhas discursivas serão objeto de análise após a explicitação do contexto, metodologia e sujeitos da pesquisa, conforme mencionado acima. Para compreender, contudo, o alcance de tal análise, é preciso entender que muitas vezes o modo de se falar sobre alguma coisa pode conter marcas lingüísticas de uma metáfora conceitual, sendo esta capaz de estruturar nosso pensamento sobre determinado assunto. É sobre essa concepção de metáfora, que vai muito além das visões aristotélicas de ornamento na poética e de persuasão na retórica, que nos debruçaremos agora.

 

Metáfora: de ornamento lingüístico a operação cognitiva

Da Antigüidade Clássica até meados do século XX, a metáfora era vista exclusivamente como uma figura de linguagem que servia ao embelezamento de textos e discursos. De acordo com essa visão, que tem suas raízes no pensamento aristotélico, ela teria as funções de auxiliar na persuasão, quando analisada sob a ótica da retórica, e de criar efeitos estéticos agradáveis, quando observada a partir da perspectiva da poética. De qualquer forma, ela sempre se apresentava como linguagem figurada, associada à imaginação e em oposição ao que seria a linguagem das verdades científicas e filosóficas: a literal.

Assim, considerava-se indesejável o uso de metáforas nos discursos científico e filosófico, já que apenas a linguagem literal seria adequada à sua busca por verdades objetivas. Essa tradição objetivista e racionalista do chamado mundo ocidental considerava a linguagem como mera representação da realidade, não admitindo, como hoje o fazemos, que boa parte dessa realidade é construída social e discursivamente (Fairclough, 2001). Portanto, se a meta era descobrir e descrever precisamente o mundo e suas verdades objetivas, a linguagem figurada, incluindo-se aí a metáfora, deveria ser evitada a todo custo, sob pena de se chegar a resultados falsos, induzidos por suas características imaginativas e sua ligação com a subjetividade.

Contudo, a partir da segunda metade do século XX, e mais incisivamente a partir da década de 1970, os pressupostos científico-filosóficos do objetivismo começam a ser questionados. Há uma ruptura com a idéia de que as realidades objetivas possam ser acessadas sem a mediação da linguagem e do sujeito sócio-historicamente situado que a investiga. Mais do que isso, começa-se a perceber a realidade como um construto social, que se apóia em larga medida nos discursos que sobre ela são proferidos e legitimados por esta ou aquela comunidade.

Assim, se a linguagem não mais meramente representa a realidade, mas também a constrói, parece-nos bastante lógico que a oposição entre linguagem literal e metafórica comece a perder força. Isto se dá porque agora não se considera mais que exista uma linguagem objetiva, capaz de representar fielmente a realidade. Nem a linguagem figurada é vista mais como mero ornamento, já que as imagens evocadas por ela fazem parte dos conceitos verbalizados. Em outras palavras, se uma metáfora apresenta um determinado domínio em termos de outro, não temos aí uma mera comparação, mas sim a criação de uma maneira de compreender o primeiro, que transfere para ele características do segundo, as quais passam a ser elementos constitutivos de nossa visão sobre aquele assunto.

É essa visão da metáfora, como cognitivamente relevante e não mais como mero ornamento lingüístico, que será defendida por Lakoff e Johnson em 1980. Antes deles, porém, outros pavimentaram o caminho, questionando o valor periférico e mesmo pejorativo atribuído à metáfora pelos objetivistas. Vale mencionar aqui os nomes de Black (1962) e Réddy (2000), tendo este último contribuído com reflexões seminais para o desenvolvimento desse novo olhar sobre a metáfora, ao investigar a representação da linguagem e da comunicação na língua inglesa, em artigo sobre o que ficou conhecido como a metáfora do canal (conduit metaphor).

Chegamos, assim, à visão de metáfora que embasa este trabalho. Longe de ser mero ornamento, ela é uma operação cognitiva e possui natureza conceitual, pois é essencial para nossa compreensão/construção de mundo. Não se trata de uma comparação disfarçada entre dois domínios diferentes, mas de um mapeamento cognitivo de um domínio em termos de outro, que certamente afeta nossa compreensão sobre ele e nossas práticas sociais a ele relacionadas. Também não se trata de uma operação cognitiva periférica, mas de algo que é central na construção de nossas visões de mundo, já que uma infinidade de experiências humanas, em especial as menos concretas e familiares, são conceptualizadas pelas diversas culturas em termos de outras mais concretas ou familiares.

É o caso, por exemplo, da metáfora conceitual "a vida é uma viagem", presente tanto nos discursos poéticos quanto nas falas cotidianas, que revelam que muito de nossa compreensão sobre o tempo que passamos vivos sobre a Terra se dá em termos de movimento em direção a um ponto de chegada. Ou da metáfora conceitual, historicamente mais recente, "tempo é dinheiro", que nos faz acreditar que "gastamos tempo em bobagens" quando não estamos produzindo, ou que temos direito a cobrar pelo "tempo investido em uma relação" quando ela se acaba1.

Acredito que esses exemplos tenham demonstrado que não estamos tratando a metáfora aqui meramente no nível da palavra ou mesmo das frases. O lugar de observação de índices de metáforas conceituais é o discurso, pois é nele que se manifestam as marcas de uma operação cognitiva mais global, como as exemplificadas acima. E se pensamos em discurso, pensamos certamente em comunidades discursivas que legitimam determinadas formas de se pensar o mundo e, conseqüentemente, determinadas metáforas e não outras. Aqui nos aproximamos do pensamento de Gibbs (1999), que reconhece que, se o fenômeno cognitivo da estruturação metafórica do pensamento é universal, as metáforas que estruturam os diversos conceitos são específicas de cada cultura. É esta relação entre metáfora e cultura que será abordada a seguir.

 

Metáfora e cultura

Apesar da ênfase dada à dimensão cognitiva da metáfora, Lakoff e Johnson (2002) já demonstravam intuir a importância do fator cultural na criação e manutenção das metáforas que estruturam o pensamento humano. Ficando, portanto, subentendido que cada cultura tende a estruturar suas próprias formas de pensar e agir no mundo, e que essas formas só coincidirão com as de outras culturas devido a fatores que vão do mero acaso até a fatores sócio-históricos, como o intercâmbio cultural.

Isto fica claro, por exemplo, quando, ao discutirem a questão das metáforas criativas, tema que retomaremos mais adiante, citam o exemplo de um aluno iraniano em Berkeley e de seu entendimento inicial da expressão da língua inglesa "a solução dos meus problemas":

"Entre as maravilhas que descobriu em Berkeley, encontrava-se uma expressão que ouviu repetidas vezes e que entendeu ser uma bela e saudável metáfora. A expressão era 'a solução de meus problemas' - que ele entendeu como uma grande quantidade de um líquido, borbulhante e fumegante contendo todos os seus problemas em processo de dissolução, ou em forma de precipitação, com catalisadores dissolvendo constantemente alguns problemas (do momento) e precipitando outros. Ele ficou absolutamente desiludido ao descobrir que os residentes de Berkeley não tinham em mente esse tipo de metáfora química." (Lakoff e Johnson 2002: 240)

Parece-nos bastante clara aí a consciência de que aquele aluno iraniano tende a se apoiar em metáforas diferentes daquelas com que os norte-americanos estruturam sua vida cotidiana. Ainda que a metáfora química da "solução de problemas" não seja própria da cultura iraniana e sim um produto do esforço de compreensão feito por um estrangeiro vivendo nos Estados Unidos, ela põe a nu o caráter cultural das metáforas conceituais. Se esse caráter não existisse, a mera aprendizagem do código da língua estrangeira, doravante LE, seria suficiente para um aprendiz de LE compreender as metáforas desta língua. Sabemos, contudo, que este não é o caso: a compreensão das metáforas, cristalizadas ou não, em LE requer um esforço de compreensão da cultura-alvo no processo de desenvolvimento da interlíngua do aprendiz. Esforço que seria incompreensível sem o reconhecimento de que as metáforas que estruturam nossas formas de pensar diferem de cultura para cultura.

Essa consciência da importância da relação entre metáfora e cultura aparece ainda mais explicitamente quando os autores discutem o fundamento das metáforas estruturais:

"As metáforas trabalho é um recurso e tempo é um recurso não são universais. Elas emergiram em nossa cultura devido à maneira como concebemos o trabalho, à nossa paixão pela quantificação e à nossa obsessão por fins específicos. Essas metáforas enfatizam aqueles aspectos do trabalho e do tempo que têm importância central em nossa cultura." (Lakoff e Johnson, 2002: 140)

Contudo, a ênfase na busca por processos cognitivos universais, especialmente na investigação das metáforas orientacionais, parece ter legado a Lakoff & Johnson uma imagem de cognitivistas avessos a uma abordagem sociocultural. Essa busca por metáforas originadas de experiências corpóreas comuns a todos os seres humanos, bem como a farta utilização das palavras "natural" e "naturalmente" em seu livro inicial podem, de fato, levar a tal raciocínio, ainda que, como acreditamos ter demonstrado acima, esta não seja a única vertente de seu trabalho.

De nossa parte, acreditamos ser não só mais adequada ao estudo dos fenômenos metafóricos, como também mais útil aos objetivos deste trabalho, a adoção de uma abordagem explicitamente sociocultural, como o faz Gibbs (1999):

"Para o autor, não há necessidade de se estabelecer uma distinção rígida entre metáfora conceptual e cultural. E, nesse ponto, Gibbs apela para a abordagem sociocultural da cognição, na linha de Vygotsky, Leontiev e Luria, segundo a qual as teorias da cognição não deveriam insistir que as estruturas cognitivas estão 'na cabeça', mas deveriam reconhecer quão 'abrangente' ou 'distribuída' no mundo a cognição pode ser." (Zanotto et al., 2002: 32)

Ao adotarmos essa abordagem, reforçamos o caráter sócio-interacional e dialógico da linguagem humana, cujos significados só podem ser acessados plenamente, levando-se em conta contexto e interlocutores (Bakhtin, 2002). Mais do que isso, acreditamos que as metáforas estruturais tenham poder "de criar uma realidade e não simplesmente de nos fornecer uma forma de conceptualizar uma realidade pré-existente" (Lakoff e Johnson, 2002: 241). Isso significa que temos uma visão socioconstrucionista da realidade. Isto é, acreditamos que o mundo social é, em grande medida, construído discursivamente e que, portanto, a investigação das práticas discursivas de qualquer grupo social é tremendamente relevante não apenas para entender sua estruturação, mas para a luta por sua manutenção ou transformação (Moita Lopes, 2003; Fairclough, 2001). Parece-nos, então, legítimo investigar a relação entre metáforas novas e transformação social, o que passaremos a fazer no próximo ponto.

 

As metáforas novas

Procuramos demonstrar acima que as metáforas têm um papel muito importante em nosso sistema conceitual. Muito mais que refletir, elas ajudam a construir nossa realidade social, iluminando certos aspectos dos fenômenos a que se referem, enquanto obscurecem outros. Por outro lado, Lakoff e Johnson (2002) sugerem que esse sistema metafórico teria origem nas experiências mais básicas do ser humano, como o funcionamento de nossos corpos no ambiente físico.

Não temos aqui a pretensão de investigar a gênese do pensamento metafórico nos seres humanos, mas acreditamos poder afirmar que as relações entre realidade social e metáforas conceituais possam ser descritas, metaforicamente, como uma via de mão dupla. Em outras palavras, se é certo que as metáforas que usamos constroem em parte nossa realidade, também o é que transformações sociais ao longo da história podem fazer cair em desuso determinadas metáforas e dar origem a outras, mais adequadas aos novos tempos. Assim, o uso da linguagem metafórica afeta e é afetado pelo contexto social em que se desenvolve.

Portanto, eventos como o desenvolvimento de novas tecnologias, descobertas científicas ou maior intercâmbio com outras culturas podem gerar a necessidade da criação de novas metáforas ou a incorporação de metáforas de culturas estrangeiras. Estas, por sua vez, caso sejam bem aceitas e passem a fazer parte do cotidiano da comunidade, tendem a gerar uma nova forma de percepção da realidade. Como afirmam Lakoff e Jonhson (2002: 242-243):

"As metáforas novas têm o poder de criar uma realidade nova. Isso pode começar a acontecer quando começamos a entender nossa experiência em termos de uma metáfora e ela se torna uma realidade mais profunda quando começamos a agir em função dela. Se a metáfora nova entra no sistema conceptual em que baseamos nossas ações, ela alterará esse sistema conceptual e as percepções e as ações a que esse sistema deu origem. Muito das mudanças culturais surge da introdução de novos conceitos metafóricos e da perda de antigos. Por exemplo, a ocidentalização de culturas em todo o mundo ocorre em parte pela introdução da metáfora tempo é dinheiro nessas diversas culturas."

Contudo, as metáforas novas não se explicam somente pelo determinismo de fatores sócio-históricos. Muitas vezes é o indivíduo (ou um grupo de indivíduos)2 que, insatisfeito com a maneira como um fenômeno é percebido, propõe uma nova metáfora para explicá-lo, dando origem assim ao que chamaríamos de metáforas criativas. Vemos, portanto, mais uma vez, que a noção de metáfora criativa não está exclusivamente ligada ao discurso poético ou ficcional, nem seu objetivo é apenas atingir efeitos estéticos.

Com a superação, ainda que parcial, da resistência ao uso da metáfora nos discursos científico e filosófico, teóricos de diversas áreas do conhecimento humano passaram a se utilizar desta ferramenta para explicar e sustentar suas idéias. Em muitos casos, apresentam alternativas às metáforas usadas tradicionalmente para compreender os fenômenos que buscam iluminar. É isso o que fazem, por exemplo, diversos filósofos e teóricos da educação, entre os quais destacamos Nilson José Machado (1995), ao propor o conhecimento como uma rede de significados, em substituição à tradicional metáfora da árvore do conhecimento, com seu troco comum e suas ramificações. Da mesma forma, Michael J. Réddy (2000) propõe que a comunicação passe a ser vista pelo prisma do "paradigma dos construtores de instrumentos", que seria mais apropriado ao fenômeno que a metáfora do canal, cristalizada na língua inglesa.

Voltaremos a essas metáforas no próximo item deste trabalho, por ora, contudo, precisamos deixar claro que propor uma metáfora nova para explicar determinado conceito ou fenômeno não significa sua integração automática ao sistema conceitual de qualquer comunidade. Mesmo quando bem aceita nos círculos a que se destina, a metáfora nova tem de disputar espaço com as metáforas tradicionais. E quanto mais enraizadas estas estiverem em nossa linguagem e nossos procedimentos cotidianos, menos efeitos sobre nossas ações aquela terá.

Ainda assim, gostaríamos de sugerir que, para os que desejam transformações em suas áreas de ação e investigação, a busca por novas formas de pensar e, conseqüentemente de agir social e discursivamente pode ter na elaboração de metáforas novas um momento importante. A disputa de paradigmas causada pela introdução da nova metáfora tende a aumentar a discussão e a reflexão sobre o tema, ainda que mudanças para além da superfície do discurso, e mesmo assim quando monitorado conscientemente, demorem mais a ser verificadas. Este parece ser o quadro da Educação neste início de século: diversas metáforas sobre a natureza do conhecimento e diversas visões sobre o funcionamento da linguagem parecem disputar espaço e interagir na consciência, discurso e práticas dos educadores. A análise deste quadro é o que buscaremos fazer agora.

 

Conhecimento, linguagem e práticas pedagógicas: metáforas em disputa

Aqueles que trabalham no ensino fundamental ou médio, ou estão envolvidos de alguma maneira com a formação de professores neste país, podem perceber, desde meados da década de 1980, a presença, no discurso e na prática dos profissionais da educação, de diversas concepções sobre o pensar e o fazer pedagógicos. Acreditamos poder descrever essa situação nos remetendo a três metáforas para o conhecimento que parecem servir de base para o pensamento e a ação de professores em diversos níveis de ensino. Tais metáforas são o que chamamos de metáforas ontológicas, isto é, são "formas de se conceber eventos, atividades, emoções, idéias etc. como entidades e substâncias" (Lakoff e Johnson 2002: 76).

Acreditamos, ainda, que essas formas de se conceber o conhecimento estejam associadas a maneiras de se pensar a linguagem e seus significados, como demonstraremos abaixo. Sugerimos esta associação porque, nos contextos formais de ensino-aprendizagem, a comunicação verbal parece ser considerada a ferramenta mais eficaz, senão a única possível em muitos casos, para se atingir os objetivos ligados à cognição.

É importante ainda lembrar que, de nosso ponto de vista, a disputa entre essas visões de conhecimento e linguagem não se dá apenas no plano interpessoal, com teóricos e professores defendendo esta ou aquela concepção conscientemente. A disputa muitas vezes é intrapessoal, pois, como afirmamos acima, a assunção consciente de uma metáfora nova não implica necessariamente na sua entrada em nossos sistemas conceituais, gerando por vezes contradições no discurso e na prática do sujeito. Passemos, então, a elas.

A primeira, e mais tradicional, metáfora que podemos identificar seria o conhecimento é uma substância. Tal metáfora está associada a outras, como o cerébro é um recipiente (Lakoff e Johnson, 2002), as palavras são recipientes e a linguagem é um canal (Réddy, 2000). De acordo com essa visão, o conhecimento é uma substância que preenche nossos cérebros, pode ser acumulada e transmitida de um cérebro a outro, através do canal das palavras. O conhecimento, portanto, seria algo que existe fora de nós, mas que poderia, por assim dizer, ser adquirido e passar a nos preencher e pertencer. Essa aquisição se dá, ao que parece, pela "retirada" das idéias contidas nas palavras, escritas nos livros ou proferidas pelo professor, e sua transferência para os cérebros dos alunos, que passariam, assim, a ter aquele conhecimento.

Esta metáfora, portanto, embasa a visão tradicional de ensino-aprendizagem, que vê no aprendiz um receptáculo passivo dos chamados conteúdos programáticos (note-se aqui que o termo "conteúdos" é mais um índice desta metáfora). Estes são "transmitidos" através da linguagem para o aluno. Vemos, portanto, que esta metáfora do conhecimento se associa com muita clareza à chamada metáfora do canal, identificada na língua inglesa, mas também facilmente verificável em português, por Réddy (2000). Essa metáfora mostra que falantes desses idiomas tendem a ver a linguagem como algo que contém as idéias e pensamentos do emissor, levando-os ao receptor, cujo único trabalho seria retirá-los de lá. Temos aí um modelo clássico de comunicação, onde o receptor é passivo e basta o conhecimento do código para que as idéias sejam transmitidas.

Para dar conta dessa verdadeira rede de metáforas interligadas sobre conhecimento e linguagem, acreditamos ser mais adequado expandir a formulação inicial da metáfora. Esta passaria a ser a seguinte: o conhecimento é uma substância que se adquire e se transmite.

Não há dúvidas que essa concepção de ensino-aprendizagem tem recebido diversas e contundentes críticas, tanto por parte de teóricos da educação quanto de professores e demais profissionais envolvidos com a escola. Uma das críticas mais conhecidas a essa visão foi elaborada por Paulo Freire (2003), curiosamente, valendo-se de recursos metafóricos. Sem alterar qualquer dos pressupostos embutidos na metáfora do conhecimento transmitido, Freire acrescentou, ou explicitou, seu caráter pejorativo ao denominá-la "educação bancária", sugerindo que o professor faria "depósitos" de conhecimento nas mentes dos alunos. Embora possamos dizer que Freire tenha criado uma nova metáfora (a partir de uma já existente: o banco como receptáculo), seu objetivo era apenas criticar as práticas associadas à educação tradicional. As alternativas a elas não estão inseridas nesta nova metáfora, mas são explicitadas quando o autor passa a discutir e defender o que ele chama de uma educação problematizadora (Freire, 2003).

Embora poucas pessoas ainda defendam explicitamente uma atuação baseada nas implicações da metáfora da transmissão, estas continuam a ser verificadas tanto no discurso quanto na prática cotidiana de muitos professores em nossas escolas. Acreditamos que isto se dê, entre outros motivos, devido ao fato de essa ser uma metáfora que não foi criada por estudiosos com um objetivo consciente, mas se desenvolveu historicamente no uso cotidiano da língua, passando a fazer parte de nosso sistema conceitual, ainda que busquemos combatê-la conscientemente.

As outras metáforas do conhecimento que verificamos no discurso de professores e teóricos são, ao contrário, criações conscientes e intencionais, que visam modificar nossa compreensão do fenômeno da aprendizagem e, conseqüentemente, nossas práticas de ensino. A primeira delas tem sua origem com o desenvolvimento das ciências da cognição e, mais especificamente, com as teorias sobre a psicogênese da língua escrita. Foram os escritos de Piaget, Emília Ferreiro e mesmo de cognitivistas mais sociais, como Vygotsky e Luria, que deram origem a uma corrente que se convencionou chamar de "construtivismo". A metáfora aqui seria a seguinte: o conhecimento é uma construção.

Tal formulação traz algumas implicações tanto para o papel do aluno quanto para o do professor. Aquele deixa de ser um receptor passivo e passa a ativo construtor de seu próprio conhecimento, este deixa de ser o detentor e transmissor do saber, passando a facilitador do processo de aprendizagem, aquele que ajuda a construção. O foco da avaliação também muda: não se trata mais de verificar o produto da aprendizagem, isto é, quanto de conhecimento ficou retido na mente do aluno, mas sim de acompanhar o processo de sua construção, para poder contribuir com maior eficácia nessa trajetória.

Do ponto de vista da linguagem, acreditamos poder afirmar que tal metáfora estaria associada tanto a modelos psicolingüísticos quanto interacionais de comunicação. O significado não está mais contido simplesmente no texto, mas é claramente uma construção dos interlocutores, em especial daquele que lê ou escuta. É ele quem projeta seus esquemas cognitivos sobre as marcas textuais que percebe no discurso do outro, emprestando-lhes, assim, uma coerência e um significado, que não serão exatamente os mesmos para qualquer falante da língua em questão. Tais significados podem inclusive não coincidir em boa parte com aqueles pensados pelo falante ou escritor com quem interage. Neste aspecto, tal metáfora de conhecimento se aproxima bastante de um dos aspectos mais importantes do "paradigma dos construtores de instrumentos", proposto por Réddy (2000) para explicar como se dá de fato a comunicação entre os seres humanos. Coincidentemente a imagem aqui é a da construção. E o que é construído a partir do uso da linguagem difere de construtor para construtor.

Retomaremos outras implicações tanto do paradigma proposto por Réddy quanto da visão interacionista da linguagem quando discutirmos a terceira metáfora. Por ora, cabe dizer que o chamado construtivismo tornou-se bastante conhecido em todo o Brasil, tendo sido adotado como linha teórico-metodológica em muitas redes oficiais de ensino.

Tal fato gerou algumas conseqüências. Por um lado, percebemos cada vez mais o uso do jargão e das imagens construtivistas no discurso de professores, sendo que muitos deles alteraram em maior ou menor grau suas práticas em sala de aula. Por outro, políticas equivocadas de formação continuada dos professores, marcadas tanto pelo superficialismo quanto pelo desejo de doutrinação, levaram em alguns casos a incompreensões sobre a proposta e, em outros, à rejeição aberta do construtivismo. Tal rejeição, especialmente em um primeiro momento, foi bastante reforçada nas redes municipal e estadual do Rio de Janeiro pela coincidência entre a implantação dessas novas idéias e o combate à reprovação por meio de coação ao professor. A autoridade impunha políticas, não as discutia nem explicava suficientemente. A resistência a tudo que se referisse ao construtivismo, nesse contexto, seria previsível e totalmente explicável.

Contudo, com o passar do tempo a metáfora da construção parece estar disputando espaço com a da transmissão. Ainda que nem todas as práticas de sala de aula acompanhem o discurso, é possível supor que o conhecimento como construção venha a se tornar a metáfora dominante nas escolas dentro de mais alguns anos, se não houver grandes alterações no cenário educacional brasileiro. Entretanto, nada garante que não venham a ocorrer mudanças nesse cenário, até porque há ainda outra metáfora a concorrer com as duas já discutidas: a metáfora da rede, que passaremos a discutir agora.

Autores como Nílson José Machado (1995) defendem a adoção da metáfora o conhecimento é uma rede de significações, como forma de representação mais acurada da complexidade de relações que se estabelecem no processo social da cognição. Embora tal formulação pareça mais abstrata que as outras, já que fala em "significações", conceito que talvez merecesse uma metáfora própria para sua melhor compreensão, ela ganha concretude quando se pensa na tessitura de tal rede. O que se busca enfatizar com essa imagem é que só se pode conhecer o que quer que seja pelo estabelecimento de "suas relações com outros objetos ou acontecimentos" (Machado, 1995: 138). Assim, os significados seriam "feixes de relações", que por sua vez se articulariam "em teias, em redes, construídas social e individualmente, e em permanente estado de atualização" (Machado, 1995: 138).

Portanto, conhecer seria entrelaçar os fios das diversas experiências humanas, tecendo redes que, longe de representar um todo acabado, estariam em constante processo de retessitura. Não se trata, portanto, de acumular conhecimento, mas de estabelecer e reestabelecer entrelaces, nós provisórios, com os fios que vamos encontrando. Essa formulação, portanto, rejeita a idéia de acúmulo puro e simples de conhecimento. Por outro lado, não chega, em minha opinião, a se opor frontalmente ao construtivismo, conforme descrito acima, ainda que rejeite abertamente uma imagem de construção mais ligada à tradição cartesiana, que implicaria no estabelecimento de hierarquias bem definidas.

Com relação à concepção de linguagem que poderia ser associada a esta metáfora, acredito que continuamos aqui na linha do interacionismo. Contudo, há uma ênfase bastante clara no aspecto social da negociação de significados. Em outras palavras, os sujeitos que interagem e atribuem sentido à linguagem são sujeitos situados sócio-historicamente. Os esquemas cognitivos de que se utilizam para produzir significado têm, sem nenhuma dúvida, origem social, foram tecidos, por assim dizer, ao longo das experiências vividas em diversos contextos, estando em constante reformulação. Esses esquemas corresponderiam, no paradigma proposto por Réddy (2000), aos ambientes de cada construtor, ainda que esta imagem não dê ênfase ao caráter mutável do repertório lingüístico e cognitivo dos participantes das interações. Creio, então, que para a metáfora das redes não bastaria dizer que a visão de linguagem seria interacional, mas sim sócio-interacional3. Acredito ainda que exista uma proximidade grande com o dialogismo bakhtiniano, não apenas pela importância dada aos interlocutores e contextos, mas também, e sobretudo, pela referência à rede de sentidos evocada pela intertextualidade e pela tensão entre paráfrase e polissemia.

No que diz respeito às implicações desta metáfora para o ensino, podemos dizer que ela parece favorecer uma nova organização das práticas pedagógicas. Partindo de uma concepção holística e processual, porque sempre inacabada, essa organização contemplaria não só a interdisciplinaridade, mas também os conhecimentos tecidos fora do contexto escolar, geralmente pouco valorizados pela tradição pedagógica. Como no construtivismo, o aluno tem papel ativo, embora aqui seja ainda mais enfatizado o caráter social da aprendizagem. Dessa forma a ênfase estaria nas inter-relações entre os diversos atores da tessitura do conhecimento. Estes não estariam mais restritos a apenas alunos e professores, mas incluiriam todos os que participam de interações significativas, dentro e fora da escola, contribuindo assim para a formação do aprendiz. Projetos para além do espaço/tempo da sala de aula e mesmo da escola tenderiam a ser privilegiados, em detrimento de uma organização disciplinar e hierárquica de disciplinas, espaços, tempos e atores.

Contudo, é importante frisar que, ainda mais que na metáfora da construção, as contradições entre discurso e prática orientados pela metáfora da rede são muito grandes. Se muitos são os que elogiam tal concepção, não são tantos assim que conseguem pensar e pôr em prática ações compatíveis com ela. Como afirma o próprio Machado (1995: 122):

"justamente em razão da incipiência na elaboração teórica, os elogios ou acordos em nível do discurso ainda são muito mais numerosos do que as transformações correspondentes de ordem prática".

E continua mais adiante na mesma página:

"Na verdade, o caminho que conduz da fecunda e promissora imagem metafórica do conhecimento como uma rede de significados a práticas pedagógicas consentâneas à referida idéia ainda está por ser construído. Em tal empreitada, ao lado de filósofos e cientistas, é imprescindível a participação efetiva de professores (...)"

Como já sugerimos anteriormente, acreditamos que estas disparidades entre discursos e práticas pedagógicas têm origem no fato de que não basta entender e vislumbrar as possibilidades de uma metáfora nova, para que esta seja incorporada ao nosso sistema conceitual. As metáforas tradicionais e de senso comum tendem a exercer um poder muito mais difícil de se sobrepujar do que supõem a maioria dos teóricos. Para verificar essa suposição, buscamos coletar dados junto a alunos de um curso de Pedagogia, cuja qualidade é reconhecida nacionalmente e mesmo fora do país. A noção de redes de conhecimento teve e tem papel fundamental na concepção e desenvolvimento deste curso, estando os alunos expostos à discussão teórico-prática sobre as diversas visões de ensino-aprendizagem mencionadas neste trabalho. Passemos, então, à contextualização da pesquisa e à análise dos dados obtidos.

 

Conhecimento e linguagem no discurso de alunos de um curso de pedagogia

Os dados que serão analisados abaixo foram coletados junto a doze alunos de uma mesma turma do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense em Angra dos Reis, no qual leciono desde 2002. Este curso foi criado há treze anos com um currículo reconhecidamente inovador, tendo tanto a pesquisa quanto a idéia das redes de conhecimento centralidade em sua elaboração. Ao longo de sua história, o curso obteve reconhecimento entre professores e pesquisadores da área, sendo considerado por todos um curso de muito boa qualidade.

Os alunos pesquisados, em sua esmagadora maioria, já atuam como professores nas redes pública ou privada dos municípios de Angra dos Reis e Paraty (RJ), seja na Educação Infantil ou no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Pertencem ao que chamaríamos de classe média-baixa e estão numa faixa etária que nos permitiria chamá-los de jovens adultos. Seu rendimento escolar poderia ser caracterizado como bom ou muito bom e sua turma já se encontrava no final do terceiro ano do curso quando foi realizada a coleta dos dados.

O objetivo principal deste trabalho de campo era investigar as crenças sobre conhecimento e linguagem que faziam parte do repertório dos sujeitos da pesquisa. Essas crenças costumam aparecer mais em traços do discurso que escapam a um monitoramento consciente do que em respostas "objetivas" sobre o assunto. Portanto, decidimos aplicar um questionário dividido em duas partes. Na primeira delas, apresentava a forma de uma questão de múltipla escolha, em que os alunos deveriam completar uma frase sobre o conhecimento. A segunda constava de quatro perguntas abertas sobre conhecimento, aprendizagem, linguagem e significado. A idéia era comparar as respostas da múltipla escolha com os traços discursivos das repostas dissertativas, já que esperávamos, corretamente, como veremos a seguir, que pudesse haver contradições entre eles.

Como era de se esperar, as respostas à pergunta de múltipla escolha revelaram uma forte preferência pela metáfora da rede, em primeiro lugar, e da construção, em segundo, sobre a metáfora do conhecimento transmitido e acumulado. A frase a ser completada era "O conhecimento é (...)", e as opções: (a) transmitido, (b) construído e (c) tecido em rede(s).

Requisitou-se aos alunos que fizessem essa questão duas vezes: na primeira só poderiam escolher uma opção, na segunda poderiam marcar quantas alternativas quisessem. Os resultados foram os seguintes, na primeira rodada sete alunos marcaram a opção (c), quatro a opção (b) e apenas um a opção (a). Na segunda, com a possibilidade de marcar mais de uma alternativa, verificamos que todos os doze alunos marcaram as opções (c) e (b), sendo que quatro deles marcaram também a opção (a).

Contudo, essas escolhas metafóricas conscientes tendem a entrar em contradição com as marcas discursivas verificadas nas respostas elaboradas para as questões abertas.

A primeira delas ("Como você definiria conhecimento com suas palavras?") revela que a metáfora mais tradicional do conhecimento (o conhecimento como substância que se adquire, acumula e transmite) ainda é a que habita nosso sistema conceitual, sendo, portanto, de acordo com a proposta da metáfora conceitual, a mais influente no nosso pensar e agir. Oito respostas se apoiaram nela, como revelam os trechos abaixo:

  • (...) é o acúmulo de toda vivência, bagagem adquirida ao longo da vida.
  • É ter propriedade sobre determinado assunto (...)
  • É o "recheio" das pessoas. Tudo que trazem consigo
  • Como algo que se adquire. À medida que se vai aprendendo, aumenta-se o conhecimento. Apesar que eu nem sei se é apropriado afirmar isso (...) Talvez o "melhor" é que o conhecimento é algo a ser estimulado e aumentado.
  • (...) é aquisição de saberes, de idéias.
  • São aprendizagens que você adquire com a vivência.
  • São as informações que "colhemos" ao longo do tempo, juntando uma idéia a outra e obtendo o conhecimento.
  • (...) é a apropriação de informações acerca de algo.

Das respostas que fugiram a essa conceituação tradicional, apenas uma apresentou indícios de se apoiar na metáfora da construção:

  • É o conjunto de saberes que se constrói na vida de um sujeito.
  • Nenhuma resposta fez menção identificável à metáfora da rede. Um aspecto positivo, contudo, e que poderia estar de certa forma ligado a esta metáfora, foi o valor atribuído às experiências de vida na formação do conhecimento, que não foi em momento algum representado como tipicamente livresco ou escolar:

    • (...) é o acúmulo de toda vivência, bagagem adquirida ao longo da vida.
    • Tudo que trazem consigo, suas vivências.
    • São aprendizagens que você adquire com a vivência.
    • São as informações que "colhemos" ao longo do tempo (...)
    • É o conjunto de saberes que se constrói na vida de um sujeito.

    Já as respostas à segunda pergunta ("Como você acredita que se dá a aprendizagem?") foram bem mais animadoras, ao revelar uma concepção dialógica, interacional bastante explícita:

    • A partir da troca entre indivíduos.
    • Para mim a aprendizagem se dá na troca com o outro, no diálogo (...)
    • A aprendizagem se dá através de uma troca de informações entre professor e aluno.
    • Através do contato com o objeto da aprendizagem, da troca de informações (...)
    • Pode se dar pelo convívio social, na necessidade de comunicação.
    • A aprendizagem acontece através da troca de experiências com o meio social (...)
    • A aprendizagem se dá no exato momento de encontro (...)

    No que diz respeito ao lugar da aprendizagem, o ambiente escolar aparece sozinho em apenas uma resposta, já o reconhecimento de que a aprendizagem se dá também fora da escola se manteve alto, com três informantes mencionando além da escola outros contextos e oito privilegiando claramente a aprendizagem não escolar, ao não mencionar ou sugerir esta instituição em suas respostas.

    Contudo, se a segunda resposta parecia privilegiar uma visão interacional, dialógica da aprendizagem, geralmente associada à metáfora da construção, esta visão não se confirma nas respostas à terceira pergunta ("Para você, o que é linguagem?"). Apenas um informante mantém explicitamente a visão interacional sugerida na metáfora anterior:

  • É o meio que se usa para efetuar essa troca.
  • Entre os outros informantes, há apenas uma resposta que menciona o receptor, ainda assim, o faz de maneira genérica, sugerindo sua importância para o significado, mas não deixando claro se ele o extrai da linguagem ou o constrói a partir dela:

  • São símbolos (...) que têm um significado ao (sic) receptor.
  • Quatro respostas enfatizam a linguagem como forma de expressão, o que parece privilegiar o emissor, em detrimento de uma visão interacional. Uma delas, particularmente, ao mencionar a linguagem como representação do conhecimento, parece se apoiar claramente na metáfora do canal:

  • São signos que expressam/representam conhecimentos (...)
  • As demais respostas definem linguagem como "forma de comunicação", não esclarecendo, contudo, que modelo ou metáfora de comunicação têm em mente. Isto parece sugerir que esta pergunta deveria ser complementada, ou talvez substituída, por outra que inquirisse sobre o funcionamento da comunicação. Tal inferência, contudo, só pôde ser realizada durante o processo de análise dos dados, o que impossibilitou o seu aproveitamento no presente trabalho.

    Já as respostas à última pergunta ("E significado, o que é?") parecem mais uma vez privilegiar visões (sócio)interacionais de comunicação, pois pelo menos cinco respostas parecem incluir sujeitos que participam ativamente da elaboração de significados:

    • É (...) o que "imprimimos" de verdadeiro para (sic) o objeto, situação, etc.
    • (...) seus valores, aquilo que subentende-se de algo.
    • É o sentido que cada indivíduo dá às coisas. A partir de associações às experiências anteriores.
    • Algo que tem uma relação com o que conhecemos, aceitamos ou esperamos acerca daquilo (...)
    • (...) é uma forma de estar conectado com todos os acontecimentos (...) à nossa volta.

    Contudo, se as respostas acima apontam para modelos de comunicação claramente associados às metáforas da construção e da rede, isso não significa que a metáfora do canal não esteja também presente no discurso de alguns informantes, como vemos nas respostas abaixo:

    É o conceito pré-determinado de algo.

    • O conceito extraído da compreensão (...)
    • São (...) códigos que alimentam a linguagem (...)

    Acreditamos, então, que a análise dos dados demonstrou a convivência de concepções diferentes (e, às vezes, até contraditórias) de conhecimento e linguagem nos discursos dos informantes. Entretanto, consideramos ainda mais importante que isso o contraste flagrante entre as repostas para a questão de múltipla escolha e os discursos gerados pela primeira questão aberta. Este contraste parece indicar claramente a correção do pensamento de Lakoff e Johnson (2002: 242), quando afirmam que uma coisa é estar consciente das possibilidades inerentes a uma metáfora nova, outra, muito mais difícil, é passar a viver em função dela com base em uma decisão consciente.

     

    Conclusão

    Argumentamos, portanto, que as propostas teóricas de transformação das metáforas conceituais ligadas ao conhecimento e à linguagem não são capazes de, por si só, gerar rapidamente transformações profundas no discurso e, conseqüentemente nas práticas pedagógicas dos professores. Esta não é, contudo, uma conclusão pessimista. Na verdade, se acreditamos que mudanças conscientes na concepção dos fenômenos ligados à aprendizagem não transformam automaticamente a realidade de sala de aula, isso não quer dizer, no entanto, que essa tomada de consciência não seja um passo essencial para qualquer mudança.

    O que nos parece ser necessário, entretanto, é que, junto com os avanços teóricos, sejam desenvolvidas políticas sérias de formação inicial e continuada de professores. Essa formação deve levar em conta a indissociabilidade de teoria e prática, não temendo sugerir atividades que estejam em consonância com as novas visões que se consideram mais adequadas. Se há algo que o professor não agüenta mais escutar de palestrantes é que estes não darão "uma receita de bolo". Esta metáfora foi usada à exaustão e, se um dia teve o mérito de combater um ensino mecânico e reprodutivista, hoje costuma ser mera justificativa para evitar a entrada no terreno muito mais complexo e escorregadio que é o da prática. Os professores não buscam receitas, mas certamente agradeceriam algumas sugestões, não apenas como exemplos mais concretos das implicações das novas posturas, mas também como insumo para uma reflexão mais comprometida com a práxis.

    Por fim, parece-nos ainda muito importante que se valorize toda e qualquer pequena mudança de atitude do professor no sentido de libertar-se das concepções tradicionais e equivocadas sobre conhecimento e linguagem. Por mais que se tenham grandes expectativas quanto às transformações que um novo paradigma deveria trazer à prática pedagógica, elas, pelos motivos discutidos neste trabalham, não ocorrerão da noite para o dia, nem poderão ser impostas por teóricos ou formuladores de políticas educacionais, ainda que estes tenham um papel importante no processo. Este processo, contudo, é, principalmente, de esclarecimento, de convencimento e de luta cotidiana por uma coerência que será inúmeras vezes sabotada por crenças, enraizadas de tal forma em nossa maneira de pensar, que sequer nos damos conta de sua força.

     

    Referências Bibliográficas

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    Lakoff, G. e Johnson, M. (2002). Metáforas da vida cotidiana. Trad.: Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (sob a coordenação de Maria Sophia Zanotto) e Vera Maluf. Campinas-SP: Mercado de Letras; São Paulo: Educ.         [ Links ]

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    Informações Sobre O Artigo

    O presente trabalho foi apresentado, na forma de Comunicação Oral, no II Congresso sobre Metáfora na Linguagem e no Pensamento (17-20/08/2005), Universidade Federal Fluminense/Instituto de Letras/Campus do Gragoatá/ Niterói, RJ. Coordenação: Programa de Pós-Graduação em Letras (UFF) e Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM).

     

     

    Endereços para Correspondência
    R.L.T. Almeida é Professor Assistente II da Faculdade de Educação da UFF. Graduado em Letras (Português-Inglês) pela UFRJ e mestre pelo Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada da Faculdade de Letras da UFRJ, o autor é atualmente aluno de doutorado em Estudos Lingüísticos pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UFF. Endereço para correspondência: Rua Tangará, 05 apto 202, Ramos, Rio de Janeiro, RJ21050-525, Brasil. E-mail: teixeiradealmeida@terra.com.br.

     

     

    Notas
    (1) Desnecessário lembrar que tal metáfora do tempo não apenas reflete mas reforça uma ideologia e uma ética capitalistas, sendo portanto extremamente útil à manutenção do status quo, pela naturalização dessa maneira de pensar.
    (2) É importante ressaltar, neste ponto, que não compartilhamos nem da visão liberal de um totalmente sujeito autônomo, nem de um determinismo social ortodoxo. Acreditamos que as ações do indivíduo são condicionadas pelas estruturas sociais em que vive, contudo essas mesmas ações podem se dar no sentido da manutenção dessas estruturas ou no de seu questionamento. Ou seja, mais uma vez sugerimos a metáfora da via de mão dupla, agora para explicar a relação entre sujeito e contexto social.
    (3) Certamente a metáfora do conhecimento como construção também pode ser associada a modelos interacionais e mesmo sócio-interacionais de comunicação. A diferença, de acordo com minha proposta, estaria na maior ênfase dada à formação social dos sujeitos e significados no caso de modelos que pudessem ser associados à metáfora da rede.