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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro nov. 2005

 

Revisão

 

Representações Mentais, Imagens Visuais e Conhecimento no Pensamento de Vigotsky

 

Mental Representations, Visual Images and Knowledge in the Vygotsky Thought

 

 

Professora Dra. Neli Klix Freitas

Universidade do Estado de Santa Catarina

 

 


RESUMO

O artigo aborda questões relacionadas com o processo de aquisição do conhecimento, segundo as proposições teóricas de Vygotsky. Nessa perspectiva, inclui as representações mentais, funções psicológicas superiores tipicamente humanas. Aborda também outras questões na mesma direção, tais como: a mediação, a linguagem, as imagens visuais e a importância de desenvolvimento biológico e social do ser humano. Trata-se de uma complexa trama conceitual implícita no processo de construção do conhecimento, segundo a abordagem de Vygotsky.

Palavras Chave: conhecimento ; imagens visuais; representações mentais ; Vygotsky; mediação


ABSTRACT

The article approaches questions related with the process of acquisition of the knowledge, according to theoretical proposals of perspective Vygotsky. In this perspective, includes the superior representations, psychological functions mental typically human beings. It also approaches other questions in the same direction, such as: the visual mediation, language, images and the importance of the biological and social development of the human being. It is treated of a complex conceptual tram in the process of construction of the knowledge, according to boarding of Vygotsky.

Keywords: knowledge; visual images; mental representations; Vygotsky; mediation


 

 

Segundo Vygotsky (1984) o processo de construção do conhecimento ocorre em uma complexa dinâmica interativa, da qual participam três elementos essenciais: o aluno, como sujeito do conhecimento; os conteúdos e os significados; o professor que atua como mediador. Essa concepção supõe um caminho em direção à identificação e análise dos mecanismos mediante os quais ocorre o conhecimento. O autor investiu na busca de uma síntese não entendida como justaposição ou soma, mas como a emergência de algo novo, anteriormente inexistente. A emergência do novo supõe um processo de transformação, que gera novos fenômenos.

A visão de Vygotsky busca uma síntese que integra, em uma mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico .Assim, Vygotsky apresenta três idéias centrais como sendo os pilares de seu pensamento: as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral; o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre indivíduo e meio; a relação homem-mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos (Vygotsky, 1987).

O postulado de que o cérebro como órgão material é a base biológica do funcionamento psicológico apóia-se em uma das premissas da psicologia humana: enquanto espécie biológica, o homem possui uma existência material que define limites e possibilidades para o seu desenvolvimento. O cérebro é um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são modelados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual.

Piaget, Vygotsky , Luria e outros estudiosos da cognição humana referem que as condutas humanas têm raízes biológicas profundas. Há estudos que resultaram em descobertas sobre a codificação cerebral de imagens visuais, de mensagens informativas, sobre o funcionamento distinto dos hemisférios cerebrais e sua co-responsabilidade na regulação dos processos cognitivos e da conduta associativa.

Os hemisférios cerebrais, direito e esquerdo desempenham papéis distintos no processo de aquisição do conhecimento e na conduta dos seres humanos. Entretanto, atuam conjuntamente como partes complementares de um sistema integrado de controle.

De forma esquemática, as tarefas do cérebro esquerdo podem ser assim descritas: processo a informação relacionada com o pensamento verbal e analítico, detectando detalhes específicos, dispondo-os em forma seqüencial; dirige os processos e a execução das operações matemáticas, marca o tempo, planeja estratégias de solução de problemas e intervém na tomada de decisões. O processamento da informação do cérebro direito é de natureza não-verbal, centrado em aspectos globais da estimulação, como imagens visuais, reconhecimento de rostos, sons e melodias. Vê as coisas de modo integrado, em sua complexidade, e não os aspectos parciais. Reconhece como as coisas se organizam no espaço, como as partes se agrupam para formar um conjunto, e como as situações se relacionam entre si. Está implicado no discernimento, na percepção de relações, na reestruturação perceptiva que leva à descoberta e à experiência do ah! . O cérebro direito sonha, inspira, cria novas combinações de idéias, responde às experiências com emoções e comunica algo com gestos quando as palavras são insuficientes. Desempenha então, um papel fundamental nas manifestações e expressões das representações mentais (Luria, 1976).

Entretanto, Luria (1976) explicou também que os processos mentais como a percepção, a memória, o pensamento não podem ser considerados simples faculdades localizadas em áreas cerebrais, mas como sistemas funcionais complexos. Esses processos mentais foram inicialmente movimentos manipulativos que, posteriormente se coordenaram, adquirindo o caráter de ações mentais internas.

Luria (1976) e Vygotsky (1984) referiram a localização dinâmica própria dos processos mentais complexos. As estruturas cerebrais operam de modo combinado na organização das representações mentais. Na percepção é possível ilustrar esse trabalho combinado. A primeira unidade funcional proporciona o tom cortical necessário. A segunda realiza a análise e a síntese da informação recebida. A terceira ocupa-se dos movimentos de busca que proporcionam à conduta perceptiva seu caráter ativo.

Vygotsky dedicou-se ao estudo das funções psicológicas superiores, tipicamente humanas. Ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa de necessitar marcas externas e passa a utilizar signos internos, que constituem as representações mentais, e que substituem os objetos do mundo real. Os signos internalizados são como marcas exteriores, elementos que representam objetos, eventos, situações. O homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo: planejar, estabelecer relações, compreender, associar. A capacidade de lidar com representações que substituem o real possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo presentes, efetuar relações mentais na ausência das coisas, imaginar e planejar intencionalmente.

Ao trabalhar com processos superiores, as representações mentais da realidade exterior são na realidade, os principais mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo (Oliveira, 2001).

Os instrumentos e a linguagem,sistema simbólico básico dos grupos humanos constituem representações da realidade, que consistem numa espécie de filtro através do qual o homem será capaz de ver o mundo e operar sobre ele. O pensamento e a linguagem possuem origens distintas e desenvolvem-se de modo independente.

Vygotsky trabalha com o desenvolvimento da espécie humana e com o desenvolvimento do indivíduo, buscando compreender e integrar tanto a origem, como o percurso desse processo.

Existe uma trajetória do pensamento desvinculada da linguagem, e existe uma trajetória da linguagem independentemente do pensamento. Em algum momento, entretanto, considerando o desenvolvimento filogenético, essas trajetórias se unem: o pensamento torna-se verbal, e a linguagem torna-se racional (Vygotsky, 1988).

Para o autor, as funções psicológicas superiores são simultaneamente apoiadas em características biológicas da espécie humana e construídas ao longo de sua história social. Para desenvolver-se, o ser humano necessita dos mecanismos do aprendizado, em um movimento dialético que integra desenvolvimento e aprendizagem (Oliveira, 2001).

Um ambiente pobre em significados diminui as oportunidades de interação saudável com a realidade, e falta matéria-prima fundamental para a emergência de possibilidades de reconstrução das representações mentais, que caracterizam a vida saudável dos seres humanos, a partir de interações sócio-culturais. Pode-se afirmar que, quando falta o significado, a patologia da alienação mental se instala. Deixa de existir então,a mediação entre o sujeito que aprende e o conhecimento (Vygotsky, 1987).

Linguagem, imagens e ações são transformadas em representações mentais e são ao mesmo tempo, elementos constituintes indispensáveis para a existência das representações mentais.Trata-se da complexa trama que se insere na construção do conhecimento.

As representações mentais de imagens expressam estruturas espaciais características da percepção visual. Para Vygotsky (2001), tudo inicia com a imagem, e imagens são representações passíveis de expressar informações contínuas ou espaciais, constituindo a memória visual. Na arte, as imagens aparecem antes, comandando as articulações do pensamento e relegando a dimensão verbal a um plano secundário.

A geração de imagens é um processo construtivo, que inclui certas rotinas,como: picture (traçar); find (achar); put (colocar) e image (imaginar) (Kosslyn, 1975).

As idéias de Kosslyn (1975) apontam para algumas características das imagens visuais, referindo que as mesmas não são fenômenos marginais, não se recuperam globalmente,mas são geradas paulatinamente, com o acréscimo de novos detalhes, constituindo unidades coerentes. Não se constroem apenas a partir de informações perceptivas,mas incluem as discussões semânticas e descritivas, considerando que é possível elaborar novas combinações de imagens a partir de descrições verbais.

Essa concepção coincide com algumas das premissas de Vygotsky de que, quando os processos de desenvolvimento do pensamento, a linguagem e a imaginação se unem surgem novas representações mentais , e essa é a trajetória da construção do conhecimento.

Vygotsky e Luria proporcionaram explicações impostantes sobre o processo de construção do conhecimento humano. Trata-se de uma leitura, de uma compreensão que,certamente não se constitui como única nas explicações sobre a complexa trama interativa que ocorre no processo de aquisição do conhecimento e na regulação da conduta humana.

A concepção de representações mentais não é exclusiva de Vygotsky. Piaget e outros cognitivistas referiram-se também às representações mentais. Entretanto, os conceitos guardam certa proximidade entre si e são consideradas para todos os estudiosos da área funções psicológicas superiores, tipicamente humanas.

As imagens visuais são diversas:quadros, fotografias, reflexos no espelho, nas águas, contos, mitos, sonhos, símbolos. As imagens oferecem situações, coisas, pessoas que guardam alguma semelhança com outras situações, coisas e pessoas. As imagens transformam-se em representações mentais porque oferecem um análogo, seja porque estão no lugar das próprias coisas, como as fotografias, a pintura, por exemplo, seja porque nos fazem imaginar coisas através de outros meios. Por ser irreal, a imagem possui um atributo superior, pois tem o poder de tornar presente algo que está ausente, e que constitui precisamente uma representação mental.

As concepções de Vygotsky sobre o conhecimento representam um marco na interação que existe simultaneamente entre aprendizado e desenvolvimento humano. As relações com um conhecimento anteriormente possuído dirigem a atenção e a memória do indivíduo, orientando sua percepção e facilitando a aprendizagem. Os mecanismos mediadores são internalizados, e o indivíduo deixa de operar com signos externos, passando a usar as representações mentais, os conceitos, as imagens visuais, as palavras realizando atividades mais complexas, nas quais é capaz de controlar deliberadamente suas ações, através de recursos internalizados.

Trata-se então de uma trama complexa implícita no processo de construção do conhecimento dos seres humanos.

 

Referências Bibliográficas

KOSSLYN, S.(1975). Information, Representation in Visual Images. Cognitive Psychology, 7, 341-370.         [ Links ]

LURIA, A.(1976). El Cérebro em Acción. Barcelona: Fontanella,         [ Links ]

OLIVEIRA, M.K.(2001). Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento: Um Processo Sócio-Histórico. São Paulo: Scipione,         [ Links ]

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VYGOTSKY, L.et all. (1988). Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Ícone.

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