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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro nov. 2005

 

Revisão

 

Compreendendo os Mecanismos Atencionais

 

Understanding the atentional mechanisms

 

 

Ricardo Franco de Lima

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A atenção é uma função crucial que permite a interação eficaz do indivíduo com o seu ambiente, além de subsidiar a organização dos processos mentais. Com a atenção, nós podemos selecionar qual estímulo será analisado em detalhes e qual será levado em consideração para guiar nosso comportamento. Avanços recentes nos estudos usando métodos de neuroimagem e outras medidas neurobiológicas têm permitido a investigação dos mecanismos específicos do sistema cerebral de atenção. No presente artigo, nós revisamos diversos aspectos dos mecanismos atencionais. Primeiramente, nós apresentamos a definição e tipos de atenção (seletiva, sustentada e dividida). Em seguida, descrevemos as bases neurais e algumas técnicas de avaliação em pesquisas e contexto clínico. © Ciçncias & Cognição 2005; Vol. 6: 113-122.

Palavras-chaves: atenção; avaliação; bases neurais; neuropsicologia.


ABSTRACT

Attention is a crucial function that allows the efficient interaction of the individual with your environment and subserves mental process organization. With attention, we can select which stimuli will be analyzed in details and which will be allowed to guide our behaviour. Recent advances in the studies using methods of neuroimaging and others neurobiological measures have allowed the investigation of the specific mechanisms of the cerebral system of attention. In the present paper, we review several aspects of the attentional mechanisms. First, we present the definition and types of attention (selective, sustained and dividided). Second, we describe the neural basis of attention and some techniques of assessment in researches and clinical context. © Ciçncias & Cognição 2005; Vol. 6: 113-122.

Keywords: attention; assessment; neural basis; neuropsychology.


 

 

1. Definição e tipos

A atenção é amplamente estudada por diferentes áreas do conhecimento, tais como a psicologia, neurociência cognitiva, biologia, fisiologia, sendo considerada um importante construto para a compreensão dos processos perceptivos e funções cognitivas em geral.

Desde 1890, o caráter seletivo dos processos psíquicos é exposto de maneira bastante objetiva por William James (citado por Kandel, 1997:323):

"Milhões de itens (...) são apresentados aos meus sentidos e nunca entram propriamente na minha consciência. Por quê? Porque não têm interesse para mim. Minha experiência é aquilo que eu concordo em prestar atenção (...). Todos sabem o que é a atenção. É a tomada de posse pela mente, de forma clara e vívida, de um dentre o que parecem ser vários objetos possíveis simultâneos ou linha de pensamento. A focalização, a concentração da consciência são sua essência. Esta implica, a abstenção de algumas coisas para poder lidar eficazmente com outras."

Esse relato demonstra que o interesse dos cientistas pelos mecanismos atencionais não é recente. Três importantes características da atenção são expressas por William James neste relato: a) a possibilidade de se exercer um controle voluntário da atenção; b) inabilidade em atender diversos estímulos ao mesmo tempo, ou seja, o caráter seletivo e focalização; c) capacidade limitada do processamento atencional.

A atenção pode ser definida como a capacidade do indivíduo responder predominantemente os estímulos que lhe são significativos em detrimento de outros. Nesse processo, o sistema nervoso é capaz de manter um contato seletivo com as informações que chegam através dos orgãos sensoriais, dirigindo a atenção para aqueles que são comportamentalmente relevantes e garantindo uma interação eficaz como meio (Brandão, 1995). Desse modo, a atenção está relacionada ao processamento preferencial de determinadas informações sensoriais (Bear, Connors & Paradiso, 2002). Aquilo que nós percebemos depende diretamente de onde estamos dirigindo a nossa atenção. O ato de prestar atenção, independente da modalidade sensorial, aumenta a sensibilidade perceptual para a discriminação do alvo, além de reduzir a interferência causada por estímulos distratores (Pessoa, Kastner & Ungerleider, 2003).

Do ponto de vista histórico, vários modelos teóricos foram propostos desde as considerações de William James. O foco desses modelos era determinar o momento em que os estímulos são selecionados. Assim dividem-se as teorias da seleção inicial das teorias de seleção tardia. A primeira determina que os estímulos não precisam ser analisados completamente para serem selecionados. Já as teorias de seleção tardia indicam que os estímulos que chegam pelas vias sensoriais recebem uma análise prévia de características e significados e a partir daí são selecionados os estímulos que receberão um processamento mais aprofundado pelas áreas corticais (Gazzaniga, Irvy & Mangun, 1998).

Cherry (citado por Eysenck & Keane, 1994) desenvolveu a teoria da atenção auditiva focalizada. De acordo com a teoria, um indivíduo é capaz de selecionar e atender predominantemente apenas os estímulos que tem interesse, ignorando os demais que não são processados. Broadbent (citado por Gazzaniga e colaboradores, 1998) definiu com a teoria do filtro que os indivíduos possuem uma capacidade limitada de atenção, na qual somente os estímulos relevantes são atendidos ou processados. O sistema atencional atua como um filtro que "abre" para as informações a serem atendidas e "fecha" para as ignoradas. Assim, os estímulos não atendidos são rejeitados nos estágios iniciais do processamento das informações. Porém, Von Wright e colaboradores (citado por Eysenck & Keane, 1994) verificaram em seus experimentos com atenção auditiva que havia uma espécie processamento inconsciente das informações não atendidas, de modo que o filtro definido pelas teorias anteriores não excluiriam absolutamente tais estímulos. Essa posição também foi defendida por Treisman (citado por Gazzaniga e colaboradores, 1998). De acordo com a autora, a análise dos estímulos não atendidos pelo indivíduo é atenuada ou reduzida. Esse processo de atenuação seria um mecanismo utilizado pelo sistema atencional para reduzir a interferência que os estímulos irrelevantes produzem no processamento dos estímulos que estamos atendendo.

Podemos verificar que os mecanismos atencionais atuam de um modo dinâmico, selecionando os estímulos que chegam pelas diferentes vias sensoriais e organizando os processos mentais. Esses mecanismos e subdivisões da atenção podem ser verificados no resumo esquemático (Figura 1) adaptado de Gazzaniga e colaboradores (1998) que serão expostos a seguir.

 

Figura 01

 

O estabelecimento do foco de atenção possui um valor adaptativo, na medida em que discriminamos os estímulos que são relevantes dos irrelevantes e os direcionamos seletivamente aos recursos limitados de processamento das informações de nosso encéfalo (Bear e colaboradores, 2002). Mesmo que pudéssemos processar todas as informações que chegam ao nosso encéfalo, há uma vantagem no desempenho das tarefas quando estas são processadas de maneira seqüencial.

De acordo com os estudos realizados pela psicologia da Gestalt, a percepção ocorre através da seleção e organização ativa dos elementos que compõem, por exemplo, uma imagem ou um som, de modo que a configuração que emerge à consciência é mais do que mera soma das partes. Seguindo esse princípio, uma música não é percebida como uma seqüência de notas isoladas e sim por suas inter-relações. Isso é evidente visualmente na dicotomia Figura-Fundo, em que uma imagem é selecionada como foco atencional e o restante submergido ao fundo. Apesar de serem figuras diferentes uma necessita da outra (Davidoff, 1983; Kandel, 1997).

Vários fatores podem influenciar a atenção, como o contexto no qual o indivíduo está inserido, as características dos estímulos, expectativa, motivação, relevância da tarefa desempenhada, estado emocional, experiências anteriores (Davidoff, 1983; Cortese, Mattos & Bueno, 1999).

De acordo com Lent (2002), de um modo geral, a atenção envolve dois aspectos fundamentais. O primeiro é o alerta que representa estado geral de sensibilização dos orgãos sensoriais e o estabelecimento e manutenção do tônus cortical para a recepção dos estímulos. O segundo é a atenção propriamente dita que envolve a focalização do alerta sobre determinados processos mentais e neurobiológicos. Segundo Del Nero (1997:295):

"Um determinado nível de alerta é fundamental para que haja condição de se pensar em atenção. Esse nível, também considerado vigília plena, é o que mantém o cérebro em constante preparo para desempenhar suas funções, recrutando para seu funcionamento uma complexa orquestração de subsistemas que vão desde o tronco cerebral até o córtex. (...). O estar desperto depende tanto de um processo de tonificação de diversos departamentos cerebrais, quanto de um determinado mecanismo cortical responsável pela seleção de objetos de atenção e interesse. Há, então, dois mecanismos em jogo: o ascendente, que mantém o sistema apto a oferecer os candidatos à atenção, e o cortical, que os seleciona, tal fosse foco móvel sobre protagonistas no palco."

A capacidade de detectar seletivamente os estímulos pode ocorrer para as diferentes modalidades sensoriais. Por exemplo, no sistema visual, a atenção capacita-nos a nos concentrar em um objeto no meio de muitos outros presentes em nosso campo visual (Bear e colaboradores, 2002). Na modalidade auditiva, um exemplo que ficou muito conhecido foi chamado de "coktail party effect"(efeito coquetel) estudado por Cherry (citado por Eysenck & Keane, 1994). Esse efeito descreve as maneira pelas quais um indivíduo pode atender apenas uma voz e conversar com um amigo, em meio à uma variedade de sons e ruídos, como ocorre por exemplo em uma festa (idem).

Considerando o caráter multifatorial da atenção, os autores costumam dividi-la sob diferentes pontos de vista. Com relação à sua natureza/origem, a atenção pode ser dividida em voluntária ou involuntária (Dalgalarrondo, 2000). Outros termos correspondentes encontrados na literatura são: atenção controlada e automática, respectivamente.

A atenção voluntária envolve a seleção ativa e deliberada do indivíduo em uma determinada atividade, ou seja, está diretamente ligada às motivações, interesses e expectativas (Dalgalarrondo, 2000). Segundo Macar (2001), a atenção voluntária é mediada pelo processamento controlado das informações, no qual os efeitos facilitadores da tarefa desempenhada são acompanhados pelos efeitos inibidores sobre as atividades concorrentes. Desse modo, se atentamos à uma modalidade (exemplo: leitura), outras modalidades podem ficar inibidas (exemplo: insensíveis aos sons que chegam) (Bear e colaboradores, 2002).

A atenção involuntária é suscitada pelas características dos estímulos, ou seja, ocorre diante de eventos inesperados no ambiente e o indivíduo não é agente de escolha da sua atenção. Algumas características dos estímulos que "chamam" nossa atenção são: intensidade, tamanho, cor, novidade, movimento, incongruência e a repetição (Brasil, 1984). É um tipo de atenção mediada por processamento automático das informações e não requer controle consciente do indivíduo e funcionar para diferentes atividades (Macar, 2001). Este tipo de atenção está intimamente ligado à reação de orientação na qual o indivíduo movimenta os olhos e a cabeça em direção ao estímulo de modo a permitir condições de processamento (Brandão, 1995).

Outra subdivisão da atenção é baseada na maneira como ela á operacionalizada: seletiva, sustentada, alternada e dividida. A atenção seletiva é definida como a capacidade do indivíduo privilegiar determinados estímulos em detrimento de outros, ou seja, está ligada ao mecanismo básico que subsidia o mecanismo atencional. A atenção sustentada descreve a capacidade de o indivíduo manter o foco atencional em determinado estímulo ou seqüência de estímulos durante um período de tempo para o desempenho de uma tarefa (Dalgalarrondo, 2000; Sarter, Givens & Bruno, 2001). A atenção alternada é a capacidade do indivíduo em alternar o foco atencional, ou seja desengajar o foco de um estímulo e engajar em outro. A atenção também pode ser dividida para o desempenho de duas tarefas simultâmeamente. Um exemplo comum deste tipo de atenção é conversar enquanto executa outra tarefa. Os estudos com esse tipo de atenção indicam que para a divisão da atenção, uma das informações deve estar sendo mediada pelo processamento automático enquanto a outra, por meio de esforço cognitivo (processamento controlado). Assim, ao contrário do que podemos pensar, ouvir música e estudar é um exemplo de atenção alternada e não de atenção dividida.

A atenção pode ter como foco outras coisas, além dos estímulos sensoriais que chegam pelos sentidos. Ela pode dirigir-se para processos mentais, tais como as memórias, pensamentos, recordações, execução de cálculos mentais. Quando o foco é voltado para o ambiente externo também pode ser chamada de percepção seletiva e quando voltada ao ambiente interno pode ser chamada de cognição seletiva (Gazzaniga e colaboradores, 1998; Lent, 2002).

Os métodos de investigação dos mecanismos atencionais mudaram significativamente. Atualmente, com o avanço das técnicas de neuroimagem cerebral, tem sido possível evidenciar as estruturas cerebrais e mecanismos neurofisiológicos envolvidos com a atenção.

 

2. Bases Neurais da Atenção

Conforme descrito anteriormente, o estado de atenção necessita de um estado de alerta ou vigília anterior, ou seja, necessita de um adequado tônus cortical para a recepção dos estímulos que chegam pelos orgãos sensoriais.

De acordo com Brandão (1995), a formação reticular localizada no tronco cerebral é responsável pela regulação do estado de alerta (tenacidade) e subsidia o processo atencional. As informações provindas dos receptores sensoriais passam pela formação reticular de onde ascendem fibras para estuturas diencefálicas e corticais. A formação reticular torna-se, assim, uma estutura mediadora entre os estímulos externos e o mundo interno, pois através de mecanismos reguladores, como a atenção, seleciona os estímulos e permite uma interação com o meio. As projeções do chamado sistema ativador reticular ascendente (SARA) do trono cerebral possibilitam a ativação cortical, a manutenção do alerta e a escolha das respostas comportamentais. Acredita-se que esse processo seja mediado neuroquimicamente por neurônios dopaminérgicos provenientes do núcleo A10 dessa região.

O Sistema Reticular Ativador é dividido em dois componentes principais: o componente mesencefálico e o componente talâmico. O componente mesencefálico é formado pela substância reticular e a protuberância superior. A estimulação dessa região produz fluxo difuso de impulsos através de áreas talâmicas para áreas dispersas no córtex cerebral, produzindo um estado geral de vigília. O componente talâmico produz ativação de regiões específicas do córtex (Guynton, 1985).

A partir dessa ativação inicial, os neurônios do córtex parietal recebem informações sensoriais do tálamo e das áreas de associação corticais; as informações motoras são provenientes dos núcleos da base e do colículo superior; e informações límbicas são provenientes do giro do cíngulo e da amígdala. Todas essas áreas recebem aferências da formação reticular que regula o nível de ativação de cada uma delas (Brandão, 1995).

De maneira inversa, o sistema reticular ativador também pode ser ativado ou inibido por sinais de diferentes regiões do córtex (córtex sensorial somestésico, córtex motor e córtex frontal) por meio de vias neurais que se dirigem para os componentes mesencefálicos e talâmicos (Guynton, 1985). Desse modo, impulsos de diferentes regiões do córtex, e principalmente da região frontal modula a atividade da formação reticular.

Tem sido verificado em estudos de gravação da atividade neural realizados em macacos que a atenção afeta a atividade de áreas do cérebro que processam as características dos estímulos, como cor, movimento, textura e forma. Quando a atenção é dirigida para um único estímulo do campo visual, por exemplo, ocorre um aumento na taxa de disparo de neurônios que atendem a esse estímulo (Motter, 1993). Desse modo, quando é estabelecido um foco atencional há uma facilitação das respostas dos neurônios corticais tanto nas áreas sensoriais quanto associativas (Lent, 2002). Corbetta, Miezin, Dobmeyer, Shulman & Petersen (1991) demonstraram que há diferentes sistemas envolvidos com a discriminação da cor, forma e velocidade dos estímulos em estudos com PET. De acordo com seus resultados, a atenção seletiva visual modula a atividade de regiões distintas do córtex extraestriado que são responsáveis pelo processamento das diferentes características dos estímulos. Assim, a atenção pode afetar diretamente a seleção de características visuais específicas da localização espacial.

Para a modalidade visual da atenção, podemos verificar que, didaticamente, há três sistemas principais: orientação da atenção, atenção executiva e vigilância. A orientação da atenção visual ocorre em três momentos: a) desengajamento do foco atual (Lobo Parietal Posterior, principalmente do hemisfério direito); b) mudança do foco atencional para a localização do estímulo esperado (colículo superior); c) localização do alvo e engajamento (Tálamo, principalmente o núcleo pulvinar). O controle executivo da atenção está relacionado à detecção da relevância de um estímulo e a inibição das interferências de outros estímulos concorrentes, exigindo portanto esforço do processamento atencional. A região que está intimamente envolvida com esse processo é o giro cingulado anterior. Foi verificado em estudos com humanos submetidos ao Stroop Color Word Test (SCWT), caracterizado como um teste de conflito cognitivo, que essa região foi ativada quando os indivíduos solucionavam o conflito induzido pelo teste. Presumidamente, esse sistema inibe as respostas automáticas de leitura das palavras, permitindo a nomeação das cores. Além do giro cingulado anterior, outras áreas do lobo frontal e pré-frontal também atuam no sistema executivo da atenção. O terceiro sistema é a vigilância, relacionada ao processo de sustentação da atenção. Neste estado, encontra-se a diminuição da taxa cardíaca e atividade elétrica cerebral e um fluxo sangüíneo cerebral maior nas áreas dos lobos frontal e parietal, principalmente do hemisfério direito (Gazzaniga e colaboradores, 1998; Macleod & Macdonald, 2000; Sarter e colaboradores, 2001; Pessoa e colaboradores, 2003; Lent, 2002).

Em estudo sobre a atenção seletiva nas modalidades visual e auditiva utilizando tomografia por emissão de pósitrons (PET), Kawashima e colaboradores (1998) verificaram que os mecanismos de atenção seletiva dependem da modalidade da informação sensorial a ser processada. A atenção seletiva visual ativou regiões do córtex de associação visual, parietal e pré-frontal. A atenção seletiva auditiva ativou o córtex auditivo, parietal inferior, pré-frontal e cingulado anterior.

 

3. Avaliação da Atenção em Humanos

A atenção é avaliada em diferentes modalidades e níveis. Há estudos que privilegiam os efeitos neurais dos mecanismos da atenção com registro da atividade eletrofisiológica dos neurônios. Nesses estudos, realizados principalmente com macacos, são implantados microeletrodos em regiões do cérebro e a atividade eletrofisiológica dos neurônios são registradas enquanto eles desempenham uma tarefa que exige atenção (Moran & Desimore, 1985).

Outros estudos utilizam PET, ressonância magnética funcional (fMRI) e outras técnicas de neuroimagem para determinar quais estruturas cerebrais estão envolvidas com os diferentes tipos de atenção nas diferentes modalidades sensoriais: visual, auditiva e tátil (Driver & Frackowiak, 2001). Nesses estudos, costuma-se utilizar testes experimentais que visam apreender processos básicos envolvidos com a atenção, como por exemplo, a atenção visoespacial, atenção visual envolvida com a percepção de formas, cores e texturas, etc. Também costuma-se utilizar testes neuropsicológicos e clínicos correlacionados com as neuroimagens.

Um experimento clássico de medida da atenção seletiva foi realizado por Posner (citado por Gawryssewski & Carreiro, 1998). Nesse experimento, o participante sentava-se em frente a uma tela e fixava o olhar em um ponto central. Uma pista direcionadora aparecia podendo indicar para qualquer lado a ocorrência de um estímulo-alvo. Sem desviar o olhar, o indivíduo devia pressionar um botão no instante em que esse estímulo fosse projetado. O experimentador media o intervalo de tempo entre o aparecimento do estímulo-alvo e a resposta motora (tempo de reação). Os menores tempos de reação foram interpretados como um grau maior de atenção. No entanto, a pista podia indicar um local oposto ao aparecimento do alvo. Nesse caso, o tempo de reação media a rapidez em que o indivíduo mudava sua atenção de um local para outro.

Outro experimento clássico realizado por Treisman (citado por Lent, 2002) é o "Teste de Busca Visual" no qual o participante deveria identificar em diferentes cartões, a presença de um elemento discrepante (alvo) como por exemplo, a letra "O" na cor azul, dentre outros elementos que serviam como distratores (letras como outras cores). Após a identificação da presença do alvo, o participante deveria pressionar um botão. O escore do teste era obtido a partir do tempo de reação do participante. Independente do número de distratores utilizados, quando os participantes analisavam apenas uma característica de discrepância (como a cor), seu tempo de reação era pequeno. Contudo, quando analisavam duas características dos estímulos (cor e forma), o tempo de reação aumentava. Isso indica que eles deviam analisar duas características através de canais perceptivos diferentes e, portanto, dificultando a tarefa e aumentando o tempo de identificação do estímulo alvo.

Um efeito semelhante ficou conhecido como Efeito Stroop. No "Stroop Color Word Test" (SCWT), os participantes são submetidos a três condições de testagem: a) Cartão W (Word)/ Condição Neutra: o participante deve ler uma lista de palavras com nomes de cores o mais rápido que puder; b) Cartão C (Color)/ Condição Congruente: deve ler uma lista de palavras com os nomes de cores e grafadas com as cores correspondentes; c) Cartão CW (Color - Word)/ Condição Incongruente: são apresentados nomes de cores impressos em outras cores. São obtidos escores referentes ao tempo de reação, número de erros, facilitação e interferência (Stroop, 1935). De acordo com MacLeod & MacDonald (2000), a situação incongruente produz um conflito cognitivo no qual o participante é induzido a processar duas informações: nomear a cor e ler a palavra.

Para o estudo da atenção seletiva auditiva, um teste muito utilizado é o da "Informação Dicótica". Neste teste o participante ouve diferentes informações apresentadas em seus ouvidos. Quando o experimentador solicita que ele reproduza o que foi apresentado nos dois fones, o participante é capaz de repetir apenas parte das informações de cada um. No entanto, quando se solicita que ele reproduza as informações de apenas um fone, o participante é capaz de lhe informar corretamente, não sendo, contudo, capaz de informar o que foi apresentado no ouvido contralateral. As conclusões dos autores são que por meio da seletividade o indivíduo pode perceber os sinais de seu interesse entre muitos ruídos presentes no ambiente (Cherry citado por Eysenck & Keane, 1994).

Um dos paradigmas para o estudo da atenção dividida é a instrução para que os participantes realizem duas tarefas simultâneamente, como por exemplo, realizar uma tarefa específica e repetir palavras ouvidas por meio de um fone de ouvido. Os estudos indicam que os melhores desempenhos na modalidade da atenção dividida são obtidos quando as tarefas são dissimilares, relativamente fáceis ou bem treinadas. Assim, as informações de uma das tarefas deverão ser processadas automaticamente enquanto que a outra será mediada pelo processamento controlado (Eysenck & Keane, 1994).

No plano comportamental e clínico, pesquisa-se o desempenho de populações específicas com, por exemplo, indivíduos com lesão cerebral (Damasio, Damasio & Chang, 1980), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (Booth e colaboradores, 2005), transtornos de ansiedade (Lautenbacher, Spernal & Krieg, 2002), depressão (Liu e colaboradores, 2002), esquizofrenia (Egeland e colaboradores, 2003), dentro outros.

De acordo com Cortese e colaboradores (1999), os seguintes fatores estão presentes em todas as modalidades de testes de atenção: a) Vigilância: capacidade de selecionar e focar os estímulos; b) Amplitude: quantidade de estímulos que deverão ser processados na realização do teste; c) Tracking: rastreamento do material em foco envolvendo processos de memória de curto prazo; d) Tempo de reação: tempo necessário para a realização da tarefa; e) Alternância: flexibilidade e velocidade no deslocamento da atenção de um foco para outro.

De acordo com Ross (1979), uma medida da atenção não pode ser obtida em uma situação na qual se exige a aquisição de uma habilidade e sim quando o indivíduo deve desempenhar uma resposta motora simples, como pressionar um botão após o aparecimento de um estímulo perceptível. Desse modo, a falha na emissão da resposta motora poderá ser considerada, neste caso, como um indício da falha atencional.

Culbertson & Krulll (1996) apresentam um resumo das relações entre as funções neuropsicológicas da atenção e os testes mais utilizados para avaliá-las: a) Foco e Execução - Função de velocidade percepto motora: Trail Making Test, Teste de Cancelamento de Letras, Stroop Color Word Test (SCWT), Substituição Dígito-Símbolo; b) Sustentação - Função de Vigilância: Teste de Performance Contínua com medidas dos erros, omissões e tempo de reação; c) Armazenamento - Função numérica e mnemônica: Digit Span e Aritmética do WISC; d) Alternância - Função de Flexibilidade: Winconsin Card Sorting Test (WCST).

Do ponto de vista neuropsicológico, é fundamental compreender os mecanismos atencionais, na medida em que representam a base de todos os processos cognitivos e encontram-se alterados na presença de sintomas clínicos.

 

4. Referências Bibliográficas

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Endereço para Correspondência
Ricardo Franco de Lima. Formado em Psicologia pela Universidade São Francisco- Itatiba/SP. Aprimorando em Psicologia Clínica Aplicada à Neurologia Infantil - UNICAMP/SP como bolsista da FUNDAP. Membro do grupo de pesquisa CNPq Neurodesenvolvimento, escolaridade e aprendizagem. Contato: Rua Clóvis Soares, nº 368, casa 1. Alvinópolis, Atibaia/SP. CEP: 12942-561. Telefone: (11) 9698-5884. e-mail: ricardopsique@hotmail.com