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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro Nov. 2005

 

Revisão

 

A Influência do locus de controle conjugal, das habilidades sociais conjugais e da comunicação conjugal na satisfação com o casamento

 

The Influence of the Locus of Conjugal Control, the Conjugal Social Abilities and the Conjugal Communication in the Satisfaction with the Marriage

 

 

Patrícia da Motta Vieira Figueredo

Instituto de Psicologia, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

A crise atual da família, como casais que se queixam de insatisfação conjugal, atribuída às dificuldades de comunicação, tem provocado o interesse de muitos pesquisadores de diversas áreas das ciências humanas. Este arti go apresenta a base teórica de uma pesquisa empírica, em andamento, sobre este tipo de problema. Pretende-se avaliar a possível influência de variáveis conjugais, tais como, habilidades sociais, locus de controle e comunicação na mútua satisfação. As relações teóricas obtidas podem ajudar a predizer mudanças comportamentais na comunicação conjugal, com um possível aumento da satisfação conjugal. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 06: 123-132.

Palavras-chave: satisfação conjugal; comunicação; habilidades sociais; locus de controle.


ABSTRACT

The present family crisis, with couples complaining of conjugal dissatisfaction, they attribute to communication difficulties, has elicited the interest of several researchers on various human science areas. This article presents the theoretical basis of an empirical research, in progress, on this type of couple's problem. It is intend to evaluate the possible influence of conjugal variable, such as, social abilities, locus of control and communication on their mutual satisfaction. Obtained theoretical relations may help to predict behavioral changes on conjugal communication, with possible increase on conjugal satisfaction. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 06: 123-132.

Keywords: conjugal satisfaction, communication, social abilities , locus of control.


 

 

1. Introdução

O casamento atual revela um retrato das influências externas, da dinâmica social e econômica que a sociedade tem experimentando. Nesse contexto, é possível levar em conta representantes típicos dessas mudanças, tais como, os diferentes papéis assumidos por homens e mulheres, como no caso em que a mulher "sai" para trabalhar e o homem fica e assume os cuidados da casa, incluindo os filhos. Esta saída pode ser interpretada como a conquista feminina do espaço público, ou seja, a substituição do privado pelo o público, como sugere Vaitsman (1995). Observa-se ainda, na atualidade, a redução do tamanho da família, inclusive a opção de "não crescer e nem multiplicar". No que tange as múltiplas e variadas formas de relações íntimas, como as chamadas "famílias pluralistas" (Silva, 2001), simbolizada pelas famílias monoparentais (em grande expansão no Brasil), homossexuais e pelos chamados recasados, é interessante destacar sua representação e atual vigência. Outros fenômenos notáveis, observados na realidade brasileira, são a diminuição da proporção de homens em comparação com as mulheres e também o aumento da longevidade.

Os conflitos e mudanças advindos da família contemporânea geram certa estranheza para os interessados no tema. Os modelos são muitos e diversificados. O que se vê, na atualidade, são pessoas confusas e inseguras frente aos novos modelos de família e mais, especificamente, de casamento. Há consenso entre os pesquisadores do tema, no sentido de que a família vive um período diferente, seja no sentido de adaptação às diversas mudanças sociais, econômicas, tecnológicas, seja pela sua forma de se constituir, manter-se ou estruturar-se.

Se podemos admitir que as mudanças são inevitáveis, que as influências diversas levam ao surgimento de um novo modelo de família, que a longevidade, o individualismo e o avanço tecnológico tornam essa instituição necessariamente diferente, por que considerar, como fonte de investigação, o casamento contemporâneo? Para tentar responder a essa questão começarei listando uma série de fatos que se tornaram relevantes e, particularmente, inquietantes. Parece contraditório, em meio a tantas dificuldades que o casamento enfrenta hoje, que ainda exista um número significativo de pessoas motivadas a contraírem núpcias. A maior razão para o desejo do enlace matrimonial, segundo demonstram as pesquisas, é o sentimento de amor. Em outras épocas motivações diversas levavam as pessoas ao casamento, como os fatores econômicos e as alianças familiares. O amor, como agente motivador, é bem mais recente (Jablonski 1998). Em pesquisas com jovens solteiros, Jablonski (1996, 2001) observou que estes destacam o amor, em primeiro lugar, como fator principal para as pessoas se casarem e para que o casamento possa se manter.

De acordo com os cálculos do IBGE (Duarte & Propato, 2000), anualmente no Brasil, para cada sete casamentos, há um divórcio, sendo que as mulheres separam-se mais cedo, entre 25 e 34 anos, e os homens entre 30 e 39 anos. Observa-se também, que a taxa de fecundidade caiu de 5,8 para 2,3 filhos entre a década de 70 até os diais atuais (Sampaio, 2000). Quadro que aponto no sentido de que o casal contemporâneo vive também o conflito entre querer ou poder ter filhos. De alguma forma, esse conflito parece estar relacionado à individualidade e liberdade do casal, já que as pessoas adiam a gestação em função da realização profissional. Esse fato, reflexo da sociedade moderna, mostra um quadro crescente de mulheres desejosas de engravidar, mas impedidas pela idade e por outros fatores que os médicos e cientistas ainda estão tentando entender, dentre eles, caberia ressaltar o estresse da vida exaustiva que as mulheres experimentam no momento atual (Lipp, 1996).

Outro fato a ser considerado, diz respeito a tecnologia, mais especificamente, sua contribuição para o isolamento das pessoas. É queixa comum dos casais, a dificuldade de comunicação relacionada à tecnologia. O silêncio na sala de estar é quebrado apenas pelo noticiário da televisão; a internet que comunica o mundo, distancia os mais próximos; falo com o Japão virtualmente e não consigo expressar-me, com plena intimidade, para alguém que está ao meu lado, que convive diariamente comigo. Portanto, parece possível considerar que o comprometimento da qualidade da comunicação dos casais contemporâneos tem sido envolvido por fatores diversos, desde da mudança dos papéis de homens e mulheres até o avanço tecnológico.

Considerando os dados acima, justifica-se investigar o casal desse novo século. Portanto, partindo dessa premissa, essa pesquisa pretende observar o casal contemporâneo, considerando o lócus de controle conjugal, a comunicação e as habilidades sociais conjugais como variáveis independentes e a satisfação conjugal, como variável dependente.

 

2. Locus de controle

O assunto sobre o controle do comportamento humano é particularmente interessante, principalmente quando relacionado à influência social. As pessoas tendem a comportar-se de acordo com as regras do grupo em que estão inseridas, obedecem ordens e se adaptam para serem aceitas. Nesse caso, as forças externas aparecem como reguladoras do comportamento e o controle interno parece estar sem expressão ou inexistente (Deaux & Wrightsman, 1984). Por outro lado, os que têm a forte crença de que a habilidade influencia os eventos, o fazem em função de acreditar que assim pensando, poderão, de alguma maneira, manipular os acontecimentos. Glass e Singer (1972) afirmam que o desempenho das pessoas, em tarefas de rotina, é melhor quando elas acreditam que têm o controle da situação. Isso mostra que a crença no controle não está apenas na fantasia das pessoas. O comportamento é afetado e alterado quando acreditamos que temos controle sobre as circunstâncias.

Como observado acima, as pessoas percebem, de modo diferente, o controle de suas vidas. Para explicar esse fenômeno, Rotter (1966) propôs o conceito de Locus de Controle. Rotter se refere ao seu trabalho como uma teoria de aprendizagem social por acreditar que o comportamento humano é adquirido por meio de experiências sociais (Schultz & Schultz 2002). Através da aprendizagem social, os indivíduos adquirem percepção sobre os acontecimentos para explicar os motivos e o porquê dos fatos que ocorrem em sua vida. O locus de controle é abordado por Rotter como uma forma para explicar diferenças na personalidade, quanto às crenças que as pessoas possuem sobre a fonte de reforço, se ele advém do seu próprio comportamento ou por forças externas.

O locus de controle explica a percepção do indivíduo da seguinte maneira: 1º - há os que consideram que os acontecimentos da vida ocorrem por conta de fontes externas, ou seja, que existem outras entidades, como seres divinos, o destino e outros indivíduos que controlam as circunstâncias; e 2º - há os indivíduos considerados como internos que acreditam que os fatos são oriundos do próprio sujeito, de sua própria capacidade ou esforço (Rotter, 1966; Spanhol, 1991).

No casamento, dados interessantes tem sido encontrados relacionando o locus de controle e a satisfação conjugal. Em uma pesquisa com 90 homens e 116 mulheres casados, há no mínimo três anos, Dela Coleta (1992) verificou que a internalidade está relacionada a maior satisfação conjugal e a melhores perspectivas de futuro.

Doherty (1983 apud Spanhol, 1991; Dela Coleta, 1992) propôs um modelo que pudesse avaliar a satisfação conjugal em função do locus de controle. Neste modelo, a pessoa, com predominância de locus de controle interno, deverá se empenhar para resolver seus problemas conjugais e como conseqüência, deverá sentir-se mais satisfeito no casamento. Esse modelo também propõe que, com o passar do tempo, as pessoas mais externas tenderiam se tornar ainda mais externas e os mais internos se tornariam mais internos, pelo fato de suas experiências de sucesso e fracasso serem reforçadas ao longo do relacionamento conjugal. Portanto, o casal, quando ambos são internos, percebendo sua capacidade na resolução de conflitos na relação conjugal, tenderiam, de modo geral, a estar mais satisfeitos com o seu casamento.

Os resultados de pesquisas realizadas no Brasil por Dela Coleta (1989b), Spanhol, (1991) e Ennes, (1996) confirmam a influência positiva do locus de controle interno na satisfação conjugal. Dela Coleta (1992) observou ainda que as pessoas mais internas tendem a ser mais otimistas do que os externos, quanto ao futuro de seu casamento. Isto pode ser explicado pelo compromisso e responsabilidade que a pessoa assume frente às melhorias de sua relação conjugal. Nesse caso, podemos considerar que o fato das pessoas assumirem tal responsabilidade, favorece na qualidade da comunicação e, conseqüentemente, na satisfação e bem-estar conjugal, levando em conta que isto depende do empenho e iniciativa de cada cônjuge frente a sua relação.

 

3. Habilidades sociais

O ser humano comporta-se de forma a atingir suas necessidades. Nas relações sociais, essas necessidades afloram, tornam-se evidentes. Ser capaz de lidar adequadamente com as necessidades existenciais e sociais, implica em ser socialmente hábil. Comportar-se de maneira habilidosa deve envolver intencionalidade e conduta hábil, caso contrário, o comportamento estará destituído de significado.

Ao tentar definir o que seria habilidade social ou ser habilidoso socialmente, os estudiosos deste tema encontram dificuldade em chegar a um consenso sobre o que realmente constitui uma conduta habilidosa. Para Caballo (1993), as habilidades sociais devem ser consideradas levando em conta o meio cultural e os padrões de comunicação, tendo em vista as variações que ocorrem entre culturas e dentro de uma mesma cultura. Portanto, para este autor, ao definir habilidade social, deve-se observar o contexto adequado para tal definição. Segundo Caballo, a conduta socialmente habilidosa é definida da seguinte maneira:

"La conducta socialmente habilidosa es ese conjunto de conductas emitidas por un individuo en un contexto interpersonal que expresa los sentimientos, actitudes, deseos, opiniones o derechos de ese individuo de un modo adecuado a la situación, respetando esas conductas en los demás, y que generalmente resuelve los problemas inmediatos de la situación mientras minimiza la probabilidad de futuros problemas." (1993:06)

Para explicar as habilidades sociais, Del Prette e Del Prette (1999) apresentam dois conceitos, que são tratados de forma distinta, os conceitos de competência social e de habilidades sociais. O conceito de competência social está relacionado com o sucesso ou o déficit de comportamento, diz respeito a uma avaliação da adequação do comportamento e do efeito produzido em uma determinada situação. As habilidades sociais, por sua vez, envolvem os aspectos comportamentais (verbal ou não-verbal) que são necessários à competência social.

Alguns autores têm chamado a atenção para habilidades que podem tornar as pessoas mais felizes e satisfeitas em suas relações conjugais, embora concordem que esta construção de vida em comum, seja um contínuo exercício de aprendizado e compromisso que se perpetua ao longo da vida (Gottman & Silver, 2000; Bissonnette, Rusbult & Kilpatrick, 1997). Esse compromisso exprime uma necessidade de constância em tornar a relação sempre melhor. As habilidades sociais podem garantir, em parte, esse compromisso. Se apenas um dos cônjuges alcança um desenvolvimento sócio-afetivo rápido, o casamento pode sofrer conseqüências desse desenvolvimento pessoal. A pessoa poderá reavaliar sua relação como insatisfatória e, consequentemente, procurar alternativas compatíveis ao seu estado atual, levando à ruptura do casamento (Del Prette & Del Prette, 2001a).

Uma das habilidades sociais que as pesquisas têm mostrado como fonte de satisfação conjugal é a habilidade social de empatia. Através da empatia é possível compreender, os sentimentos e perspectivas de outra pessoa e experimentar compaixão e preocupação com o bem-estar para com a mesma (Falcone, 1999). Carl Rogers (1983) afirma que compreender empaticamente é captar de forma acurada os sentimentos e significados que o outro experimenta. Segundo esse autor, os melhores casamentos são aqueles em que os cônjuges são capazes de genuína aceitação do companheiro(a) (Fadiman & Frager, 1986). Quando o casamento é usado para reforçar tendências defensivas existentes, é menos satisfatório e, conseqüentemente, corre sério risco de se desfazer.

Gottman e Rusche (1995) citam outras habilidades que seriam essenciais para a qualidade da relação conjugal, tais como as habilidades de acalmar-se e identificar estados de descontrole emocional (tanto em si mesmo, como no cônjuge), ouvir de forma não defensiva e com atenção, validar o sentimento do cônjuge e romper o ciclo queixa-crítica-defensividade-desdém. Significa dizer que a pessoa habilidosa em sua relação conjugal, poderá lançar mão do que Gottman (1998) chamou de mecanismos de reparação que são modos de tentar fazer com que as coisas possam melhorar, através de expressão de comentários que denotem os sentimentos de quem se expressa.

Villa (2002), relatando sua experiência clínica, observou que muitos casos de separações conjugais e busca de suporte psicoterapêutico ocorrem em função de dificuldades de um ou ambos os cônjuges quanto às habilidades interpessoais. Por algum motivo, essas pessoas não desenvolveram habilidades satisfatórias para uma comunicação efetiva e acurada, manifesta através de expressões de sentimentos positivos, elogios, agrados, opiniões, desejos e escuta ativa.

 

4. Comunicação

A palavra comunicação vem do latim communicatio. A raiz munis significa "estar encarregado de". O prefixo co expressa conjunto, reunião, uma idéia de "atividade realizada conjuntamente" e por último, a terminação tio, vem reforçar a idéia de atividade (Martino, 2001). Segundo Martino, este foi o seu primeiro significado no vocabulário religioso, onde acredita-se que o termo tenha sido usado pela primeira vez, isso porque, no cristianismo antigo, marcado pela contemplação e isolamento, os cenobitas interpretavam esse isolamento através de uma vida em comunidade, vivendo em mosteiros. A communicatio, ato de tomar a refeição em comum, reunindo todos os que estavam isolados, marca a introdução desse termo na tradição religiosa monacal.

Além do sentido etimológico, exposto acima, a comunicação pode ser representada da seguinte maneira: comum + ação, ou seja uma ação em comum. Nesse caso, é a ação sobre uma outra pessoa, o alvo de interesse, o receptor da informação, portanto a comunicação implica uma relação intencional, direcionada para alguém ou para outras pessoas, é o produto de um encontro social. Não se trata apenas de pessoas que têm algo em comum por pertencer a um determinado grupo, mas de indivíduos interessados e atentos ao outro. A comunicação se manifesta quando duas ou mais pessoas se encontram e trocam algum tipo de informação, ela faz parte da rotina do ser humano e é através dela que as pessoas se reconhecem. Segundo Miller (1976, p.07), a "comunicação ocorre quando os eventos num dado lugar ou num dado momento estão intimamente relacionados com eventos num outro lugar ou num outro momento". Não é simplesmente o outro que passa a ser conhecido quando as pessoas se comunicam, mas há também o auto-conhecimento. É preciso que o outro reconheça o que está sendo dito e que reaja a essa comunicação, essa troca é fundamental para que o indivíduo se reconheça como tal. Ao se comunicar, o homem se reconhece enquanto humano, toma conhecimento de si mesmo e consegue interagir com outros ao longo da vida. Portanto, como Martin Buber (1982:137-138) afirma, o indivíduo só é indivíduo na relação estabelecida através do diálogo, a palavra, que é dialógica, traz a existência, o sentido de ser.

A interação social se manifesta na comunicação entre as pessoas e é através dessa e de outros fenômenos (como percepção social e atitudes) que as pessoas manifestam seu comportamento em relação a outros. Nesse caso, é interessante destacar que uma boa comunicação, ou uma comunicação clara, objetiva, na qual o outro entenda plenamente o que está sendo dito, provavelmente terá como conseqüência uma resposta adequada a essa comunicação, ou seja, uma compreensão real da questão. Por outro lado, quando as pessoas não se expressam com objetividade, a tendência é haver distorções, incompreensões que impedem a perfeita comunicação. Portanto, quanto mais objetivo o discurso for, menor será a probabilidade de equívocos e melhor será comunicação. Entretanto, o ideal de uma comunicação objetiva nem sempre é compatibilizado com a realidade da comunicação interpessoal, marcada pela linguagem coloquial e tonalizada por imprevisíveis variações semânticas.

Argyle (1974) afirma que a comunicação verbal é o mais complexo e apurado meio de comunicação disponível, levando em conta que esta é aprendida, tem o poder de transmitir informações e estrutura gramatical, além de ser uma forma humana de se revelar para o outro através da extensão, ou quantidade de conteúdo ou da profundidade desse conteúdo (Miranda, 1987). Numa interação em que as pessoas são mais íntimas, são mais próximas, a comunicação verbal é um importante instrumento no estabelecimento e manutenção dessa intimidade. Na relação conjugal, por exemplo, a linguagem observada entre os seus membros é peculiar àquele determinado grupo. Coisas são ditas para o cônjuge a que ninguém mais tem acesso ou até ninguém entenderia o seu valor semântico. Essa intimidade interpessoal é considerada por Argyle (1974:41) em função de: proximidade física, contato visual, expressão facial (sorrir), assunto de conversação (quanto tem de pessoal), tom de voz (cordial) etc.

Argyle (1974), também lista uma série de comportamentos manifestos por uma pessoa que descrevem seu estado emocional, sua auto-estima, sua insegurança e outros sentimentos e emoções que os indivíduos revelam através da linguagem não verbal. Um dos pontos observado por este autor diz respeito à postura corporal, que é significativa para comunicar sinais sociais, como no caso de posturas superiores (dominadoras) e inferiores (submissas). A comunicação através da postura corporal é tão reveladora que pode demonstrar estado de tensão ou de relaxamento, revelar a atitude de um indivíduo frente a outros, além de outras informações como satisfação, timidez, surpresa, impaciência etc. Os gestos que são movimentos corporais expressivos, também são reveladores podendo indicar o estado emocional da pessoa. Um indivíduo muito ansioso, frente a um público alvo que aguarda sua palavra, pode trabalhar tão arduamente como um trabalhador braçal.

Considerando ainda a expressão facial, os olhos comunicam muitas emoções difíceis de serem verbalizadas. Um olhar pode comunicar diferentes pensamentos, intenções e emoções. Os olhos são descritos como o principal instrumento para captar mensagens, para reconhecer o ambiente físico e social (Hall, 1981). O olhar tem aparecido em 78% dos estudos que empregam componentes de condutas. O olhar funciona tanto como um canal receptor como um sinal emissor (Caballo, 1993). Argyle (1972) observou o olhar durante interações sociais e obteve algumas conclusões, como a de que as pessoas tendem a olhar mais para a metade superior do rosto do interlocutor; o olhar é evitado quando o receptor da informação apresenta vacilações ou pausas em suas frases; os pares do mesmo sexo tendem a olhar mais para si mesmos do que para o sexo oposto. Del Prette e Del Prette (1999) advertem para o cuidado dessas conclusões de Argyle, pois no que tange a população brasileira, esses resultados podem não corresponder à nossa realidade, mas não querem dizer com isso que neguem essas avaliações, que podem servir como referencial para pesquisas interculturais.

Há uma estreita relação entre a comunicação e o casamento. Na relação conjugal, os dois atores interagem de forma íntima e constante, o que leva a encontros e desencontros de informações. Por ocuparem o mesmo espaço físico, o casal é constantemente impelido à comunicar a encarar o cônjuge face a face, a discutir sobre suas diferenças, a abordarem assuntos diversos e a trocar confidências pertinentes única e exclusivamente àquela relação. Por essa rotina constante, a comunicação permeia o cotidiano do casal. É comum, em qualquer interação social, que a mensagem que se pretende emitir não seja plenamente compreendida, a outra pessoa pode ser atingida ou não. Na intimidade conjugal, essa incompreensão pode ser comprometedora para a saúde do casamento. Duas pessoas morando juntas, vivem, inevitavelmente, diferenças, desagrados e conflitos, o poder da comunicação pode ser determinante para a resolução desses problemas.

Alguns autores afirmam que a queixa mais comum que leva o casal a submeter-se à terapia é a comunicação pobre ou deficiente (Sher & Baucom, 1993) e esta mesma queixa é considerada pelos psicólogos clínicos como o problema mais prejudicial que os casais experimentam no relacionamento (Geiss & O'Leary, 1981). A deficiência na comunicação entre os casais é um forte gerador de outros conflitos, como é o caso da violência ou a agressão física. Se em um casamento a mulher possui maior habilidade, maior competência verbal do que seu marido, consequentemente, ele poderá reagir com agressão física, por conta da incapacidade de expressar-se adequadamente na relação com sua esposa. Babcock, Waltz, Jacobson & Gottman (1993) afirmam que é possível que a agressão física ocorra em função da falta de competência em responder a situações conjugais problemáticas e esta expressão de agressividade é o produto do déficit de habilidade geral de comunicação.

As pesquisas realizadas que se propuseram a estudar a relação existente entre a comunicação e o casamento, mostram o quanto a comunicação pode fazer diferença no que tange o ajustamento conjugal.

 

5. Satisfação Conjugal

A abordagem científica da satisfação conjugal iniciou-se por volta de 1929 através da obra de Gilbert Hamilton intitulada de "A research in marriage" (Locke & Williamsom, 1958 apud Miranda, 1987, p.97). Nesse momento, o ajustamento conjugal era definido como uma tendência a evitar resolver dificuldades na relação, como um sentimento de satisfação com o esposo (a) e com o casamento, como o compartilhar de atividades e interesses comuns e capacidade de preencher as expectativas do cônjuge (Dela Coleta, 1989b). Spanier (1976), famoso por seu instrumento (muito utilizado ainda hoje) que verifica a qualidade do casamento, prefere usar esse termo, referindo-se a ajustamento, comunicação, felicidade, integração e satisfação. Segundo Lenthal (1977), satisfação conjugal seria a comparação entre expectativas do casamento e seus resultados e estabilidade conjugal seria a comparação entre a melhor alternativa possível de avaliação e o resultado do casamento.

Miller (1976) estabelece sete antecedentes para satisfação conjugal: antecedentes de socialização, os papéis de transição na família, o número de filhos, os anos de casados, a tempo e duração dedicado à convivência, o nível sócio-econômico e o espaço para os filhos. Ao aplicar esse modelo, o autor observou que a facilidade de adaptação a mudança de papéis familiares e a duração da convivência (companheirismo) afetam diretamente a satisfação conjugal. Gray-Little e Burks (1983) também relacionam tempo de casamento e estabilidade conjugal. Para esses autores, o tempo que a relação permanece intacta determina a estabilidade dessa relação e a felicidade conjugal é representada pela satisfação subjetiva dos cônjuges com o casamento como um todo.

Uma visão contemporânea a respeito da felicidade no casamento é apresentada por Gottman e Silver (2000). Ao longo de algumas décadas, Gottman tem se empenhado nas pesquisas sobre casamento. Através das pesquisas realizadas por Gottman e sua equipe, foi possível perceber o perfil do que eles chamaram de um casamento que funciona. Os casais avaliados como felizes não são mais inteligente, ricos ou mais astutos. O que os diferencia dos demais é a habilidade para viver, no dia-a-dia, impedindo que os pensamentos e sentimentos negativos mútuos, comuns em todo relacionamento, dominem os positivos. Para isso, é necessário que os dois vivam um casamento emocionalmente inteligente. Ser emocionalmente inteligente implica em ter capacidade de entender, honrar e respeitar-se mutuamente. Quanto mais emocionalmente inteligentes forem os casais, maior será a probabilidade de serem satisfeitos, felizes.

Um elemento importante da qualidade do relacionamento conjugal é uma relação sexual satisfatória. As pesquisas que relacionam satisfação conjugal e relacionamento sexual revelam a intimidade entre essas duas variáveis. Na atualidade, as pessoas estão interessadas em manter uma vida sexual ativa e plenamente prazerosa, prova disso é o investimento científico em medicamentos para cuidar da impotência sexual masculina e feminina. Em uma pesquisa com homens e mulheres, de diferentes faixas etárias, Féres-Carneiro (1997) constatou a importância da atividade sexual para ambos. Tanto os homens quanto as mulheres, demonstraram valorizar significativamente a relação sexual para uma vida a dois bem sucedida.

Considerando as causas do sucesso e do fracasso no casamento, Dela Coleta (1991) realizou um estudo para verificar os elementos destacados como importantes no sucesso e no fracasso conjugal. Entre os principais motivos de sucesso conjugal, destacaram-se a compreensão e o diálogo entre os cônjuges. Por outro lado, os motivos relacionados ao fracasso conjugal estavam em oposição às características de sucesso conjugal. Os motivadores do fracasso no casamento foram as discussões e as brigas. As respostas deixam claro que as pessoas estão interessadas em ser aceitas, ouvidas e compreendidas. Comunicar-se plenamente numa relação, implica na demonstração empática de quem ouve, implica em uma aceitação incondicional que permite a total exposição de quem fala.

 

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Agradecimento:

Essa pesquisa é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) e a esta instituição fazemos nossos agradecimentos.

 

Endereço para Correspondência
Patrícia da Motta Vieira Figueredo é doutoranda em Psicologia Social no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Psicologia Social pela Universidade Gama Filho, pesquisadora sobre casamento e comunicação. e-mail: patriciafig@terra.com.br.