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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro nov. 2005

 

Divulgação Científica

 

Uma velha receita: o que dieta e exercício podem fazer contra a doença de Alzheimer

 

An old prescription: what diet and exercise can make against the Alzheimer's

 

 

Danielle Martins Rocha

Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da Saúde, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

O desenvolvimento tardio da doença de Alzheimer (AD) pode ser um reflexo dos fatores ambientais que operam sobre o curso da vida. As realizações educacionais e ocupacionais foram identificadas como fatores de proteção ao desenvolvimento da doença, contudo, a colaboração de atividades físicas e passivas tem recebido pouca atenção. Além disso, muitos estudos mostraram que a limitação dietética (ingestão reduzida de calorias) pode aumentar a resistência dos neurônios ao surgimento de disfunções e morte celular em modelos experimentais da doença de Alzheimer, doença de Parkinson e doença de Huntington. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 06: 145-147.

Palavras-chaves: educação; restrição dietética; terapia ocupacional; morte celular; neurodegeneração.


ABSTRACT

The development of Alzheimer's disease (AD) later in life may be reflective of environmental factors operating over the course of a lifetime. Educational and occupational attainments have been found to be protective against the development of the disease, but participation in these activities has received little attention. Besides many studies have shown that dietary restriction (reduced calorie intake) can increase the resistance of neurons in the brain to dysfunction and death in experimental models of disease, Parkinson's disease, and Huntington's disease. © Ciências & Cognição 2005; Vol. 06: 145-147.

Keywords: education; dietary restriction; occupational therapy; cellular death; neurodegeneration.


 

 

A doença de Alzheimer (AD) é caracterizada como uma desordem neurode-generativa, crônica e progressiva, marcada pela perda seletiva e simétrica de neurônios motores, sensoriais e do sistema cognitivo. O seu desenvolvimento parece ser um reflexo da atuação de múltiplos fatores do meio ambiente.

Embora os fatores genéticos e ambien-tais que iniciam o processo neurodegenerativo possam diferir entre carias doenças, evidências consideráveis sugerem que são alterações comuns que levam à morte neuronal. As alterações mais proeminentes observadas são: aumento do stress oxidativo envolvendo radicais de oxigênio e contri-buindo com o dano a proteínas, lipídeos e ácido nucléico; perda na habilidade neuronal em regular a homeostasia iônica, resultando em um aumento aberrante nos níveis de cálcio intracelular; desregulação no metabolismo energético, que, em geral, resulta de uma disfunção mitocondrial e contribui para a ativação de uma cascata de interações mole-culares chamada de apoptose e que envolve proteínas como Par-4, membros da família de Bcl-2 e a ativação de pró-caspases.

Na doença de Alzheimer a cascata neurodegenerativa pode ser iniciada pelo processo de envelhecimento ou por mutações genéticas específicas nas proteínas APP, preselina-1 ou preselina-2. Em cada caso existe um aumento da produção e deposição extracelular de um peptídeo proteolítico neurotóxico, produto da APP, chamado de peptídeo -amilóide (A). Esse peptídeo promove citotoxicidade e apoptose neuronal por um mecanismo que envolve peroxidação dos lipídeos de membrana e danos às ATPases e aos transportadores de glicose e de glutamato.

Diante dos mecanismos relacionados ao desencadear da doença existe a tentativa de evitar seu aparecimento, retardá-la ou, pelo menos, minimizar os danos provocados pelo desenvolvimento da demência. Na busca pelo sucesso dessas tentativas, vários grupos de pesquisadores têm demonstrado que algumas medidas simples como exercício físico e uma dieta alimentar, com baixa ingestão calórica, são capazes de retardar o aparecimento de sintomas da doença, sua progressão ou quem sabe, de certa forma, até mesmo evitá-la.

Não é novidade que exercícios fazem bem para saúde física e mental. A atividade física, no entanto, é capaz de ir além da promoção de bem estar. Têm sido observados efeitos protetores para o desenvolvimento de demências, entre elas a da doença de Alzheimer. Um estudo de caso-controle mostrou a relação da neuroproteção promo-vida pela atividade física no desenvolvimento da demência, foram observados também que atividades passivas e intelectuais, principal-mente as deste último tipo, tem uma forte associação atuando como fator de proteção para o desenvolvimento precoce de demência.

O estudo leva em consideração a diversidade de atividades desenvolvidas pelos sujeitos na pesquisa, assim como a intensidade com que as atividades foram praticadas. Os dados mostram que o grupo controle desenvolveu maior diversidade de atividades físicas durante a vida adulta nas duas fases consideradas (dos 20 aos 30 anos e dos 40 aos 50 anos de idade), com maior intensidade que o grupo de casos, a média de atividades intelectuais também foi maior entre o grupo controle na fase adulta tardia. No entanto, os dados sobre as atividades passivas, que diz respeito às atividades cotidianas, não tiveram significância estatística.

Para evitar que a redução de atividades no grupo de casos ocorresse em função da apresentação sub-clínica da doença, ou seja, no período de pré-morbidade não foram coletados dados referentes aos 5 anos que antecederam o início da demência. Os resultados desse estudo indicam que pacientes com AD foram menos ativos na meia idade, em relação a atividades passivas, intelectuais e físicas se comparados ao grupo-controle. A razão de prevalências mostra que pessoas que foram relativamente inativas para essas atividades têm um aumento de 250% do risco de desenvolver a doença.

As contribuições da atividade física podem ser resumidas em perda de peso, introdução de dieta adequada (aumento do consumo de antioxidantes e diminuição da ingestão de gorduras), além do condiciona-mento do sistema cardiovascular. Aliada à prática de exercícios, a introdução de uma dieta adequada também demonstrou efeitos protetores sobre o sistema nervoso central. Uma dieta restritiva (baixa ingestão de calorias) pode aumentar a resistência de neurônios a disfunção e morte em modelos experimentais das doenças de Alzheimer, Parkinson e Huntington. O mecanismo subjacente do efeito benéfico da restrição da dieta envolve a estimulação de proteínas de estresse e a produção de maiores quantidades de fatores neurotróficos.

Os fatores induzidos pela dieta restrita podem proteger os neurônios induzindo a produção de proteínas que suprimem a produção de radicais oxidantes, atuando na homeostasia do cálcio intracelular e inibindo a cascata bioquímica da apoptose. Assim, a limitação da dieta, de forma interessante, também aumenta o número de células nervosas no cérebro adulto, sugerindo que a manipulação da dieta pode aumentar a plasticidade e o auto-reparo cerebral. Viu-se que tanto a atividade física quanto a mental são capazes de aumentar, semelhantemente, a produção de fatores neurotróficos e a neurogênese.

Outros dados relacionam a dieta restrita e as atividades físicas e mentais com a redução da incidência e severidade de desordens neurodegenerativa em humanos. Mais uma vez os estudos apontam para uma condução de vida saudável, atividade física regular e boa alimentação, uma receita simples e velha conhecida de todos nós.

 

Referências Bibliográficas

Sutoo, D. e Akiyama, K. (2003). Regulation of brain function by exercise. Neurobiol. Disease, 13, 1-14.

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Mattson, M.P. (2000). Neuroprotective signaling and the aging brain: take away my food and let me run.Brain Res., 886, 47-53.         [ Links ]

 

 

Endereço para Correspondência
D.M. Rocha é Monitora de Neurofisiologia, Programa de Neurobiologia, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) e Graduanda do Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Endereço para contato: dannymartins@superig.com.br.