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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro Nov. 2005

 

Divulgação Científica

 

Nem melhor, nem pior: apenas diferentes

 

Not better, not worse: just different

 

 

Ariel Lorber Rolnik

Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da Saúde, UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para Correspondência

 

 

 

Comentário sobre o artigo Gender differences in memory processing: Evidence from event-related potential to faces. (2005). François Guillem e Melodee Mograss. Brain Cogn., 57, 84-92.

 

Homens e mulheres são neurofisiologicamente diferente. Até que ponto? Como eles diferem e a que causas isso pode ser atribuído?

Quando tratamos de características específicas dos dois sexos, é importante separar as afirmações que se baseiam em preconceitos, típicos da tradicional guerra dos sexos, e as conclusões observadas e experimentadas pela metodologia científica. Como em ciência nada é óbvio, temos estudos que constatam as diferenças de comportamento (que refletem diferenças na neurobiologia) entre meninos e meninas nas mais iniciais fases do desenvolvimento, até mesmo antes do nascimento. Já no primeiro ano de vida, os meninos são mais impulsivos e difíceis de acalmar que as meninas. Com um ano de idade, é nítida a atração delas por bonecas e ursinhos, enquanto eles preferem brincar com carrinhos e brinquedos de movimento. Os pequenos também diferem na maneira de lidar com o grupo e, assim, em geral, no modo de agir e interagir.

Seriam essas diferentes tendências intrínsecas de cada organismo? Ou elas são ditadas e impostas, e, portanto, passadas pela sociedade? É interessante observar que em escolas alternativas e em certos kibutzim israelenses em que se pretendia quebrar com os tradicionais modelos de comportamento (roupas, brinquedos, hábitos e papéis) de cada gênero pré-estabelecidos pela sociedade, desde cedo as crianças eram educadas visando à igualdade entre os sexos. Ao contrário do que pretendiam os pais, nessas comunidades essas crianças caminharam para os estereótipos usuais de cada sexo. As meninas, por exemplo, brincavam de mamãe-e-bebê e, quando adultas, optavam por praticar as tarefas normalmente realizadas por mulheres. Isso mostra que essas características são inatas. Não adianta tentar fugir.

Os encéfalos de homens e de mulheres têm várias diferenças anatômicas e funcionais. O cérebro masculino, além de mais pesado e com maior densidade de células (o que não necessariamente determina diferenças cognitivas), é mais assimétrico, isto é, possui maior lateralização de funções: muitas das tarefas realizadas por esse órgão no homem estão a cargo de um só hemisfério cerebral, enquanto na mulher, essas mesmas tarefas são, em geral, divididas entre os dois hemisférios.

Os hormônios sexuais estão comprovadamente associados a várias das diferenças. Como regra geral, os homens se saem melhor em tarefas relacionadas à percepção visuo-espacial. Já as mulheres, em exercícios que apresentam tarefas léxico-verbais. Os hormônios interferem na formação do sistema nervoso central e com ele interagem através de receptores moleculares (moléculas que se ligam especificamente a eles, desencadeando ou inibindo um efeito dentro da céculas que se ligam especificamente a eles, desencadeando ou inibindo um efeito dentro da cs e papia dos dois generos lula), levando, por exemplo, à criação ou fortalecimento de conexões entre os neurônios (as chamadas sinapses), processo esse que tem o nome de plasticidades neuronal, em determinadas áreas do cérebro.

Muitas das diferenças ocorrem em testes específicos e controlados de laboratório, raramente se manifestando em situações cotidianas. Nestas, são mais decisivas as diferenças individuais. Muitos dos desafios são resolvidos com o mesmo desempenho, ou seja, demorando o mesmo tempo, porém através de mecanismos neurais diferentes, conforme evidenciam estudos com o método da ressonância magnética funcional (que faz o mapeamento da atividade das regiões cerebrais durante a execução de determinada tarefa). Homens e mulheres chegam ao mesmo lugar ao mesmo tempo, porém por caminhos diferentes. Neles, diferentes áreas do cérebro são ativadas numa mesma tarefa.

O artigo em questão estuda as diferenças entre os gêneros no que diz respeito ao processamento da memória. Para isso, utiliza como método o registro de potenciais elétricos, através de eletrodos dispostos em diversos pontos da cabeça de 26 voluntários. Os registros mostram a variação dos potencias elétricos ao longo do tempo com uma precisão de milissegundos. Essas variações representam a atividade de grupos de neurônios na região cerebral subjacente à região da pele onde estão fixados os eletrodos. Isso porque os neurônios exercem sua atividade disparando potenciais de ação, que são variações de voltagem decorrentes de correntes elétricas que percorrem sua membrana, em resposta aos estímulos. Chegando ao final do prolongamento do neurônio (axônio), a informação veiculada pela corrente é transmitida a outro neurônio através da sinapse. Desse modo, as informações são processadas e armazenadas em nosso cérebro pelos neurônios. É como funciona a memória.

Com base em estudos prévios da literatura científica, François Guillem e Melodee Mograss conduzem seus estudos e analisam os registros da atividade das várias áreas do cérebro e como elas se comportam ao longo do tempo diante de uma tarefa de memória e reconhecimento de faces. Traçam, então, e comparam os dois perfis apresentados para resolver a tarefa: o masculino e o feminino, notadamente diferentes.

Alguns dos resultados andam em conformidade com os dados científicos anteriores e as teorias elaboradas pelos pesquisadores. Há, no entanto, várias novidades. Mulheres utilizam mais as partes anteriores do cérebro no processamento da memória e homens têm essa função cognitiva guiada por esquemas mais simples. Para os homens, observa-se maior atenção aos tópicos gerais das informações que está sendo processada, enquanto que para as mulheres, observa-se a exigência de uma elaboração mais detalhada do conteúdo das informações, comparativamente. Assim, podemos, mais uma vez, confirmar que homens e mulheres utilizam estratégias diferentes para desempenhar as mesmas funções cognitivas, nem pior, nem melhor, mas de modo eficiente.

 

 

Endereço para Correspondência
A.L. Rolnik é Monitor de Neurofisiologia, Programa de Neurobiologia, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) e Graduando do Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). e-mail para correspondência: rolnikariel@yahoo.com.br