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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.8  Rio de Janeiro ago. 2006

 

Revisão

 

A experiência subjetiva do tempo em Husserl e Brentano: contribuições das neurociências

 

Subjective experience of time in Husserl and Brentano: contributions from the neurosciences

 

 

Caio Maximino de Oliveira; Diego Zilio

Departamento de Psicologia, Universidade Estadual Paulista - Campus Bauru (UNESP/Bauru), Bauru, São Paulo, Brasil

 

 


Resumo

A concepção husserliana da consciência interna do tempo, derivada da concepção brentaniana, apresenta diversas semelhanças e dessemelhanças com os dados produzidos pelas neurociências. Procurou-se se aproximar essa concepção do modelo hierárquico de Pöppel, produzindo assim críticas e adições às investigações fenomenológicas. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 110-117.

Palavras-chave: fenomenologia; percepção temporal; neurociências; Pöppel.


Abstract

The husserlian conception of internal time-consciousness, derived from Brentano's conception, show many similarities and dissimilarities with the data produced by the neurosciences. We tried to bring this conception closer to Pöppel hierachical model, producing thus critiques and additions to those phenomenological investigations. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 110-117.

Keywords: phenomenology; time perception; neurosciences; Pöppel.


 

 

Dentro da literatura psicológica acerca do campo da percepção, um dos principais (e mais antigos) sistemas explanatórios é o chamado sistema do momento psicológico temporal (Fraisse, 1978). A idéia de um momento psicológico refere-se ao conceito de specious present, ou momento presente, formulado por E.R. Clay e difundido por W. James (James, 1890). Modernamente, fala-se acerca da duração do processamento de informações como um elemento central da consciência, com grande ênfase na temporalidade dos processos cognitivos (Haase et al., 1997); nesse sentido, o trabalho de Pöppel vêm contribuindo para um modelo de organização temporalmente descontínua da atividade consciente, herdeiro dos modelos de James (1963 [1890]) e Wundt (1998 [1896]), que compreende dois mecanismos oscilatórios, organizados hierarquicamente, de alta e baixa freqüência.

O problema da consciência do tempo, portanto, pode ser invertido no problema do tempo da consciência. Procura-se, nesse breve artigo, uma revisão e crítica breve do que a filosofia da mente produziu acerca do tempo psicológico, com foco nas produções da tradição fenomenológica e da filosofia de Brentano1. Na primeira parte, será feita uma revisão acerca dos elementos de temporalidade na filosofia da mente; a segunda parte consiste em uma introdução breve ao modelo hierárquico de Pöppel; e a terceira parte pretende estabelecer um diálogo entre os dois.

Experiências da temporalidade em Brentano e Husserl

No geral, a filosofia da mente tem se preocupado mais com a experiência da duração do que com as outras experiências do tempo. Pöppel (1978) denominou "experiências elementares do tempo" o que considera como aspectos fundamentais da experiência do tempo, e as definiu como:

(1) duração;

(2) não-simultaneidade;

(3) ordem;

(4) passado e presente;

(5) mudança.

A idéia de "momento presente", que têm mobilizado filósofos do calibre de Brentano (1988, 1995; Huemer, 2003) e Husserl (1994 [1928], 2001), foi bastante discutida na tradição fenomenológica e na filosofia continental.

Iniciemos então a nossa breve introdução com Brentano - já que a sua leitura bastante densa da experiência temporal influenciou também o pensamento de Husserl e de todo o projeto fenomenológico e da filosofia continental2. Toda a sua psicologia da temporalidade surge como conseqüência de sua afirmação de que os atos mentais não podem exibir duração, o que o levou a perguntar-se como podemos perceber um objeto temporalmente extenso como um tom3 (Huemer, 2003). Aparentemente, a resposta de Brentano apela para o traço mnemônico e para o fenômeno que Husserl veio a denominar protensão e retenção. Ele (1995 [1928]) argumenta que o objeto para o qual a mente dirige-se não desaparece imediatamente da consciência quando o ato mental encerra-se, mas permanece presente na forma de memória. Todo fenômeno mental faz surgir uma espécie de "associação original", a proterestése, uma espécie de traço mnemônico que não é exatamente um ato de rememoração, mas parte do ato mental que mantém vivo o que foi experienciado momentos antes. Essa distinção surge na psicologia moderna com a diferenciação entre memória de curto prazo - a "proterestése" - e a memória de longo prazo. Sua concepção alterou-se conforme a teoria alterou-se; de acordo com Huemer (2003), Brentano chegou a afirmar que a modificação temporal era parte do objeto, que era parte do juízo e que era um dos modos de apresentação. A confusão, portanto, reside na fonte da modificação temporal.

De Brentano e Husserl, é precisamente a questão da duração do momento presente e do processo de protensão e retenção que permanece. De fato, essa questão já havia sido enunciada, no meio do caminho, por James (1963 [1890]), em seu capítulo sobre percepção temporal. Será Husserl quem incluirá a duração do momento psicológico como central para a sua análise. De acordo com Pockett (2003), a duração do momento presente é importante não só para o entendimento da forma como os seres conscientes percebem durações, mas para a validação da proposta husserliana. Segundo ela, se o presente subjetivo é curto demais, as experiências não podem ser descritas antes que tornem-se memórias. Os resultados clássicos da psicologia sensorial acerca da duração subjetiva das sensações, do tempo necessário para que uma dada sensação transforme-se em percepção (i.e., penetre na consciência), e da variabilidade da sensação subjetiva da passagem do tempo sob diversas condições diferentes parecem indicar para um momento presente que dura entre 50 e 200 milissegundos (Fraisse, 1978). Pockett (2003) inclui nessa duração extensões na ordem dos minutos e até mesmo das horas4, fazendo com que o momento psicológico seja longo o suficiente para abraçar relatos dos conteúdos da consciência e, portanto, validando o projeto fenomenológico de Husserl.

A necessidade da definição do momento presente (Pockett, 2003) para o projeto fenomenológico deriva da centralidade da redução fenomenológica para Husserl - já que os únicos dados disponíveis para a redução fazem parte da experiência presente. A passagem da experiência presente para a memória é, para Husserl (1994), complicadora do método fenomenológico, porque a memória não é confiável. Entretanto, tanto Pockett (2003) quanto Zahavi (2004) concordam que o real problema da temporalidade colocado à fenomenologia encontra-se em como reportar-se à questão do tempo sem colocar-se em um "regresso infinito", um regresso de fundação que Husserl afirmava infectar a filosofia humeana. O "regresso de fundação" diz respeito ao problema de como evitar a necessidade de pressupor uma "consciência de fundo" constitutiva. A importância da temporalidade para resolver esse problema encontra-se na questão de se uma percepção pode ser imanente durante tempo o suficiente para que seja descrita com rigor fenomenológico. Além disso, também é preciso que se descreva como se pode ter uma "sensação de duração".

O problema aqui encontra-se na imprecisão da consciência em termos temporais. A idéia de "momento presente", como é encontrada em Clay (1882, apud James, 1890/19xx) e utilizada por Husserl, implica em uma duração flexível, movida a todo momento pela retenção e pela protensão. Husserl afirma que, se olharmos para a estrutura da consciência sem vieses, a observaremos como dispersa no tempo. A consciência vive no passado e no futuro tanto quanto no presente - a retenção e a protensão são aspectos dessa estrutura dispersa (Durgin e Sternberg, 2002)

Se acompanharmos Koortoms (2002), podemos afirmar que existem pelo menos três tentativas diferentes e conflitantes de explicar a consciência do tempo nas obras de Husserl: uma região dos objetos temporais transcendentes, uma região dos atos intencionais, e uma região da experiência de unidade do ato intencional:

 

"Da mesma forma que [na fenomenologia] é necessário distinguir-se entre a dimensão constituída dos objetos transcedentais e a dimensão constituinte que permite que esses se apresentem, também devemos distinguir entre a dimensão constituída em que os atos existem e a dimensão constituinte que permite que esses se apresentem." (Zahavi, 2004: 100)

 

Os atos intencionais seriam, para Koortoms (2002), tanto quanto para Brough (1972), objetos temporais que existem no tempo subjetivo, mas são constituídos por uma dimensão mais profunda do fluxo absoluto da consciência interna do tempo; esse fluxo absoluto nos faz conscientes da experiência como objetos temporais encontrados no tempo imanente.

Zahavi (2004) critica a relação estabelecida entre as "regiões" da consciência interna do tempo. Segundo ele, é possível eliminar a ambigüidade encontrada por Koortoms recorrendo-se aos textos dos manuscritos de Bernau (Husserl, 2001). Nessa obra, Husserl pergunta-se se é necessário distinguir-se entre os "atos imantentes" (os atos qua "objetos" no tempo imanente) e a consciência constituinte do tempo (o fluxo que constitui todos os objetos imanentes, incluindo-se aqui os atos intencionais5) - questão a qual responde afirmativamente. Para Husserl, toda percepção é em si algo que é constituída como um objeto que aparece na consciência do tempo original. Por isso, é necessário estabelecer-se que a percepção não é, por si só, um ato constituinte, mas que a fundação constituinte é dada pela consciência interna do tempo. Dessa forma, se tomamos a percepção de um objeto temporal, como um som, podemos nos perguntar se essa percepção é, em si, também um objeto imanente, se ela deve ser internamente percebida, e se não estamos sendo ameaçados por um regresso infinito.

Husserl segue por afirmar que é necessário distinguir entre a percepção de um tom imanente e a consciência original na qual a percepção constitui-se como unidade temporal. Entretanto, ele também afirma que uma percepção é uma ocorrência no tempo imanente e que essa duração coincide com a duração do tom imanente percebido. Da mesma forma como o tom é um objeto que persiste no tempo imanente (daí ser chamado de objeto temporal, o que, pela definição de Husserl, é todo objeto que apresenta uma duração), também a percepção do tom é um objeto que persiste no mesmo tempo. Há uma correlação entre ambos os objetos, e ambos são constituídos pela mesmo consciência interna do tempo; o modo de ser da percepção é exatamente o modo de ser de seu correlato. De fato, o processo primário é constituído como processo da mesma maneira que o tom é constituído como processo6. A questão de como as experiências são construídas como objetos temporais é, portanto, equivalente à questão de como os seus correlatos noemáticos são constituídos eles mesmos como objetos temporais (Husserl, 2001).

Dentro do projeto fenomenológico, portanto, a percepção e seu objeto são constituídos, para a consciência, pelo mesmo processo - daí que, na maioria das vezes, a duração objetiva de um objeto temporal coincida com a duração de sua percepção. Na realidade, como veremos, nem sempre isso é verdade. Daí também que um mesmo processo de temporalidade subjaz a percepção de durações e a duração dos processos. Veremos que essa segunda conseqüência da teoria da temporalidade de Husserl é mais próxima do que hoje sabemos acerca da temporalidade da consciência.

A temporalidade da consciência no modelo de Pöppel

O modelo hierárquico de Pöppel assume que um mesmo fenômeno, em nível neuronal, subjaz a consciência da temporalidade e a temporalidade da consciência, baseado em dois mecanismos de integração temporal do cérebro. O primeiro deles é um domínio oscilatório de alta freqüência, em que cada fase de oscilação define um determinado evento; o segundo deles é responsável pela integração de eventos em uma unidade perceptual, o momento psicológico, delimitado entre 2 e 3 milissegundos. Esse segundo elemento pode ser caracterizado como um mecanismo sintático, e, a partir do limiar de 3 milissegundos, "entram em jogo mecanismos semânticos" (Haase et al., 1997: 236). Assim, a definição de um evento perceptual é dependente da capacidade de discriminação de simultaneidade, em primeiro lugar - o que exige que haja um intervalo entre a ocorrência. A sucessão só poderia ser percebida quando dois eventos ocorrem em dois momentos psicológicos diferentes (Fraisse, 1978). Se a freqüência de um estímulo excede um dado limite e ainda assim não alcança o limite crítico de fusão ("o limite temporal, abaixo do qual percebemos dois eventos como simultâneos [...], sendo que tal limiar é determinado pelo tempo de transdução sensorial", Haase et al., 1997: 236), a freqüência aparente de estimulação não aumenta para além de 8-12 estimulações por segundo. De acordo com a hipótese do momento psicológico, uma série de estimulações é integrada em uma unidade com período de 80 milissegundos (Bartley et al., 1961; White, 1963). Quando o limiar de fusão é ultrapassado, estabelece-se a percepção de não-simultaneidade entre os estímulos, mas não necessariamente estabelece-se a percepção de ordenamento entre eles (Hirsh e Sherrick Jr., 1961); para tanto, é preciso que se ultrapasse ainda outro limiar de intervalo, o limiar de ordem, em torno de 30 milissegundos. Observamos, portanto, uma hierarquia já entre dois processos temporais, não-simultaneidade e ordem (Pöppel, 1978). Hirsh e Sherrick Jr (1961) sugeriram que a análise do ordenamento temporal é mediada por um mecanismo central, já que o limiar de ordem não varia com a modalidade sensorial. Para Pöppel (1997, 2004), esse mecanismo central corresponde a um processo oscilatório na atividade de assembléias neuronais, apresentando um período de cerca de 30 milissegundos; esse processo é desencadeado pela estimulação sensorial, e tem como características a sincronização de fase com o estímulo (cf. Burle e Bonnet, 1997, 1999, 2000), período variável e desaparecimento após alguns ciclos (Bergé et al., 1996)7. Pöppel (1997) propôs que o período da oscilação corresponde a quanta temporais que, encadeados sintaticamente, servem de base para a consciência de eventos e estímulos temporais8.

A definição de um evento a partir de um mecanismo de segmentação e ligação temporal não é suficiente, como apontam Haase e colaboradores (1997), para demonstrar a experiência de unidade da consciência e a sua organização temporalmente descontínua (James, 1963 [1890]). É aqui que entra a segunda parte do modelo de Pöppel (1994). A integração seqüencial dos eventos no fluxo de consciência é levada a cabo por um outro mecanismo oscilatório, de baixa freqüência (período de 2 a 3 segundos): os eventos que ocorrem nessa faixa temporal são integrados, de forma automática, até o limite superior. Dessa forma, cada quanta é tratado como o "momento psicológico", e a integração entre esses momentos é dada por mecanismos representacionais ou semânticos. O campo da temporização de intervalos (interval timing) se ocupa dessa faixa. Haase e colaboradores (1997) propuseram uma junção do modelo de Pöppel com o modelo de sincronização oscilatória da equipe do Max Planck Institut (cf. Phillips e Singer, 1997; Singer, 2000). Desta forma, a questão é correlacionar a atividade oscilatória registrada microneurofisiologicamente com a atividade de regiões inteiras do córtex (Niessing et al., 2005) e com a observação comportamental (Aertsen e Arndt, 1993); ainda permanece de pé a questão da relação temporal da resposta elétrica com a apresentação do estímulo, da localização cerebral de redes oscilatórias, dos mecanismos biofísicos de sua geração e do papel das oscilações na codificação de informação. É preciso acrescentar que, enquanto o mecanismo de oscilações neuronais propõe-se como mecanismo neural ipso facto, enquanto o modelo de integração de Pöppel consiste em um mecanismo formal. Haase e colaboradores (1997) estão cientes dessa dificuldade, e propuseram que a sincronia oscilatória na faixa gama corresponde "a um caso especial em que a janela temporal de codificação corresponde à janela temporal de integração" (Haase et al., 1997: 243).

À guisa de conclusão: Contraposição entre o modelo de Pöppel e as análises de Brentano e Husserl

Aparentemente, toda a noção de temporização em Brentano é confusa. O fato de que este mudou de posição diversas vezes não ajuda muito na compreensão. A sua idéia de que um processo mental não pode ter duração, que gerou toda a sua discussão sobre temporalidade, foi, de fato, contradita logo no início da Psicologia experimental. Se acompanharmos a revisão histórica de Posner (2005), o século XIX e a primeira metade do século XX foram marcados, nos estudos acerca do sistema nervoso humano, pela medida de tempos de reação em tarefas cognitivas simples. De fato, ainda hoje essas medidas são extremamente importantes na Psicologia experimental (cf. Sternberg, 2001; Sigman e Dehaene, 2005). Não cabe aqui rejeitar a concepção de "associação original", entretanto, já que esse conceito implica em uma percepção prematura de Brentano do papel da expectativa e da memória de curto prazo na percepção do momento psicológico. Entretanto, é fato que a sua concepção de um processo mental atemporal (ou seja, não processual) é bastante complicada.

A concepção de "associação original", entretanto, foi essencial para a problematização husserliana da experiência do tempo. Encontramos ecos de Husserl na afirmação de que a temporalidade da consciência e a consciência da temporalidade fazem parte de um mesmo processo9. Pode-se evitar, dentro de uma perspectiva "neurofenomenológica" (Petitot et al., 1999), ou mesmo dentro de uma perspectiva neurofilosófica tradicional (Churchland, 1986), o "regresso infinito" de Husserl recorrendo-se tanto à perspectiva deste (assumindo que o que importa de fato é a ligação entre os diversos "níveis" ou "campos" da consciência interna do tempo) quanto à perspectiva de Pöppel (assumindo que o "pano de fundo" da experiência da temporalidade é um processo oscilatório comum). Não é preciso ir além, postulando-se primitivos para a experiência de temporalidade em instâncias cada vez mais básicas da consciência.

Uma conseqüência do modelo de Pöppel para a análise fenomenológica (e mesmo para um resgate de Brentano) encontra-se na necessidade de retirar-se o foco da questão da experiência da duração para compreender-se a experiência de temporalidade como um todo contínuo que engloba não-simultaneidade, ordem, passado e presente e mudança. A análise husserliana e brentaniana do "momento presente" englobou a epxeriência da duração e a experiência do passado e do presente, mas ignorou os outros elementos que, como Pöppel demonstrou, estão encadeados de forma hierárquica na experiência subjetiva do tempo.

Os dados experimentais na área da temporização de intervalos demonstram que nem sempre duração subjetiva coincide com a duração objetiva. De fato, uma série de transformações da duração objetiva, dependentes de diversos fatores - organização dos elementos no espaço e no tempo, modalidade do estímulo a ser temporizado, se trata-se de uma duração "cheia" ou "vazia", além de condições farmacológicas e fisiopatológicas -, irão produzir "distorções" na percepção temporal, incluindo aqui a famosa "lei de Weber" aplicada à temporização de intervalos (cf. Matell e Meck, 2000; Odum, 2006). Nesse ponto, também a noção husserliana de que, na maioria das vezes, a percepção e seu objeto intencional coincidem temporalmente não é verdadeira.

Tendo sido levantados esses pontos, gostaríamos de concluir afirmando que o que foi levantado nesse artigo é um simples esboço que procura trazer alguns fatos relevantes tanto para o projeto fenomenológico quanto para o desenvolvimento futuro da filosofia da mente (que, na opinião do autor, ganharia bastante em resgatar determinadas leituras clássicas para não recorrer na invenção da roda). Esperamos que o flerte dessas áreas com as neurociências possa gerar um ímpeto de progresso.

 

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Notas

C.M. de Oliveira
Endereço para correspondência: Rua. Dr. Afrânio Roberto da Silva, 3-47, ap. 124, 17028-070.
Phone: (14) 3103-6000 ramal 6366.
E-mail para correspondência: caio.maximino@gmail.com

 

 

(1) Esse foco não é devido a qualquer preferência por parte do autor, mas ao fato de que outras abordagens filosóficas pouco se preocuparam com a questão da temporalidade.

(2) Na realidade, Brentano é um grande menescal da Psicologia e da filosofia da mente; a sua idéia de "intencionalidade" antecipou em mais de um século as leituras contemporâneas (cf. Zillio et al., em preparação), além de ser professor de Carl Stumpf, Edmund Husserl, Alexius Meinong, Christian von Ehrenfels, Kazimierz Twardowski, Anton Marty, Alois Höfler, Tomáš Masaryk e Sigmund Freud.

(3) É impossível calcular-se em que extensão o exemplo do tom foi utilizado na filosofia da temporalidade, o que nos faz pensar que, sem a música, a psicologia filosófica nunca haveria sequer pensado em termos de tempo (Piana, 2001)

(4) Essa inserção é, de certa forma, arbitrária. Na psicologia da percepção temporal, assume-se que durações na casa dos segundos e acima são "montadas" a partir de quanta menores de tempo. Uma crítica mais extensa será feita na terceira parte do artigo.

(5) Chamamos a atenção, aqui, para a semelhança entre a "consciência constituinte", em termos temporais, e as idéias de Kant (1982 [1787]) e James (1890 [1963]).

(6) Essa idéia da temporalidade do som como correlata à temporalidade do processo também foi levantada por Piana (2001), com referência à música.

(7) Uma boa introdução ao modelo de assembléias neuronais oscilatórias se encontra em Singer e Gray (1995); uma utilização desse modelo no campo da percepção temporal foi dada por Pöppel (1997, 2004) e Matell e Meck (2004).

(8) São diversos os experimentos que demonstram a existência de um processo oscilatório neuronal; para mais informações, conferir Haase e colaboradores, 1997: 236 e seguintes.

(9) Já não é sem demora que gostaríamos de acrescentar que aqui também se incluem a temporização motora (cf. Schleidt et al., 1987) e a temporização da linguagem (cf. Gómez et al., 1995).