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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.9  Rio de Janeiro nov. 2006

 

Artigo Científico

 

A importância das inteligências intrapessoal e interpessoal no papel dos profissionais da área da saúde

 

The importance of interpersonal and intrapersonal intelligences in the role of health professionals

 

 

Elizabeth Carvalho da VeigaI; Vera Regina MirandaI, II

IPontifícia Unuversidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, Paraná, Brasil;
IICentro Universitário Positivo (UnicenP), Curitiba, Paraná, Brasil

 

 


Resumo

O presente artigo procura focalizar a evolução dos estudos e conceitos de inteligência, apresentando as inteligências múltiplas em uma abordagem modular. Destaca a importância das inteligências intrapessoal e interpessoal, no exercício das atividades dos profissionais da saúde para o atendimento de pacientes, ressaltando os valores essenciais que são construídos na relação paciente - profissional. Destaca, ainda, a extrema importância destes profissionais valerem-se das inteligências intrapessoal e interpessoal para a garantia do vínculo com seus clientes ,promovendo um acolhimento afetivo ,e um atendimento respeitoso e efetivo. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 09: xxx-xxx.

Palavras-chaves: inteligência; teoria modular; relações interpessoais; saúde.


Abstract

The present article focuses on the evolution of studies about intelligence, presenting the multiple intelligences in a modular approach. It highlights the importance of both intrapersonal and interpersonal intelligences, present in the activities of health professionals when assisting patients, emphasizing essential values that are built along the child development and practiced in the patient-professional relationship. The paper also points out the great necessity for those professionals to make use of intrapersonal and interpersonal intelligences to guarantee the bond with their clients, welcoming them with affection and offering them a respectful and effective service. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 09: xxx-xxx.

Keywords: intelligence; modular theory; interpersonal relations; health.


 

 

Na atualidade, questiona-se se a mente constitui um sistema unitário com o qual se opera e resolve qualquer tipo de problema, seja de caráter lógico matemático, lingüístico, físico- técnico, psicológico; ou se, ao contrário, está estruturada em um conjunto de sistemas e processos especializados em resolver diferentes tipos de problemas.

Pode-se distinguir dois grandes tipos de teorias da mente. As concepções, próprias da "posição herdada" e da psicologia intuitiva, que consideram a mente como uma estrutura, sistema ou mecanismo de aprendizagem geral, e, portanto, independente e conseqüentemente competente em qualquer conteúdo concreto de aprendizagem. Tal idéia é própria de posições empiristas, associacionistas e condutistas que entendem a mente como uma "tabula rasa" preenchida ao longo da vida do sujeito com suas experiências e conteúdos específicos, conforme as leis gerais da aprendizagem. Também a metáfora do computador, própria da Psicología Cognitiva Computacional, concebe a mente como um processador de propósito geral, sem especificações ou restrições. A Epistemología Genética de Piaget ou a Psicología Histórico-Cultural de Vigotsky, situam-se neste marco, porém com matizes.

O segundo tipo de teorias da mente, de acordo com investigações procedentes de diversas ciências cognitivas, defende uma concepção modular. A mente estaria, assim, constituída por um conjunto de módulos especializados, sistemas funcionais, inteligências múltiplas, memórias diversas. Cada módulo é específico e especializado em um tipo de processo ou atividade, conseqüentemente seriam diferentes os módulos ou sistemas responsáveis da linguagem, a capacidade para fabricar ferramentas, orientar-se no espaço ou interagir adequadamente com outras pessoas nas relações sociais (Fodor, 1986; Karmiloff-Smith, 1994).

As pesquisas oriundas de distintas ciências cognitivas estão fortalecendo a teoria modular da mente. A distinção entre mente física ou geométrica e mente social ou maquiavélica está solidamente argumentada desde a Biología Evolucionista, a Etologia e Primatologia até a Neuropsicologia e Psicopatologia. Desde a epistemología e psicología evolucionista é razoável admitir que no transcurso da filogênese tem surgido estruturas cognitivas especializadas na resolução de problemas em domínios distintos como a realidade física por uma parte e o mundo social por outra (Garcia, 2001).

A teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner (1988, 1992, 1995, 2001) concebe a mente de modo modular, fundamentada na Neuropsicologia, bem como em outras disciplinas como a Antropologia e a Psicología. A teoria das Inteligências Múltiplas considera a mente humana como um conjunto de capacidades necessárias para resolver problemas ou elaborar produtos valiosos em um contexto cultural ou em uma comunidade determinada. As capacidades compreendem um amplo espectro desde a lógica, aos esportes, passando pela música. Os produtos também podem ser muito diversos como teorias científicas, obras artísticas e desenhos tecnológicos. As pessoas segundo sua carga genética e as exigências do ambiente, desenvolveram determinadas capacidades, podendo, entretanto, deixar de desenvolver outras.

Tradicionalmente, tem-se definido a inteligência como a habilidade para responder as questões que propõe um teste de inteligência, entre os principais pensadores , podemos citar Binet-Simon (1967), Terman e Merrill ( 1975), Spearman ( 1955), Guilford (1977). Com o surgimento dos testes de Q.I , a inteligência começa a ser quantificável. Acreditava-se que se poderia medir a inteligência real ou potencial do sujeito. Foi a procura da medida perfeita da inteligência que deu origem aos testes de Q.I, surgindo versões sofisticadas destes testes. Uma delas é o Scholastic Aptitude Test (SAT), mas a insatisfação com o conceito de Q.I. e com as visões unitárias da inteligência era muito grande.

Bernard Van Leer Foundation de Haia , Holanda é uma instituição que apóia projetos inovadores com abordagens comunitárias em educação e dedica-se a causa das crianças e jovens com deficiência a atinguirem seu potencial. Esta fundação, em 1979, solicitou aos pesquisadores da Harvard Graduate School of Educatión uma pesquisa sobre a natureza do potencial humano. Assim começou a tarefa de Gardner a respeito da natureza da cognição humana, culminando com sua obra Estruturas da Mente. O nascimento efetivo das inteligências múltiplas ocorreu em 1983 com a publicação do livro Frames of Mind (Gardner, 1995). Ampliou o potencial humano além da medida de um Q.I., destacando que a cultura vigente havia definido a inteligência de maneira muito estreita. A teoria das Inteligências Múltiplas questiona, deste modo, a concepção tradicional, baseando-se em contribuições de distintos campos.

Gardner utilizou o termo múltiplas para enfatizar um número desconhecido de capacidades humanas diferenciadas. Desafiou a visão clássica de inteligência onde esta era percebida como uma capacidade única, geral da mente humana e apresentando Gardner a Teoria das Inteligências Múltiplas, como uma visão alternativa, pluralista da mente, reconhecendo que as pessoas têm diferentes potenciais cognitivos, pois a cognição possui facetas distintas, tendo assim uma visão multifacetada da inteligência. De acordo com este autor, as inteligências são potenciais. Gardner faz uso de um conceito de potência, no seu sentido filosófico, ou seja, daquele estado virtual, de "poder vir a ser", aquele estado em que algo não pode ser visto, nem contado em virtude de ainda não ter se atualizado. Assim, as inteligências são potenciais porque estão sempre em vias de realização, mas não reais em si, razão pela qual podem ser ativadas ou não por fatores como a cultura e outros. Assim, supõem-se que os potenciais são naturais, que podem ou não serem ativados em função dos valores de uma cultura, das oportunidades disponíveis nessa cultura e das decisões tomadas pelo sujeito e todas as pessoas ao seu redor.

O resultado de suas pesquisas foi a categorização tipológica de nove inteligências. Estas funcionariam de uma maneira particular em cada pessoa, onde a maioria desenvolve altamente algumas das inteligências, de maneira modesta outras enquanto algumas podem manter-se subdesenvolvidas. Afirma que ao nascer os indivíduos podem apresentar perfis particulares de inteligência que os diferencia entre si e que estes perfis se modificam ao longo do desenvolvimento do sujeito. Com exceção dos sujeitos considerados normais, as inteligências funcionam sempre combinadas, sem dúvida são independentes em um grau significativo, isto é, o alto nível de capacidade em uma inteligência não significa um nível igualmente alto em outra inteligência.

A Teoria das Inteligências Múltiplas foi desenvolvida na tentativa de desfazer a hegemonia de uma única inteligência e reconhecer a inerente pluralidade das faculdades mentais. De acordo com Gardner, os numerosos estudos realizados sobre a cognição humana apresentam fortes evidências de que a mente é multifacetada e que não pode ser capturada em um simples instrumento como lápis e papel. A teoria baseia-se em um potencial biológico, o qual é expresso como resultado da integração dos fatores genéticos e ambientais. Assume a existência de várias competências intelectuais humanas, as quais denominou de "inteligências". Seu modelo teórico de inteligência, apresenta nove competências: lógico-matemática, lingüística, musical, espacial, corporal-cinestésica, interpessoal, intrapessoal, naturalista e a existencial, que ainda apresenta-se como hipótese (Gardner, 1992, 1995, 2001).

Entende-se por Inteligência Lingüística a competência característica da espécie humana de revelar uma capacidade universal para a fala e de rápido desenvolvimento entre as pessoas normais, seguindo padrões muito similares em diversas culturas Inclusive as pessoas surdas, que não receberam o ensino na linguagem de signos, são capazes de construir sua própria linguagem Este fato confirma a hipótese de que a inteligência pode operar independentemente de uma modalidade de estímulo ou de um determinado canal de saída. Supõe, ainda, uma sensibilidade especial para a linguagem falada e escrita, a capacidade para aprender idiomas e de empregar a linguagem para obter determinados objetivos. É característica dos poetas, oradores, escritores, advogados, entre outros.

A Inteligência Lógico-matemática está associada à capacidade de desenvolver raciocínios dedutivos, usar e avaliar relações abstratas, bem como usar os números de maneira efetiva. Abrange a sensibilidade aos esquemas e relações lógicas, a categorização, a inferência, a generalização, a classificação, o cálculo e a demonstração de hipóteses. Matemáticos, analistas financeiros, engenheiros, seriam exemplos de indivíduos que dependem da dimensão lógico-matemática.

A Inteligência Espacial está vinculada a capacidade de perceber informações visuais ou espaciais, efetuar transformações e modificações sobre as percepções iniciais, recriar imagens visuais. É a habilidade para perceber de maneira exata o mundo visual-espacial. Inclui a sensibilidade à cor, à linha, à forma, ao espaço, orientando-se de maneira adequada em uma matriz espacial. Supõe a capacidade de reconhecer e manipular pautas em espaços grandes e em espaços mais reduzidos. As atividades relacionadas a arquitetura e navegação estariam ligadas a esta inteligência.

Como Inteligência Corporal-cinestésica, entende-se a capacidade de usar o corpo de diferentes maneiras e de forma hábil para obter determinados objetivos. Envolve o uso de todo o corpo ou partes dele para resolver problemas ou criar produtos, utilizando ações motoras amplas e finas. Inclui habilidades de coordenação, equilíbrio, destreza, força, flexibilidade, velocidade, capacidades auto-perceptivas, táteis assim como percepção de medidas e volumes. Supõe a capacidade de empregar partes do próprio corpo ou sua totalidade para resolver problemas ou criar produtos, sendo encontrada, por exemplo, entre os alpinistas, atletas e bailarinos.

A Inteligência Intrapessoal refere-se à capacidade do indivíduo de conhecer a si mesmo, controlar suas emoções, administrar seus sentimentos, projetos, podendo assim construir um modelo de si mesmo e utilizar esse modelo a favor de si na tomada de decisões. Esta inteligência permite que o indivíduo conheça suas capacidades e possa usá-las da melhor forma possível. Supõe a capacidade de compreender a si mesmo, de ter um modelo útil e eficaz de si, que inclua os próprios desejos, medos e capacidades de empregar esta informação com eficiência na regulação da própria vida. Manifesta-se em pessoas possuidoras de boa auto-estima e capazes de boa interação, como yogues, pacifistas, terapeutas.

A Inteligência Interpessoal é a competência através da qual o indivíduo se relaciona bem com as outras pessoas, distinguindo sentimentos (intenções, motivações, estados de ânimo) pertencentes ao outro, buscando reagir em função destes sentimentos. Esta capacidade permite a descentralização do sujeito para interagir com o outro. Mostra a capacidade de uma pessoa para entender as intenções, as motivações e os desejos alheios e, em conseqüência, sua capacidade para trabalhar eficazmente com outras pessoas. Esta inteligência se manifesta em terapeutas, professores, médicos, líderes religiosos, enfermeiros, etc.

A Inteligência Musical é a capacidade que permite à pessoa criar, comunicar e compreender significados compostos por sons, discriminando, transformando e expressando as diferentes formas musicais. Inclui a sensibilidade ao ritmo, à melodia, ao timbre, ao tom. Manifesta-se em compositores, maestros, engenheiros de áudio. Supõe a capacidade de interpretar, compor e apreciar pautas musicais.

A Inteligência Naturalista é a competência que permite o reconhecimento e a categorização dos objetos naturais, a flora e a fauna, fazer distinções coerentes no mundo natural e usar esta capacidade de maneira produtiva. O naturalista pode distinguir as espécies que são valiosas ou perigosas e possui a capacidade de categorizar adequadamente organismos novos ou pouco familiares. Sua manifestação ocorre em pessoas hábeis em identificar membros de um grupo ou espécie, reconhecer outras espécies e perceber as relações entre várias espécies, como biólogos, botânicos, zoólogos, etc.

A Inteligência Existencial supõe a capacidade do sujeito de se situar em relações às facetas mais extremas do cosmos, do infinito, bem como se situar em relação a determinadas características existenciais da condição humana. É a habilidade representativa da inclinação humana de formular perguntas fundamentais, tais como, a existência, a vida, a morte, a finitude, refletindo sobre elas. Envolve, ainda, a capacidade de interessar-se por questões transcendentais. Sua manifestação está exemplificada em pensadores religiosos e filósofos como o Dalai Lama e Soren Kierkegaard.

Gardner, portanto, apresenta as inteligências a partir de uma nova definição da natureza do ser humano, na qual o descreve como um organismo que possui um conjunto básico de inteligências desde o ponto de vista cognitivo. Nesta perspectiva, não existiriam duas pessoas com o mesmo perfil de inteligências, pois estas surgem da combinação da herança genética de uma pessoa e de suas condições de vida, bem como da cultura e época na qual este indivíduo está inserido. Logo, todos temos uma combinação exclusiva de inteligências. A evolução do homem está equipada com as inteligências que se pode mobilizar e conectar em função das inclinações do sujeito e das preferências de sua cultura. O ponto chave na Teoria das Inteligências Múltiplas é que existe muitas maneiras de ser inteligente dentro de cada uma das nove inteligências. Esta teoria mostra a rica diversidade das formas em que os indivíduos podem apresentar cada inteligência, por exemplo, uma pessoa pode ser incapaz de ler e ter uma alta capacidade lingüística (contar uma história fantástica ou possuir um amplo vocabulário oral). Aceitando as nove inteligências, apesar de um número relativamente limitado, pode-se gerar uma diversidade de perfis humanos. Um sujeito pode não ser dotado em nenhuma daquelas inteligências, porém a especial e única combinação de suas capacidades o permite desenvolver uma identidade singular.

Até a contribuição de Gardner, a palavra inteligência limitava-se às capacidades lingüísticas e lógicas. O autor propõe que se deve ir além da habilidade de resolver problemas já existentes e centrar-se mais na capacidade do ser humano para criar produtos, baseando-se em uma ou mais inteligências. O monopólio de quem acredita em uma só inteligência geral chegou ao fim. A cada dia revela-se com mais detalhes, através dos estudos dos cientistas do cérebro e geneticistas, a incrível diferença das capacidades humanas. Gardner propõe nove inteligências, cada uma com seu próprio substrato neurológico, que se pode cultivar e processar de uma maneira específica dependendo dos valores de cada sociedade. O importante na Teoria das Inteligências Múltiplas é o emprego das inteligências, juntas ou separadas, para realizar tarefas valorizadas em uma sociedade (Gardner, 2001). Todas as pessoas nascem com as inteligências que são pré-programadas geneticamente e passíveis de mudanças através da aprendizagem, experiência e da cultura. Concluiu-se não ser possível supervalorizar um aspecto da inteligência em detrimento de outro, como ocorreu por inúmeras décadas, no passado. O que prevalece hoje é a potencialização de todo o sistema mental, propiciando o desenvolvimento de todas as inteligências . .

Na área da saúde, os profissionais estão diante da grande tarefa que implica em cuidar de alguém. "Cuidar" é mais do que um ato, é uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e de envolvimento com o outro (Boff, 1999: 33). A forma de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. De acordo com Leonardo Boff, sem o cuidado perde-se a humanidade, o sujeito definha, perde sentido, morre. É exatamente num tempo em que a humanidade está mais voltada a assegurar condições de desenvolvimento integral que se faz mister sinalizar para a extrema relevância do cuidar, para assim haver um resgate deste nas relações onde sua expressão ocorre. O ato de cuidar pressupõe uma relação sujeito-sujeito; não é apenas intervenção técnica, mas inter-ação e comunhão. Boff compartilha, assim, com Paulo Freire (Consultar obra intitulada Pedagogia do Oprimido), do sentido humano e libertador, do oposto da relação eu-isso, a que se refere Martin Buber (Consultar o livro Milagre:Eu-Tu, Psicodrama da loucura , de José Fonseca Filho,onde o autor esclarece sobre este tipo de relação ,a que Buber se refere). O tu não é qualquer coisa, é um rosto com olhar e fisionomia, que torna impossível a indiferença. O rosto obriga a tomar uma posição porque há um ser que pro-voca , e-voca e con-voca.. Aqui, encontra-se o lugar do nascimento da ética, que reside nesta relação de responsabilidade diante de um outro, o qual busca no profissional da saúde um auxílio para a superação de suas dificuldades. Convoca-se este para que considere que o seu papel deve ser o de uma pessoa na relação com outra pessoa, agindo como um facilitador no processo de enfrentamento e de superação, atuando de modo humano e humanizante em todas as suas intervenções. É imprescindível lembrar que o ser humano possui sentimento, emoção, capacidade de envolvimento e, que qualquer relação tem, no mínimo, dois envolvidos, podendo, ambos, aprender e ensinar um com o outro. Segundo Boff, construímos o mundo a partir de laços afetivos que tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor, sendo o sentimento que nos faz sensíveis ao que está a nossa volta.

Ressalta-se então que é fundamental a valorização da inteligência intrapessoal naquelas profissões que pressupõem o ato de cuidar e o contato humano, como as ligadas à área da saúde (medicina, odontologia, enfermagem, nutrição, psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, entre outras).Vale ressaltar que se inclui na área de abrangência daquela inteligência a disciplina, a auto estima e a auto-aceitação. Deve-se observar, ainda, a necessidade de se atentar na área de saúde para a aplicação da inteligência interpessoal, o que significa ter sensibilidade para o sentido de expressões faciais, voz, gestos e posturas de habilidade para responder de forma adequada às situações interpessoais. Ambas as inteligências, envolvem a capacidade de interagir com o mundo levando em conta os próprios sentimentos e a habilidade de compreender as emoções próprias e alheias, utilizando-os para as nossas decisões pessoais e profissionais.

No campo da saúde alguns aspectos são prioritários para o estabelecimento de uma relação e de um vínculo terapêutico, a saber:

  • Empatia (se colocar no lugar do outro, percebê-lo segundo o seu ponto de vista);
  • Comunicação efetiva, no que se refere a aspectos verbais, visuais e não verbais;
  • Administração adequada de emoções de raiva, tristeza, ansiedade, alegria;
  • Administração adequada de conflitos e frustrações.

Inicialmente, o bebê realiza investidas para o reconhecimento de seu corpo e dos objetos, restringindo seu universo de relações aos seus pais e parentes próximos. Gradativamente, vai ampliando e expandindo suas relações com colegas e professores, ampliando aquele universo relacional. As experiências vivenciadas na relação consigo, com os objetos e com os outros, permitem-lhe adquirir conceitos, noções e conhecimentos indispensáveis ao seu desenvolvimento cognitivo, intelectual e sócio-emocional A partir de suas experiências na administração de suas necessidades e de vivências relativas a ser cuidado, ter atenção, afeto, apoio e proteção diante do medo, da insegurança, a criança vai desenvolvendo sua capacidade de discriminar seus próprios sentimentos e o das pessoas à sua volta, sentindo-se mais ou menos segura em relação ao seu valor e à sua capacidade, procurando interagir ou esquivar-se do contato e da comunicação com os demais. É, então, na infância que ocorre o grande aprendizado das relações sociais, quando se dão as experiências de individualidade (ser) e de sociabilidade (conviver).Vale ressaltar as duas grandes agências de socialização: a família e a escola. Nestes contextos, através das relações verticais (com adultos - pais e professores) e horizontais (com crianças e adolescentes - colegas, amigos e irmãos), é processada a aprendizagem de diversas emoções, desenvolvendo-se a inteligência intrapessoal e interpessoal.

As regras de interação social elementares são aprendidas desde a mais tenra idade: olhar nos olhos quando as pessoas falam; tomar iniciativa para contatos, não esperando sempre pelo movimento dos demais; aprofundar-se em uma conversa; agradecer; desculpar-se; pedir licença; ser confiante mais do que desconfiado; mais otimista e respeitoso do que triste destrutivo e zangado; partilhar; resolver divergências; etc (Goleman, 1995). Todos estes aspectos são ensinados (de modo formal e informal) pelos pais e professores desde o período pré-escolar. Pode-se destacar alguns valores essenciais ao bom convívio interpessoal:

  • Respeito para consigo, para com os outros, com as coisas e com a natureza e que acarreta nas expressões de generosidade, amizade e compreensão;
  • Temperança - que implica em ter paciência, conter a impulsividade, exercitar autocontrole e capacidade de adiar prazeres e aceitar frustrações;
  • Justiça - para acatar ordens e regras, considerando o respeito aos direitos e o equilíbrio entre Meu e Teu e a dosagem entre caridade (outro é importante) e egocentrismo (eu sou importante);
  • Alegria - para possuir energia de viver, espontaneidade, prazer, felicidade, interesse pelas grandes e pequenas coisas, valendo-se de bom humor nas relações consigo e com os demais;
  • Amor - agir com bondade, doçura, cuidado carinhoso, zelo, dedicação, sendo generoso, grato.

Todos estes valores vão sendo absorvidos durante o decurso da vida da criança e irão modelar a forma como ela será, viverá, agirá e tratará os outros nos mais diversos contextos de suas experiências presentes e futuras. Ao abordar o papel do profissional da saúde, deve-se reforçar que ele sempre estará envolvido em, no mínimo, uma relação bipessoal, na qual cada um dos participantes possui sua história de aprendizagem e de valores que implicará na forma como aquele profissional irá tratar de si e dos demais, possuindo maior ou menor repertório para agir com humanidade.

Na área da saúde, pode-se fazer muitas perguntas: que paciente ou cliente será este? Que profissional será este? Poderá ocorrer um encontro entre um profissional humano e um cliente humano, um profissional pouco humano e um cliente humano, etc. Isto implicará em possibilidades maiores ou menores de encontro e crescimento ou de desencontro e sofrimento nestas interações. Na relação paciente e profissional, ambos revelam suas inteligências. Espera-se que na negociação destas revelações e seus conteúdos, principalmente o profissional da saúde, consiga lidar eficientemente com as suas próprias emoções, bem como com as de seu cliente. Espera-se, ainda, que esteja com suas inteligências em constante sintonia e aperfeiçoamento.

O corpo concretiza a existência humana e permite que o homem se comunique, adquira conhecimentos. Ele "delimita o ser e o mundo, possibilitando que o homem exista como ser-no- mundo" (Souza,1997) e é com este corpo que o homem realiza suas escolhas. Souza (1997) afirma que o profissional da saúde lida com o corpo do homem, tanto nos aspectos físicos como cognitivos e emocionais e, quando ocorre qualquer ameaça ao corpo, esta é percebida como uma ameaça à integridade do ser, o que pressupõe que o profissional considere, não só o corpo biológico de seu cliente, mas também as emoções deste (medo, ansiedade associadas a qualquer processo de adoecer, etc.). O modo de abordar a doença poderá contribuir para que o paciente reconquiste a confiança na vida e a esperança no tratamento, caso contrário poderá gerar neste a sensação de derrota, ativando a desesperança, tão antagônica a qualquer possibilidade de êxito em um tratamento. Miranda (2001) considera atmosfera curativa os seguintes fatores:

  • Intenção e vontade de viver;
  • Propósito de vive, algo que valide o viver;
  • Disposição para se voltar para dentro de si e regatar a sabedoria interna;
  • Pensamentos positivos;
  • Auto-aprovação e auto-aceitação;
  • Vivência do tempo presente; e
  • Libertação de ressentimentos.

Estes fatores estão intimamente ligados às inteligências intrapessoal e interpessoal, onde a intrapessoal refere-se, principalmente, ao auto-conhecimento (conhecimento e discriminação das próprias emoções, limitações, capacidades, interesses) e a interpessoal designa a habilidade de administrar as emoções nas relações com as pessoas. São estas duas inteligências que permitem a resolução de problemas existenciais e significativos, onde o profissional irá procurar identificar o referencial do sujeito (seu significado de dor, medo, tensão).

O profissional da área da saúde precisa, além de desenvolver uma competência técnica e acadêmica, aprimorar continuamente suas inteligências intrapessoal e interpessoal para garantir a vinculação com seus clientes e, assim, promover um acolhimento (clima de respeito), a partir do qual o sujeito deseje retornar, por ter experimentado a sensação de que foi valorizado e importante, de ter sido visto como gente, como pessoa única.

Gerk-Carneiro (2003) refere-se ao modelo de competência pessoal de Greenspan e Driscoll, segundo o qual, a competência pessoal é dividida em competência física, afetiva cotidiana e acadêmica. Pontua que o comportamento adaptativo costuma ser aquele relacionado às habilidades sociais no contexto da competência social. A inteligência pode servir como um recurso pessoal que facilitaria o crescimento e o ajustamento pessoal, além de aliviar os efeitos comprometedores do stress e das doenças psicológicas.

É importante ressaltar que todo ser vivo precisa ser cuidado, alimentado afetivamente, pois esta é a essência da vida humana e o cuidado efetivo é aquele, no qual as inteligências intra e interpessoal são continuamente estimuladas, proporcionando melhora pessoal daquele que cuida e daquele que é cuidado, incrementando, assim, a qualidade da vida humana e o estar no mundo.

Conclui-se, deste modo, que o profissional da área da saúde necessita, além de desenvolver uma competência técnica e acadêmica, aprimorar continuamente suas inteligência intra e interpessoal para garantir a vinculação.Vinculação esta que inclui acolhimento,clima de respeito e propicia ao cliente acionar recursos que lhe aproximem da superação das suas dificuldades..

 

Referências Bibliográficas

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Notas

E.C. da Veiga
Endereço para correspondência: R. Francisco Rocha 1700/83. Bigorrilho, Curitiba, PR, CEP 80730-390.
E-mail para correspondência: bethveiga@hotmail.com

V.R. Miranda
Endereço para correspondência: End. Petit Carneiro 1166/806, CEP 80240-050.
E-mail para correspondência: veramiranda@hotmail.com.