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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.10  Rio de Janeiro Mar. 2007

 

Artigo Científico

 

Entre senso comum e ciência: o conhecimento híbrido do jornalismo

 

Between common sense and science: the hybrid knowledge of journalism

 

 

Liriam Sponholz

Universidade de Leipzig, Leipzig, Alemanha

 

 


Resumo

Neste artigo, pretende-se discutir o jornalismo como tipo de processo de conhecimento. Ao contrário da tese de que o jornalismo não seria ciência, porque pertence ao senso comum, parte-se do pressuposto de que o jornalismo não é nem senso comum nem ciência. Para isso, avalia-se o que é conhecimento e o que caracteriza tipos clássicos como a ciência e o senso comum. Em seguida, analisa-se o que diferencia e o que assemelha o jornalismo a estas duas formas clássicas de conhecimento. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 10: 02-14.

Palavras-chaves: conhecimento; jornalismo; ciência; senso comum.


Abstract

This article discusses journalism as a process of knowledge. Contrary to the thesis, that journalism should not be considered a science as it is simply common sense, we presume that it is neither science nor common sense. Therefore we have studied the meaning of knowledge and what characterizes classical type like common sense and science. In the following we compare journalism with those two classical forms of knowledge. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 10: 02-14.

Keywords: knowledge; journalism; science; common sense.


 

 

Nos jornais de hoje, o leitor pode ser informado que a rua próxima à sua casa, que está em obras há meses, deve ser reinaugurada na próxima semana, que o preço do combustível vai subir de novo na quarta-feira, que a probabilidade de que pessoas que bebem café desenvolvam câncer de intestino é menor, que ainda não há um consenso entre os espanhóis sobre como eles julgam a ditadura Franco.

Em outras palavras, através do jornalismo tem-se diariamente a chance de saber o que acontece no próprio meio ambiente. Um ambiente que fica cada vez mais complexo e do qual só uma pequena parte pode ser vivenciada diretamente. Tem-se a possibilidade de saber não só sobre coisas que se usam no dia-a-dia, mas também sobre outras, que formam as imagens que se têm do mundo.

Mas como isto funciona? Pode-se confiar no tipo de conhecimento que o jornalismo produz? Ele não é muito superficial? Ou trata-se de verdades comprovadas cientificamente? Para responder essas perguntas, é preciso analisar em primeiro lugar o que é e como o jornalismo produz conhecimento. Este é o tema deste artigo.

Em primeiro lugar, pretende-se discutir o que é o conhecimento e como é que se conhece. Esta discussão é feita (não somente, mas) sobretudo a partir da teoria evolucionista do conhecimento de Gerhard Vollmer (1985).

Em seguida, serão apresentados os dois tipos clássicos de processos de conhecimento, o do senso comum e o da ciência. Sobretudo o conhecimento do senso comum remete a um conceito polissêmico, que varia de acordo com a sua aplicação, com a área de conhecimento e até mesmo com a concepção filosófica. Por isso, faz-se necessário definir claramente o que é senso comum, para que se possa confrontá-lo com o jornalismo e reconhecer semelhanças e diferenças entre ambos os processos de conhecimento. Neste trabalho, toma-se como ponto de partida para a definição destes o racionalismo crítico de Karl Popper. Para concluir, descreve-se qual tipo de processo de conhecimento o jornalismo representa e por que ele não é nem senso comum nem ciência.

 

O processo de conhecimento

Conhecer não significa simplesmente vivenciar ou perceber algo sobre a realidade ou o mundo exterior, mas sim trabalhar o que foi vivenciado ou percebido. Conhecimento resulta do processamento e da estruturação dos conteúdos vivenciados e da posterior comparação daquilo que foi recebido e processado com os esquemas já gravados no cérebro (Vollmer, 1985: 33). Ou seja, as informações ou estímulos recebidos do mundo exterior não são simplesmente transportados para o cérebro, mas sim transformados.

O mundo exterior ou realidade oferece mais estímulos do que o ser humano tem capacidade de assimilar. Como não se pode conhecer a realidade inteira, o sujeito concentra a sua atenção nas áreas de percepção que lhe interessam.

"Quem caminha por um calçadão morrendo de fome, querendo comprar um pãozinho fresco, só vai perceber a loja de sapatos na mesma rua com o canto dos olhos. Se é que a perceberá." (Bentele, 1982: 125, tradução nossa)

O sujeito conhecedor busca o contato com o mundo exterior por interesse. Isto significa que subjetividade não somente é uma característica intrínseca a este processo, como também uma condição sine qua non para a busca da realidade.

"Observação é sempre seletiva. Precisa da escolha de um objeto, de uma tarefa definida, de um interesse, de um ponto de vista, de um problema. E sua descrição pressupõe uma linguagem descritiva, com palavras apropriadas." (Magee, 1975: 33, tradução nossa)

O fato de que alguém conhece a realidade a partir de um determinado ponto de vista corresponde a uma outra estratégia de conhecimento, a perspectividade. Bentele (1982: 126) a define como a limitação da percepção a um determinado ponto de partida local e temporal. Isto abrange não somente o momento histórico e o ponto geográfico, mas também interesses e ideologia. "Percepção e conhecimento sem perspectiva são basicamente impossíveis" (Bentele, 1982: 126, Tradução nossa). Isto significa que os estímulos recebidos do mundo exterior, que também podem ser denominados conteúdos vivenciados, são processados e estruturados dentro de uma perspectiva.

Estes estímulos só podem ser conhecidos porque correspondem a uma situação ou a um objeto que já se conhece.

"Para tornar isso óbvio, um observador não precisa conhecer gatos siameses toda vez que encontra um. Nós entendemos o novo siamês de um amigo porque nós temos outros objetos como este gravado na nossa memória". (Stocking e Gross, 1989: 9, Tradução nossa)

Vollmer (1985: 33) descreve isto como comparação daquilo que foi recebido e processado com os esquemas já gravados no cérebro (Engrammen). Através da classificação do estímulo escolhido dentro daquilo que já se conhece, o que se vivenciou adquire um sentido. Através deste processo o novo conteúdo vivenciado é categorizado, ou seja, reconstruído em um novo contexto.

Segundo Stocking e Gross (1989), o processo de categorização resulta na rotulação do acontecimento (labeling) e na inferência ou dedução (inference). A rotulação dá sentido ao acontecimento, pois o que aconteceu é comparado com uma situação vivida anteriormente e recebe a mesma "etiqueta". Um mesmo evento pode receber "etiquetas" diferentes de seus observadores, se estes processarem e estruturarem o que vivenciaram de acordo com esquemas cognitivos diferentes.

Um exemplo disto ocorreu durante a guerra na Bósnia, quando alguns jornalistas europeus classificaram os campos de prisioneiros de guerra como campos de concentração, uma experiência histórica que faz parte dos conteúdos vivenciados por eles anteriormente. A correspondente de guerra brasileira Cristiana Mesquita também cobriu o conflito, mas comparou a situação dos campos na Bósnia com a das prisões brasileiras1.

Quando um campo de prisioneiros de guerra é classificado como campo de concentração, então são tiradas conclusões a esse respeito, sem que estas tenham sido necessariamente observadas. Se estes locais correspondem a campos de concentração nazistas, então deduz-se que as pessoas que lá estavam não só eram assassinadas ou mortas pela condições subumanas sob as quais viviam, mas sim sistematicamente eliminadas. Esta categorização também conduz a um processo de julgamento (judgement), ou seja, a partir do conhecimento de que os campos de prisioneiros são campos de concentração, o sujeito conhecedor formula sentenças e recomendações a este respeito (ver a respeito em Stocking e Gross, 1989: 17).

No resultado da transformação de um estímulo do mundo exterior em conhecimento, pode-se reconhecer tanto características do objeto como do sujeito. Nenhum processo de conhecimento resulta em uma imagem completamente diferente da realidade. Todos os tipos de conhecimento partem da realidade. Os personagens de filmes, por exemplo, podem ser fictícios, mas o espectador pode se identificar com eles ou com as situações vividas por estes exatamente porque essas experiências acontecem ou poderiam acontecer de fato. Neste sentido, pode-se dizer que conhecimento puramente subjetivo é impossível.

Quando o sujeito conhecedor reconstrói o que vivenciou, ele constrói uma segunda realidade. Isto não significa que esta nova realidade seja construída de maneira arbitrária. Ela é produzida a partir da observação da realidade primária e carrega elementos do mundo exterior em si. Este processo de reconstrução pode ser chamado de construtividade.

Seletividade, perspectividade e construtividade não permitem que se possa espelhar a realidade primária em uma realidade simbólica, mas uma ligação entre as duas é possível. O decorrer do processo do conhecimento aponta para uma reconstrução em correlação com a realidade. Ao mesmo tempo, seu resultado não é uma cópia ou espelhamento da realidade.

"Perceber e conhecer não precisam necessariamente ser entendidos como construção ou como retrato. Muitas coisas falam a favor de se compreender o perceber e o conhecer como retrato através de construção." (Bentele, 1993: 160, tradução nossa)

 

Tipos de processo de conhecimento

Há diferentes formas de processar e estruturar os conteúdos vivenciados. Em outras palavras, há diferentes processos de conhecimento. Os casos mais conhecidos são os da ciência e do senso comum. Este último é o ponto de partida para todos os outros tipos de processo de conhecimento (ver a respeito em Popper, 1984; Santaella, 2001).

Senso comum é um conceito polissêmico. O que se entende como tal varia de acordo com a área de conhecimento, com a concepção filosófica etc. Neste trabalho, senso comum deve ser entendido como um tipo de conhecimento que resulta do armazenamento de modelos de ação e interpretação no cérebro, que é compartilhado por um público (portanto, não é individual) e retratado como natural. Fontes deste tipo de conhecimento são tanto experiências primárias como secundárias. As primeiras são vivenciadas pessoalmente e as secundárias, através de outras pessoas e/ou através da mídia ou ainda vêm de outros tipos de conhecimento, como por exemplo a ciência. Características deste tipo de processo de conhecimento são a rotinização, a naturalidade, a universalidade e a coletividade.

O senso comum é freqüentemente igualado ao saber cotidiano quando se refere às soluções que são desenvolvidas no e para o dia-a-dia. Uma vez que a solução encontrada funciona, tende-se a mantê-la e ela se torna parte constitutiva do nosso "saber". "Sabe-se", portanto, que chá preto ajuda contra dor de barriga, que suco de maracujá acalma etc. Este tipo de processo de conhecimento tem a função de fornecer modelos de ação para as situações cotidianas (rotinização).

O senso comum não se reduz, no entanto, a orientações cotidianas de ação. Uma outra característica central deste tipo de conhecimento é o fato de ele ser tratado como "natural" e, portanto, dispensar qualquer justificação (Albersmeyer-Bingen, 1986). Se uma nova experiência contradiz o pré-conhecimento, ou seja, os modelos de ação e interpretação que já se tinha, ela será ajustada para que caiba nestes. Deste modo, uma nova experiência nunca contradiz o que já se "sabe" (Varga, 2004: 54).

Através disto, esta forma de conhecimento se torna "natural". Ou a pessoa "sabe" porque vivenciou pessoalmente que "A" é assim mesmo ou "sabe" pelos outros que "A" é verdade. Por isso, qualquer justificativa é desnecessária.

Isto se deve à função do senso comum de fornecer modelos para agir e para pensar. Para poder agir, a pessoa tem que partir do pressuposto de que sabe o que está fazendo. Ela precisa se fixar a uma determinada interpretação do mundo e acreditar nesta (Varga, 2004: 29). Se ficar se perguntando o tempo inteiro como e por quê, nunca chegará a agir.

Este conhecimento é constituído por frases universais, ou seja, o conhecimento ganho através destas experiências é generalizado e como tal armazenado (universalidade). Além da universalidade, uma das principais características deste tipo de conhecimento é a sua coletividade. O senso comum não precisa ser compartilhado por todos, mas sim pelo grupo ou público que dividem o mesmo "mundo" com o sujeito conhecedor.

Senso comum não deve ser confundido com opinião, nem mesmo opinião da maioria. Para tornar esta diferença concreta, tome-se por exemplo (fictício) de uma pesquisa de opinião pública sobre a restrição do número de feriados com o objetivo de aumentar a produtividade nacional. Quando o pesquisador de um instituto de opinião pública pergunta ao seu entrevistado qual o feriado que deve ser cortado, o Dia da Indepência (7 de setembro) ou o da Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro), o senso comum não está contido na escolha da maioria por um ou por outro, mas sim na necessidade de reduzir os feriados, que não é colocada em questão.

Uma convicção baseada no senso comum significa mais do que ter uma opinião. Quando se tem uma visão sobre um tema, a pessoa retrata a própria opinião como uma entre outras. Provavelmente como a melhor, mas ainda assim como uma alternativa. A própria opinião é submetida ou resulta de um processo de argumentação. Quando se fala de senso comum, não há nem sequer uma outra opinião que poderia ser discutida, já que quem pensa de outra maneira age a priori contra o óbvio. Qualquer opinião dissidente é enquadrada como heresia, falta de saber ou cegueira, já que vai "contra a natureza".

Senso comum é mais do que um conhecimento de caráter comum. Segundo Lindenberg (1987: 202), as suas raízes são a natureza humana e as situações sociais, o que faz com que o senso comum nos oriente para a interação social. Fica claro, portanto, que ele não só fornece modelos de ação para tarefas básicas, rotineiras, que possibilitam nossa sobrevivência, mas também esquemas de interpretação, através dos quais nós modelamos nossas relações sociais. Estes modelos são retratados como naturais, o que tem como conseqüência que (Varga, 2004: 13):

  • estes modelos não precisam ser justificados;
  • necessariamente funcionam e
  • devem ser tomados como normas.

Contemplar uma determinada maneira de agir ou pensar como natural pode trazer problemas sociais e políticos consigo. Através do senso comum, as relações sociais são naturalizadas. Assim, "Deus ajuda quem cedo madruga", como se o único ou principal fator que determinasse o sucesso financeiro e/ou profissional de alguém fosse a sua jornada de trabalho, bem como "lugar de mulher é atrás do fogão", como se isto fosse uma lei natural e não resultado de uma relação social construída, que pode ser estabelecida de outra maneira.

O senso comum pode provocar não só problemas políticos e sociais, mas também preocupações epistemológicas. A "naturalidade" com que este conhecimento é retratada engessa a busca pela realidade. Como já se "sabe" e o que se sabe é óbvio, não é preciso continuar tentando se aproximar da realidade para conhecer mais. O resultado é que noções falsas sobre nosso ambiente natural e social continuam sendo utilizadas como base para nossas ações e soluções são encontradas a partir de premissas erradas.

O senso comum tem características que a ciência também tem. Ambos são constituídos pelo conhecimento ganho através de tentativas e erros (Popper, 1984: 64). Mas a principal diferença entre ambos é que, enquanto para o senso comum basta o conhecimento que nos permite sobreviver, a ciência tenta se aproximar cada vez mais da realidade (já que alcançá-la e conhecê-la totalmente é impossível) (Popper, 1984). Com isso, o saber científico busca ir além daquilo que se sabe até o momento. O senso comum só tenta fazer isso quando os seus modelos não funcionam mais.

A ciência problematiza seus objetos. A frase "chá preto é bom contra dor de barriga" poderia ser uma afirmação científica, mas por outras razões, ou seja, com outro tipo de justificativa. De acordo com Popper (1984: 81), a ciência - que é essencialmente crítica - tem um caráter de suposição e não se entende menos como segura, pois transforma algo que normalmente funciona intencionalmente em um problema.

Para a ciência, não basta saber que todos os nossos parentes e conhecidos que têm problemas de estômago tomaram chá preto e, depois disso, as dores cessaram. O fato de que algo funciona não é uma resposta satisfatória para o cientista. A ciência exige uma outra explicação, uma outra justificativa sobre por que funciona. Neste sentido, a ciência se difere do senso comum porque precisa de uma justificativa e esta deve seguir regras. Ou seja, o cientista tem que dizer como é que ele sabe, enquanto no senso comum, simplesmente sabe-se.

Outra diferença entre ambos é que a observação da realidade na ciência segue regras, que derivam de uma teoria sem contradições. A ciência não oferece um conhecimento definitivo, porém ela pode se aproximar mais da realidade do que o senso comum porque o seu conhecimento nunca é tratado como seguro.

 

Jornalismo como tipo de processo de conhecimento

Pode-se conhecer a realidade através do jornalismo? O jornalismo é uma forma de processar e estruturar os conteúdos vivenciados? Se a resposta é sim, então se pode dizer que jornalismo é um tipo de processo de conhecimento.

O jornalismo obedece às mesmas regras dos processos de conhecimento em geral. Como qualquer outro tipo de processo de conhecimento, não consegue espelhar a realidade porque este processo é sempre perspectivo, seletivo e construtivo. Sempre que alguém processa, estrutura e compara os estímulos que recebeu do mundo exterior com o que já sabe, ou seja, sempre que uma pessoa conhece algo, ela o faz de uma determinada perspectiva. Esta é uma parte inevitável do processo de conhecimento. Com jornalistas, como com qualquer outra pessoa, também é assim.

A realidade midiática é seletiva. Ela segue as mesmas regras que um ser humano obedece para entrar em contato com a realidade. Só alguns aspectos do mundo exterior são absorvidos. A realidade midiática apresenta a realidade primária através de uma extrema redução de complexidade. A realidade midiática que o jornalismo produz não é e não pode ser a realidade primária. Ela é uma representação da realidade primária.

A realidade midiática que resulta do processo de conhecimento jornalístico contém aspectos tanto subjetivos quanto objetivos. A separação de sujeito e objeto - como os defensores de algumas noções tradicionais de objetividade pregam - é não só desnecessária, como também questionável. Como alguém pode escolher um aspecto do mundo exterior sem ter nenhum tipo de interesse nisso?

Por outro lado, o fato de que o jornalismo representa uma forma de conhecimento perspectiva, seletiva e construtiva, marcada por elementos subjetivos, não significa que não há nenhuma correlação entre o mundo exterior ou realidade primária e a realidade midiática, ou que esta correlação não seja possível.

No jornalismo, esta discussão ocupa um espaço especial, já que o objeto do jornalismo é a realidade (Bentele, 1988; Guerra, 2000). Textos jornalísticos não só podem, eles têm que ter uma semelhança estrutural com a realidade.

Como esta semelhança é produzida? O que caracteriza o jornalismo do ponto de vista epistemológico? Que tipo de processo de conhecimento ele representa? Senso comum ou ciência? O que o diferencia da ciência e do senso comum?

A resposta a estas perguntas depende da perspectiva através da qual se contempla este processo de conhecimento: do ponto de vista da produção ou da recepção. O primeiro se refere ao processo através do qual o jornalista conhece a realidade, ou seja, quando a realidade social é transformada em realidade midiática (representação da realidade na mídia). No segundo caso, o receptor conhece a realidade através do jornalismo, ou seja, a realidade midiática se torna a realidade do público (representação da realidade que o público tem).

Ao se contemplar a função social do jornalismo de fornecer orientações para o nosso dia-a-dia, então pode-se classificá-lo como senso comum. A função das notícias, segundo Park, é orientar as pessoas e a sociedade no seu mundo. "In so far as it succeeds it tends to preserve the sanity of the individual and the permanence of society" (Park, 1967: 50). É na função para o receptor que Park se baseia para classificar o jornalismo como "conhecimento de trato" (acquitance with) e diferenciá-lo da ciência, que seria conhecimento sistemático, formal e racional (Park, 1967: 37).

Isto está relacionado com a resposta a uma demanda que o jornalismo assumiu historicamente. O mundo alcançou uma tal complexidade, que não é mais possível vivenciar as mudanças pessoalmente. Como Meditsch (1992: 30) explica, um homem na Idade Média podia vivenciar as mudanças no mundo à sua volta na sua superfície, na sua dimensão perceptível. Hoje em dia, precisa-se do jornalismo para mostrar estas mudanças.

No entanto, jornalismo não é só aquilo que se consome, mas também algo que é produzido. E no seu processo de produção, o jornalismo se diferencia essencialmente do senso comum. Genro Filho (1988: 58) critica a posição dos que defendem que a transformação da realidade midiática para a realidade do público possa ser igualada com uma substituição da percepção direta exatamente por isso:

"Na percepção individual, a imediaticidade do real, o mundo enquanto fenômeno, é o ponto de partida. No jornalismo, ao contrário, a imediaticidade é o ponto de chegada, o resultado de todo um processo técnico e racional que envolve uma reprodução simbólica (...) Não se pode falar de uma correspondência de funções entre o jornalismo e a percepção individual, mas sim de uma 'simulação' desta correspondência." (Genro Filho, 1988: 58)

No caso da percepção individual, vivencia-se a realidade dentro de um contexto. O jornalismo tenta reconstruir esse contexto para que o leitor, telespectador ou ouvinte possa se sentir neste contexto, que é reconstruído através da linguagem.

É preciso, no entanto, chamar a atenção para o fato de que - ao contrário do que afirmou Genro Filho - nem a percepção direta nem a sua simulação através do jornalismo são imediatas, já que em todos os tipos de conhecimento há um sujeito, que observa a realidade de maneira seletiva e a partir de uma perspectiva. A sua crítica é ao mesmo tempo válida, já que mostra que o jornalismo não pode ser igualado ao senso comum, se o processo técnico e racional de produção for considerado. Quando o jornalista conhece a realidade, ele processa e estrutura os conteúdos vivenciados não somente dentro de uma perspectiva e de acordo com o seu pré-conhecimento, mas também de acordo com regras profissionais.

Senso comum e jornalismo se assemelham, portanto, no que diz respeito à sua função. Considerando-se o recorte através do qual o senso comum, o jornalismo e a ciência possibilitam o acesso à realidade, o jornalismo se difere de ambos.

Genro Filho (1988: 64) ocupou-se com esta questão e sistematizou os diferentes tipos de conhecimento em três categorias: singular, particular e universal. Tudo que existe pode ser classificado em uma destas categorias. Por exemplo, Pedro Silva pertence como tal à categoria singular. Como motorista de caminhão, ele pertence à categoria particular e como ser humano, à categoria universal. Esta classificação não deve ser vista de maneira radical, já que Pedro pode ser parte de todas elas, por motivos diferentes.

Segundo Genro Filho (1988), o jornalismo ganha conhecimento sobre o mundo através do singular, enquanto a ciência se concentra no que há de universal. Ou seja, a ciência só se interessa por Pedro como ser humano ou como motorista de caminhão (isto é, como um dos pertencentes a este grupo), mas não como indivíduo. No senso comum, como já analisado, o conhecimento ganho também tem um caráter universal. Para o jornalismo, o mais importante é exatamente o que é menos universal.

Se Pedro sofrer um acidente com o seu caminhão em uma rodovia, o jornalismo vai se interessar como Pedro Silva, motorista de caminhão, 35 anos, pai de dois filhos, com uma jornada de trabalho de 16 horas por dia, se acidentou na rodovia BR-X, que se encontra em um estado precário e não sofre reparações desde 1985. Para a ciência, este acontecimento poderia ser importante, mas não como evento singular. O cientista pode escolher o acidente como tema dentro de um conjunto de acidentes com caminhões ou em um levantamento sobre a situação das rodovias. Isto é, a ciência só se interessa pelos aspectos particulares ou universais deste caso. A sua exclusividade é ignorada. O jornalismo, porém, se importa exatamente com o que a ciência ignora.

De acordo com Genro Filho (1988: 65), a singularidade é a característica principal do jornalismo como tipo de conhecimento. É ela que impede que o jornalismo seja classificado como ciência.

O jornalismo se concentra portanto em casos e não busca regularidades, como a ciência faz (Neuberger, 1996: 153). Em uma reportagem sobre desemprego, o jornalista pode ir ao Serviço de Seguro-Desemprego e entrevistar algumas pessoas que aguardam para serem atendidas. O jornalista conta então a história de João, Pedro e Maria, que perderam seus empregos. Ele não vai se concentrar naquilo que une as três histórias para encontrar uma regra para esclarecer o problema do desemprego. Trata-se exatamente do oposto, ou seja, de mostrar os aspectos singulares na história de vida das três fontes, como por exemplo, o que João fazia antes, qual a sua profissão, quanto ele recebia por mês, como ele faz para sustentar os seus filhos, como é o seu dia-a-dia hoje.

O fato, porém, de que o jornalismo se concentra nesta categoria não significa que desta maneira não se possa adquirir conhecimento. Este tipo de conhecimento pode revelar aspectos da realidade que a ciência ignora ou considera irrelevantes. Quando um jornalista acompanha o dia-a-dia de um presidiário, por exemplo, e conta o que vivenciou, ele passa informações importantes para se entender o problema.

Embora o foco no singular seja uma característica inerente ao jornalismo, os eventos singulares precisam ser reconstruídos em um contexto particular. Neste processo esconde-se a possibilidade de uma leitura crítica da realidade (Genro Filho, 1988: 192).

O jornalismo se difere da ciência e do senso comum, seja pelas funções sociais que cumprem e pelas questões epistemológicas que decorrem das diferenças no corte da realidade feito por ambos seja pelos recursos disponíveis.

Com relação à função, o que aproxima o jornalismo do senso comum é o que o distancia da ciência. Como Meditsch (1992: 54) esclarece, embora jornalismo e ciência tenham coisas em comum (ambas são formas de conhecimento condicionadas historicamente pelo desenvolvimento da sociedade industrial capitalista), ambos assumiram tarefas diferentes e desenvolveram metodologias específicas. A ciência se transformou nas ciências, enquanto o jornalismo se mantém no generalismo. E esta seria a tarefa mais importante do jornalismo, a de possibilitar o diálogo entre o físico, o advogado, o operário e o filósofo (Meditsch, 1992: 55).

Considerando-se as questões epistemológicas, o que aproxima o jornalismo da ciência é o que o distancia do senso comum. Provavelmente, a questão epistemológica mais importante é a do método. O senso comum não exige um método, já que se trata de conhecer algo "natural". No senso comum, não é preciso justificar as afirmações. O defensor de uma afirmação provinda deste tipo de processo de conhecimento diria que basta ter bom senso, para "saber" que a frase "A" é correta ou errada.

Enquanto no senso comum suposições são tratadas como "verdades óbvias", o jornalista tem que testar as suas suspeitas. Jornalistas têm que testar suas hipóteses de acordo com regras. O jornalismo não aceita argumentos como por exemplo "Alguém me disse.." ou "todo mundo sabe que é verdade". O mesmo ocorre com a ciência. O cientista escolhe seu objeto, procura aproximar-se deste através de uma teoria (um sistema de frases sem contradições), deduz destas hipóteses, que devem ser testadas de acordo com regras.

Portanto, nem no jornalismo nem na ciência as afirmações podem ser tratadas como "naturais". Estas precisam ser justificadas, o que exige que seja utilizado um método, ou seja, uma série de procedimentos sequenciais adotados conscientemente e planejados com o objetivo de vivenciar algo sobre a realidade (Mehrtens, 1990).

Com relação ao jornalismo, as diferenças começam pelos objetos, o que reflete a questão já mencionada do recorte da realidade. Neuberger (1996) classifica ciência e jornalismo como formas diferentes de conhecimento devido à natureza dos eventos com os quais este último trabalha. Os acontecimentos em jornalismo não podem ser repetidos. Além disso, a observação da realidade é mais limitada, já que o jornalista raramente observa pessoalmente o que aconteceu, pois eventos relevantes acontecem via de regra em locais difíceis de serem alcançados. Um pesquisador, ao contrário, pode repetir suas experiências (Neuberger, 1996: 154). Como o jornalismo se concentra em acontecimentos singulares e em fontes não representativas, Neuberger propõe que o jornalismo seja comparado com as pesquisas qualitativas em ciências sociais.

Os objetos com os quais trabalham, por sua vez, revelam as semelhanças entre ambos os tipos de processos de conhecimento. Fabris (1981: 16) analisa ambos os processos de conhecimento a partir dos seus objetos.

"Quando jornalistas se ocupam com acontecimentos sociais, noticiam sobre processos sociais e atores políticos e econômicos, eles praticam quase ciência social empírica. Eles se colocam em uma posição indireta de concorrência com as produções conhecidas da pesquisa social com relação à descrição e a interpretação de processos e atores sociais." (Fabris, 1981: 16, tradução nossa)

Outro ponto de convergência entre ciência e jornalismo - a utilização de um método - também pode ser controversa. A discussão começa com o papel da teoria em ambos os casos. Para Meditsch, a observação no jornalismo não se orienta em um sistema teórico, o que a torna, de um ponto de vista científico, incontrolada (Meditsch, 1992: 55-56).

A orientação em um sistema teórico traz conseqüências para a formulação de hipóteses. Para Meditsch, como não há uma teoria, o jornalista não teria hipóteses para testar, mas sim uma pauta. O isolamento de variáveis é substituído pelo ideal de apreender o fato de todos os pontos-de-vista relevantes. Isto determina a capacidade de armazenamento de conhecimento em jornalismo (Meditsch, 1992: 55-56).

De acordo com Meditsch, os métodos jornalístico e científico são tão diferentes (1992: 54), que critérios científicos não podem ser utilizados no jornalismo:

"O jornalismo jamais seguirá o mesmo critério da ciência e, ao ser medido pela vara alheia, só pode aparentar estranheza, não pode ser compreendido."

Para Meyer, pelo contrário, há neste ponto uma semelhança estrutural entre jornalismo e ciência. Na sua opinião, tanto jornalistas quanto cientistas partem de uma teoria. Jornalistas precisam de um modelo teórico para que possam selecionar e organizar os dados relevantes e torná-los compreensíveis:

"To think about them (the data) at all, you need a perceptual framework. (...) Different writers in different fields have given different names to these perceptual structures. Psychologists sometimes call them 'schema'. They are also known as constructs, hypotheses, expectations, organizing principles, frames, scripts, plans, prototypes, or even (this one from psychology) 'implicational molecules'. Walter Lippmann called them 'stereotypes'. (...) In its most sophisticated and conscious form, the schema, construct, or stereotype becomes a theoretical model." (Meyer, 2001: 10)

Meyer defende a idéia de que jornalistas, de modo consciente ou inconscientemente, formulam hipóteses:

"You can't begin to think about a problem without some kind of theoretical framework. And you will have one, whether you are conscious of it or not." (Meyer, 2001: 12)

O desenvolvimento de hipóteses é, para Meyer, um processo através do qual o modelo teórico escolhido passa para um nível consciente, no qual ele pode ser avaliado. Isto significa que as hipóteses são a expressão do modelo teórico em uma forma que pode ser testada empiricamente. Assim como o cientista, os jornalistas tentam testar suas hipóteses.

"Modern scientific method provides for aggressive reality testing. Journalists are interested in testing reality, too. The main difference - beyond the obvious one that journalists are in more of a hurry is that journalists are more passive about it. Instead of testing reality directly with their own observations, deductions, and experiments, they are normally content to do their cross-checking by consulting different authorities with different viewpoints and different interests." (Meyer, 2001: 13)

Para poder avançar nesta discussão, faz-se necessária uma definição clara do que se entende como "teoria". Todos os tipos de conhecimento são conduzidos por teorias (Popper, 1984: 72). Uma criança que quer atravessar uma rua não precisa ter sido vítima de um atropelamento ou ter visto um para saber que antes de atravessar é preciso olhar para os dois lados para ver se nenhum carro vem à sua direção. Isto ela aprende teoricamente, ou seja, nem através de experiência nem de observação direta.

Portanto, tanto a posição de Meditsch, de que jornalistas não trabalham com teorias, como a de Meyer, de que o jornalismo seria uma ciência empírica por também ter a tarefa de "testar" a realidade, parecem ser equivocadas. A primeira, porque todo conhecimento é em primeira mão teórico. A segunda, porque o "teste" de realidade em jornalismo se difere essencialmente do da ciência.

O fato de que jornalistas partem de uma teoria, como Meyer constata, não é suficiente para mostrar que o jornalismo se assemelha a um método científico. A teoria do jornalista não é um sistema de frases sem contradições, como a do cientista. O jornalista tem poucas chances de desenvolver um sistema teórico sem contradições internas a partir de outras teorias, pois ele não é um especialista.

De fato, jornalistas não partem de uma teoria científica, ou seja, de um sistema de afirmações sem contradições (ver a respeito em Popper, 1994). No entanto, isto não deve ser confundido com o (não) desenvolvimento de hipóteses. Hipóteses científicas são as teorias formuladas em frases que podem ser testadas empiricamente. Como as teorias em jornalismo e ciência são diferentes, as hipóteses que resultam delas também o são.

Jornalistas têm uma idéia ou uma pré-opinião sobre aquilo que noticiam, antes mesmo de começar a reportagem. Isto não significa que estas idéias ou suposições possam ser igualadas com hipóteses científicas, já que estas são deduzidas a partir de teorias formuladas em relação a outras teorias ou estudos. Ou seja, a formulação de hipóteses na ciência é o resultado de uma acumulação de saber sobre o tema. No jornalismo, a acumulação é mais limitada e se refere sobretudo a informações reunidas sobre o assunto da pauta.

Em outras palavras, jornalistas desenvolvem hipóteses a serem testadas durante a reportagem (ver a respeito em Stocking e LaMarca, 1990), embora estas não possam ser retratadas como científicas. Estas suspeitas não vêm de uma teoria, mas sim das informações sobre o caso a ser investigado. Elas também são testadas de maneira diferente.

Ao mesmo tempo, assim como a ciência, o jornalismo pode se aproximar da realidade através da falsificação do que se sabe até agora. "O que se sabe até agora", no entanto, não se refere aos últimos estudos científicos sobre o assunto, mas sim ao que o homem comum até o momento acredita ser verdade. O jornalismo pode, portanto, falsificar convicções do senso comum. Este objetivo, no entanto, divide o lugar com outros, que também têm que ser alcançados pelo jornalismo, como por exemplo o entretenimento, o reforço das regras sociais, o diálogo entre grupos de posições políticas diferentes, entre outros.

No que diz respeito ao controle da observação, isto depende do conceito de controle. No que concerne a utilização de um método, pode-se dizer que o jornalismo está submetido a uma outra forma de controle do que a ciência. Se considerar como critério a realização da experiência e sua possível repetição dentro das regras determinadas pelo cientista, o jornalismo, assim como parte das ciências sociais, não realiza uma observação controlada.

Ao mesmo tempo, Meditsch aponta com razão para o fato de o jornalismo não ser um tipo de conhecimento sistematizado como a ciência. Enquanto o cientista parte de uma base de informações na qual o objeto a ser observado recebe um conceito, é colocado em uma correlação clara com um determinado contexto e só então é analisado, o jornalista não dispõe das condições que o permitiriam fazer isso, como por exemplo conhecimento específico ou tempo.

Semelhanças entre métodos científicos e jornalísticos só podem ser observadas em determinados aspectos. Os temas a serem pesquisados ou investigados precisam ser delimitados em ambos, para que a investigação ou pesquisa se torne possível. Os critérios para a delimitação, no entanto, se diferem. No jornalismo, são relevância, validade e compreensão (Haller, 1991: 20). O que é relevante para o jornalismo pode não ser para a ciência. Validade significa veracidade e é uma característica comum aos objetos científicos e jornalísticos. Compreensão se refere à abrangência e à precisão das informações para que o acontecimento e o seu contexto possam ser entendidos. Este critério varia em ambos os processos de conhecimento, já que o cientista trabalha com um público especializado e o jornalista, não.

Os recursos disponíveis para uma investigação jornalística e para uma pesquisa científica são desiguais. Jornalistas não têm nem o tempo, nem os recursos financeiros e a liberdade (em relação à organização em que trabalha) que um cientista tem para pesquisar.

Além da diferença de tempo e das organizações para as quais trabalham, a especialidade diferencia ambos os profissionais. O jornalista não é nenhum especialista. Enquanto o cientista trabalha com um tema, o jornalista se ocupa com conteúdos diferentes:

"Direto ao ponto, pode-se dizer que ambos (...) praticam o mesmo negócio, embora o cientista social tenha muito mais tempo para fazer o seu trabalho. Os seus resultados, no entanto, se mantém, via de regra, altamente desconhecidos e sem conseqüências por causa de sua terminologia, que só é compreensível para um público específico." (Fabris, 1981: 16, tradução nossa)

Outra diferença consiste nas expectativas, que no caso do jornalismo são variadas. "Objetivos diferentes concorrem entre si, através do que a palavra `verdade` nem sempre é tomada como prioridade" (Neuberger, 1996: 164, tradução nossa).

Por outro lado, tanto cientistas quanto jornalistas têm na tarefa de conhecer e mediar a realidade o seu ganha-pão. Ambos trabalham no negócio de examinar e testar as teorias existentes, pensar sobre suas conseqüências, desenvolver hipóteses relacionadas a estas que possam ser testadas (Meyer, 2001: 15).

 

Conclusão

O jornalismo como processo de conhecimento tem semelhanças e diferenças com a ciência e com o senso comum, de tal maneira que ele pode ser classificado como um tipo entre ambos os tipos clássicos, um processo híbrido de conhecimento (Tabela 1).

Jornalistas trabalham com a singularidade dos acontecimentos, e não com aquilo que permitiria generalizá-los. Isto diferencia o jornalismo tanto do senso comum quanto da ciência.

Além disso, uma investigação jornalística segue um determinado método. Só através deste os jornalistas conseguem levar a cabo a tarefa de processar e estruturar os conteúdos vivenciados, de conhecer e organizar a realidade que observaram e apresentá-la nas suas notícias e reportagens. Estes profissionais não podem retratar o conhecimento que adquirem como natural, mas precisam de justificar como sabem aquilo que noticiaram. Isto impede que o jornalismo seja classificado como senso comum.

Ao mesmo tempo, a investigação jornalística não parte de uma teoria formulada a partir de outras já testadas, mas sim de uma base de informações sobre o tema. Desta base, as hipóteses são formuladas. O método utilizado para testá-las se difere do usado pelo cientista, bem como a justificativa.

Classificar o jornalismo como uma forma de ciência é exigir dos jornalistas o que eles não têm condições de cumprir com os recursos que lhes estão disponíveis. Igualá-lo ao senso comum é condená-lo a reproduzir e reforçar aquilo que já se sabe, mesmo quando este "saber" não corresponde à realidade, e desperdiçar a chance e o potencial do jornalismo como processo de conhecimento.

 

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Notas

L. Sponholz
E-mail para correspondência: l_sponholz@hotmail.com.

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