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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.10  Rio de Janeiro mar. 2007

 

Artigo Científico

 

A aula de ciências nas séries iniciais do ensino fundamental: ações que favorecem a sua aprendizagem

 

The science classroom in the first years of primary school: actions in favor of the learning in science teaching

 

 

Dulcimeire Ap Volante ZanonI; Denise de FreitasII

IDepartamento de Didática, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus Araraquara, São Paulo, Brasil;
IIDepartamento de Metodologia de Ensino, Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, São Paulo, Brasil

 

 


Resumo

Este artigo tem como objetivo discutir a importância das atividades investigativas e das interações discursivas em sala de aula no ensino de Ciências. Essas atividades podem ser entendidas como situações em que o aluno aprende ao envolver-se progressivamente com as manifestações dos fenômenos naturais, fazendo conjecturas, experimentando, errando, interagindo com colegas, com os professores, expondo seus pontos de vista, suas suposições, e confrontando-os com outros e com os resultados experimentais para testar sua pertinência e validade. Esses processos de ensino-aprendizagem têm no início da escolarização uma importância ainda maior, pois auxiliam os alunos a atingir níveis mais elevados de cognição, o que facilita a aprendizagem de conceitos científicos. Ao se utilizar o instrumento analítico desenvolvido por Mortimer e Scott, foi possível revelar as dinâmicas interativas e os fluxos de discurso em salas de aula das séries iniciais do Ensino Fundamental, ajudando a compreender aspectos importantes da prática docente e do processo de aprendizagem científica dos alunos. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 10: 93-103.

Palavras-chave: Ensino e aprendizagem de Ciências; atividades investigativas; interações discursivas.


Abstract

The purpose of this article is to discuss the importance of the investigative activities and of the discursive interactions in a classroom during the Science teaching. These activities can be understood as situations in which the student learns, getting progressively with the observation of natural phenomena, conjecturing, experimenting, making errors, interacting with classmates, with specialized people, stating his points of view and hypotheses and confronting them with others and with the experimental results in order to test their effectiveness and their pertinence. Their relevance is even greater at the beginning of the schooling process, since such activities help students to reach higher levels of cognitions, and, by doing so, they make it easier for them to learn scientific concepts. The analytical instrument developed by Mortimer and Scott allowed us to reveal the alternative dynamics and the speech flow in a third grade classroom of a elementary school, helping to understand important aspects of the teaching practice and the scientific learning process of the students. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 10: 93-103.

Keywords: Science teaching; Science learning; investigative activities; verbal interaction.


 

 

Introdução

Tendo em vista as dificuldades encontradas pelos alunos para aprenderem os conceitos científicos no ensino de Ciências, vários pesquisadores, como Borges (2004), Insausti e Merino (2000), Sére (2002), Silva e Zanon (2000), têm discutido e apontado em seus estudos alternativas metodológicas para a melhoria da qualidade deste ensino.

Na literatura e nos Congressos sobre Didática das Ciências aparecem, com freqüência, críticas ao trabalho de experimentação, sobretudo ao que é desenvolvido no ensino médio e universitário (Praia e colaboradores, 2002; Reigosa e Jiménez, 2000). Apesar das lógicas diferenciais desses estudos, todos apresentam em comum a idéia de que as atividades experimentais, quando se destinam a ilustrar ou a comprovar teorias, são limitadas e não favorecem a construção de conhecimento pelo aluno.

Segundo Psillos e Niedderer (2002), a maior parte do tempo dedicado às aulas laboratoriais é utilizada para manipulação de aparatos e realização de medições, aspectos que contribuem muito pouco para o inter-relacionamento da teoria com a experiência. Essa orientação, na qual o comportamento mecânico do aluno é requerido nas primeiras etapas do processo e o envolvimento cognitivo só advém na parte final da atividade, retrata a ênfase dada pelos professores aos objetivos relacionados apenas à aquisição de conhecimento mecânico em detrimento de objetivos que levem à compreensão da natureza da Ciência ou ao desenvolvimento de atitudes.

Acreditamos que a atividade experimental deve ser desenvolvida, sob orientação do professor, a partir de questões investigativas que tenham consonância com aspectos da vida dos alunos e que se constituam em problemas reais e desafiadores.

Essas atividades, oportunizadas pelo professor e realizadas pelos alunos, têm como objetivo ir além da observação direta das evidências e da manipulação dos materiais de laboratórios: devem oferecer condições para que os alunos possam levantar e testar suas idéias e/ou suposições sobre os fenômenos científicos a que são expostos.

Nessa direção, a atuação do professor como orientador, mediador e assessor das atividades inclui: lançar ou fazer emergir do grupo uma questão-problema; motivar e observar continuamente as reações dos alunos, dando orientações quando necessário; salientar aspectos que não tenham sido observados pelo grupo e que sejam importantes para o encaminhamento do problema; produzir, juntamente com os alunos, um texto coletivo que seja fruto de negociação da comunidade de sala de aula sobre os conceitos estudados.

Entendida dessa forma, a atividade experimental visa aplicar uma teoria na resolução de problemas e dar significado à aprendizagem da Ciência, constituindo-se como uma verdadeira atividade teórico-experimental (González Eduardo, 1992).

Neste artigo discutimos o potencial tanto das atividades dessa natureza quanto dos "diálogos sobre as atividades" realizadas entre os alunos e professores em sala de aula no ensino de Ciências. Foram observados comportamentos de alunos e professoras em salas de aula de 1ª, 3ª e 4ª séries do ensino fundamental durante o desenvolvimento de atividades experimentais sobre a flutuabilidade dos objetos na água. Por meio do referencial de análise de Mortimer e Scott (2003), são analisadas as dinâmicas interativas e os fluxos de discurso que ajudam na compreensão dos aspectos importantes da prática docente e do processo de aprendizagem dos alunos. Finalmente, tecemos algumas considerações a respeito da importância dessa ferramenta analítica no estudo de atividades de natureza teórico-experimental.

Importância de atividades investigativas para a aprendizagem de conceitos científicos: o projeto "ABC na Educação Científica - Mão na Massa".

Ao nos referirmos às atividades investigativas, parece iminente a idéia de experimentação. Na verdade, a experimentação no ensino de Ciências não resume todo o processo investigativo no qual os alunos estão envolvidos na formação e desenvolvimento de conceitos científicos. Há que se considerar também que o processo de aprendizagem dos conhecimentos científicos é bastante complexo e envolve múltiplas dimensões, exigindo que o trabalho investigativo dos alunos assuma, então, variadas formas que possibilitem o desencadeamento de distintas ações cognitivas, tais como: manipulação de materiais, questionamento, direito ao tateamento e ao erro, observação, expressão e comunicação, verificação das hipóteses levantadas. Podemos dizer que esse também é um trabalho de análise e de síntese, sem esquecer a imaginação e o encantamento inerentes às atividades investigativas.

A partir dessa concepção de investigação, professores de 1ª a 4ª série do ensino fundamental da rede estadual e municipal do interior de São Paulo foram convidados a participar de cursos oferecidos pelo Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) USP/São Carlos no âmbito do projeto de ensino chamado "ABC na Educação Científica - Mão na Massa".

Historicamente, o desenvolvimento desse projeto foi iniciado com o pesquisador Leon Lederman - prêmio Nobel de Física - em Chicago, na década de 90, chamado Hands-on. Foi ampliado a outros países, como o que ocorreu na França em 1995 com a colaboração de George Charpak - também laureado com ao Prêmio Nobel de Física - e com o apoio da Academia Francesa de Ciências. Os módulos Insights do programa norte-americano foram traduzidos para o francês com adaptação de infra-estrutura de materiais e formação de professores. Na França, com o nome La Main à la Pâte, o programa governamental envolve crianças de 5 a 12 anos de idade. No Brasil, denominado ABC na Educação Científica - Mão na Massa, o projeto foi iniciado em maio de 2001, a partir de um acordo entre as academias de ciências da França e do Brasil envolvendo escolas municipais e estaduais do Rio de Janeiro e do estado de São Paulo (a grande São Paulo e São Carlos, interior). As adesões dos professores foram espontâneas e voluntárias.

Esse projeto tem como objetivo favorecer e estimular a articulação entre a realização da experimentação e o desenvolvimento da expressão oral e escrita na construção do conceito científico. Nas atividades experimentais investigativas, o professor suscita o interesse dos alunos a partir de uma situação problematizadora em que a tentativa de resposta dessa questão leva à elaboração de suas hipóteses (concepções prévias). A realização do experimento, a análise dos resultados obtidos e a pesquisa documental confirmam ou não as hipóteses. Além disso, estimula-se a interação entre os colegas e com o professor de modo que eles discutam tentativas de explicar um determinado conceito ou fenômeno científico.

Nessa perspectiva, pretende-se que o aluno articule a expressão oral e a escrita com base nas atividades investigativas e faça uso desta última na compreensão de conceitos científicos. Ao se trabalhar na perspectiva de um conhecimento que se constrói, a necessidade da pesquisa e do registro faz com que a utilização da escrita e da leitura seja uma constante, qualquer que seja a área do conhecimento que se está trabalhando. Escrever e ler passam a ter significado, pois são instrumentos essenciais de comunicação e registro das concepções, da questão de pesquisa, do observado, do manipulado, do constatado, do texto coletivo negociado.

Sob a ótica do desenvolvimento da linguagem, o método do projeto ABC na Educação Científica - Mão na Massa considera que a Ciência apresenta uma linguagem própria e uma forma particular de ver o mundo, construída e validada socialmente. O aluno é estimulado o tempo todo a falar sobre determinado fenômeno, procurando explicá-lo para os colegas, e o professor, discutindo e considerando diferentes pontos de vista. Com isso, a criança tem a oportunidade de familiarizar-se com o uso de uma linguagem que carrega consigo características da cultura científica (Driver e colaboradores, 1999), ao mesmo tempo em que a ortografia da língua materna é discutida e exercitada. Outros países também implementaram, em sala de aula, essa proposta metodológica no ensino de Ciências dentre eles Marrocos (1998), Senegal (1999), Egito (2000), Colômbia (2000), Vietnã (2000), Afeganistão (2002) e China (2002). No Brasil, f

oi escolhido, em nível nacional, o tema água como tópico a ser estudado, juntamente com o eixo temático flutuabilidade dos objetos, com tradução da versão francesa e adaptações para a realidade local.

Uma das escolas convidadas permitiu-nos acompanhar o desenvolvimento do trabalho de professores responsáveis por turmas de 1ª, 3ª e 4ª séries (40 horas/aula de observação em cada uma das delas) e observar as interações durante todo o processo investigativo.

Considerando a estrutura metodológica do projeto descrita anteriormente, o estudo da flutuabilidade dos objetos foi desenvolvido em sete momentos, vistos sob diferentes abordagens, ou seja, contextualização e verificação das concepções iniciais dos alunos; influências da forma e da massa dos objetos; água e/ou quantidade de água e densidade do líquido. Além dessas, foi estudado o funcionamento de um submarino, usando-se, durante o experimento, um sistema que o simulava (representado por seringas, mangueira e rolha).

Uma ferramenta para analisar as interações e a produção de significados em sala de aula

Num dos artigos elaborados por Mortimer e Scott (2003), esses autores apontam a necessidade de tornar visíveis as práticas discursivas existentes em sala de aula e apresentam uma ferramenta para analisar as interações e a produção de significados sobre os conhecimentos de Ciências. Os autores definem interações discursivas "como constituintes dos processos de construção de significados". Para eles, a ênfase no discurso e na interação tem sido pouco discutida entre professores e investigadores da área; no entanto, elas dão suporte para a compreensão sobre os processos pelos quais os alunos constroem significados em sala de aula, "sobre como estas interações são produzidas e sobre como os diferentes tipos de discursos podem auxiliar a aprendizagem" (Mortimer e Scott, 2003: 3). Segundo os autores, o ingresso dessa abordagem na educação científica - interações discursivas - é como a entrada em uma nova cultura, diferente da cultura do sentido comum, em que o professor possui um papel fundamental como representante da cultura científica.

Mortimer (2004: 69) reitera a necessidade de um novo olhar no ensino e nas aulas das Ciências Naturais ao afirmar que:

"(...) a complexidade da sala de aula e a singularidade das ações práticas dos professores demandam ferramentas analíticas que tornem visíveis aspectos importantes dessas ações, de modo a possibilitar a reflexão sobre um repertório de ações bem-sucedidas do ponto de vista da aprendizagem dos alunos".

Para esse autor, a atividade discursiva é central para várias ações que os professores desempenham em sala de aula. Nos últimos anos, a psicologia sócio-histórica ou sociocultural tem influenciado a pesquisa em educação e resultado no desenvolvimento gradual do interesse sobre os processos de "significação do conhecimento científico", gerando um programa de pesquisa que procura responder como os significados são criados e desenvolvidos por meio do uso da linguagem oral e outros meios de comunicação.

Apesar dessa nova ênfase no discurso e na interação, ainda se conhece pouco sobre como os professores dão suporte ao processo pelo qual os alunos constroem significados em salas de aula de Ciências, sobre como essas interações são produzidas e sobre como os diferentes tipos de discurso podem auxiliar a aprendizagem dos estudantes.

Nesse sentido, a ferramenta analítica desenvolvida por Mortimer e Scott (2003) busca dar visibilidade a esses processos, podendo revelar as singularidades dessas ações e permitindo a reflexão consciente sobre o processo pelo qual os professores podem agir para guiar as interações que resultam na construção de significados desejáveis do ponto de vista científico.

Segundo Wertsch (apud Mortimer e Smolka, 2003), essa ferramenta busca descrever o uso de gêneros do discurso nas salas de aula de Ciências, ou seja, é um potencial teórico para analisar como diferentes abordagens do processo comunicativo se articulam ou não às intenções do professor em diferentes fases da sua ação didática. Inspirada em Bakhtin, essa contribuição também tem permitido ampliar a compreensão da linguagem para além das interações interpessoais, ao mostrar que o discurso é influenciado pela posição social do falante e pelo lugar institucional onde é produzido. Mortimer e Machado (1997) enfatizam a importância da forma com que o professor intervém nas discussões com seus alunos, independente do objetivo a ser almejado, pois tanto pode encorajá-los a participar da discussão como pode reprimi-los. Para os autores, é necessário que as discussões sejam conduzidas sem a perda do rumo estabelecido. Não basta deixar que os alunos falem livremente, é preciso encontrar um equilíbrio entre a livre apresentação de idéias e a atenção às questões já discutidas. Nesse processo, a presença do professor é fundamental, solicitando esclarecimentos quando necessário, relacionando falas de diferentes alunos e resgatando conceitos esquecidos.

A estrutura analítica da ferramenta é baseada em cinco aspectos inter-relacionados que focalizam, principalmente, o papel do professor, agrupados em três categorias de análise, como indica o quadro 1 a seguir.

 

Aspectos da análise

Focos de ensino

  • Intenções do professor
  • Conteúdo

Abordagem

Abordagem comunicativa

Ações

  • Padrões de interação
  • Intervenções do professor

Quadro 1 - Estrutura analítica: uma ferramenta para analisar as interações e a produção de significados em salas de aula de Ciências (Mortimer e Scott, 2003).

 

A seguir, cada um desses aspectos é descrito de modo a explicitar as categorias de análise propostas pelos autores.

O primeiro aspecto da estrutura analítica se refere às intenções do ensino. A partir de uma seqüência de ensino em sala de aula, percebe-se a ocorrência de ricas e substantivas interações entre professor e alunos, transparecendo as diferentes intenções que orientam as intervenções do professor.

Segundo Mortimer e Scott (2003), o ensino de Ciências produz um tipo de "performance pública" no plano social da sala de aula. Essa performance é dirigida pelo professor que elaborou o seu plano de aula e tem a iniciativa em "apresentar" as várias atividades que o constituem. O trabalho de desenvolver a "história científica" é central nessa performance. Há, no entanto, outras intenções que precisam ser consideradas durante uma seqüência de ensino: criar um problema; explorar a visão dos alunos; introduzir e desenvolver a história científica; guiar os estudantes no trabalho com as idéias científicas e dar suporte ao processo de internalização; guiar os estudantes na aplicação das idéias científicas e na expansão de seu uso, transferindo progressivamente para eles o controle e a responsabilidade desse uso; manter a narrativa: sustentar o desenvolvimento da 'história científica'.. 

O conteúdo do discurso de sala de aula é o segundo aspecto. Nas aulas de Ciências ocorrem múltiplas interações entre o professor e os alunos e essas se referem a uma ampla variedade de conteúdos, que inclui: a história científica a ser ensinada (possivelmente envolvendo aspectos conceituais, tecnológicos e ambientais); aspectos procedimentais do fazer Ciências (por exemplo, como montar um sistema simples de destilação da água); questões de gerenciamento e organização da sala de aula (por exemplo, dando instruções para tarefas a serem realizadas ou chamando a atenção e solicitando silêncio da turma em determinado momento da aula). Mesmo reconhecendo a importância de todos esses aspectos na definição dos conteúdos das interações em sala de aula, a estrutura analítica proposta foca a atenção nos conteúdos relacionados ao desenvolvimento da história científica que está sendo ensinada, ou seja, dos conteúdos conceituais do assunto a ser abordado.

O conceito de abordagem comunicativa é central na estrutura analítica e se refere ao terceiro aspecto. Diz respeito a como o professor trabalha as intenções e o conteúdo do ensino por meio de intervenções pedagógicas que resultam em diferentes padrões de interação.

Os autores identificam dois extremos quanto à natureza das intervenções, que são definidos por meio da caracterização do discurso entre o professor e os alunos ou entre os próprios alunos. Na abordagem comunicativa dialógica, o professor dá a vez e a voz ao aluno e ocorre interanimação de idéias. Já na abordagem comunicativa de autoridade, o professor considera aquilo que o aluno diz apenas do ponto de vista do discurso científico escolar, não há múltiplas vozes e interanimação de idéias.

Na prática, qualquer interação provavelmente contém aspectos de ambas as dimensões, dialógica e de autoridade, que podem ser combinadas para gerar quatro classes de abordagem comunicativa:

  • Interativa/dialógica: professor e estudantes exploram idéias, formulam perguntas autênticas, oferecem, consideram e trabalham diferentes pontos de vista;
  • Não-interativa/dialógica: o professor reconsidera, na sua fala, vários pontos de vista, destacando similaridades e diferenças;
  • Interativa/de autoridade: o professor geralmente conduz os estudantes por meio de uma seqüência de perguntas e respostas, com o objetivo de chegar a um ponto de vista específico;
  • Não-interativa/ de autoridade: o professor apresenta um ponto de vista específico.

Um quarto aspecto da análise - padrões de interação - refere-se aos momentos específicos da fala do professor e do aluno e que comumente são representados pela tríade I-R-A (Iniciação, Resposta, Avaliação). Podem ocorrer também seqüências estendidas fechadas do tipo I-R1-R2-F-R-F-R...A, em que a iniciação do professor pode gerar diferentes respostas, que podem ter feedbacks intermediários do professor e são finalmente encerradas como uma avaliação. As cadeias de interação estendidas abertas têm o mesmo formato do padrão anterior, mas sem a avaliação final do professor.

O último aspecto da ferramenta remete aos modos como o professor intervém para desenvolver a história científica e torná-la disponível para todos os alunos na sala de aula. Essa análise se baseia no esquema proposto por Scott (1998), no qual seis formas de intervenção pedagógica foram identificadas. Relacionadas com o foco e as ações do professor, são elas assim caracterizadas: dar forma, selecionar, marcar e compartilhar significados - chaves, checar o entendimento dos alunos e rever o progresso da história científica.

Os autores acreditam que essa ferramenta pode ter impacto nas práticas pedagógicas dos professores se preencher dois critérios básicos:

- ela precisa capturar efetivamente os aspectos-chave do que acontece nas salas de aula;

- ela precisa ser desenvolvida num nível de detalhe apropriado, de modo a facilitar o trabalho de análise e planejamento de ensino.

Análise das interações discursivas durante as atividades investigativas

As discussões efetuadas em salas de aulas de 1ª, 3ª e 4ª séries foram analisadas à luz da "ferramenta" teórico-metodológica desenvolvida por Mortimer e Scott (2003). As relações dialógicas estabelecidas em sala de aula foram observadas e registradas pela pesquisadora durante o desenvolvimento do conteúdo de flutuabilidade dos corpos em sala de aula.

No desenvolvimento desse conteúdo, as atividades de ensino tiveram como objetivo identificar as grandezas que interferem na flutuação dos corpos nos líquidos. Para isso, os alunos verificaram a massa e a forma dos objetos e realizaram experimentos, tal como a construção de um submarino para analisarem o efeito da ação da água.

Foram selecionados alguns episódios de ensino em que os conteúdos científicos estiveram mais presentes nas interações discursivas, seja dos alunos com a professora, seja com os colegas. Assim como asseveram Mortimer e Smolka (2003), tomamos o cuidado metodológico de situar o contexto no qual as palavras foram ditas, ou seja, o contexto da atividade que realizaram alunos e professores.

Na análise dos episódios foram considerados os seguintes aspectos:

  • a intenção da professora;
  • o conteúdo;
  • o padrão de interação;
  • a forma de intervenção;
  • o tipo de abordagem comunicativa.

Por fim, designamos por "uma síntese interpretativa" as constatações evidenciadas e sistematizadas pela pesquisadora em cada foco de ensino.

Os resultados dos experimentos realizados foram explicados pelos alunos por meio de modelos já existentes. No caso do estudo da flutuabilidade dos objetos, considerar as concepções dos alunos foi essencial, sendo para as professoras um sinal verde para orientar a tomada de decisão no encaminhamento da discussão do conceito científico.

Das análises das práticas pedagógicas das três professoras, notamos que as mesmas procuraram discutir as idéias dos alunos: "de que tudo o que é pesado afunda e leve flutua". Enfatizaram mais o levantamento das idéias dos alunos, assumindo um discurso dialógico, não avançando para uma interação que levasse a um discurso de autoridade, o que seria um primeiro passo no desenvolvimento da história científica.

Concordamos com Mortimer e Scott (2003) que deveria existir uma linha divisória entre as discussões das idéias iniciais e dos resultados experimentais com as intervenções que possam rever e sintetizar o progresso alcançado. Uma das intervenções do professor é manter a narrativa, isto é, prover comentários sobre o desenrolar da história científica - central nesse processo -, de modo a ajudar os alunos a seguir seu desenvolvimento e a entender suas relações com o currículo de Ciências como um todo. Assim, faz parte do trabalho do professor intervir, introduzir novos termos e novas idéias para fazer a história científica avançar.

Segundo Mortimer (2004: 79):

"(...) parece fundamental considerar a importância da professora intervir para levar uma etapa da atividade ao fechamento, pontuando o estágio do desenvolvimento da história científica com afirmações relacionadas ao corrente estágio de entendimento."

Torna-se necessário, então, resgatar a característica mais peculiar do papel do professor:

"a interação sistemática e planificada dos autores do processo educativo, alunos e professor, em torno da realização das tarefas de aprendizagem." (Coll, 1985: 63)

A participação cognitivamente ativa dos alunos durante todo o processo e a colaboração do professor na produção do conhecimento redimensionam novos papéis no ensino-aprendizagem de Ciências. O quadro 2, a seguir, apresenta as diferenciações metodológicas percebidas pelas professoras entre o ensino habitual e o ensino com atividades investigativas.

Com base no ponto de vista dos discursos, um aspecto central emergiu das aulas das três professoras: a forma pela qual o conteúdo do discurso sofre uma "transformação progressiva" desde as idéias cotidianas dos alunos de que as coisas pesadas afundam e as coisas leves não afundam até a compreensão de que não são apenas os objetos que exercem uma ação, mas a água também.

Associados ao método do trabalho investigativo, os discursos assumiram a configuração discutir/realizar experimento/concluir, ou seja, um ritmo de discurso bastante similar ao dos autores (Mortimer e Scott, 2003): discutir/ trabalhar/rever.

 

Ensino habitualmente realizado em sala de aula pelas professoras

Ensino com atividades investigativas

Desenvolvimento do conteúdo programático segundo o livro didático.

Consideração de tudo o que o aluno comenta, indaga ou questiona nas aulas.

O conteúdo é dirigido pela professora.

Articulação da oralidade e da escrita dos alunos.

O livro didático conclui pelo aluno.

Prioriza-se o interesse do aluno nas questões desencadeadoras.

Experimentação: comprovação de um conceito dado "pronto" para o aluno.

Experimentação: constatação do resultado por meio da vivência completa e concreta.

Levantamento de hipóteses: feito apenas por meio de conversa.

Levantamento de hipóteses: anotação de tudo.

Os alunos e o professor são responsáveis pelo fechamento do assunto.

Trabalho na maior parte do tempo em grupo.

Durante o processo acontecem imprevistos, sendo necessário ampliar e aprofundar etapas e com isso replanejar outros passos.

Entusiasmo do aluno a cada atividade apresentada.

Quadro 2 - Diferenciação metodológica entre o ensino habitualmente realizado pelas professoras em sala de aula e o ensino com atividades investigativas.

 

Considerações finais

O trabalho investigativo com os alunos das primeiras séries do Ensino Fundamental tem características próprias. Seria inadequado, por exemplo, exigir desses alunos percorrer todo o ciclo investigativo, formulando claramente hipóteses sem meio de testá-las. No estudo aqui apresentado, os alunos tiveram dificuldade ou não estavam acostumados a criar por si mesmos as propostas de experimentos. Os alunos da primeira série, por exemplo, se limitaram a identificar fatores como peso e formato para a flutuabilidade dos objetos, ao passo que os de terceira e quarta série reconheceram também a influência da força da água.

Para superar o senso comum e as concepções alternativas dos alunos, é necessário um corpo de conhecimentos mais robusto por parte dos professores e o desenvolvimento de diferentes formas de lidar com os problemas que surgem, algo que eles também irão construindo. Conseqüentemente, cabe ao aluno (aquele que investiga) e ao professor (aquele que orienta a investigação) lidarem com as situações de desequilíbrio e com as capacidades cognitivas, buscando a construção de conhecimentos coerentes com as evidências (empíricas ou não) que vão surgindo nas atividades investigativas.

Muitas vezes, as práticas convencionalmente adotadas pelos professores (até mesmo de forma inconsciente) incluem opções metodológicas engessadas e excluem o ambiente propício à realização de questionamentos, observações e experimentos, o que faz com que surjam dificuldades de diferentes origens ao ser efetivada a implementação sistemática de atividades investigativas no ensino.

As pesquisas de Pozo e Gómez Crespo (1998) propõem um enfoque para o ensino de Ciências por explicação e contrastação de modelos e integração hierárquica entre o conhecimento científico e o que os alunos trazem para a escola. Nessa direção, o processo de construção da Ciência como o de elaboração de modelos - a modelagem - aos quais certos fenômenos naturais ou simulados são submetidos, num diálogo contínuo em busca de ajuste teórico ao que nós conhecemos da realidade. Porém, não aceita um isomorfismo entre a construção do conhecimento científico e o dos alunos, por reconhecer que cada um é construído em cenários diferenciados, por comunidades que atendem a critérios diferentes.

Decorre então a importância de que o aluno conheça a existência de diversos modelos alternativos na interpretação e compreensão da natureza, sendo apresentado aos modelos da Ciência, contrastando-os com os seus e com outros historicamente existentes. Isso o ajudará não só na compreensão mais clara do que é estudado como ainda colaborará para um melhor entendimento das formas de construção da Ciência.

Concomitantemente com a preocupação da construção do conhecimento científico está a potencialidade das argumentações em sala de aula. A multiplicidade de vozes é coerente com a idéia de que os alunos exibem perfis conceituais, e não entendimentos únicos, unívocos, de certos conceitos.

Mas, como o professor pode encaminhar o processo pelo qual os alunos constroem significados nas aulas de Ciências durante as atividades propostas, tendo em vista que ocorrem inúmeras interações discursivas a partir dos discursos e das visões de mundo?

Podemos pensar na implementação de uma relação dialógica em sala de aula, expressa em oportunidades, pelas quais as múltiplas formas de pensar, encontradas em sala de aula - as do professor, dos colegas, dos livros, etc. -, entrem em contato umas com as outras para que possam dar sentido ao que aprendem.

Ajudar o aluno a melhorar a sua argumentação possibilita desenvolver o espírito de análise na escolha mais confiante entre as diferentes alternativas, com base nas várias fontes de informações e nos vários modelos explicativos para o processo envolvido. Dessa forma, é possível modificar e enriquecer os significados do que se diz e pensa sobre os conceitos estudados.

Outra possibilidade diz respeito ao estabelecimento de uma relação entre Ciências e cotidiano para que o aluno possa entender o porquê de várias coisas ao seu redor. Conseqüentemente, tal integração irá apontar para o caráter provisório e incerto das teorias científicas.

Por fim, podemos dizer que o estudo da análise discursiva - na concepção de Mortimer e Scott - durante a realização de atividades investigativas remete a um "casamento profícuo" por serem instrumentos e recursos que favorecem visualizar a produção de significados no ensino de Ciências. Elaboramos (Zanon, 2005) o esquema 1 a seguir, que apresenta de forma mais clara a união desses aspectos que podem orientar o trabalho do professor.

 

Gráfico 1 - Integração das atividades investigativas no ensino de Ciências e a estrutura analítica para analisar as interações e a produção de significados.

 

Referências Bibliográficas

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Notas

D.A.V. Zanon
E-mail para correspondência: cdzanon@uol.com.br.

D. Freitas
E-mailpara correspondência: dfreitas@power.ufscar.br