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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.11  Rio de Janeiro jul. 2007

 

Artigo Científico

 

A orientação de conduta por meio da leitura e discussão de textos

 

The orientation of disciplinary problems by means of reading and debating texts

 

 

Cristina Maria D'Antona Bachert e Maria Helena Mourão Alves Oliveira

Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMP), Campinas, SP, Brasil

 

 


Resumo

Este artigo propõe a leitura e discussão de textos como recurso de orientação para alunos com problemas disciplinares, em substituição ou complemento às sanções tradicionais utilizadas na escola. Para detectar sua viabilidade foi levantado o perfil de leitor de uma amostra composta por 27 alunos de 5ª a 8ª série de uma escola particular situada no estado de São Paulo que apresentaram atitudes inadequadas em sala de aula. O instrumento de avaliação utilizado foi um questionário elaborado pela Pesquisadora. Os resultados obtidos indicam que este tipo de atividade pode ser estruturada a partir de textos curtos que retratem situações do cotidiano e os problemas que surgem dessas relações. A discussão realizada a partir da leitura poderá incentivar o aprendiz a analisar suas atitudes e, ao elaborá-las, perceber a necessidade de aprimoramento de habilidades nas esferas cognitiva, pessoal e social.

Palavras chave: disciplina escolar; desenvolvimento moral; leitura (aspectos metacognitivos).


Abstract

The present paper proposes the reading and discussion of texts as a resource to orient students with disciplinary problems, as substitution or complement to traditional punishments used in schools. To verify its feasibility, the profile of the reader of a sample composed by 27 students from a private school in São Paulo attending classes from 5th to 8th grades, presenting improper attitudes during the classes was researched. A questionairy elaborated by the researchers was used as a means of evaluation. The results indicate that this kind of activity may be structured with short texts showing everyday scenes and the problems that arise from these relations. The debate from such readings might motivate the learner to analyze his attitudes and when performing them, realize the necessity of improving abilities concerning the cognitive, personal and social fields.

Keywords: school discipline, moral development, reading (metacognitive aspects).


 

 

Introdução

O sistema educacional brasileiro enfrenta, atualmente, o desafio de ampliar sua estrutura física para conseguir oferecer a educação básica a todos os brasileiros, principalmente aqueles que se encontram na faixa etária correspondente ao Ensino Fundamental, entre 6 e 14 anos, e, mais recentemente, também o Médio, entre 14 e 17 anos.

Esta reestruturação ocorre para atender às necessidades básicas definidas, de forma global, pela nova estrutura da sociedade neste início de século. Também conhecida como Era do Conhecimento, este novo modelo social tem como uma de suas características marcantes a velocidade cada vez maior com que ocorrem os processos de geração e transmissão de dados que, para serem transformados em informação, exige das pessoas um nível cada vez mais alto de conhecimento técnico aliado à capacidade de raciocínio sistêmico. Na complexidade dessa nova estrutura, para compor e avaliar o desempenho de cada um, é considerada uma resposta correta aquela que vai além do domínio conceitual, abrangendo também as habilidades pessoais de relacionamento e adaptação às situações e ambientes diversificados que integram a situação problema.

Para atender a essa demanda, a nova legislação educacional aprovada em 20 de dezembro de 1996, define como Objetivos da Educação Nacional o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (LDB 9394/96, art. 2º).

Para concretizá-los, o governo está investindo na capacitação dos gestores escolares e docentes. Busca também a aproximação entre as três instâncias responsáveis pelo processo educacional - família, Estado e comunidade (LDB 9394/96, art. 1º), e vem modificando conteúdos programáticos e estratégias com o intuito de aumentar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

No entanto, é preciso que atualize também sua visão sobre a disciplina escolar, pois já não basta organizar os registros em livros de ocorrências ou nos prontuários dos alunos, com o objetivo de utilizá-los para entender, explicar e classificar as crianças, no sentido de objetivá-las, especialmente, na forma de um caso (Foucault, 1997:170). Ou então, convocar os pais ou responsáveis legais do aluno para propor encaminhamentos, entendidos como um meio menos autoritário do que a sanção disciplinar, delegando assim, a uma outra instância, a responsabilidade de solucionar problemas disciplinares que ocorrem no ambiente escolar.

Para atender aos princípios da Educação Nacional acima expostos e, ao mesmo tempo, utilizar a escola como espaço de vivência de conhecimentos e valores éticos e morais, esse artigo apresenta um modelo de orientação de conduta que busca resgatar o contato direto com o aluno tendo como recursos a leitura e discussão de textos para refletir sobre seu comportamento inadequado (Bachert, 2006). Nesse sentido, a organização das atividades poderá estimular a revisão e utilização de um conjunto de valores pessoais, com o intuito de que o aluno consiga identificar e entender as exigências do ambiente em que se encontra, podendo então, agir de forma adequada e coerente. O desenvolvimento das competências de autoconhecimento e autodisciplina poderão ajudá-lo também a se tornar mais atento para conhecer e administrar suas habilidades metacognitivas, criando condições para que potencialize o próprio processo de construção de conhecimentos e, assim, possa suprir a necessidade de aprender de forma contínua e permanente.

Este programa de orientação está fundamentado na relação professor-aluno e na relação desses educandos como o conhecimento. Trata-se, portanto, de um fazer conjunto, um fazer-se na cumplicidade entre aprender e ensinar, orientado por um desejo de superação e transformação. (Brasil, 1998:24) O objetivo principal deverá ser estimular esse adolescente a adotar uma nova forma de agir em relação não apenas à sua postura em sala de aula, mas também a respeito do valor de aprender.

No entanto, para que esse processo possa ser efetivado, há necessidade de que alunos, professores e comunidade convivam em um ambiente de eqüidade, em que prevaleça o respeito à diversidade e à assimetria de papéis entre todos os atores (Araújo, 2000). Dessa forma, a liberdade e autonomia poderão permitir ao aprendiz construir conhecimentos que o habilitem a tornar-se um cidadão crítico e emancipado, capaz de contribuir para o progresso coletivo (Puig, 2000).

Tratando-se da formação de pessoas, é importante que a construção das habilidades acima citadas esteja baseada no desenvolvimento das competências morais que, segundo Lind (2000:404), são a ponte entre as boas intenções morais e o comportamento moral. E, conforme completa Murta (2005), podem propiciar melhor qualidade nas relações interpessoais, de acordo com os parâmetros específicos de cada ambiente e cultura, sendo também interpretadas como um fator de proteção no curso do desenvolvimento humano.

Para que o adolescente possa entender parâmetros sociais é necessário oferecer oportunidades para que ele reflita a respeito das regras vigentes no ambiente escolar, com o intuito de perceber sua utilidade e importância - organização das atividades e trabalhos, parâmetros de relacionamento interpessoal visando à boa convivência e estruturação de todo o ambiente escolar a fim de que todos os alunos e professores tenham condições de otimizar seu desempenho no processo de ensino-aprendizagem.

Além do incentivo à compreensão do alcance social das regras e normas escolares, o aluno precisa ser desafiado a descobrir de que forma poderá utilizar suas competências e habilidades pessoais, pretendendo também que esses parâmetros de conduta tornem-se um guia para sua forma de agir, ao invés de algo imposto, que deverá ser apenas cumprido.

Essa mudança de atitude e referências é gradativa e precisará ser acompanhada pelos professores da escola. Dessa forma, poderá ser comemorado cada sucesso conquistado pelo aluno. E, sempre que necessário, ele poderá se sentir amparado e incentivado a buscar alternativas para modificar uma atitude até então habitual. A importância de incentivar sentimentos de autoeficácia é enfatizada por Jaccard e colaboradores (2005), pois, pessoas que percebem que são inteligentes, ou capazes de enfrentar os desafios escolares, apresentam um nível mais elevado de auto-estima e possuem objetivos acadêmicos mais altos, condições que poderão motivá-las a se afastar de situações que envolvem comportamentos de risco.

Ao incorporar essa nova forma de intervenção como orientação de conduta visando o desenvolvimento de competências sociais e a melhoria do desempenho acadêmico no próprio ambiente escolar, busca-se resgatar o papel da escola enquanto instituição que orienta seus educandos na transição entre o espaço privado e o público. Segundo De La Taille e Harkot De La Taiile (2005), ao trilhar esse caminho, o jovem atribui grande importância ao papel social dos professores e tende a confiar neles, legitimando as orientações que percebe como importantes e pertinentes para o enfrentamento de problemas sociais e para o seu desenvolvimento pessoal.

A leitura

O processo de escolarização prevê o ensino e estímulo à leitura durante todo o período de educação formal com o intuito de, durante esse processo, contribuir para a formação de um leitor maduro. Para que esse objetivo possa ser atingido, precisarão ser estimuladas nos alunos não apenas as habilidades de decodificação das palavras mas também aquelas ligadas ao autoconhecimento. Dessa forma, a interpretação de um texto será baseada na construção de um sentido próprio e peculiar a cada aluno, formado pela somatória das experiências pessoais anteriores, sua carga afetiva e conhecimentos prévios que serão agregados às informações lidas.

Ao promover essa contextualização para tornar a experiência de leitura significativa, o professor familiariza o aprendiz com diferentes gêneros literários, tais como histórias, mitos e contos de fadas, considerados canais de comunicação que ativam estruturas de memória afetiva. Sua utilização como fonte de informações, possibilita ao leitor reconhecer o ambiente em que vive, bem como descobrir as relações que estão por detrás das circunstâncias, situações ou coisas que, embasadas nos princípios éticos e morais da sociedade a qual pertence, podem ser associados à construção de conhecimentos que estimulem sua transformação. (Ferreira e Dias, 2002)

Ao focar a análise em um dos personagens da história torna-se mais fácil para o leitor discutir sentimentos conflitantes e resolver problemas de seu cotidiano (Rubisch et al., 2000). Este processo torna-se possível na medida em que ele consegue estabelecer um diálogo com o autor do texto, tentando entender o que lê para, num segundo momento, poder comparar este conteúdo às próprias vivências.

Para que este processo de orientação consiga atingir os objetivos acima citados na esfera educacional, Johnson et al. (2001) enfatizam a importância de que seja conduzido por professores capacitados para atuar enquanto facilitadores ou mediadores de discussões. Ao debater com outras pessoas a respeito de uma história ou as características de uma determinada situação, o leitor é incentivado a analisar os fatos apresentados utilizando também perspectivas diferentes das suas, podendo assim, construir uma nova forma de compreender um determinado fato e posicionar-se.

Conforme cita Almeida (2002) a estratégia de análise e discussão permite ao professor-orientador construir contextos de facilitação à aprendizagem centrada no aprender e no pensar. Ao elaborar novas formas possíveis de se posicionar, o aluno é incentivado a perceber que a utilização seletiva de estratégias construídas por ele mesmo, de acordo com as suas características pessoais e as exigências das situações, poderá torná-lo uma pessoa cada vez mais autônoma, na medida em que passa a ser responsável por suas próprias atitudes.

Para que esse objetivo central seja atingido, Furner (2004) e Sullivan e Strang (2002), enfatizam que a qualidade dos textos e atividades selecionadas deve estimular no participante a compreensão da situação por meio dos processos de identificação, catarse e insight, assim definidos por Cruz (1995):

  • fazer sentido (identificação): quando o leitor entende as situações vividas pelos personagens da história;
  • empatia completa (catarse): quando o leitor identifica-se com o personagem a ponto de admitir traços do caráter deste como seus.
  • entendimento cognitivo (insight): o leitor consegue relacionar o texto às situações de seu cotidiano e compreender seus problemas a partir dele.

Citando Cheu (2001), é importante ressaltar que neste processo, o verdadeiro autor do texto é o leitor, que por meio das atividades propostas, identifica-se com a situação apresentada e utiliza essa experiência para escrever e reescrever sua própria narrativa de vida, partindo dos novos conhecimentos adquiridos e elaborados, com o intuito de utilizá-los para reposicionar-se de forma mais realista e assertiva. Neste sentido, é importante incentivar o estabelecimento de ligações entre as informações apresentadas e o tema focalizado, deixando em segundo plano a interpretação e análise textual dos recursos utilizados, visto serem informações que poderão ser úteis apenas para contextualização da obra escolhida. Os membros do grupo devem ser incentivados a expor suas opiniões com liberdade, tendo claro que não existem respostas certas, mas sim a necessidade de buscar soluções e conseguir definir estratégias que possam viabilizar sua transposição para situações vivenciadas por cada um em seu cotidiano.

Dessa forma, a interação com o mundo letrado, estimulada pelas práticas escolares, poderá contribuir para a formação de um cidadão como complemento às práticas sociais. (Di Nucci, 2002)

 

Objetivo

Definir o perfil de leitor do grupo para verificar a viabilidade de um programa de orientação de conduta destinado a alunos do Ensino Fundamental II que apresentam problemas disciplinares baseado na leitura e discussão de textos.

 

Material e Método

Participantes

A amostra constituiu-se de 27 alunos matriculados na segunda fase do Ensino Fundamental de uma escola da rede particular de ensino situada no Estado de São Paulo, que receberam uma sanção disciplinar e cujos pais consentiram em sua participação nesta pesquisa. Do total de sujeitos, 21 pertenciam ao sexo masculino e seis ao feminino, com idades variando entre 10 e 14 anos.

Material

A coleta de dados foi realizada utilizando um questionário para a caracterização do comportamento de leitura do participante elaborado pela Pesquisadora.

Este instrumento foi dividido em duas partes. Na primeira, identificada como "Parte A", foram apresentadas onze perguntas abertas e de múltipla escolha, que têm como objetivo caracterizar os hábitos de leitura do participante e de sua família. Na "Parte B", sete perguntas de múltipla escolha tinham por objetivo pesquisar os gêneros prediletos de leitura de cada aluno e indícios de utilização das habilidades metacognitivas ao realizar essa atividade.

Para avaliar o comportamento estratégico de leitura dos participantes desta pesquisa e, assim poder definir seu grau de influência na realização de tarefas baseadas na discussão de textos, foram utilizados como referenciais quatro aspectos metacognitivos que podem interferir no processo de compreensão de um texto, baseados no Modelo Global de Monitoração Cognitiva (Flavell, Miller e Miller, 1999) e no conceito de metacognição discutido por Ribeiro (2002) e por Papeleontion-Louca (2003).

A análise de conteúdo para validar a aplicação desses critérios foi realizada previamente. A partir do índice de concordância obtido, as justificativas dadas por todos os participantes para explicar porque conseguem ou não finalizar as tarefas de leitura foram categorizadas e agrupadas em um dos quatro aspectos definidos a seguir.

As Ações são comportamentos expressos pelo participante ao realizar a tarefa de leitura, interpretação e utilização das informações contidas em um texto, visando potencializar sua compreensão e condições de ser bem sucedido.

Já Conhecimento Metacognitivo é a combinação de informações sobre as habilidades pessoais, características da tarefa e estratégias que o aprendiz poderá empregar para organizar e regular os próprios processos cognitivos na realização da atividade de leitura proposta.

As Experiências Metacognitivas estão relacionadas à esfera afetiva. São formadas por crenças, impressões e percepções conscientes do aprendiz, que podem ocorrer antes, durante ou após a realização de uma tarefa. Podem ser entendidas como uma oportunidade para que ele avalie suas dificuldades ou negue-se a fazer o que foi proposto diante dos erros que cometeu na execução de atividades anteriores.

Os Objetivos são os motivos que levam o aprendiz a realizar a leitura. Podem ser colocados de forma explícita ou implícita, impostos pelo professor ou definidos pelo próprio aluno. São flexíveis, podendo ser modificados durante a realização da tarefa, de acordo com a facilidade e envolvimento do participante na mesma.

 

Apresentação e análise dos resultados

Hábitos familiares de leitura

De acordo com as respostas tabuladas, 92,60% dos participantes possuem livros em casa. Este acervo é composto por obras compradas, na maioria das vezes, para estudo e aprimoramento profissional de seus pais ou irmãos mais velhos (51,85%), os livros de leitura indicados pela escola (25,93%), bem como aqueles que são comprados porque o pai, a mãe ou um dos avós gosta de ler (22,22%).

Em relação a revistas, 66,66% dos participantes responderam que são habitualmente compradas ou assinadas pela família, enquanto 33,33% afirmam que não costumam adquiri-las.

De acordo com os dados obtidos no grupo que está habituado a ter revistas em casa, 60% dos participantes lêem regularmente as que estão disponíveis, enquanto 35% são leitores ocasionais e 5% não lêem nenhuma delas. Relatam também que seus pais costumam comprar revistas de informações e atualidades como, por exemplo, Veja, Época e Isto É (37,14%). Já suas mães escolhem aquelas voltadas a acontecimentos sociais e temáticas relacionadas ao universo feminino, sendo as mais citadas as revistas Caras, Marie-Claire e Boa Forma (11,43%).

Os próprios participantes e seus irmãos compram habitualmente as publicações direcionadas à sua faixa etária, tais como Capricho, Atrevida e Witch, com 17,14% das escolhas feitas pelas meninas. As revistas com enfoque mais direcionado à área de ciências, tais como Superinteressante e Mundo Estranho são citadas por 8,57% dos garotos. Os componentes deste grupo elegem também para compra as revistas de humor, esporte, automobilismo e palavras cruzadas (17,18%). Do total dessa amostra, apenas 8,54% dos participantes que afirmam comprar revistas habitualmente não citaram nenhum tema de preferência ou nome das publicações adquiridas.

A necessidade de atualização e busca constante de informações profissionais provavelmente impulsionam os pais a comprar regularmente jornais (81,48%), sendo que apenas 18,52% não possuem este hábito. Dentre os mais citados pelos participantes, está uma publicação local (50%), seguida por duas outras de circulação nacional, O Estado de São Paulo, com 17,86% e a Folha de São Paulo, com 14,29%.

Segundo os dados levantados, 23,08% desses estudantes lêem um livro por iniciativa própria e 17,31% deles o fazem por indicação de um professor. O título do livro instiga 9,61% do total da amostra à leitura. A indicação de um amigo, a divulgação pela mídia e receber um livro de presente são três motivos que os incentivam a ler e foram citados com igual percentual (7,69%). Já a diagramação da capa e ilustrações têm menor influência na decisão de iniciar a leitura (5,77%), assim como a indicação feita pelos pais (3,85%).

Um resultado que merece ser destacado relaciona o gostar de ler, seja por passatempo ou prazer, à conclusão da tarefa de leitura. De acordo com os dados obtidos, a soma das respostas dessas duas categorias (75%) pode significar que uma leitura apropriada para adolescentes com perfil similar ao dessa amostra é aquela que trata de um tema de seu interesse e, ao mesmo tempo, promove a união entre prazer e desenvolvimento de habilidades pessoais de leitura (Lajolo, 1999), propiciando uma melhor qualidade no processo de aprendizagem.

Os dados aqui apresentados evidenciam um ambiente familiar que valoriza e estimula a leitura, visto que, além do acesso facilitado a livros, revistas e jornais, há, sobretudo, o exemplo dos pais, irmãos mais velhos e familiares como incentivo para a criação e manutenção do hábito de ler, mesmo que seja com a finalidade de estudo, atualização profissional e informação ao invés de apenas lazer. Portanto, independente do objetivo da leitura, ela é uma atividade valoriza pelos pais, que disponibilizam aos filhos os recursos que estão ao seu alcance para que obtenham informações e aprendam a utilizar essa ferramenta para construção de conhecimentos e aquisição de novas experiências.

Salienta-se essa informação por considerar que tanto para a criança quanto para o adolescente, o contato próximo com um modelo é fator fundamental na formação do leitor, visto que, aprende-se a ler na medida em que se vive (Lajolo, 1999). E, conforme ressalta essa mesma autora, a iniciação na leitura deve feita por bons leitores - pessoas que gostam de ler, lêem muito e, principalmente, envolvem-se com o que lêem, como parece ser o caso dos familiares citados.

Além dos livros, o acesso a revistas e jornais, mesmo quando não são lidos com freqüência pelos participantes, sendo habitualmente comprados nesses lares podem servir como estímulos à leitura prazerosa e investigativa, tendo em vista estarem sempre disponíveis aos jovens.

Os dados tabulados demonstram que as revistas parecem ser mais atrativas a estes jovens pelo fato de serem textos curtos e de fácil leitura, que contém ilustrações e são escritos com letras de diferentes formatos, tornando sua aparência atrativa à essa faixa etária (Di Nucci, 2002). Este formato facilita, principalmente ao leitor mais jovem, estabelecer uma relação com o texto e, a partir dele, organizar as informações disponíveis conforme seu interesse e capacidade de contextualização do conteúdo lido para utilização posterior.

A partir da análise dos dados levantados, percebe-se que os alunos dessa amostra possuem um ambiente familiar rico em oportunidades de leitura em mídia impressa. A escola em que estudam também incentiva essas atividades e disponibiliza um grande acervo, nem sempre utilizado por eles fora do período curricular, apesar das orientações feitas pelos professores.

Os fatores levantados indicam condições propícias, que viabilizam a realização de um programa de orientação de conduta por meio da leitura e discussão de textos, preferencialmente de revistas, gênero preferido pelos participantes dessa pesquisa.

Comportamento estratégico de leitura

Além de investigar os hábitos de leitura desses jovens, foi perguntado também se conseguem ou não concluir as leituras que iniciam. Do total da amostra, 66,66% afirmam que conseguem ir até o final do texto, enquanto 18,52% chegam até a metade e 14,82% param no começo.

As justificativas dadas por eles foram analisadas por meio dos quatro aspectos definidos na Análise de Conteúdo.

De acordo com as respostas apresentadas, o aspecto que mais se destacou foi o dos Objetivos indicando que, para 53,12% dos participantes é fundamental saber porque deverá ler um texto ou livro indicado. As colocações feitas demonstram que ter claro o motivo da atividade contribuiu para que 50% deles concluíssem a tarefa e 3,12% tenham chegado, pelo menos, até a metade dela.

Estes resultados indicam que os alunos desse grupo demonstram indícios de um comportamento estratégico de leitura, pois "determinam, com antecedência a finalidade da ida ao texto, definindo assim, como ele deve ser lido, ou seja, como realizar uma leitura seletiva e mais eficiente." (Kopke Filho, 2002).

Ficou claro pelas respostas dadas que seu nível de envolvimento e modo de realização da atividade difere entre, por exemplo, uma leitura que será avaliada de outra feita por interesse pessoal. Mas por não dispor de dados mais precisos sobre o desempenho de cada participante, não foi possível detectar por meio de suas respostas qual é o nível de domínio das estratégias de leitura que utilizam, a partir da delimitação do texto, seu começo, sua progressão, seu fim, bem como a possibilidade de criar protocolos fazendo a divisão do texto em partes. (Soares, 2002)

Justificativas associadas às Experiências Metacognitivas indicam que, para 31,26% dos participantes, suas crenças pessoais, impressões e percepções sobre o texto permitem que consigam fazer uma auto-avaliação e, com base nela, possam decidir se conseguem lidar com as dificuldades do texto ou não. Assim sendo, sentimentos e emoções ligados a experiências anteriores fazem com que alguns abandonem a tarefa logo no início ou venham a deixá-la incompleta, em igual porcentagem (9,38%).

Os aspectos Conhecimentos Metacognitivos e Ações foram pouco freqüentes nessa amostra, apresentando igual valor percentual (6,24%). Esses dados indicam que, apesar do ambiente propício à leitura e a pré-disposição dos alunos em realizá-la, não estão incorporados ainda alguns comportamentos estratégicos de leitura, evidenciando que as tarefas realizadas ainda estão embasadas no conteúdo afetivo. Pode-se entender que, por cursarem o Ensino Fundamental, estes adolescentes estão exercitando as habilidades de leitura e compreensão de textos que, ao final dessa etapa, deverão ser melhor dominadas.

Outros indícios que podem complementar o posicionamento anterior referem-se à definição das dificuldades mais freqüentes que os participantes encontram quando lêem e o que costumam fazer para superá-las. Segundo as respostas obtidas, a principal delas é a linguagem difícil (41,86%), seguida pela presença de palavras desconhecidas (20,93%). Não gostar do assunto abordado (13,95%) ou então não ter qualquer referência anterior sobre o tema tratado (6,98%) são variáveis que, na opinião desses alunos, tornam a leitura menos fluente, comprometendo sua compreensão. Parágrafos longos também foram citados como obstáculo à compreensão dos textos lidos (4,65%).

Ao deparar-se com os obstáculos acima listados, os aprendizes citaram seus pais (22,81%), como principal fonte de consulta, comportamento definido por Boruchovich (2001) como busca de apoio social. Talvez essa tendência possa ser vista, pelos participantes, como uma oportunidade de compartilhar com seus pais vivências escolares. O dicionário é citado como segundo recurso (17,54%) para a solução de problemas. Apenas 8,78% desses jovens costumam recorrer aos professores para esclarecer dúvidas ou pedir ajuda.

Os dados levantados apontam que 31,57% desses jovens, principalmente na faixa etária entre 10 e 12 anos, apresentam um comportamento menos dependente, tentando resolver suas dúvidas por meio do dicionário ou da Internet. Essa iniciativa denota a busca pela autonomia na resolução das dificuldades encontradas. E pode indicar que está em andamento o processo de formação de um leitor proficiente no campo da leitura e escrita, conforme colocado anteriormente.

Em contrapartida, é interessante assinalar que os alunos mais velhos deste grupo (5,26%), na faixa etária entre 13 e 14 anos, afirmaram nem tentar resolver as dificuldades de leitura encontradas, denotando falta de interesse. A partir dos dados disponíveis não há como definir se o posicionamento desses participantes pode ser considerado representativo à faixa etária equivalente aos concluintes do Ensino Fundamental dessa instituição de ensino ou se são características e específicas a esses alunos e, portanto, dissonantes do grupo.

Nesse sentido, cabe aqui ressaltar que os indícios de comportamentos estratégicos apresentados pela maioria dos participantes (92,99%) precisam ser cada vez mais estimulados, a fim de que os professores possam definir com precisão até que ponto eles respondem aos desafios de leitura com habilidades, mas não com ações conscientes e de fato planejadas, como são as estratégias (Kopke Filho, 2002).

As habilidades destacadas poderão ser utilizadas para ensinar os estudantes a definir estrategicamente táticas que permitam a eles superar os obstáculos que impedem, momentaneamente, o entendimento do texto lido. E, na medida em que passem a utilizá-las de forma intencional e com maior freqüência, tornar-se-ão aptos a monitorar suas próprias ações, confirmando assim os dados achados na literatura referentes à construção de habilidades metacognitivas de leitura, utilizadas por um leitor proficiente. (Boruchovitch, 2001)

 

Considerações finais

Os dados levantados pela pesquisa indicam que um programa de orientação de comportamento baseado na leitura e discussão de textos pode ser adequado às populações com perfil semelhante ao detectado nesta amostra. A preferência pela leitura de revistas indica que esse tipo de atividade poderá ser adaptada a alunos que apresentem um domínio menor das habilidades de leitura e compreensão de texto, visto que esse instrumento tem como finalidade disparar um processo de discussão para análise de uma situação.

Ao utilizar histórias e matérias publicadas na mídia ou evidenciar o comportamento de um novo personagem como foco do debate, é possível para o adolescente vivenciar situações que, tal como na vida real, poderão ser resolvidas de forma muito diferente da ideal. Essa aproximação entre leitor e autor do texto pode ser percebida como muito mais amigável do que o confronto com o outro. E, a partir daí, abre-se espaço para questionamentos que poderão fomentar uma visão mais crítica do quadro, visando o aprimoramento das habilidades de compreensão e resolução de problemas vivenciados no âmbito escolar.

A discussão de textos que enfatizam a necessidade de revisão e aprimoramento de habilidades nas esferas cognitiva, pessoal e social, é uma proposta alternativa que propicia maior individualização e diversidade nas respostas aos problemas disciplinares por parte da escola. Estas atividades poderão ser realizadas individualmente ou em grupo, dependendo do número de alunos sancionados e dos recursos disponíveis na instituição escolar.

Mas, independente do enquadramento a ser adotado, poderá utilizar a convivência diária com colegas e professores, as situações do cotidiano e os problemas que surgem dessas relações para incentivar o aprendiz a analisar suas atitudes. Nesse processo de elaboração e interação com seus pares, haverá oportunidade para rever e construir valores, princípios e regras morais podendo, então, entender porque é necessário seguir determinadas regras e leis, ao invés de simplesmente obedecê-las ou negá-las.

Esse tipo de orientação é coerente às novas exigências educacionais que abrangem, além do desenvolvimento cognitivo, a formação de cidadãos aptos a ingressar no mundo do trabalho e conviver em uma sociedade democrática, conforme exposto nos objetivos educacionais previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, .° 9394/96. Desse modo, pode tornar-se uma complementação ou substituição às advertências orais, escritas e suspensões, instrumentos já tradicionais no âmbito escolar, cujo objetivo tem sido apenas reprimir novas ocorrências, em detrimento da elaboração do que aconteceu e da visão que cada envolvido possa ter sobre a situação.

Dessa forma, a instituição escolar estará propiciando a seus alunos situações capazes de provocar transformações e desequilíbrios pertinentes ao processo de desenvolvimento cognitivo, emocional e social do ser humano com o intuito de que possam tornar-se cada vez mais, pessoas autônomas, capazes de utilizar as informações disponíveis e suas próprias experiências e conhecimentos para agir da melhor forma possível, embasados no respeito mútuo e na busca do bem comum.

 

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Notas

C.M.D'A. Bachert
Endereço para correspondência: Av.Washington Luiz, 840 - Sorocaba, SP, CEP: 18.030-270.
E-mail para corespondência: cristina.bachert@aes.edu.br.

M.H.M.A. Oliveira
Endereço para correspondência: Rua Cotoxó, 637 - apto. 42 - São Paulo, SP - CEP: 05021-000.
E-mail para correspondência: marihelenamourao@uol.com.br.

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