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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.12  Rio de Janeiro nov. 2007

 

Artigo Científico

 

Integrando o ensino da patologia às novas competências educacionais

 

Integrating the learn of pathology to new education competences

 

 

Mário Ribeiro de Melo-JúniorI, II; Jorge Luiz Silva Araújo-FilhoI; Vasco José Ramos Malta PatuI; Marcos Cezar Feitosa de Paula MachadoI; Nicodemos Teles de Pontes-FilhoI

ILaboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Pernambuco, Brasil;
IIAssociação Caruaruense de Ensino Superior (ASCES), Caruaru, Pernambuco, Brasil

 

 


Resumo

Buscando integrar o ensino tradicional da patologia geral à construção de novas competências educacionais e baseando-se nos apontamentos preliminares obtidos por pesquisa realizada com 350 alunos de diferentes cursos de graduação da área de saúde da Universidade Federal de Pernambuco, este trabalho propõe uma adequação das técnicas de ensino, com os objetivos de passar os conteúdos programados e de preparar todos os graduandos para utilizarem conhecimentos contextualizados e as competências adquiridas em situações reais da vida profissional. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: ??-??.

Palavras-chave: novas competências; patologia geral; ensino superior.


Abstract

With the objective of integrate the general pathology traditional teaching to the construction of new educational abilities, and based on the preliminary notes carried out by 350 different health's sciences undergraduate students of the Federal University of Pernambuco, this work point out an adequacy of the education techniques, with the aims of transmit the programmed contents, and of prepare all the graduates to use contextualized knowledge and the abilities acquired in real situations of the professional life. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: ??-??.

Keywords: new competences; general pathology; higher education.


 

 

A patologia e a construção das competências

A Patologia Geral é a ponte entre disciplinas básicas e profissionalizantes da área de saúde. O ensino da patologia é um elo fundamental, já que o estudante implementará na sua prática profissional futura os conhecimentos dos processos patológicos como profissionais de saúde ou pesquisador engajado em diagnosticar e participar das condutas assistenciais para promover a saúde (Chandrasoma e Taylor, 2004).

Observamos que nos últimos anos, o déficit do ensino da patologia geral se acentuou, a partir do momento em que a disciplina Processos Patológicos Gerais (PPG) foi instituída pelo Conselho Federal de Educação (LDB, 1996), como obrigatória em todos os cursos superiores da área de saúde (nutrição, ciências biomédicas, fisioterapia, terapia ocupacional, farmácia, fonoaudiologia e odontologia) e não só em medicina e enfermagem. Com isso, ocorreu um aumento brusco no número de alunos, sem que tivessem sido preparadas adequações didático-pedagógicas para o atendimento necessário a cada curso, dentro das competências para esses.

Dentre os diversos modelos de gestão pedagógica para que o ensino da Patologia fique condizente com as diretrizes de cada curso, podemos destacar o desenvolvimento de novas competências, tese elaborada pelo sociólogo suíço Philippe Perrenoud, Professor da Universidade de Genebra e especialista em práticas pedagógicas. Ele defende que competências em educação são as faculdades de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos - como saberes, habilidades e informações - para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações, buscando conectar os assuntos trabalhados em sala de aula com a realidade encontrada no ambiente social dos alunos (Perrenoud, 1999).

Atualmente, essa contextualização dos saberes é uma das bases do ensino por competências, tornando-se palavra de ordem da educação em vários países e também no Brasil.

O processo educacional equivocado que ocorre atualmente consiste em imprimir novas reações sobre pessoas totalmente maleáveis e passivas. Contudo, tem-se observado que, simplesmente dar o conteúdo e esperar que ele seja reproduzido não forma o indivíduo que o mercado de trabalho e a sociedade atual exigem.

O ensino por competências baseia-se em princípios complexos que devem ser adequados a realidade de cada área do conhecimento. No caso da patologia, de acordo com nossa vivência em sala de aula e laboratório temos observado um aprendizado mecânico e desmotivador para a maioria dos alunos, justamente devido à ausência de atualizações e busca de novos recursos pedagógicos que auxiliem o aprendizado dos processos patológicos de uma forma proveitosa e suficiente.

De acordo com a visão do ensino pela construção de competências, sugerimos alguns princípios fundamentais para um ensino da patologia geral que, de acordo com algumas correntes pedagógicas aprimora e estimula continuamente alunos e professores (LDB, 1996).

Deve-se desde o princípio, estabelecer um "Contrato pedagógico" entre o professor e os alunos, buscando firmar posições que cada uma das partes deverá assumir durante o processo de aprendizado. Os alunos expressam ao docente o que esperam obter com o estudo e quais as suas aspirações. Por outro lado, o professor estabelece quais as diretrizes e parâmetros a serem trabalhados durante o curso.

Estabelecido isso, inicia-se o processo de construção de competências que irão auxiliar na apreensão e entendimento dos conteúdos. Aqui sugerimos algumas abordagens que poderão nortear esse processo.

O professor deverá saber:

  • Gerenciar a classe como uma comunidade educativa. Estabelecer o senso de coletividade, evitando atividades excludentes e particularizadas;
  • Organizar trabalhos utilizando ao máximo os recursos disponíveis. Elaborar aulas diferentes com enfoques diversos, utilizando reportagens, entrevistas, painéis, cartazes, pesquisas, plenárias dentre outros recursos;
  • Conceber e dar vida a dispositivos pedagógicos motivadores. Buscar com o auxílio dos alunos atividades dinâmicas e interessantes que facilitem o aprendizado, utilizar diferentes técnicas pedagógicas;
  • Identificar e modificar aquilo que dá sentido aos saberes e às atividades escolares. Estimular discussões pertinentes a patologia e áreas afins, buscando integrar os alunos ao conteúdo estudado;
  • Criar e gerenciar situações-problema. Motivar o debate sobre relatos de casos anátomo-clínicos e buscar, através dos conhecimentos dos conteúdos estudados, as possíveis soluções para os casos;
  • Observar os alunos durante a elaboração dos trabalhos. Integrar os alunos às atividades coletivas, buscando resolver ou minimizar as deficiências individuais;
  • Avaliar as competências em construção nos alunos. Elaborar fichas de auto-avaliação para monitorar os progressos dos alunos e atividade docente durante o curso.

Os alunos deverão desenvolver as seguintes competências:

  • Dominar a leitura e a escrita de termos específicos da área. Na patologia existe uma grande quantidade de termos que se não forem bem trabalhados são motivos de empecilho ao aprendizado;
  • Resolver situações-problema. É de suma importância conectar os processos patológicos aos problemas de saúde e comportamento encontrados a todo momento em nosso meio social;
  • Analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações. Desenvolver o senso crítico e o discernimento para que o aluno possa lidar de forma eficiente com situações que exijam uma rápida solução;
  • Compreender seu entorno social e atuar sobre ele. Estimular a conscientização de cada um, do papel social e como, através dos conhecimentos adquiridos, pode-se melhorar a sua comunidade;
  • Localizar, acessar e usar melhor as informações acumuladas. O essencial não é decorar todo o livro, mas sim, saber como resgatar estes conhecimentos quando for preciso;
  • Planejar, trabalhar e decidir em grupo. Desenvolver a capacidade de atuar em equipe e compartilhar informações traçando planos de ação.

Alguns podem questionar a desvantagem do tempo, já que no caso do ensino da patologia geral há uma extensa lista de assuntos diversos que precisam ser trabalhados e sedimentados, porém na maioria dos casos há pouca carga horária disponível. Como fazer então?

É certo que todo esse processo demanda um esforço maior, mas o professor deve gerenciar esta questão estabelecendo o conteúdo programático mínimo e essencial de disciplina de Patologia, para o curso.

A questão-chave é criar no processo de ensino da patologia o hábito de estabelecer "conexões teórico-práticas", capacitando os alunos a buscar informações, onde quer que elas estejam, para utilizá-las nas situações-problema que possam vir a enfrentar.

Um bom exemplo de como equacionar esta dificuldade é o uso da criatividade, utilizando métodos motivadores e a discussão de problemas concretos, como o estudo de casos anátomo-clínicos. Nesta modalidade de aula, os tradicionais conteúdos são apenas um dos elementos do processo de aprendizagem.

Cria-se uma situação a partir da geração de conflitos que estimula a classe a resolvê-la. Neste caso, a solução de um problema concreto fará com que a teoria ganhe uma finalidade aplicável (Feuwerker, 2002).

Quando uma pessoa se depara com uma situação desafiadora, mesmo no campo de aquisição de conhecimentos, sem que seus esquemas mentais disponham de elementos suficientes para enfrentar o desafio, ocorre um desequilíbrio momentâneo. Então, a pessoa ativa seus esquemas assimilatórios, retirando do meio as informações necessárias, e mobiliza seus esquemas de acomodação, reorganizando seus novos dados e superando a situação de desafio; gera-se, dessa maneira, um novo estado de equilíbrio (Ceccin e Feuerwerker, 2004).

 

A interdisciplinaridade na prática de ensino

A interdisciplinaridade é uma das ferramentas bastante utilizada para construção de competências, pois se sabe que depois de formado e inserido no mercado de trabalho, o profissional de saúde não encontrará problemas divididos por disciplina.

Um bom exemplo do seu emprego é observado quando são abordados os processos que geram a calcificação patológica. Neste caso, obrigatoriamente, discutem-se questões ligadas à fisiologia (mecanismo de ação hormonal), bioquímica (metabolismo de melanina), biofísica (efeitos das radiações), clínica médica (reações sistêmicas associadas) e cultura (hábitos alimentares).

Em turmas pertencentes a cursos diferentes, é imprescindível atrair a atenção dos alunos com questões pertinentes a sua área de conhecimento e atuação. Não é restringir ou especializar, mas interrelacionar o saber acadêmico com o campo de atuação profissional. Quando se constroem estratégias de ensino como, por exemplo, os mecanismos de hipersensibilidade, em turmas do curso de farmácia, não se deve esquecer de enfatizar as principais substâncias farmacologicamente ativas liberadas pelas células, enquanto no curso de nutrição se dá mais ênfase aos aspectos nutricionais promotores dos processos alérgicos e esta etapa de construção do conhecimento integrado, atualmente, tem se denominado de contextualização de conteúdos.

Fica claro que não existem modelos definitivos para ensinar por competências. São as necessidades de cada grupo que devem nortear o processo de ensino-aprendizagem. Não se pode ter o mesmo ritmo, dinâmica e postura didática em turmas diferentes e principalmente em cursos diferentes. O professor deve avaliar os interesses dos alunos adequando os conteúdos a serem trabalhados, personalizando-os a cada realidade.

Todo professor sabe muito bem como reagem os alunos à situação global da classe; eles são influenciados não apenas pelo desafio da questão formulada ou do conhecimento novo a ser fixado, mas pelo tom da voz do professor, por sua expressão facial e pela atitude dos outros alunos, enfim o aprendizado está condicionado a uma série de questões sociológicas e comportamentais.

 

Avaliando as competências

A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de excelência. Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma norma de excelência, definida no conceito de legitimidade absoluta encarnada pelo professor e pelos melhores alunos.

No decorrer do ano letivo, os trabalhos, as provas de rotina, as avaliações orais, a notação de trabalhos pessoais criam "pequenas" hierarquias de excelência, sendo que nenhuma delas é decisiva, mas o seu somatório prefigura a classificação do aluno dentro da hierarquia final (Perrenoud, 1999).

Surge, então, outro ponto importante, como avaliar as competências?

Costuma-se, infelizmente, colocar as provas e os testes previamente marcados, como ponto culminante do processo de aprendizagem, contudo, estudos demonstraram que a avaliação deve ser algo contínuo e não pontual (Cecim e Feuerwerker, 2004). Deve-se mesclar os momentos de avaliação escrita, com atividades orais (seminários, debates), aulas práticas (nos laboratórios e museus de peças anatômicas), estudos dirigidos e outras atividades que motivem os alunos a mostrarem seus conhecimentos.

Devemos lembrar que toda a aprendizagem bem conduzida se caracteriza como um processo altamente dinâmico, que depende da atividade mental do educando e que se desenvolve pela mobilização de seus esquemas de raciocínio. Para isso, o ensino deve apelar para atividade mental do aluno, levando-o a observar, manipular, perguntar, pesquisar, trabalhar, construir, pensar e resolver situações problemáticas (Gonçalves, 2001).

Em pesquisa realizada com 350 alunos de diferentes cursos de graduação da área de saúde da Universidade Federal de Pernambuco, que estudaram a disciplina de patologia geral nos períodos entre 2002 e 2003, demonstra-se que 35,6% dos alunos encontraram dificuldades em apreender os conteúdos, e, além disso, 50,2% consideraram as aulas desmotivadoras, embora a maioria (320 alunos) não percebesse desmotivação dos professores. Cerca de 98,2% acreditam que atividades didáticas estimulantes como, aulas práticas, estudo de casos, seminários, estudos dirigidos, facilitariam bastante o aprendizado.

Desta forma, podemos concluir que o problema do aprendizado não está no aspecto motivacional do corpo docente apenas, mas na forma de ensinar (metodologias e didáticas escolhidas), que de acordo com esta amostragem, necessita de um aprimoramento e atualização.

Na avaliação, segundo a doutrina da construção de competências, os seguintes aspectos devem ser considerados:

  • Desenvolver autonomia progressiva (auto-regulação da aprendizagem);
  • Ver o erro, não como um ponto de reprovação, mas como deficiência a ser superada;
  • Não deve haver qualquer limitação rígida de tempo quando da avaliação das competências;
  • Ter domínio do conteúdo sob diferentes aspectos causais e temporais (aprendizagem contextualizada);
  • Decidir a melhor forma de expor os conhecimentos apreendidos;
  • Utilizar instrumentos de auto-avaliação cruzada (o docente avalia o discente, e vice-versa).

Contudo, a aplicação desses conceitos pode se tornar algo complexo, enquanto a escola der tanto peso à aquisição de conhecimentos desarticulados e tão pouca importância à contextualização e à construção de competências. Desta forma, toda avaliação correrá o risco de se transformar em um simples concurso classificatório de excelências.

Assim concluímos que, o estudo da patologia associado à construção de competências, pode tornar-se algo muito prazeroso, motivador e útil para os graduandos tornando-os mais capazes de se destacar como indivíduos mais críticos e atuarem de forma mais segura dentro das suas áreas profissionais.

 

Referências Bibliográficas

Ceccim, R.B. e Feuerwerker, L.C.M. (2004). Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad. Saúde Pública, 20(5), 1400-1410.         [ Links ]

Chandrasoma P., Taylor C.R. (1998). Concise Pathology. Connecticut: Appleton & Lange.         [ Links ]

Feurwerker L.C.M. (2002). Mudanças na educação médica: os casos de Londrina e de Marília. Tese de doutorado, Faculdade de Medicina de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.         [ Links ]

Gonçalves, E.L. (2001). "Pedagogia e didática: Relações e aplicações no ensino médico". Rev. Bras. Educ. Med, 25(1), 20-26.         [ Links ]

LDB. (1996). Lei de diretrizes e bases da educação nacional. FTD Editora, 5ª Ed.

Perrenoud, P. (2002). Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: ArtMed Editora.         [ Links ]

Perrenoud, P. (1999). Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed Editora.         [ Links ]

 

 

Notas

M.R. de Melo-Júnior
Endereço para correspondência: Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA), UFPE. Av. Morais Rêgo s/n, Cidade Universitária, Recife, PE 50670-910.
Telefone: (81) 2101-2504.
E-mailpara correspondência: mariormj@gmail.com.