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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.12  Rio de Janeiro Nov. 2007

 

Revisão

 

Estilo de vida como indicador de saúde na velhice

 

Life style as health indicator on ageing

 

 

Vera Lygia Menezes Figueiredo

Programa Interdisciplinar de Geriatria e Gerontologia, Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


Resumo

Uma revisão da literatura gerontológica objetivou explorar o tema do envelhecimento saudável, dando-se destaque aos fatores contribuintes para a manutenção da qualidade de vida. Dentre os fatores pesquisados, o estilo de vida é considerado como um importante promotor de estímulos sócio-emocionais que otimizam o funcionamento cognitivo. A conclusão sugere que estilo de vida possa ser utilizado com um indicador de saúde, recebendo assim cuidadosa atenção quando se objetiva promover ou prevenir a saúde na senescência. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: ??-??.

Palavras-chave: velhice; estilo de vida; qualidade de vida; saúde coletiva; gerontologia..


Abstract

A gerontological literature review aimed to explore the healthy ageing emphasizing the contributive factors for the maintenance of a life quality. Among the factors researched, life style is considered as an important promoter of social-emotional stimuli that improve the cognitive functioning The conclusion suggests that life style may be used as a health indicator and it should earn careful attention when the objective is to promote or prevent health in senescence. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: ??-??.

Keywords: ageing; life style; life quality; collective health; gerontology.


 

 

Introdução

"Quantos velhos obstinados morrem intestados!
Para eles, trata-se menos de conservar até o fim seu tesouro
ou seu império já meio desligados dos seus dedos entorpecidos,
do que de não se instalar demasiado cedo no estado póstumo de um homem
que já não tem decisões a tomar, surpresas a causar,
ameaças ou promessas a fazer aos vivos."
(Marguerite Yourcenar, 1980: 96-97)

Nas sociedades modernas industrializadas, um fenômeno mundial recorrente é a saída do indivíduo do cenário social via a aposentadoria e, comumente, coincidente com a entrada na velhice. Apesar de a realidade demográfica apontar para um crescimento progressivo e expressivo da população idosa, que já vêm alcançando com facilidade faixas etárias longevas, o reengajamento funcional ou mesmo ocupacional (que significaria o acesso aos núcleos socioculturais) não é estimulado ou mesmo valorizado por conta de imagens ainda preconceituosas e/ou estereotipadas do indivíduo envelhecido. Assim, inexpressivos e insuficientes estímulos socioculturais aliam-se à sensação de inabilidade pessoal para conviver em um mundo estranho aos seus hábitos e padrões adquiridos em gerações passadas, seja por uma tendência pessoal à desvalorização de suas capacidades e habilidades, ou bem devido a uma dificuldade para abrir-se ao novo e permitir novas aprendizagens. O indivíduo idoso pode, paulatinamente, desobrigar-se de resgatar o seu sentido de pertencimento social, deixando de ser alguém 'desejante'.

Além do desestímulo social, e por uma série de fatores ligados às histórias pessoais e às experiências de vida, muitos idosos permitem que o seu prazer de viver envelheça, impondo-se um isolamento social ou permitindo que outros o façam. Outros há que vivem bem, porém com uma vida bastante rotinizada e pouco estimulante em termos cognitivos. E ainda há outros idosos que, por desajustamentos psicológicos diversos, vivem sob uma qualidade de vida inferior ao esperado.

Em comum para esses estilos vivenciais humanos descritos, pode-se então destacar: uso deficitário das funções cognitivas, retração da expressividade emocional, e redução das trocas relacionais e com o meio. Este empobrecimento da qualidade de vida na velhice não encontra respaldo científico: principalmente no primeiro terço da velhice, a grande maioria dos idosos é saudável, tanto do ponto de vista orgânico como cognitivo, ou tem as suas cronicidades ainda sob controle, garantindo assim a possibilidade de manutenção da autonomia e da independência.

 

Envelhecimento populacional e o conceito de saúde

O interesse pelo estudo dos fenômenos do envelhecimento é gerado pelas projeções de crescimento da população idosa nos Estados Unidos e em vários países da Europa, na virada do século XX e em plena era industrial. Tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, guardadas as devidas proporções diferenciadoras, três índices epidemiológicos vêm mantendo-se em declínio: a mortalidade infantil, a mortalidade materna, e a mortalidade por doenças crônicas. O resultado desta combinação vem significando um crescente número absoluto de idosos que, paulatinamente, irão somando ao contingente populacional já existente. Há um consenso no meio científico de a expectativa de vida ser um dos indicadores mais importantes de saúde.

No entanto, somente por volta da década de trinta é que a Geriatria surge nos meios científicos como uma disciplina médica, dedicando-se ao estudo das patologias compreendidas como senis e dos seus aspectos curativos (Debert,1999). Da mesma forma acontece com a Gerontologia, quando a partir da década de cinqüenta os seus estudos são sistematizados para a área do envelhecimento normal, da prevenção e da qualidade de vida na idade tardia, como apropriadamente justifica Néri (1995: 27), "{...} de explicar os determinantes e as características das mudanças da velhice, que se tornam cada vez mais visíveis e, quando patológicas, cada vez mais onerosas para a sociedade". As interfaces da Gerontologia com diversas disciplinas, alcançando campos até mesmo transdisciplinares, abrem dimensões de estudos e pesquisas enriquecedores.

A velhice, hoje, é uma realidade que tem longevidade. O crescimento da população de idosos, em números absolutos e relativos, já é um fenômeno mundial. Em 1950 eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em 1998, quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas - um crescimento de quase oito milhões de idosos por ano. Segundo Paschoal (apud Papaleo Netto, 1996), a expectativa média de vida da população em geral (limite biológico) encontra-se atualmente projetada em torno de oitenta e cinco anos; para o Brasil de 2005 este índice já era de setenta e dois anos (Néri, 1995:36), o que contrasta enormemente com aquela expectativa de vida do século passado de até uns sessenta e oito anos de idade.

Envelhecer com saúde vem sendo, portanto, o atual desafio para este século XXI, como bem expressa a Organização Mundial de Saúde (OMS)1:

"It is time for a new paradigm, one that views older people as active participants in an age-integrated society and as active contributors as well as beneficiaries of development." (WHO, 2002:43)2

A ciência já acumula pesquisas e estudos que oferecem algumas respostas sobre o que é ser idoso, o que é a velhice, e o que produz o envelhecimento humano. As diferenças individuais, entretanto, por estarem delimitadas por eventos de origem psicológica, sócio-histórica e genético-biológica, trazem dificuldade para conceituar de um modo homogêneo a tamanha heterogeneidade.

O conceito de saúde, redefinido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1947 como um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social, é conceituado em 1994 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a busca de uma qualidade de vida:

"It is an individual perception of his or her position in life in the context of the culture and value system where they live, and in relation to their goals, expectations, standards and concerns. It is a broad raging concept, incorporating in a complex way a person's physical health, psychological state, level of independence, social relationships, personal beliefs and relationship to salient features in the environment." (WHO, 2002:13)3

Este ampliado conceito de saúde, designado como 'Envelhecimento Ativo' (Active Ageing), define o processo de otimizar oportunidades para a saúde, sendo o bem-estar biopsicossocial uma de suas vertentes principais, e para uma participação ativa e em segurança de modo a aumentar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem.

Importante destacar que o planejamento estratégico desenvolvido no documento da OMS prioriza os direitos e já não tanto as necessidades do indivíduo idoso. Em outras palavras, o objetivo é a não paternalização do indivíduo idoso, devendo ser estimulado a uma participação conjunta tanto no plano de políticas públicas quanto na vida social e comunitária. Os seus direitos passam a ser destaque, principalmente nos aspectos da igualdade de oportunidade e do tratamento de saúde à medida que envelhece. No Brasil, a Política Nacional do Idoso, implementada em janeiro de 1994, mostra preocupação na formulação de uma política voltada para a velhice e também para os que ainda irão envelhecer; através do seu 'Plano de Ação Governamental' (MPAS, 1996), a questão da prevenção é um dos destaques, justificado por tratar-se de ações com menores custos e que produzem resultados sociais melhores.

Freitas e colaboradores (2001), a partir de uma consistente revisão da literatura científica sobre pesquisas em Gerontologia e Geriatria, produzidas nos últimos vinte anos, apontam um equilíbrio nos estudos sobre a velhice e o envelhecimento: 53,8% em Geriatria e 45,8% em Gerontologia. "Tal fato reforça o sentido de que, na velhice, o declínio das habilidades físicas e mentais não resulta somente das conseqüências do avanço da idade, mas também dos fatores socioculturais que contextualizam o idoso". Outra análise feita pelos autores diz respeito à ênfase das pesquisas na promoção de saúde através da educação para o autocuidado.

 

Senescência e a capacidade funcional

Senescência é a condição humana de quem está envelhecendo. Há um consenso na literatura científica para designar, com este termo, o envelhecimento humano normal, sendo partes deste processo as alterações funcionais, orgânicas e morfológicas. Já para o envelhecimento patológico, senilidade é o termo mais utilizado, concorrendo às doenças crônicas e/ou os quadros neurodegenerativos que incapacitam ou restringem sobremaneira a autonomia do indivíduo idoso.

Um estudo feito em janeiro de 1991, no Canadá (apud Papaleo Netto, 1996: 314), com uma população de idosos com mais de 75 anos, conclui que "quanto mais velho maior a incidência de problemas relacionados à saúde e ao desempenho das atividades da vida diária quando comparado com grupos etários de 60-64 anos e 65-74 anos". Esta pesquisa confirma resultados semelhantes de estudos já realizados sobre a prevalência da demência em idosos velhos; no Brasil, entre outras pesquisas, pode-se citar um estudo epidemiológico de 1998, realizada no interior de São Paulo e conhecido como 'Estudo de Catanduva' (Herrera Jr et al., 1998).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002), as doenças crônicas são causas significativas e custosas de incapacidade e de reduzida qualidade de vida; isto tanto para os países desenvolvidos como para os países em desenvolvimento. Porém, "incapacidades associadas com o envelhecimento e o início da doença crônica podem ser prevenidos ou retardados" (WHO, 2002: 35). Enfatiza o órgão governamental que o alerta para o envelhecimento patológico tem a ver com o fato de que o declínio na capacidade funcional pode ser prematuramente estimulado ou acelerado, bem como pode ser reversível em qualquer idade através de medidas individuais e das políticas públicas.

Dentre os fatores precipitantes de incapacidade funcional destaca-se a área cognitiva. Sua importância vem merecendo esforços por parte dos pesquisadores, em nível mundial, para estudar o perfil cognitivo do envelhecimento. Dada a heterogeneidade do envelhecer, os estudos esbarram em dificuldades para classificar déficits cognitivos, principalmente aqueles relativos à memória. Têm sido propostos diversos termos, tais como: alteração de memória associada à idade; transtorno cognitivo leve; déficit cognitivo leve; e etc., que alguns estudiosos do assunto acreditam poderem ser condições intermediárias entre o normal e o patológico. Por outro lado, quando se intenta classificar as alterações cognitivas leves (ACL) como distúrbios ou síndromes associados ao envelhecimento (Korten etal., 1997; Petersen et al., 1999, 2001; Elias et al., 2000), por exemplo, os resultados das pesquisas não apresentam expressão significativa de modo a se poder inferir que aquelas alterações venham a ser um fator de risco para o desenvolvimento posterior de um quadro de demência. Isto porque as ACL não costumam comprometer as atividades sócio-ocupacionais e/ou as atividades diárias, não mostram significância clínica, não se enquadram nos critérios diagnósticos para síndromes demenciais ou transtornos psiquiátricos graves, e mais, somente a memória primária (curto prazo) parece ser a função cognitiva atingida; em termos de tratamento clínico, ainda pouco se pode oferecer para modificar tal condição alterada. Destarte, não se pode afirmar que o declínio das funções cognitivas globais seja típico do envelhecimento, já que dados de pesquisas efetivadas com idosos normais de idades até avançadas mostram-se inconclusos (Rubin et al., 1998). A depressão é apontada em alguns estudos como causadora de problemas de memória e, em outros, como sendo um dos sintomas primários de quadro demencial do tipo de Alzheimer. Apesar de ser considerada como o segundo mais comum distúrbio psiquiátrico na velhice (Wetterling e Junghanns, 2004), ainda mostra-se clinicamente inconcluso distinguir déficits cognitivos vistos na depressão com aqueles no demenciamento progressivo (Lamberty e Bieliauskas, 1993; Flicker et al., 1993; Fischer et al., 2002).

Em poucas palavras, se define falhas mnêmicas, popularmente conhecidas como 'falhas de memória', como alterações funcionais genéricas quando não comprometem a autonomia e a independência de indivíduos idosos.

A conhecida expressão de alerta dos estudiosos das Neurociências - 'tudo que não é usado é perdido' vem a ser produto de inúmeros estudos e pesquisas sobre o funcionamento cerebral. Citando alguns: Izquièrdo (2004: 46) comenta que "a maior parte dos esquecimentos resulta da falta de uso das sinapses (...) o uso reiterado das sinapses causa o seu crescimento e sua melhora funcional"; além disso, traça uma conexão direta entre memórias e emocionalidade ao dizer que "(...) os maiores reguladores da aquisição, da formação e da evocação das memórias são justamente as emoções e os estados de ânimo". Ainda segundo este autor, "a atenção e a concentração são as capacidades mais exigidas para tal" (2002: 12). Damásio (1996: 117) destaca a interação do organismo com o ambiente, sendo suas relações "mediadas pelo movimento do organismo e pelos aparelhos sensoriais", e onde "a comunicação dos setores de entrada entre si e dos setores de entrada com os de saída não é direta, mas antes mediada pela utilização de uma arquitetura complexa de agregados de neurônios interligados" (Damásio, 1996: 119). Néri (1995) informa que pesquisas conduzidas por Baltes e colaboradores, no Instituto Max Planck4, apontam para uma possível compensação de perdas mnêmicas com treino da memória, associando os melhores resultados com boas condições biológicas. Estudos conduzidos com animais sobre novas experiências e mudanças nos padrões neuronais corticais mostram que a experiência muda preferências neuronais, a partir de novas aprendizagens; um desses estudos é o de Sheinberg e Logothetis (2001).

Apesar dos esforços empreendidos a produção científica, até o momento, exibe resultados controversos quanto à possibilidade de falhas mnêmicas poderem servir como marcadores da condição do envelhecimento humano para uma diferenciação entre uma condição benigna de declínio cognitivo e uma pré-morbidez demencial. O que se depreende dos vários estudos e pesquisas efetivados vem reforçar a importância de se pensar o idoso a partir do que ele preserva em si e do que é possível de ser otimizado. Para se ter uma velhice saudável a questão central não é impedir o declínio funcional biológico, porém disponibilizar instrumentos que auxiliem na preservação daquilo que é fundamental à condução da vida (qualidade de) no idoso: capacidade funcional. Manter esta capacidade na velhice significa, por conseguinte, otimizar recursos que retardem a deterioração das habilidades individuais e/ou que expandam potenciais inéditos, dentro dos parâmetros normais considerados aceitáveis para esta população específica.

Capacidade funcional tem como principais atributos a autonomia e a independência, considerados como os fatores diferenciadores no resvaladiço terreno entre a senescência e a senilidade.

Consoante a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002: 13), autonomia: "(...) is the perceived ability to control, cope with and make personal decisions about how one lives on a day-by-day basis, according to one's own rules and preferences". Independência, por sua vez, "(...) is commonly understood as the ability to perform functions related to daily living - i.e. the capacity of living independently in the community with no and/or little help from others."5

 

Estilo de vida como indicador de saúde na velhice

A prática profissional junto à população idosa costuma defrontar-se com queixas de falhas mnêmicas relatadas pelos próprios e/ou pelos seus familiares, preocupados com o espectro dos quadros demenciais. Descartados os principais fatores precipitantes (hereditários, alterações ou doenças orgânicas, induções por substâncias), e quando não se encontra respaldo objetivo para as ditas queixas, Figueiredo (2003) alerta para serem investigados os aspectos psicossociais e comunicacionais (relação eu-mundo); pois, muitas das vezes, a desarmonia nas emoções, a insuficiente estimulação intelectual e o retraimento na vida de relação podem ser os propulsores de falhas mnêmicas, por efeito contraposto e de forma cumulativa. Canongia e colaboradores (2004) alertam para a morte em vida, caracterizada por um abandono existencial auto-imposto, isto é, pelo próprio indivíduo idoso, tendo como pano de fundo as situações vividas ao longo de sua existência, paralisantes do seu viver pelo alto custo emocional envolvido.

Smits e colaboradores (1999) apontam os fatores psicológicos e a capacidade cognitiva como fortes preditores do envelhecimento ativo e da longevidade. Para esses autores, os declínios no funcionamento cognitivo são disparados pelo desuso, enfermidades, fatores comportamentais, fatores psicológicos e sociais, mais do que pelo envelhecimento em si. Bassuk e colaboradores (1999), face os resultados de um estudo longitudinal, concluem que o desengajamento social é um fator de risco para o comprometimento cognitivo em adultos idosos. Herculano-Houzel (2002: 166) aponta a rotina e o cotidiano repetitivo em que estacionam alguns indivíduos como responsáveis por pouco exercício para o cérebro. "É sabido que problemas novos colocam para funcionar muito mais neurônios no córtex do que outros que podem ser resolvidos 'sem pensar', no 'modo automático'".

Pode-se entender, então, porque estilo de vida e cognição compartilham uma estreita relação: a redução da qualidade de um afeta diretamente a qualidade do outro.

A qualidade de vida na senescência vem sendo uma preocupação hodierna da Gerontologia, enfatizando-se a importância da promoção e prevenção de saúde. Pois, apesar de o declínio na capacidade funcional poder estar influenciado tanto por fatores ligados ao estilo de vida do adulto como ao seu ambiente externo, estudos conduzidos em diversos países, na área da biogerontologia, vêm apontando a supremacia do estilo de vida entre os fatores de saúde e longevidade, no processo de envelhecimento. A OMS traça, em suas publicações, uma estreita relação entre manutenção de comportamentos favoráveis e envelhecimento saudável (WHO, 2002). Conforme Silva (2001), a autonomia e a saúde mental são apontadas como contribuintes principais para a satisfação de viver, possibilitando a vivência de uma velhice bem-sucedida. Guimarães (1999: 100) afirma que "o maior indicador do bem-estar na maturidade e na velhice é o conceito que as pessoas têm de si mesmas e não a presença de problemas ou indicadores clínicos". Néri (1995) discrimina a velhice bem sucedida em perspectivas socioculturais e individuais; no tocante a esta última, diz que "[...] depende, pois, do delicado equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo, o qual lhe possibilitará lidar, com diferentes graus de eficácia, com as perdas inevitáveis do envelhecimento" (Néri, 1995: 34). Freire e Rezende (apud Néri, 2001) entendem que velhice bem sucedida é um conjunto de recursos necessários à pessoa para enfrentar eventos estressantes, envolvendo habilidades e capacidade para solucionar problemas, bem como a capacidade social. Resultados de pesquisas originadas do Seattle Longitudinal Study6 (Schaie, 1993) revelam pertinente relação entre flexibilidade comportamental e adaptação na velhice. Destes estudos mencionados se depreende que a capacidade de adaptação a mudanças está diretamente associada a altos graus de abertura à experiência.

Bem-estar subjetivo, enquanto uma das vertentes do atual paradigma do 'Envelhecimento Ativo' (WHO, 2002: 43), é considerado pela literatura científica como um dos principais propulsores para a competência adaptativa7 do indivíduo idoso; isto porque envolve uma abertura à experiência e uma flexibilidade comportamental.

Importante lembrar que mudanças no estilo de vida podem e devem ser estimulados junto ao idoso, porém não é algo que se adquire no meio exterior. Estudos gerontológicos concluem consensualmente para a importância de o indivíduo idoso ser o promotor de atitudes positivas que o levarão a enfrentar, com qualidade, esta sua etapa evolutiva (WHO, 2002; Silva, 2001; Baltes, 1994). Assim explica Wood, ao discorrer sobre mudanças atitudinais (1994: 271): "Os seres humanos, ao mudarem as atitudes internas de suas mentes, podem mudar os aspectos externos de suas vidas"; este autor entende que estar-se receptivo para mudanças advém, essencialmente, de um processo sentido pelo indivíduo, de uma receptividade nem sempre conscientizada ou pronta - uma prontidão em potencial. E. Rogers (1991: 166), ao conceituar o objetivo do processo do viver, argumenta:

"A 'vida plena' é um processo, não um estado de ser. É uma direção, não um destino. A direção representada pela 'vida plena' é aquela que é escolhida pelo organismo total, quando existe liberdade psicológica para se mover em qualquer direção." (grifos do autor)

 

Considerações finais

A linha divisória entre senescência e senilidade pode ser traçada a partir da capacidade funcional e da cognição. Por outro lado, ao se focalizar promoção e prevenção de saúde, o estilo de vida de um indivíduo idoso deve ser levado em alta consideração, dentre os outros indicadores de saúde. A revisão da literatura gerontológica efetivada aponta a importância do estilo de vida para a qualidade do viver na velhice.

Deve ser salientado que estilo de vida e bem-estar subjetivo são produtos da conscientização do indivíduo de suas necessidades, desejos, limitações, potencialidades e, principalmente, do grau de abertura individual à aceitação e incorporação de novas experiências; enquanto aspectos passíveis de oscilações temporais necessitam de eventuais adaptações ou ajustamentos.

A adaptação a este novo ciclo vital, para dar conta de transformações plurais que estarão acontecendo ao longo do processo de envelhecimento, traz a necessidade de mudanças na postura frente à vida e o viver. Utilizando-se as habilidades individuais e os potenciais ainda disponíveis (às vezes até mesmo alguns inéditos), em forma de aprendizagem, o indivíduo idoso terá condições de responder aos desafios.

 

Referências Bibliográficas

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Notas

V.L.M. Figueiredo
E-mail para correspondência: vely_menezes@yahoo.com.br.

(1) As chamadas de citação para OMS constarão nas Referências Bibliográficas sob a entrada World Health Organization.

(2) Tradução livre: "Já é tempo para um novo paradigma, aquele que vê as pessoas idosas como participantes ativos em uma sociedade integrada etariamente, e como contribuintes ativos assim como beneficiários do desenvolvimento".

(3) Tradução livre: É uma percepção individual de sua (dele ou dela) posição frente à vida, no contexto cultural e no sistema de valores onde vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e conceitos. É um amplo conceito, incorporando de um modo complexo a saúde física de uma pessoa, o estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais, as crenças pessoais e a relação com os aspectos relevantes no meio ambiente.

(4) Max Planck Institute for Human Development and Education. Berlim, Alemanha.

(5) Tradução livre: "Autonomia é a habilidade percebida para controlar, lidar com e tomar decisões pessoais sobre como se viver no dia-a-dia, de acordo com suas próprias regras e preferências". Independência, por sua vez, "é comumente compreendida como a habilidade para desempenhar funções relacionadas ao viver diário, e.g., a capacidade de viver independentemente na comunidade com nenhuma ou com pequena ajuda dos outros"

(6) Estudo longitudinal de Seattle.Trata-se de um estudo longitudinal investigativo de diferenças individuais e padrões diferenciais de mudança para habilidades psicométricas selecionadas, efetivado ao longo de trinta e cinco anos, sobre o desenvolvimento intelectual adulto.

(7) Termo utilizado por Freire (Néri e Freire, 2000: 24), que designa "{...} a capacidade generalizada para responder com flexibilidade aos desafios resultantes do corpo, da mente, e do ambiente. {...} Como competência adaptativa, o envelhecimento envolve a preservação e a expansão das reservas para o desenvolvimento pessoal".