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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.13 no.1 Rio de Janeiro mar. 2008

 

Artigo Científico

 

A técnica psicodramática da "concretização" e suas relações com o desenvolvimento humano

 

The psychodramatic technique of the concretization and its relationships with the human development

 

 

Estêvão Monteiro Guerra

Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC), Ubá, Minas Gerias, Brasil

 

 


Resumo

A "técnica da concretização" ocupa lugar destacado no repertório de técnicas usadas por psicodramatistas. No entanto, observa-se uma desconsideração quanto a compreensão dos elementos afetivos e cognitivos alicerçados na história do desenvolvimento humano o. quais, por sua vez. fundamentariam a importância dest. técnica. Neste sentido, o objetivo central deste estudo consiste em averiguar as intrínsecas relações entre a "técnica da concretização" e o desenvolvimento humano. Suspeitamos que ao investigarmos o estágio afetivo-cognitivo primário, ou seja, sensório-motor, encontraremos os elementos cruciais desta relação. Por fim, buscamos sensibilizar o leitor sobre a importância de uma metodologia transdisciplinar para uma melhor compreensão da clínica.

Palavras-chave: psicodrama; técnica da concretização; psicologia do desenvolvimento; sensório-motor; transdisciplinaridade.


Abstract

The "concretization technique" occupies an important place in the repertoire of techniques used by psychodramatists. However, there has been some disregard concerning the understanding of the affective and cognitive elements based upon the history of human development, which, in turn. are the fundaments of this technique. In this sense, the main aim of this study consists of verifying the intrinsic relationships between the "concretization technique" and human development. It is possible that when investigating the earliest affective-cognitive stage, that is, the sensorimotor period, the crucial elements of this relationship will be found. In addition to that, this paper intends to raise the reader's awareness on the importance of a transdisciplinary methodology for a more complex clinical understanding.

Keywords: psychodrama; concretization technique; developmental psychology; sensorimotor period; transdisciplinarity.


 

 

Introdução

O processo psicoterápico pode ser definido, sucintamente, por esforços teoricamente coordenados que visam ampliar a compreensão das disfunções psicossômicas1, propiciando melhores condições para a elaboração de conflitos e/ou transtornos de indivíduos ou grupos. Os métodos psicológicos seriam, portanto, o conjunto de procedimentos aplicados à compreensão e intervenção dos fenômenos psíquicos nas suas interfaces com os processos biológicos. Neste sentido, todo processo psicoterápico deve ser fundado em uma relação equilibrada entre os seus pressupostos teóricos e suas ações estratégicas, ou seja, técnicas. A tessitura conceitual e os contornos epistemológicos que alicerçam determinada teoria devem ser "instrumentalizados" para que o processo psicoterápico possa ser minimante realizado.

A complexidade desta relação já podia ser contemplada desde os primeiros esforços para a construção do espaço psicológico, ou de suas "matrizes psicológicas" (Figueiredo, 1997). Também podemos observar que já havia uma precoce diversidade teórica e metodológica a qual demarca, ainda hoje, inúmeras divergências e, por fim, segmentações que parecem solapar a consolidação de uma "ciência da conduta" com aspirações transdisciplinares. Consequentemente, a diversidade dos procedimentos técnicos adotados pelas inúmeras escolas psicoterápicas, as quais emergiram desde o final do século XIX e se desenvolveram no decorrer do século XX, seriam condizentes às concatenações conceituais sustentadas internamente pelas mesmas.

Uma técnica ou um conjunto de técnicas aplicadas indevidamente, seja pela dissonância com os preceitos teóricos, seja pelo timing inadequado ou até mesmo pela imaturidade emocional do profissional, podem não contribuir positivamente para os futuros desdobramentos do processo. Neste sentido, parece razoável se aceitar que o burilamento das estruturas teóricas, promulgado pelos mais eminentes psicoterapeutas, levou a um refinamento no manejo das técnicas afins. O inverso também se revela verdadeiro, já que as técnicas podem cair em desuso por não cumprirem os parâmetros necessários que as "adequem" ás reformulações teóricas ou, até mesmo, por serem inadequadas ao momento existencial do psicoterapeuta.

O que parece ser uma dedução evidente é que quanto mais o profissional compreende o porquê de se aplicar determinada técnica, em um determinado momento e de forma "aceitável", maiores serão as oportunidades de se obter ações terapêuticas construtivas, as quais ajudaram a consolidar uma boa aliança de trabalho. Todavia, o fato de se ter instruções claras quanto o manejo de determinada técnica nem sempre subentende que o profissional compreenda internamente a coerência da técnica. Nem sempre, os fundadores de escolas psicológicas e seus mais eminentes seguidores se preocuparam em adentrar nos elementos tácitos, implícitos ou oriundos da história do desenvolvimento afetivo-cogntivo, os quais proporcionariam uma coerência mais substancial quanto a utilidade de uma determinada técnica.

Especificamente ao tema deste artigo, sustentamos a tese de que as construções afetivo-cognitivos básicas, oriundos da história ontogênica, permeiam e dão coerência ontológica e epistemológica à "técnica da concretização" (TC), utilizada no psicodrama. Esta técnica pode ser melhor compreendida e, portanto, executada, se forem oferecidas explicações mais detalhadas destas relações, as quais parecem permear sua coerência. Suspeitamos que estas relações podem ser melhor visualizadas ao empreendermos uma inspeção da TC a partir das contribuições da "psicologia do desenvolvimento" e das "ciências da cognição".

 

A técnica da concretização - apresentando o problema

A TC é usualmente citada e sugerida como importante recurso técnico por grande parte dos psicodramatistas, sobretudo os autores de obras relacionadas ao psicodrama. Podemos conceituá-la, segundo alguns destes autores, como:

"(...) representação de objetos inamimados, partes do corpo e entidades abstratas (vínculo, emoção, conflito) com a utilização de imagens, movimentos, tomada de papel, solilóquio e duplos feito pelo paciente." (Santos, 1998)

"Esta técnica consiste na materialização de objetos inanimados, emoções e conflitos, partes corporais, doenças orgânicas, através de imagens, movimentos e falas dramáticos. O terapeuta pede ao paciente que lhe mostre, concretamente, o que estas coisas fazem com ele e como fazem." (Cukier, 1992)

"Consiste em tentar reproduzir, no corpo do cliente, determinadas sensações que ele está apresentando." (Dias, 1996)

"Consiste em corporalizar a relação, materializar o vínculo conflitivo (...) A concretização também pode ser o ponto de partida de uma dramatização, quando se tratar de moléstias físicas ou ansiedade sem causa aparente." (Bustos, 1979)

Ainda que uma técnica pós moreniana (Santos, 1998), a TC ocupa posição de destaque no extenso repertório de técnicas psicodramáticas. Todavia, diferentemente das técnicas psicodramáticas básicas (duplo, espelho ou a inversão de papeis) desenvolvidas por Moreno (1986), as quais são correlacionadas às etapas do desenvolvimento humano, desconhecemos algum estudo mais minucioso que, pelo menos, ventile alguma correlação desta natureza. Sucintamente, podemos observar que as técnicas básicas do psicodrama respeitam seu embasamento nas fases do desenvolvimento, as quais Moreno (id.ibidem) nomeia de "matriz de identidade". Vejamos então:

1. No "estágio de identidade total", a relação mãe-bebê-mundo encontra-se indiferenciada. Logo, a técnica embasada nesta fase é o duplo, na qual o psicoterapeuta "dá voz" a algum conteúdo emocional-cognitivo que o paciente-protagonista não consegue traduzir em palavras ou ações corporais. Em outros termos, o psicoterapeuta tenta "intuir" o conjunto afetivo-cognitivo do paciente em um determinado momento e, assim, expressar por ele o conteúdo em questão.

2. Posteriormente a este estágio fusional, a relação mãe-bebê-mundo começa a se diferenciar. Moreno (1986) nomeia esta fase enquanto "estágio do reconhecimento do eu". O bebê dá continuidade ao surpreendente processo de construção de sua identidade, exercitando sua crescente autonomia diante de objetos exteriores, inclusive da mãe. Ao observar sua imagem no espelho, a criança vai se dando conta de suas ações enquanto "atos voluntários", o que a leva a desdobrar em espirais crescentes suas habilidades cognitivo-emocionais e, portanto, seus testes da realidade. O psicoterapeuta, ao espelhar o comportamento lingüístico e corporal do paciente, acaba por oferecer condições para que este obtenha uma "versão" exterior "fiel" de si.

3. Por fim, no "estágio de reconhecimento do outro", a criança já detém, plenamente, a capacidade de simbolização. Ela já possui suficiente senso de identidade para poder assumir o lugar do outro sem se perder. O reconhecimento do outro pode ser exemplificado na corriqueira brincadeira de "casinha", onde uma dupla ou um grupo de crianças exercem papéis sociais dos mais variados como: mãe, pai, filho, irmão, tio, avó etc. A dinamicidade com que os papeis podem ser invertidos entre elas é um fator relevante desta capacidade de reconhecimento do outro e, consequentemente, de se colocar no lugar alheio. A técnica da inversão de papéis oferece possibilidades ao paciente de tomar o papel de outro membro do grupo e vice-versa. Em uma relação bi-pessoal, tal inversão poderá ser exercitada entre o psicoterapeuta e o paciente.

A TC, no entanto, não parece gozar dos mesmos privilégios epistemológicos, ainda que Gonsalves e colaboradores (1988: 89) façam a seguinte sugestão: "é das três técnicas básicas, duplo, espelho e inversão de papeis, que surgem todas as outras já criadas ou por criar, pois qualquer outra técnica contém ao menos um princípio contido em alguma delas". Esta é uma dedução óbvia, já que é exigido do terapeutizando o "manejo" de recursos simbólicos adquiridos em seu desenvolvimento afetivo-cognitivo, ressaltados nas etapas de indiferenciação, reconhecimento do eu e do outro (matriz de identidade). Logo, a capacidade humana de simbolizar complexamente viabiliza a possibilidade do terapeutizando "concretizar" psicodramaticamente objetos animados e inanimados, partes do corpo etc, "retornando" a si logo após a execução da técnica. No entanto esta é, seguramente, uma colocação que não acrescenta muito. Por ser um aporte de perfil generalista, acaba por desconsiderar importantes elementos afetivo-cognitivos contidos nas expressões da TC, os quais parecem estabelecer intrínsecas relações com o que Moreno nomeou de "matriz de identidade".

De acordo o estudo que será apresentado, sugerimos que a TC também está alicerçada "autonomamente", ou seja, emerge primariamente, no decorrer dos desdobramentos do desenvolvimento humano. Logo, tudo indica que há uma arbitrariedade quanto a nomeação de técnicas que são básicas e outras, especificamente a TC, que são meramente advindas ou estão "contidas" nas três técnicas básicas. Proporemos a seguir que a TC é uma técnica tão básica quanto o duplo, o espelho e a inversão de papeis. Até mesmo suspeitamos que é, primeiramente, na aquisição das habilidades sensório-motoras que a criança inicia a consolidação de sua capacidade de concretização e, portanto, na consolidação da matriz de identidade, proposta por Moreno.

De acordo com as concepções básicas do construtivismo piagetiano, os processos cognitivos superiores são produtos de sucessivas transformações de "esquemas de ação" originadas de uma etapa sensório-motora e toda compreensão dos fenômenos que nos cercam, independente da categoria à qual pertençam, envolve um processo ativo de construção cognitiva. Por "processo ativo de construção" consideramos que o sujeito cognoscente deve "agir" em busca desta compreensão. O estágio sensório-motor deve ocupar um lugar privilegiado enquanto embasamento da TC devido a alguns fatores que apresentaremos a seguir:

1. O desenvolvimento afetivo-cognitivo se apresenta, inicialmente, por meios de ações sensório-motoras, já que os recursos simbólicos irão se desenvolver paulatinamente a partir da natureza qualitativa desta exploração sensória e motora. Isto lhe dá um status de "base afetiva-cognitiva" e, conseqüentemente, exercerá a função de alicerce para as futuras etapas que irão se estabelecer neste contínuo processo de transformação de "esquemas de ação".

2. Juntamente com o período de desenvolvimento pré-natal, o estágio sensório-motor é o menos "organizado", tanto cognitivamente quanto afetivamente2. O termo "menos organizado" não deve ser considerado em um sentido pejorativo, já que em um contexto construtivista, a base do desenvolvimento afetivo-cognitivo é intrinsecamente proporcional em importância às futuras etapas que se sucederão. Todavia, neste período inicial do desenvolvimento, o feto-bebê está tecendo as bases estruturais de sua capacidade interativa com mundo.

3. Sendo "menos organizado", possui menos "peso estrutural", logo, é muito mais vulnerável aos estímulos do ambiente, sejam eles quais forem. Pelo termo "peso estrutural", queremos nos referir à densidade das fronteiras do sistema que vão sendo estabelecidas paulatinamente no processo de desenvolvimento. Um sistema estruturado delimita suas fronteiras com o ambiente, possuindo por isso condições de assumir uma distinção em relação ao meio. A criança, ao ingressar na linguagem, possui uma ferramenta de seleção mais eficiente, podendo se defender com maior eficácia da aleatoriedade dos estímulos que a circundam. Em outros termos, possui fronteiras que visam lhe oferecer maiores condições de se proteger do ambiente. A palavra "NÃO", dita aos berros, é menos ambígua do que movimentos corporais ou o choro, que querem dizer a mesma coisa nesta situação, mas que pode não ser o caso em muitas outras situações. Logicamente, a compreensão destas expressões corporais e guturais, que significam analogamente um determinado termo lingüístico, será dependente do grau satisfatório de acoplamento que o bebê estabelece com o "sistema cuidador", seja ele a mãe, o pai, a babá, os avós ou a instituição cuidadora. Podemos dizer que a linguagem falada exige "menos sensibilidade" dos sistemas cuidadores, oferecendo maiores possibilidades de a criança ter seus limites respeitados.

4. Se, por um lado, a aleatoriedade dos estímulos provindos do mundo produz originalidade e "aumento" da complexidade do sistema, por outro lado. também pode se. fonte de "encouraçamento" do organismo, já que se trata de um período de maior permeabilidade. Do período pré-natal ao estágio de aquisição da linguagem simbólica, a criança possui poucas ferramentas para lidar com estímulos agressores.

Também devemos ampliar a compreensão semântica e conceitual do termo "sensório-motor" a partir de seus referenciais teóricos apresentados na teoria piagetiana. Quando nos referimos ao termo "sensório-motor", de acordo com a epistemologia genética piagetiana, estamos evocando conceitualmente um arcabouço teórico específico e que compreende fronteiras epistemológicas bem delimitadas. Todavia, o que podemos dizer deste termo em outros contextos? De que forma podemos ampliar conceitualmente a proposta piagetiana em considerar o estágio sensório-motor não só enquanto uma das etapas de construção da cognição mas, de forma mais ampla, na arregimentação permanente da totalidade de nosso ser? Será que a criança, ao "ultrapassar" esta fase por volta dos dois anos, deixa-a de fato para trás na forma de "organização transcendente" de outros esquemas de ação? Damásio acrescenta que:

"uma fonte de ceticismo vem da noção de que o corpo teve efetivamente relevância na evolução do cérebro, mas que está 'simbolizado' de forma tão profunda na estrutura do cérebro que já não necessita fazer parte do 'circuito'. Concordo que o corpo está bem 'simbolizado' na estrutura cerebral e que esses 'símbolos' podem ser usados 'como se' fossem sinais corporais reais. Mas prefiro pensar que o corpo se mantém no 'circuito' por todos os motivos apontados." (Damásio, 1996: 265)

Neste sentido, proporemos oportunamente algumas reflexões que visam problematizar e ampliar significativamente o termo "sensório-motor" em sua conotação piagetiana.

De acordo com a ampliação conceitual sugerida, acreditamos que lançando mão de recursos sensório-motores na clínica, especificamente a TC, poderemos oferecer ao paciente melhores possibilidades para um processo elaborativo-reconstrutivo realmente "encarnado".

 

A técnica da concretização e sua ancoragem no desenvolvimento humano

De acordo com Piaget (1978: 13), a inteligência sensório-motora é devedora de sistemas reflexos, e se "apóia em hábitos e associações adquiridos para recombiná-los". Piaget (1996) buscou ultrapassar a leitura lamarckiana de hábitos simplesmente adquiridos por pressões ambientais pela proposta epigenética, defendida por Waddington (1957), sendo que o fenótipo consiste no resultado da interação entre genótipo e meio ambiente. Existem estruturas cerebrais que, a priori, estabelecem as condições favoráveis para o processo de construção cognitiva. Apesar de serem estruturas originárias não podemos dizer que sejam fixas e acabadas, mas que permitem o fluir desse processo.

Segundo Piaget (1978), o desenvolvimento mental possui elementos variantes e invariantes. As invariantes funcionais seriam duas: a adaptação e a organização. Quando Piaget se refere à adaptação, enfatiza seu caráter processual, ou seja, atento às possibilidades adaptativas do organismo ao se transformar positivamente e, conseqüentemente, conservando-se ao manter contato com determinado meio-ambiente. Quando totalidades organizadas do organismo x (por exemplo, os comportamentos sensório-motores), estabelecem relações com o meio y, obtendo um resultado b, dizemos então que houve uma relação de assimilação. Se o organismo não se adapta a determinada relação, pode haver uma ruptura do sistema. Ao se obter "sucesso" nesta relação assimilativa do organismo em relação ao meio, poderemos dizer que houve uma acomodação do sistema. Logo, chegamos ao que consideramos um célebre aforismo de Piaget (1978: 16): "adaptação é um equilíbrio entre assimilação e acomodação". Podemos entender metaforicamente este processo através da figura de uma espiral crescente, já que esta forma se define pela característica de retornar ao ponto de partida, mas sempre em "oitavas superiores" e com um alargamento em relação à etapa anterior. Os atos sensório-motores nunca podem ser "puros", já que sempre incorporam esquemas de ações anteriores para ajustá-los a novas situações que a vida apresenta, e a adaptação só será considerada estável quando houver uma harmonia entre assimilação e acomodação

Introduzida a noção de adaptação, devemos nos voltar à função de organização. Segundo Piaget (1978: 18) estes dois processos são inseparáveis e, sobretudo, são complementares. O processo de organização se refere ao aspecto interno do ciclo e, por sua vez, à adaptação ao aspecto externo. A organização sensório-motora se relaciona de uma determinada forma que implica "significações solidárias" e os esquemas se implicam mutuamente de tal forma que é impossível isolá-los. Portanto, chegamos a outro famoso aforisma: "é adaptando-se às coisas que o pensamento se organiza e é organizando-se que estrutura as coisas" (1978: 19).

No intuito de fundamentarmos satisfatoriamente a correlação entre a TC e o estágio sensório motor apresentaremos o seguinte caso/hipótese: De acordo com uma leitura piagetiana, um bebê saudável3 de 10 meses desdobra ações condizentes à IV sub-fase sensório-motora, sendo que ele organiza esquemas secundários e os aplica a situações novas. Ele já adaptou e organizou razoavelmente sua capacidade de acomodação visual aos movimentos rápidos, de preensão interrompida, de reconstituição de um todo invisível a partir de uma fração visível e também da possibilidade de supressão dos obstáculos que impedem a percepção. Ao agir sobre os objetos com a mão, este bebê deve estar apto a utilizar as propriedades das coisas em si, se interessando pelas relações espaciais que unem os objetos percebidos. Ao se dificultar o acesso a um determinado objeto, percebe-se que ele pode remover intencionalmente, dentro de suas possibilidades físicas, o obstáculo que se interpõe e anula a satisfação de sua ação no meio. Mesmo assim devemos notar que, como grande parte dos bebês de sua idade, ainda não tem consciência plena de suas ações, pois não são reguladas por normas interiores.

Quanto à construção do "real" e da noção de objetos permanentes, ele não procura apenas o objeto desaparecido ou ao seu alcance. Procura-o fora do campo de percepção, por detrás de anteparos e, neste sentido, ele começa a estudar o deslocamento dos corpos. Todavia, apenas tais descobertas ainda não marcam o advento definitivo da noção de objeto, pois ainda confere uma espécie de "posição absoluta" a estes, ou seja, ele não consegue levar em consideração os deslocamentos sucessivos, pois acredita que encontrará o objeto sempre em um lugar determinado. Este bebê também descobriu que pode reverter suas operações sensório-motoras, ou seja, ele já é capaz, espontaneamente, de esconder um objeto sob um anteparo e de novo tirá-lo. Esta ação não é de todo objetiva, pois se o objeto é deslocado, ele ainda o procura no primeiro esconderijo. Também vem percebendo que os objetos possuem uma grandeza constante, ou seja, suas dimensões táteis são invariáveis.

Este bebê ainda não pode articular palavras inteligíveis ou nomear os objetos pela linguagem, ainda que possa construir algumas noções do que lhe é agradável ou não. Imaginemos que ao brincar na cozinha, puxou a toalha da mesa derrubando sobre si um bule de café quente. O bebê não sabia que aquele objeto poderia lhe causar tanta dor e, de fato, lhe causou queimaduras sérias, levando-o a uma obrigatória hospitalização4. Na hipótese de sua mãe não estar presente, podemos supor que não foi possível a ele incorporar qualquer tipo de sinal que significasse "proibição". Ele teve que aprender a temer tal objeto através de uma experiência traumática. Ainda que todo o conjunto de ações executadas por este bebê continuou condizente e adequada a suas capacidades sensório-motoras, podemos sugerir algumas modificações em seu comportamento após o incidente. Este bebê poderia apresentar algum tipo de fobia precoce quando entrasse na cozinha. Mas porque hipotetizamos tal comportamento?

De acordo com LeDoux (1998), recebemos informações que são transmitidas ao sistema visual que, por sua vez, são transmitidas ao tálamo visual e ao córtex visual. Quando, por exemplo, olhamos para um bule de café, uma imagem sensorial é criada e mantida em nossa memória de trabalho que, por sua vez, se ativa e se integra às memórias de longo prazo, referentes a todas nossas construções cognitivas e emocionais sobre bules de café. Nossa reação perante a este bule de café que se apresenta à nossa consciência, dependerá, logicamente, deste conjunto histórico contido nestas imagens evocadas, e seria dispensável acrescentar que cada um de nós irá se "aproximar" de bules de café de forma singular. Como acrescenta Damásio (1996: 124), "é improvável que alguma vez venhamos a saber o que é a realidade absoluta, já que as disposições pré-frontais adquiridas e fundamentais para as emoções secundárias são distintas das emoções inatas". Quando nossa memória de longo prazo contém representações traumáticas com bules da café, nosso sistema de auto-preservação é informado sobre uma situação de "perigo" real ou potencial caso nos encontremos diante de tal estímulo. De simples construções cognitivas para alguns, o bule de café quante desencadeia um processo neuro-biológico emocional (memória emocional) para outros, disparando o sistema da amígdala.

Voltando ao exemplo do bebê que sofreu queimaduras, podemos dizer que seu infeliz acidente, evidentemente traumático (mais todos os fatores "secundários" que agravaram ou atenuaram o trauma), foi arquivado em sua ainda pequena memória de longo prazo. Seu sistema de defesa, ainda em formação, poderia disparar sinais de alarme caso estivesse diante de um bule. Segundo LeDoux , devemos considerar que:

"as emoções evoluíram não como sentimentos conscientes, diferenciados lingüisticamente ou algo do gênero, mas como estados cerebrais e reações corporais. Estes são os aspectos fundamentais de uma emoção, e os sentimentos conscientes são o glacê que deu o toque especial ao bolo emocional." (Ledoux, 1998: 275)

Ora, se tivermos um pouco mais de atenção à "simples" vida deste bebê, observaremos que todas as suas ações sensório-motoras, em seus ininterruptos processos de acomodação a novas experiências vão adquirindo, conjuntamente, uma tonalidade matizada pela construção de sua vida emocional. Neste sentido, o mundo se faz presente na qualidade do cuidado afetivo que recebe, na qualidade "material" dos objetos5 e dos reforços que seus genitores lhe oferecem diante destes objetos e de suas ações em geral. Não necessitamos lançar mão de fatos extremos, como o citado acima, para se compreender como se formam as relações entre construção cognitiva e construção emocional. Este processo pode ser muito mais sutil e, amiúde, muito mais traumático. Devemos nos lembrar que pequenas ações, repetidas centenas de vezes, podem se transformar em verdadeiros "elefantes" emocionais. Sendo assim, seria absurdo crermos que bebês executam, simplesmente, ações desincorporadas. De acordo com Varela e colaboradores (2003: 43):

"o que estamos sugerindo é uma mudança na natureza da reflexão de uma atividade desincorporada para uma reflexão incorporada (...) na qual mente e corpo foram unidos."

Ao explorar o mundo pelas vias sensório-motoras, a criança vai organizando uma série de estimulações automáticas responsáveis pelo controle da expressão de variados tipos de reações. Mesmo que, em sua obra, LeDoux (id.ibidem) exemplifique e atribua estas reações ao indivíduo adulto, com toda segurança podemos argumentar que este sistema é construído, passo a passo, de acordo com o desenvolvimento cognitivo-afetivo de cada ser humano. De acordo com LeDoux (1998), estas reações seriam:

"Reações específicas da espécie (luta e fuga, imobilização, expressões faciais), reações do sistema nervoso autônomo (alterações da pressão sanguínea e nos batimentos cardíacos, piloereção, suor) e reações hormonais (liberação de hormônios do estresse, como a adrenalina e os esteróides supra-renais, bem como uma série de peptídeos na corrente sanguínea)." (Ledoux, 1998: 265)

Quando todo este sistema entra em atividade, são criados sinais corporais que retornam ao cérebro e estes feedbacks corporais influenciam o processamento de informações pelo cérebro. Pode-se alegar que diferentes emoções entram em funcionamento com os mesmos elementos bioquímicos. Quanto a isso, ainda que possamos correr para obter alimento e para fugir do perigo, o feedback das reações somáticas e viscerais que retornam ao cérebro irão interagir como diferentes sistemas nesses dois exemplos. O feedback da fuga do perigo encontrará o sistema de busca do alimento inativo, mas o sistema de defesa estará ativado.

Neste sentido, a implicação de todo o aparato somático seria fundamental para se experienciar, de fato, as emoções. Isto porque é somente pela via somato-sensorial que podemos ter experiências que qualificam e quantificam as diversas emoções. Também de acordo com o inverso deste processo, como foi exemplificado na experiência traumática do bebê, seria por esta via somática que se promoveriam sensações, as quais, por sua vez, criariam memórias de emoções a curto e longo prazo.

Em acordo com estas reflexões, Damásio (1996: 113) acrescenta que os organismos vivos encontram-se em constante estado de modificação e "o cérebro e o corpo encontram-se indissociavelmente integrados por circuitos bioquímicos e neurais recíprocos, dirigidos um ao outro". De acordo com este autor, quando se pensa nas vias que interligam este sistema, primeiramente são referidas vias motoras e as vias sensoriais periféricas. Uma outra via é a corrente sanguínea, a qual se encarrega de transportar uma ampla variedade de sinais bioquímicos, neurotransmissores, hormônios e neuromoduladores. Ora, se ainda permanecemos fieis à base piagetiana de que a construção de nosso aparelho cognitivo se faz, inicialmente, pela via sensório-motora, devemos argumentar que os desdobramentos posteriores da cognição serão, não só, frutos destas modificações qualitativas sensório-motoras, mas também deverão estar em consonância com toda a história dos incontáveis registros somato-sensoriais. Também devemos argumentar que a memória é ativada, em grande parte, pela via sensória. Este fator nos alerta sobre importância dos estímulos e técnicas psicoterápicas, no nosso caso a TC, que incidam, de fato, nas vias sensoriais.

Como sugerimos, a criança, antes mesmo de ter estabelecido sua capacidade de evocar imagens e símbolos (por volta de 18 meses) e, conseqüentemente, de linguagem verbal, já articula em sua memória uma complexa rede de informações colhidas sensória e motoramente. A criança deve ter condições de assimilar e ampliar os diversos esquemas de ações, acomodando-os às mais variadas situações que vão se apresentando ao seu redor. Todo o equipamento sensório-motor deve permitir que a criança "cuide" de si mesma, explorando objetos que lhe dão algum tipo de prazer e se afaste, ou seja afastada por genitores cuidadosos, daqueles objetos que podem lhe causar danos cognitivos, físicos e emocionais. Serão nestas sucessivas aproximações sensoriais com o mundo que a criança vai construindo um complexo edifício de valores. É por isso que um ursinho de pelúcia, tão macio, cheiroso e com o qual os pais podem estimular seus filhos, juntamente com sons cálidos ou risadas, expressões faciais alegres, é radicalmente diferente de uma experiência com o bule da café quente. Neste contexto, não nos referimos ainda a mecanismos de construção do mundo mais elaborados, os quais se utilizam da linguagem ou da evocação de imagens mentais previamente interpretadas. Referimos-nos a "sinais" somato-sensoriais básicos, sem conteúdos "representados" mas que, por sua vez, serão os pilares da organização cognitivo-afetiva simbólica ou, como Piaget prefere, dos mecanismos superiores da inteligência, e que estão para se desdobrar no decorrer da vida deste pequeno ser humano.

Em acordo com o que viemos apresentando, nada mais justo do que associar a TC ao conjunto de desdobramentos que vão se apresentando nesse intrincado e complexo processo de aquisição das habilidades sensório-motoras. Mas para que esta analogia ganhe força, devemos sugerir que os desdobramentos sensório-motores sejam permanentemente atualizados enquanto uma condição inerentemente humana. De acordo com Varela e colaboradores (2003: 177), por ação incorporada devem ser considerados dois pontos: "primeiro, que a cognição depende dos tipos de experiência decorrentes de se ter um corpo com várias capacidades sensório-motoras, e segundo, que essas capacidades sensório-motoras individuais estão, elas mesmas, embutidas em um contexto biológico, psicológico e cultural mais abrangente". Humberto Maturana (1998: 39) também parece estar certo de que "toda conduta em um organismo que envolve seu sistema nervoso surge nele como expressão de sua dinâmica de correlações sensomotoras". De certa forma, aqui se justifica o fato de nos preocuparmos em "recortar" a fase sensório-motora das pesquisas de Piaget e, neste sentido, ultrapassar sua contextualização conceitual propondo novos horizontes de sentido. Mesmo assim, não nos esqueçamos que Piaget ressaltou o aspecto construtivista das assimilações, acomodações e adaptações dos esquemas de ação, os quais sofreriam gradativas transformações qualitativas. Segundo o autor, estes esquemas de ação, a princípio sensório-motores, seriam as plataformas de outras construções as quais dariam seguimento aos estágios simbólico-concreto e operatório-formal. Todavia, o que queremos enfatizar neste momento é: a ação sensório-motora é fundamentalmente inseparável da cognição em todo o ciclo vital. Merlau-Ponty foi veemente em argumentar que a experiência do corpo tem na motricidade a sua principal referência.

"a motricidade não é uma serva da consciência, que transporta o corpo ao ponto do espaço que nós previamente representamos (...) A motricidade é a esfera primária em que em primeiro lugar se engendra o sentido de todas as significações no domínio do espaço representado." (Merlau-Ponty, 1971: 193)

Ao adquirirmos a capacidade de manipular símbolos ou de realizarmos as mais prodigiosas abstrações, devemos ter em mente que este "espetáculo humano" está imerso em ações cotidianas, encarnadas em corpos repletos de sensações viscerais, desejos, intenções e emoções. Este espetáculo simbólico só terá "sentido" se for vivido, atuado, encenado. Como Cândido e Piqueira (2002: 679) acrescentam, "para que haja sentido, um sistema de signos não basta; é necessário um corpo, em que o gesto e o afeto estejam intimamente ligados".

A "abordagem atuacionista" preza uma ação incorporada e desconsidera a idéia de que os processos cognitivos "recuperam" imagens fixas e predeterminadas do mundo. Como Varela e colaboradores (2003: 177) acrescenta, "as estruturas cognitivas emergem de padrões sensório-motores recorrentes que possibilitam à ação ser respectivamente orientada". Neste contexto, a localidade das ações, do ser em situação, demarcará os limites de suas construções. Como Merleau-Ponty já havia antecipado:

"a forma do estimulador é criada pelo próprio organismo, por sua maneira própria de se oferecer às ações de fora. Sem dúvida, para poder subsistir, ele precisa encontrar ao seu redor um certo número de agentes físicos e químicos. Mas é o próprio organismo - segundo a natureza adequada de seus receptores, segundo os limiares de seus centros nervosos e segundo os movimentos dos órgãos que escolhe no mundo físico os estímulos aos quais ele será sensível. O meio (Umwelt) se destaca no mundo segundo o ser do organismo, - estando claro que um organismo não pode existir, salvo se ele conseguir encontrar no mundo um ambiente adequado. Seria um teclado que se move a si mesmo, de maneira a oferecer - e segundo ritmos variáveis - esta ou aquela de suas teclas à ação, em si mesma monótona, de um martelo exterior." (Merleau-Ponty, 1975: 38)

Oferecendo suporte neurobiológico a este posicionamento, as áreas do córtex cerebral, associadas com processamentos cognitivos superiores, são mais receptivas que outras partes do cérebro ao crescimento neural relacionado ao enriquecimento ambiental. Em outros termos, ainda que o cérebro possua uma macro-organização, produto de uma complexa evolução filogenética, o córtex cerebral apresentará variações em suas microestruturas, as quais são formadas por experiências intra-uterinas e, de fato, em todo o ciclo vital.

Segundo Maturana (2001), a percepção não é a captação de uma realidade independente do observador, e o fenômeno perceptivo não pode ser distinguido tão prontamente do que se denomina por "ilusório", já que ambos são configurados pela conduta do organismo. Em acordo com estas premissas, os textos ficcionais, à diferença do mundo e ainda quando ambíguos, revelam uma margem considerável de certeza, conduzindo-nos a um paradoxo muito interessante, ou seja, a ficção "desrealiza" o real para criar um "novo" real mais seguro, portanto "mais real", do que aquele que se encontrava no ponto de partida. Ao dedicarmos atenção especial à nossa vida cotidiana, tantas vezes a "ficção" se mostrará mais apta a nos aproximar do que chamamos de real. Imaginemos uma cena psicodramática, na qual os atores e os objetos apenas "representam" situações reais e que, em muitos contextos, são apenas ressonâncias simbólicas distantes de algum drama vivido. Em muitas destas cenas "artificiais", vemos o protagonista se comover profundamente e até mesmo presenciamos uma profundidade afetiva a qual não foi vivenciada na cena real relacionada.

Ao aceitarmos que nossas representações do mundo são construções derivadas de nossos acoplamentos estruturais, seria plenamente coerente considerarmos a seguinte experiência enquanto via explicativa de uma "cognição incorporada": Held e Hein (1963) e Held (1965) tomaram dois grupos de gatinhos e os criaram na escuridão, sendo que a exposição à luz era feita em condições controladas. Um primeiro grupo de animais poderia circular quase que normalmente. Todavia, foi atrelado em cada um deles um pequeno "reboque", sendo que cada gatinho do primeiro grupo rebocava um gatinho do segundo grupo. Os dois grupos experimentavam a mesma experiência visual, mas o segundo grupo, do ponto de vista motor, era totalmente controlado pelo primeiro grupo. Depois de algumas semanas, quando foram expostos à luz em condições regulares e receberam autonomia de movimento, os gatinhos do primeiro grupo comportavam-se com muito mais desenvoltura sensório-perceptiva do que os gatinhos que tinham sido carregados. Estes pareciam "cegos", já que estavam trombando constantemente em objetos, além de não possuírem a firmeza nos membros, como os gatinhos do primeiro grupo possuíam. O que podemos considerar desta experiência, de acordo com os pressupostos de uma teoria cognitiva incorporada, é a idéia de que "ver o mundo" não consiste apenas em extrair traços visuais, mas guiar visualmente uma ação sensório-motora dirigida ao mundo. Não há percepção sem ação no real, sem movimento, sem comportamento efetivo-afetivo que especifique e configure nosso mundo. Sendo assim, cada mundo é, em última instância, um mundo singularmente construído na história cognitiva de acoplamentos estruturais.

Em busca de elementos que sustentem uma observação empírica da comunicação, Johnson (1987: 15) também pontua a importância do corpo para a linguagem ao identificar que "as experiências básicas da orientação espacial humana, oriundas da percepção visual, dão origens a metáforas orientacionais, e que nossas experiências com os objetos físicos constituem as bases para uma variedade extremamente ampla de metáforas ontológicas". Seria neste sentido que quando se usa uma expressão do tipo: hoje estou para "baixo"...estou down, possivelmente haverá consonância com uma postura corporal encurvada, inclinada, pois a retração corporal é típica da fisiologia da angústia, da depressão.

 

A técnica da concretização aplicada à clínica

Como se sabe, as técnicas psicodramáticas, arregimentadas inicialmente por J.L. Moreno (1986), lançam mão de recursos dramático-teatrais no intuito de dinamizar os alicerces psico-sociais (jogos de papéis) que são estabelecidos no processo de desenvolvimento, devendo-se ressaltar que os "papeis psicossomáticos" são os precursores dos papéis sociais e psicodramáticos. Curiosamente, Moreno (1986) também alertava, em outros termos, para a perda da capacidade de auto-regulação decorrente do conjunto de fatores inibidores existentes na família e na sociedade. Neste sentido, "os recursos inatos do homem são a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade" (Gonçalves et,al., 1988: 45). Assim como Wilhelm Reich, Moreno atribuiu ao social os meios que seriam essenciais no processo de enrijecimento destas naturais "disposições" humanas, denominando enquanto "conserva cultural" todos os produtos, sejam materiais ou imateriais, que se mantinham relativamente estáveis, para não dizer estáticos, os quais poderiam se buscar ao bel prazer enquanto uma "categoria tranqüilizadora". Assim como Reich (1979) defendia que os traços de caráter eram manifestações comportamentais promovidas pela cultura e fomentados em grande parte pela moralidade burguesa-cristã, Moreno, por sua vez, alegava que a perda dos recursos inatos de espontaneidade, criatividade e sensibilidade eram decorrentes do excessivo prestígio dos valores cristalizados da cultura.

Como acrescenta Gonçalves e colaboradores (1988: 78), "a dramatização é o método por excelência, segundo Moreno, para o auto-conhecimento, o resgate da espontaneidade e a recuperação de condições para o inter-relacionamento". Ao exercitar os diversos "papéis" que estão à disposição, ou seja, as diversas funções que podem ser naturalmente apropriadas nas relações sociais, o terapeutizando se predispõe a aproximar de suas "zonas de conflito" as quais, até então, poderiam estar encobertas exatamente pela impossibilidade de romper com o círculo vicioso de sua estrutura de caráter. A título de ilustração de como podemos observar a TC enquanto uma técnica básica, apresentaremos o seguinte estudo de caso:

"Regina está em processo psicoterápico há 10 meses. Têm 40 anos, é advogada, divorciada e têm uma filha de 13 anos. É a filha mais velha de uma família de 6 irmãos. Buscou a terapia para se "conhecer melhor" e também para elaborar a morte do parceiro, com o qual viveu 2 anos, ocorrida em um acidente automobilístico. Logo de início, Regina apresentou uma atitude ambivalente diante ao seu tratamento. Mesmo sendo uma pessoa que havia chegado ao cume da vida acadêmica (era doutora em Direito) e também bastante aberta para atividades mais sensíveis e "alternativas" (tocava um instrumento musical, se tratava medicamente pela antroposofia, gostava de acampar), Regina apresentava uma dureza comportamental evidente diante de qualquer comentário que aventasse a possibilidade de alguma "falha" ou "fraqueza" de seu caráter. Certa vez, enquanto Regina relatava um episódio de sua infância, foi observado em suas feições um "mix" de expressões (raiva, nojo, tristeza) que retratava um evidente desagrado diante da lembrança. Quando foi feita uma sugestão de associação entre a "careta" e o relato, no intuito de propiciar maior integração-consciência entre a mímica facial e sua emoção subjacente, o terapeuta recebeu a seguinte reposta:"

"Regina: não estou percebendo nada...também se estiver fazendo uma careta, qual o problema? Muita gente deve fazer caretas!! Não vejo mal algum nisso!!"

"No decorrer de seu processo psicoterápico, ficou bastante evidente que este comportamento reativo era proveniente, em parte, de uma imposição dos pais para que ela assumisse responsabilidades de cuidado e indulgência perante as necessidades dos irmãos mais jovens. No decorrer das sessões, Regina se deu conta que eram responsabilidades "descabidas" e, acima de tudo, que não deveriam ser-lhe atribuídas. Aos poucos, foi percebendo que estas exigências de "perfeição", abnegação e indulgência perante aos desejos dos mais novos também acabaram por levá-la a um enrijecimento crônico de caráter. Neste sentido, a mágoa e a raiva pelos pais deveriam ser em grande parte "sublimadas" para se evitar o estigma de ser rotulada como uma irmã "má" e filha "irresponsável". Também expressava uma considerável raiva, em grande parte velada, pela figura masculina. Dizia que seu pai sempre protegia os irmãos, até mesmo sustentando alguns deles até os dias de hoje. Esta relação com as figuras masculinas parece ter contribuído para matizar um "ar de desesperança" com os homens em geral e, veladamente, com uma atitude de considerável reserva para com o terapeuta. Também relatou severas desarticulações afetivas com a mãe desde criança, alegando que esta era extremamente impaciente com suas queixas e até mesmo "brutal" quando tinha que repreendê-la. Certa vez, relatou que sua mãe lhe enfiou debaixo do chuveiro frio com roupa e tudo por não querer usar tal roupa. Em termos gerais, falou de uma distância sensório-afetiva considerável de seus pais, e que teve que se "bastar" afetivamente desde muito cedo (a paciente se acarinha nos cabelos com certa freqüência durante a sessão, principalmente quando relata algum conteúdo que esteja associado com sua vida emocional). O que chamava a atenção no relato de Regina é a constante ausência de emoção ao relatar episódios visivelmente duros e tristes (visão do terapeuta). Algo corriqueiro observado no decorrer destes relatos eram algumas feições recorrentes na boca de Regina. Estas feições pareciam retratar algum tipo correlação subjetiva com toda sua história. Por ser uma paciente extremamente defensiva e reativa ao serem marcados seus traços de caráter, adotou-se uma estratégia de aproximação mais branda, periférica, aprofundando nas relações funcionais de suas expressões psicossomáticas na medida em que se estabelecia uma aliança de trabalho mais sólida e positiva. Após algumas sessões de Acting6 da concha, demos continuidade com o Acting da boca aberta olhando para um ponto fixo. Como foi observado, a boca parecia ser um excelente ponto de "entrada" para explorar suas memórias traumáticas. Depois de um razoável número de sessões onde foram trabalhadas/contornadas/elaboradas algumas resistências7 mais severas em exercitar este Acting, começaram a surgir um rico material que poderia lhe propiciar uma melhor compreensão de sua história emocional. Em uma destas sessões, depois de ficar com a boca aberta durante 15 min e olhando um ponto fixo no teto, Regina relatou que sentia uma sensação esquisita na "boca do estômago"8, protegendo esta região durante todo o exercício mantendo as mãos cruzadas sob esta área. Sugeri então que fizesse uma "viagem interna" (psicodrama interno), percorrendo seu "mundo interior" como se fosse uma "exploradora", munida de uma lanterna imaginária e o que mais fosse preciso para fazer esta incursão. Sugeri que desse "vida" a esta jornada, deixando a mente livre para criar imagens espontâneas. Fez o seguinte relato (resumido):"

"Regina: estou descendo pelo esôfago. Está muito escuro e escorregadio. Tenho a sensação de que esta região é muito apertada9. Estou chegando no estômago. Aqui, tudo é mais claro e molhado. Sinto-me melhor aqui. Vou continuar descendo até o útero. Bem, aqui no útero já é mais escuro. As paredes são bem vermelhas e macias. Há um lago aqui, um lago escuro e fundo, como se a água fosse uma espécie de óleo. Ponho a mão no óleo e sinto algo viscoso. Bem, é isso...quero voltar."

"Ao retornar de sua "viagem interna", começamos a desdobrar os simbolismos de seu "mundo orgânico". Logo, chegamos à imagem do "lago de óleo" no útero. Daí surgiram associações com sua gravidez, com os problemas alimentares e bucais vividos pela filha e com a morte de seu marido (o marido morreu em um acidente de automóvel, o que também poderia sugerir a imagem do óleo)."

"Parece que a partir da vivência propiciada pelo 'psicodrama interno', algumas imagens e emoções mais primitivas foram mobilizadas e que pareceram reverberar para outras sessões. Em sessão seqüente, relatou um sonho com o pai. Eles estavam em um restaurante, mas que a comida havia acabado. Todavia, o pai tinha conseguido fazer um belo prato de salada. Pediu-lhe que dividissem a salada, mas o pai se negou veementemente a dividir sua comida. Relatou que acordou chorando, ansiosa e com raiva do pai. Em uma de suas últimas sessões, sugeri novamente que exercitasse o Acting da boca aberta fixando um ponto no teto. Após 15 minutos, encerramos o exercício e passamos a buscar as emoções, sensações, lembranças e associações que poderiam estar relacionadas. Regina disse que a partir de um determinado momento, sentiu que sua boca se expandia, como se o corpo todo virasse uma grande boca (curiosamente, o tema da "grande boca" parece voltar por outra via), como se ela fosse uma "cumbuca". Sugeri então que ela "fosse" a cumbuca (TC) e que, ao assumir este personagem, nós conversaríamos um pouco. Já no "lugar" da cumbuca, assumindo um posição corporal condizente (Regina coloca as mãos e as pernas em semi-círculo, se aproximando ao máximo da forma de um objeto que contém "coisas"), iniciamos o seguinte diálogo (resumido):"

"Terapeuta: Olá cumbuca, como vai você? Gostaria de conhecê-la melhor! Quem é você? O que você faz da vida?"

"Regina: eu sou uma cumbuca e contenho muitas coisas dentro de mim."

"Terapeuta: hamm....então quer dizer que nada sai de você!"

"Regina: é...tudo fica girando, girando, girando.....dentro de mim nasce um rio (o tema da água-óleo novamente), um rio que fica girando sem transbordar."

"Terapeuta: Então quer dizer que você não é como seus parentes? Eu conheço algumas cumbucas que permitem que algumas colheres peguem um pouco de seus conteúdos!!"

"Regina: É....mas eu não!!"

"Ao voltar da concretização, Regina falou um pouco de sua vida afetiva, e de como ela é auto-suficiente. Neste momento, Regina volta a acariciar os cabelos, mas logo se dá conta desta ação e fica um pouco defensiva. Conversamos um pouco sobre esta ação, associando com sua vida afetiva. Enfim, parece evidente uma evolução de seu processo."

Como parecem demonstrar, os recursos técnicos oferecidos pelo psicodrama podem auxiliar consistentemente na exploração dos Actings e vice-versa. Realidade e fantasia se relacionam funcionalmente, sendo constitutivas de uma esfera mais ampla, que envolve pessoas, objetos e situações culturais e cotidianas. Logo, a TC oferece ao terapeutizando um recurso técnico para que seja vivenciada suas "realidades suplementares"10. Ao se exercitar a linguagem e o discurso do analisando pelas via dramática enquanto um realismo experiencial (Johnson, 1987), retratado nas miríades de uma semântica cognitiva psicodramática, nos aproximamos de uma radicalidade vivencial da própria experiência lingüística. Como acrescenta Marmaridou:

"Um dos princípios básicos do realismo experiencial e da lingüística cognitiva é que a língua não é representação de uma realidade objetivamente existente, mas da realidade como é percebida e experienciada pelos seres humanos. Vista desta perspectiva internalista de realidade, a significação lingüística é corporificada; ela emerge de nossas capacidades biológicas e de nossas experiências físicas e sócio-culturais como seres atuando em nosso meio-ambiente." (Marmaridou, 2000: 4)

Ora, o ato psicodramático retratado na TC parece se constituir enquanto uma "radicalização", logo, vivência, do que autores como Lakoff e Johnson (2002) nomeiam enquanto um "realismo experiencial". Nessa linha, a metaforização é o modo constitutivo da representação simbólica do mundo já que, como figura de linguagem, transfere as representações de uma esfera de significação para outra. Nos dizeres de Pêcheux, a metáfora estaria na base da significação das coisas - de uma palavra por outra:

"os sentidos só existem nas relações de metáfora dos quais certa formação discursiva vem a ser o lugar mais ou menos provisório: as palavras, expressões, proposições recebem seus sentidos das formações discursivas nas quais se inscrevem. A formação discursiva se constitui na relação com o interdiscurso (a memória do dizer), representando no dizer as formações ideológicas. Ou seja, o lugar do sentido, lugar da metáfora, é função da interpretação, espaço da ideologia." (Pêcheux, 1999: 21)

A essência da metáfora consiste, então, em compreender e experienciar um tipo de coisa em termos de outra, aproximando conceitos de espécies distintas. Por sua vez, as "metáforas vivenciadas" oferecem ao paciente o substrato corporal, podendo iluminar e tornar mais coerentes certos aspectos de vida afetivo-cognitiva. Logo, Regina, ao vivenciar-concretizar a "metáfora da cumbuca", aproximou-se vividamente dos conteúdos simbólicos e emocionais promulgados por este objeto da vida cotidiana. Mesmo assim podemos esperar que a "vivência da cumbuca" guarde outras possíveis transposições representacionais que poderão levá-la a outras significações de sua vida afetiva e cognitiva. Como um autêntico produto simbólico, a "cumbuca" de Regina enovela-se em outras construções afetivo-cognitivas que, oportunamente, poderão vir à consciência. Como propôs Whitehead (1959), os símbolos enquanto metáforas ou analogias "aguardam" alguma qualidade da realidade a qual, por sua vez, possa ser engrandecida no processo de simbolização. No psicodrama, há sempre um corpo que se mostra enquanto signo e que se constitui por significantes. Por fim, "o valor que têm a realidade e a fantasia no psicodrama dependem da quantidade de realidade que pode ser dada à fantasia e da quantidade de fantasia que pode ser emprestada à realidade no palco psicodramático" (Soliani, 1998: 58).

 

Conclusão

Após esta breve reflexão, suspeitamos que os leitores se "aproximarão" da TC de forma mais consistente e, sobretudo, aceitando sua inserção no grupo de técnicas cuja coerência é oriunda do processo de desenvolvimento, já que a mesma emerge de vivências humanas primordiais, ou seja, sensório-motoras. Sua importância também se avoluma, decisivamente, ao se aceitar que a etapa sensório-motora piagetiana pode ser revitalizada com as teses contemporâneas que propõem que qualquer processo cognitivo, para ser pleno, deve estar encarnado nas miríades sensórias e motoras que permeiam as ações do homo simbolicus. Este breve estudo também visa contribuir com a consolidação de uma visão transdisciplinar da clínica psicológica, já que a mesma, também estruturada por escolas que se isolam em uma impermeabilidade epistemo-ontológica, acabam por não tecer uma compreensão à altura da complexidade dos fatores que constituem o homem contemporâneo. Em outros termos, compreender o humano enquanto uma "unidade psicossômica", inserida em diversos contextos culturais e sociais, requer um diálogo que permita distinções, separações e oposições disciplinares sem, no entanto, descartar a complexidade que permeia os diversos campos do conhecimento.

 

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Notas

E.M. Guerra
E-mail para correspondência: estavaom@powerline.com.br.

(1) Uma "unidade psicossômica" englobaria, em sua totalidade, processos integrados de transações entre diversos sistemas: somático, psíquico, social e cultural. Indo mais além, Castiel (1994: 61) alega que "não poderíamos nem mesmo nos referir à doenças psicossomáticas, sugerindo que incorreríamos em formulação tautológica, já que somos constituídos psicossomicamente".

(2) Pelo termo "organização" reflitamos sobre a seguinte imagem: uma xícara de café que cai e se quebra evidencia a passagem de um estado de maior ordem para a desordem. Todavia, nunca foi observado o contrário, ou seja, a xícara se recompondo, o que constituiria uma evolução de um estado de maior desordem para uma maior ordem. Em "sistemas abertos", como as organizações humanas, partimos contrariamente de estados de maior desordem afetiva-cognitiva.

(3) Pelo termo "saudável" queremos dizer que este hipotético bebê não nasceu com seqüelas congênitas ou desenvolveu, até o momento, enfermidades herdadas.

(4) Devemos argumentar sobre a complexidade de fatores que podem envolver uma situação traumática. A situação central, ou seja, o acidente com a água, pode estar rodeada por agravantes ou atenuantes. Citemos alguns: O bebê foi socorrido logo após o acidente ou ficou chorando sozinho, por muito tempo, até alguém lhe socorrer? Quem lhe socorreu foi alguém próximo? Ficou muito tempo no hospital? Ficou sozinho no hospital? Teve carinho e atenção dos pais? Etc.

(5) Os objetos são estes?: duro, quente, mole, frio, cortante, macio, áspero, pesado, leve, tem brilho, pisca, é de quebrar, é de montar, é de comer, se é de comer, é doce, é salgado, é azedo, deu dor de barriga, etc, etc, etc.

(6) Frederico Navarro (1996) contribuiu com aportes valorosos que enriqueceram substancialmente a obra reichiana, especificamente aquela relativa ao período vegetoterápico. Uma de suas mais importantes contribuições refere-se ao método sistemático de intervenções corporais, em acordo com os sete segmentos, denominados actings. Esta técnica consiste em propor ao analisando determinados exercícios corporais, e que seriam intencionalmente organizados segundo o desenvolvimento afetivo-cognitivo. O trabalho com os actings possui a intenção básica de "fazer vibrar" o segmento em questão e, neste sentido, desencadear alguma manifestação emocional, assim como seus correlatos neurovegetativos. Cada segmento possui, funcionalmente, um "leque" de actings, os quais devem ser aplicados conscienciosamente, em silêncio, respeitando um tempo determinado o qual vai sendo progressivamente aumentado e de acordo com um encadeamento que deve respeitar um sentido céfalo-caudal, ou seja, começa-se com actings do primeiro segmento e, paulatinamente e de acordo com o sucesso do desbloqueio do segmento em questão, passa-se ao próximo

(7) Este foi e está sendo um Acting bastante explorado por Regina, já que a quantidade de emoções, lembranças e associações são extremamente significativas. Observam-se várias manifestações somáticas que parecem ser desencadeadas por ele. O reflexo do bocejo surgiu com bastante freqüência, assim como a necessidade de ficar mexendo com a boca de alguma forma enquanto o exercitava. Estas manifestações pareciam retratar uma considerável resistência em aprofundar nas emoções que poderiam ser suscitadas por este Acting, já que o bocejo e o movimento lhe tiravam a atenção dos conteúdos afetivos-cognitivos que poderiam estar à espreita. Prova disto é que depois de várias execuções e sendo marcadas com cautela e cuidado estas expressões resistenciais, Regina pode aprofundar um pouco mais nos conteúdos emocionais, como veremos a seguir.

(8) É importante ressaltar que alguns autores, dentre eles Navarro (1996) e Hortelano (1997), chamam a região do plexo solar como a "grande boca". Segundo estes autores, esta região possui intrínseca correlação com a fase uterina e que sensações provindas desta região podem estar reportando ao tipo de vivência desta etapa do desenvolvimento.

(9) Regina sempre demonstrou uma severa dificuldade em chorar. Certa vez ela comentou que o choro ficava retido em um "nó na garganta".

(10) Moreno (1986) considera enquanto "realidade suplementar" aqueles papéis que não são desempenhados em função da censura das "conservas culturais", por serem fantasmáticos, mitológicos, sonhados, alucinados, dentre outros.