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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.14 no.1 Rio de Janeiro Mar. 2009

 

REVISÃO

 

Acerca dos possíveis compromissos entre as obras de Gaston Bachelard e de Jean Piaget

 

On the relationship between Gaston Bachelard's and Jean Piaget's works

 

 

Marcelo Leandro Eichler

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

 

 


RESUMO

A interlocução entre autores, ou entre suas obras, é uma das práticas da filosofia. Neste artigo, a partir de um relato de um colóquio internacional sobre as obras de Gaston Bachelard e de Jean Piaget, faz-se uma revisão da literatura que visa a indicar possíveis comparações entre suas interpretações epistemológicas e seus mútuos entendimentos sobre a educação em ciências.

Palavras-chave: didática das ciências; epistemologia genética; filosofia das ciências.


ABSTRACT

The dialogue between authors - or between their works - is a common practice in philosophy. Based on an International Colloquium on Gaston Bachelard's and Jean Piaget's works, this study provides a literature review and aims to compare possible parallels between epistemological interpretations and understanding of science education in the works of these authors.

Keywords: science education; genetic epistemology; philosophy of science.


 

 

Introdução

"A verdade é filha da discussão e não filha da
simpatia" (Bachelard, 1991: 125)

 

As obras filosóficas e literárias são sujeitas às múltiplas interpretações, por isso suas análises críticas são constantes e as discussões, muitas vezes, acaloradas. Neste artigo, faz-se um relato de um colóquio internacional, realizado em Lyon, na França, em maio de 2006, sobre as obras de Gaston Bachelard, Ferdinand Gonseth e Jean Piaget1. Participaram do colóquio cerca de cinqüenta pesquisadores e acadêmicos do Brasil, E.U.A., França, Grã-Bretanha, Itália, Portugal, Romênia e Suíça. Os debates se estenderam por três dias e, aqui, quer-se compor um texto que reproduza as principais exposições do colóquio, acrescidas de uma revisão bibliográfica.

No colóquio, a maior parte dos palestrantes falou sobre Bachelard ou sobre Piaget, poucos fizeram uma aproximação entre os autores e apenas um pesquisador dissertou sobre Gonseth. Por isso, e também pela maior difusão das obras desses pensadores, neste artigo serão abordadas as aproximações possíveis entre as obras de Bachelard e de Piaget.

Inicialmente, é interessante observar que, na idéia geral desse evento, pretendia-se fazer uma discussão sobre o imaginário racional e a educação aberta, partindo de questionamentos sobre as interpretações cerebrais para a aquisição do conhecimento. Vejamos as seguintes linhas do documento de convite à participação do evento:

"Em sua obra A Filosofia do Não, Bachelard defende a seguinte tese: 'A criança nasce com um cérebro inacabado e não com um cérebro inocupado, como o antigo postulado pedagógico afirmava'. Convém, então, renunciar a todo método de educação coercitivo (instrução). 'Deve-se entender o cérebro da criança como um organismo aberto, como um organismo de funções mentais abertas'. Ou, levando-se em conta os trabalhos e as reflexões realizadas por Gonseth e Piaget, vê-se que eles se associam, sem reserva, aos pensamentos formulados por Bachelard sobre a educação." (tradução do autor)

Sobre essa circunscrição temática e em relação à citação de Bachelard pode ser interessante ampliar o que consta no convite aos participantes. No livro A Filosofia do Não, encontra-se o que o autor supunha o que realizaria e causaria o acabamento das estruturas e funções cerebrais:

"(...) do ponto de vista estritamente neurológico, Korzybsky [Alfred; Science and sanity: an introduction to non-aristotelian systems and general semantics, 1933] considera a criança como um domínio especial. A criança nasce com um cérebro inacabado e não, como afirmava o postulado da antiga pedagogia, com um cérebro inocupado. A sociedade acaba na verdade o cérebro da criança; acaba-o através da linguagem, através da instrução, através da educação. Pode acabá-lo de diversas maneiras. Em particular - e é nisto que consiste a educação não-aristotélica proposta por Korzybsky - dever-se-ia acabar o cérebro da criança como um organismo aberto, como o organismo das funções psíquicas abertas." (grifos do autor; Bachelard, 1940/1991: 119-120)

É importante salientar que Bachelard traz essa citação à tona, pois:

"(...) as condições psicológicas e até fisiológicas de uma lógica não-aristotélica foram resolutamente encaradas no importante trabalho do conde Alfred Korzybsky2. (...) Esta obra de quase 800 páginas é o prelúdio de uma enciclopédia cujo plano encara a reforma, no sentido não-aristotélico, de várias ciências." (Bachelard, 1940/1991: 118)

Sobre as influências biológicas, fisiológicas e neurológicas de Piaget, como procurei mostrar em outro lugar (Eichler, 2006), é útil destacar que o modelo por ele elaborado foi tributário tanto da epigênese e da assimilação genética de Conrad Hal Waddington (1905- 1975), quanto da teoria de sistemas hierárquicos de Paul Alfred Weiss (1898 - 1989) e de Ludwig von Bertalanffy (1901-1972). Porém, como seria de se esperar, tanto os suportes teóricos de Piaget como os de Bachelard estão defasados sobre o assunto, sendo necessário atualizar esse debate, como proponho em Eichler e Fagundes (2005).

O tema das neurociências, ou a relação entre conhecimento e cérebro, não foi um assunto reiterado durante o colóquio, como poderia se esperar pelo convite aos participantes. Os principais assuntos abordados foram a enunciação das epistemologias dos pensadores e suas relações com os temas racionalidade, imaginação e educação aberta. Nas próximas secções deste artigo são particularizados alguns dos principais momentos do colóquio, que são descritos a partir das minhas anotações realizadas durante a audiência deste colóquio. O texto, a seguir, altera momentos de relato do evento com uma revisão da literatura acerca dos principais temas debatidos.

 

Educação aberta

No colóquio, a expressão educação aberta foi utilizada por diversos debatedores. Por exemplo, Maryvonne Perrot, diretora do Centro Gaston Bachelard, na Universidade da Borgonha, em Dijon, na França, ressaltou que alguns entendimentos acerca da pedagogia aberta de Bachelard podem ser encontrados em A Filosofia do Não. Nesse sentido, ela chama a atenção da necessidade de se evitar a educação mutilante, tradicional e diretiva, que representa uma transmissão cultural negativa, apoiada, entre outros, sobre o complexo de superioridade do professor. Na mesma direção, Teresa Castelão-Lawless, do Departamento de Filosofia da Grand Valley State University, no Michigan (E.U.A.), indica que haveria uma relação entre as concepções sobre educação de Bachelard e as proposições pedagógicas escolanovistas de Maria Montessori (1872-1952).

Uma das principais aproximações realizadas entre as obras de diferentes pensadores foi feita por Frédéric Worms, filósofo da Universidade de Lille 3, em Villeneuve-d'Ascq, na França, que defendeu que "existe uma relação profunda entre Bachelard e Bergson3". Segundo Worms, para esses autores a idéia de educação aberta deriva da própria ação humana, embora essa idéia seja contraditória para eles e difícil de ser definida. Nesse sentido, indicou que a partir dessas duas doutrinas existem soluções diferentes para as questões da filosofia aplicada à educação aberta. As diferenças são não só práticas, mas políticas; não só metodológicas, mas teóricas. As soluções propostas por esses autores para o problema: em Bergson, a filosofia literária e artística; em Bachelard, a educação científica e democrática.

A discussão sobre a idéia de educação aberta, conforme Worms, relaciona-se com a distensão que existe entre o fechado e o aberto. Assim, utilizando um termo caro a Bachelard, pode-se dizer que há uma ruptura quando uma educação passasse de uma forma fechada para uma forma aberta. Worms propõe uma instigante questão: "por que o fechamento nos aparece como inimigo?". Em uma parte de sua resposta, indica que "a gravidade da distensão é acompanhada da dificuldade de sua realização". Nesse sentido, sugere que a abertura é por si mesma uma característica da racionalidade científica e que o problema da transmissão da abertura é o problema da educação. Além do mais, a passagem da educação fechada para a educação aberta não é um processo individual, mas histórico e social. Worms encerra sua fala lembrando do trabalho de Popper4, sobre A Sociedade Aberta e seus Inimigos (Popper, 1987). Essa seria uma sociedade tolerante e pacífica, em contraposição a uma sociedade fechada, como atualmente se manifesta em diversos lugares.

Como pode se depreender dessas declarações a expressão 'educação aberta' é associada a diferentes autores, sob diversos significados. Nesse sentido, pode ser útil buscar outro entendimento, segundo a tradição pedagógica. Conforme Hein (1975), a educação aberta representa um conjunto de idéias que possui uma longa história que permanece amplamente inexplorada. Em uma primeira aproximação, à época em que escreveu o artigo, esse autor apontou seus atuais fundamentos na psicologia do desenvolvimento de Piaget. Assim, conforme descrito em detalhes pelos colaboradores de Piaget, pode-se considerá-la uma abordagem centrada no indivíduo, que defende a participação ativa dos sujeitos em sua própria aprendizagem, através da interação com os materiais, em um proposta de integração curricular.

Desde outro ponto de vista, segundo Traub e colaboradores (1972), a educação aberta é uma estratégia para influenciar o desenvolvimento cognitivo, volitivo e afetivo das crianças. Assim, pode-se inferir que a educação aberta deve fornecer às crianças diversas oportunidades para:

i) explorar seu ambiente escolar;
ii) tomar decisões sobre sua própria aprendizagem;
iii) trabalhar em seu próprio ritmo conforme seu estilo pessoal;
iv) aprender através de experiências concretas antes de fazer generalizações abstratas;
v) cometer erros sem medo ou censura;
vi) ser ajudado a aprender com os seus colegas.

Nesse sentido, segundo esses autores, a experiência de Summerhill5 é, talvez, o melhor exemplo dessa abordagem.

Conforme esses autores, algumas premissas são emblemáticas na abordagem da educação aberta:

i) as crianças são curiosas inatas;
ii) as crianças explorarão seu ambiente quando ele não for ameaçador;
iii) as crianças tem a competência e o direito de tomar decisões significativas em relação a sua própria aprendizagem;
iv) as crianças que aprenderam alguma coisa que julgam importante desejam partilhar isso com os outros;
v) as crianças se desenvolvem intelectualmente ao seu próprio ritmo e em seu próprio estilo;
vi) o desenvolvimento intelectual ocorre melhor em uma seqüência de experiências concretas seguidas por abstrações verbais;
vii) os erros são uma parte essencial da aprendizagem;
viii) a aprendizagem das crianças é melhor avaliada através de observações concluídas sobre um longo período de tempo.

Porém, é preciso fazer uma ressalva. Como Hein (1975) sugeriu, "não existem idéias novas; o que é novo sobre a educação aberta é a combinação de um conjunto de opiniões, a defesa de uma filosofia abrangente e um ponto de vista". Portanto, essa abordagem envolve a combinação de uma teoria de aprendizagem, uma teoria do conhecimento (poder-se-ia dizer, epistemologia) e, acima de tudo, uma teoria social consistente com tais pontos de vista, o que tornava, à época, a educação aberta uma proposta amplamente debatida para implementação.

Atualmente, há novidades. São novos os suportes tecnológicos, através da informática, e conceituais, a partir das neurociências. Nesse sentido, é importante trazer uma citação como advertência ao entendimento contemporâneo da educação aberta. Em um documento da UNESCO, Perraton e Creed (2000) definem a educação aberta como uma atividade educativa organizada, que se apóia sobre as matérias de ensino, permitindo reduzir as dificuldades impostas ao estudo, tais como: acessibilidade, tempo e lugar, ritmos e métodos pedagógicos, ou todas as combinações desses fatores. Assim, parece que a tecnologia traz novas oportunidades e a educação aberta é bem-vinda. Porém, nesse mesmo documento, chega-se a entender que a educação aberta, e à distância, teria duas grandes finalidades: substituir a educação realizada nos estabelecimentos escolares no que diz respeito (i) ao final do ensino fundamental6 e (ii) à formação de professores7, momentos em que se iniciam ou ampliam a utilização de tecnologias informáticas.

Feitos esses comentários, encontrados na literatura, voltemos às declarações feitas no colóquio. Vejamos como o entendimento de educação aberta, encontrado em documentos oficiais da UNESCO (Perraton e Creed, 2000), está longe do entendimento acadêmico dos participantes do colóquio. Por exemplo, Eric Emery, presidente da Associação dos Amigos do Centro Ferdinand Gonseth, em Grandvaux, na Suíça, postulou que, como o termo sugere, a educação aberta é oposta ao que se poderia chamar de educação fechada, que representaria a educação dita tradicional, a "educação bancária" cunhada por Paulo Freire. É claro que Paulo Freire não concordaria com a idéia de educação aberta do citado documento da UNESCO, embora pudesse aceitar os significados apresentados no colóquio.

Algumas das discussões acerca da educação aberta foram particularizadas ou exemplificadas em relação ao próprio fazer científico. Na exposição de Marly Bulcão8, professora de filosofia da UERJ, foi ressaltada a pluralidade e a mobilidade do racionalismo bachelardiano, o que seria uma vantagem em relação a outras abordagens filosóficas. Por exemplo, "Bachelard vai dizer que os sistemas filosóficos fechados são incapazes de explicar a variabilidade da ciência" (Bulcão, 1999: 18).

Nesse sentido, conforme a fala de Castelão-Lawless, as noções de cientificidade influenciam as concepções sobre a educação das ciências, cuja importância é compreendida uma vez que "uma má educação em ciências resulta em uma educação incompleta". Porém, não nega a existência da dificuldade dos alunos em compreender a ciência moderna, sugerindo que isso é culpa da tradição escolar, onde não há uma ciência bem socializada, mas sim bem imobilizada. É justamente essa escola imobilizada aquela que não atinge os alunos. Portanto, Castelão-Lawless defendeu uma escola aberta que, entre outras funções, poderia, também, servir de local para a popularização das ciências.

A exposição de Castelão-Lawless sobre a educação em ciências suscitou diversos apartes dos participantes do colóquio. Por exemplo, o teólogo suíço Pierre-Marie Pouget fez uma crítica ao movimento CTS9, sugerindo que "o ensino de ciências, na escola, cada vez mais tem se aproximado de um aspecto utilitário, visando ao uso imediato do conhecimento". Porém, embora concordando parcialmente com essa idéia, Thomas Kesselring, filósofo e professor da Universidade de Berna, Suíça, ressaltou que o sistema CTS na educação em ciências apresenta importantes relações com a motivação para a aprendizagem. Ainda em relação a esse debate, Julien Lamy, doutorando em filosofia da Université Jean Moulin -Lyon 3, concordou com esses depoimentos, pontuando que "a pedagogia atual está demasiada voltada à aquisição de técnicas e de competências", defendo que para Bachelard "a pedagogia seria outra, mais baseada no fazer científico".

Em relação aos debates sobre a cientificidade, cabe lembrar que Lecourt (2002) postula que a própria epistemologia de Bachelard deve ser considerada como uma filosofia "aberta". Lecourt indica que ela será aberta a tal ponto que, se a evolução da conjuntura científica o exigir, pode-se conceber, no sentido bachelardiano do termo, uma epistemologia não-bachelardiana. Nas próximas secções apresento um breve resumo das compreensões de Bachelard e de Piaget acerca da epistemologia.

 

Sobre a epistemologia de Bachelard

Antes que se abordem as declarações reunidas do colóquio, é pertinente apresentar algumas definições sobre a epistemologia de Bachelard encontradas na literatura. Inicialmente, é oportuno indicar que "a arquitetura do texto de Bachelard é complexa" (Lecourt, 2002: 14). Isso sugere, por exemplo, a multiplicidade de interpretações que podem ser encontradas na literatura secundária sobre sua obra.

Segundo Laberge (2003), Bachelard continua sendo um dos filósofos franceses mais traduzidos e o seu pensamento e os seus livros atravessam as disciplinas, as épocas e as nações, porém segundo percursos muito diferentes, em razão de sua produção abundante e variada. Nesse sentido, conforme esse autor, em certos países, como em Portugal, na Itália e nos países árabes, foram privilegiados os textos filosóficos e epistemológicos de Bachelard, enquanto em outros lugares foram os livros sobre o imaginário e a poética dos elementos (fogo, água, ar e terra) que inspiraram os textos de interpretação e de extensão de sua obra.

Dessa forma, conforme Bulcão (1999), a riqueza e a complexidade da obra de Bachelard favorecem a existência de inúmeras interpretações de sua obra, que convergem, porém, para o reconhecimento de sua importância no contexto da cultura atual. Portanto:

"as categorias bachelardianas estão presentes em quase todos os debates teóricos que acontecem nas mais distintas áreas de saber. Acolhidas, contestadas ou discutidas marcam presença nas ciências físico-químicas, na psicologia, na pedagogia, na história, na crítica literária e até mesmo na ética." (Bulcão, 1999: 147)

As múltiplas interpretações anunciadas na literatura fizeram parte das tensões presentes no colóquio. Nesse sentido, a apresentação de Paolo Montanna, professor da Universidade de Milão, na Itália, é exemplar. Montanna disse que Michel Fabre (1995) propôs uma articulação entre o Bachelard epistemólogo e o Bachelard poético, observando dois períodos em seu pensamento e uma evolução entre eles. No primeiro Bachelard, o racionalismo domina sua obra. No segundo Bachelard, é a poesia que domina, e isso foi feito para compreender e exercer o saber transdisciplinar.

Nesse sentido, Montanna sugeriu que é necessário recuperar a dupla leitura de Bachelard: a científica e a imaginativa simbólica. Além do mais, conforme recordou, Fabre (1995) disse que "se deve aprender para compreender Bachelard". Nessa interpretação - que eu considero francesa e ortodoxa - uma vez que sua obra é considerada hermética, o aprendizado dela necessita da orientação de especialistas - entendo que está subjacente que tal orientação seria aquela dos filósofos franceses que estudam o imaginário bachelardiano.

Utilizando uma noção muito cara à Bachelard, a partir da exposição de Montanna pode se depreender a seguinte pergunta: a falta de conhecimento aprendido (ou ensinado) poderia ser um obstáculo epistemológico para a compreensão da obra de Bachelard?

Porém, é preciso salientar, conforme Bulcão (1999), que a noção bachelardiana de obstáculo epistemológico "apesar da enorme importância que tem para o pensamento de Bachelard, se apresenta como uma noção bastante ambígua, dando margem às mais diversas e até mesmo contrárias interpretações" (Bulcão, 1999: 33). Entende-se por obstáculo epistemológico as perturbações que se incrustam no próprio ato de conhecer e que constituem os atrasos ou as causas da inércia do pensamento. Assim sugere que:

"(...) esses obstáculos não são externos, como por exemplo, a complexidade dos fenômenos, a debilidade dos sentidos ou do espírito humano, mas estão no ato mesmo de conhecer. (...) Bachelard classifica os 'obstáculos epistemológicos' em gerais e particulares, dando mais importância aos primeiros, que resumem duas atitudes radicalizadas, sempre presentes no conhecimento. Os obstáculos gerais podem ser reduzidos às metafísicas opostas que constituem motivo de crítica constante na obra de Bachelard: realismo e racionalismo. Os obstáculos particulares [verbalismo, substancialismo e animismo] são mais específicos e muitas vezes já estão implícitos nos gerais, sendo destacados por Bachelard mais por uma questão de clareza de exposição." (Bulcão, 1999: 34-37)

Como extensão da elaboração do conhecimento científico, a noção de obstáculo epistemológico é muito utilizada no âmbito da educação em ciências, como se pode encontrar, por exemplo, em Silva (1999). Nesse sentido, o lugar do obstáculo epistemológico no processo de conhecimento é variável. De acordo com Lecourt (2002: 55) "ele pode surgir ao momento da constituição do conhecimento, ou em um estágio posterior de seu desenvolvimento, uma vez que ele já foi constituído em conhecimento científico". Especificamente em relação à educação científica, Castelão-Lawless (2005) indica que:

"[Bachelard] identifica alguns dos obstáculos epistemológicos aos quais os alunos, professores de ciência e cientistas devem estar constantemente alerta. Estes incluem o animismo, o substancialismo, a opinião, a experiência concreta quotidiana, a observação direta, a ciência dogmatizada, a fixidez da razão, o conhecimento quantitativo, o inconsciente coletivo, os sonhos, os livros, os professores, os obstáculos verbais, as leis gerais, a utilidade dos fenômenos naturais, a unidade da natureza, etc. Todos são 'causas da estagnação e da regressão' do pensamento científico. Mesmo o pensamento mais exigente é influenciado por estes elementos que subsistem nas 'zonas obscuras' do espírito e são eles que distorcem a qualquer momento a interpretação da descoberta científica." (Castelão-Lawless, 2005: 323-324)

Apesar da importância e da ampla utilização dessa noção, é evidente que epistemologia de Bachelard é muito mais ampla do que suas declarações sobre o que obstaculiza a elaboração do conhecimento científico. Em vários de seus livros, Bachelard expõe as tarefas da filosofia das ciências, fixando as principais características de sua epistemologia, e mostrando em que consiste o racionalismo na ciência contemporânea, discernindo as mudanças que marcaram o desenvolvimento das ciências físico-químicas. Segundo Bulcão (1999), "para ele, a epistemologia deve analisar a atividade concreta da ciência, despreocupada em estabelecer a essência do conhecimento científico, visando descobrir as interferências que retardam o desenvolvimento da ciência" (Bulcão, 1999: 10).

Conforme Lecourt (2002), Bachelard mostra que, por um lado, a filosofia utiliza conceitos de realidade, de matéria, de espaço e de tempo, por exemplo, "como se a ciência não dissesse nada, ou como se o que ela dissesse não lhe interessasse" (Lecourt, 2002: 19). Por outro lado, "a filosofia, quando toma a ciência por objeto, visa a uma ciência ideal, muito diferente da ciência tal como ela existe efetivamente" (Lecourt, 2002: 19).

Em certo sentido, conforme já analisado em outro lugar10 (Eichler, 2001), esse objetivo é partilhado por Bunge (1998), que pedindo escusas pela metáfora, sugere que: "para entender como a ciência funciona alguém deve olhar em sua face. (...) De outra maneira, não se contribuirá com qualquer verdade, quanto mais original, para o conhecimento do conhecimento científico" (Bunge, 1998: 405). Esse olhar na face da ciência ocorreria por quê:

"(...) qualquer autêntico filósofo da ciência tem dois objetivos, um epistêmico, outro pragmático. O primeiro é compreender a pesquisa científica e alguns de seus achados. A outra finalidade é auxiliar os cientistas a aguçar alguns conceitos, refinar algumas das teorias, escrutinar alguns métodos, revelar pressupostos filosóficos, resolver controvérsias e introduzir dúvidas sobre pontos aparentemente controversos. Um objetivo complementa o outro." (Bunge, 1998: 405)

Nesse sentido, há, também, em Bachelard o mesmo desencantamento com a filosofia que manifestaram Bunge (2001) e Piaget (1983), embora esses autores tenham razões diferentes para tal desencanto. Por exemplo, Bulcão (1999) sugeriu que a novidade e que a originalidade de Bachelard, em relação a sua época, foi a orientação de sua filosofia das ciências, que deixou de ser filosófica, relegando a segundo plano seus princípios gerais e refletindo "o pensamento científico na sua especificidade, na sua mobilidade e na sua dinamicidade" (Bulcão, 1999: 149). Dessa forma, de acordo com essa autora:

"(...) não é muito fácil apresentar as características da nova filosofia das ciências, pois, embora Bachelard afirme a necessidade de se estabelecer novas11 bases para analisar a ciência contemporânea, em nenhum de seus livros é possível encontrar claramente delineadas tais características. É sempre em relação à inadequação das filosofias de sua época que Bachelard coloca as tarefas da nova epistemologia." (Bulcão, 1999: 16)

A descrição do contexto científico da época pode ser útil para compreender a novidade enfrentada e refletida por Bachelard. Por exemplo, Lecourt (2002) recorda que em:

"1927, o ano em que Gaston Bachelard defende suas duas teses de doutorado, testemunha Max Born enunciar a teoria probabilística do elétron, [Werner] Heisenberg formular o princípio da incerteza e [Georges-Henri] Lemaître a hipótese do universo em expansão. Quando se observa essa década, percebe-se que ela não é menos rica em trabalhos científicos de grande importância: em 1925, [Robert] Millikan descobriu os raios cósmicos, em 1924 Heisenberg fundou a Mecânica Quântica e foi em 1923 que foram publicados os primeiros trabalhos de Louis de Broglie sobre a mecânica ondulatória. Acrescente-se (...) que a obra de Einstein sobre a teoria da relatividade restrita e geral apareceu em 1913. Tomando conhecimento desses trabalhos, Bachelard logo teve uma consciência aguda da aceleração do momento científico. Porém, o que lhe chamou mais a atenção foi, sobretudo, a novidade dessas teorias e dos conceitos que elas punham em jogo." (grifos do autor; Lecourt, 2002: 17)

Além do mais, ainda seguindo o breve histórico desse autor:

"(...) os anos 1930 são na Física anos de profundas transformações. É em 1930 que [Paul] Dirac apresenta sua interpretação relativista da mecânica ondulatória e a hipótese do elétron positivo. Em 1931, [Wolfgang] Pauli descobre12 os neutrinos e, em 1932, [Carl] Anderson descobre os pósitrons nos raios cósmicos. Ao mesmo ano é posto em funcionamento o primeiro ciclotron, por [Ernest] Lawrence. Em 1934, [James] Chadwick descobre o nêutron; o méson é descoberto em 1936. Essas datas são dadas de forma indicativa, pois se relacionam com eventos sobre os quais Bachelard refletiu, em um momento ou outro de sua obra." (Lecourt, 2002: 93)

Portanto, a partir da análise da obra de Bachelard, Bulcão (1999) sintetiza as principais tarefas que uma filosofia das ciências adequada à atividade científica contemporânea deveria cumprir:

i) procurar analisar as construções racionais da ciência, em lugar de considerar a ciência como uma continuação do conhecimento comum, pois só assim se estaria reconhecendo e valorizando a novidade do pensamento contemporâneo;
ii) refletir sobre a linguagem científica, a fim de mostrar sua oposição à linguagem comum;
iii) mostrar o caráter social da ciência, salientando que o trabalho científico não pode ser individual e que a racionalidade é uma conquista da comunidade de sábios;
iv) tornar 'aberta' a filosofia das ciências, isto é, não se deixar vincular a nenhum sistema filosófico prévio, conseguindo, assim, acompanhar a evolução da ciência, deixando-se ao mesmo tempo determinar por ela.

Uma vez realizadas essas tarefas, a sua época, Bachelard pôde elaborar um recorte histórico e descrever a evolução do pensamento científico em três etapas. Segundo a descrição de Bulcão (1999):

"(...) o primeiro período, denominado por ele de estado pré-científico, compreende a Antigüidade clássica, a Idade Média, o Renascimento e os séculos XVI, XVII e XVIII, quando novos esforços nos campos da ciência se fazem evidentes. O segundo período representa o estado científico, tendo início na segunda metade do século XVIII, atravessando o século XIX, até o início do XX. O terceiro é o estado do novo espírito científico, que se caracteriza pelas revoluções ocorridas na ciência, quando o aparecimento de novas teorias contraria conceitos primordiais que haviam sido fixados como verdades absolutas para sempre. É a época em que a razão ensaia as abstrações mais audaciosas como podemos constatar nas teorias contemporâneas." (Bulcão, 1999: 34)

Nesse sentido, conforme Wunenburger (2005), os estudos sobre a formação do espírito científico de Bachelard, ou seja,

"(...) sobre a passagem do espírito pré-científico ao espírito científico nas histórias inspiradas por suas concepções da psicologia genética (num sentido próximo ao da de Piaget13), convergem com a idéia de que o espírito está inicialmente imerso numa iconosfera subjetiva, cujas produções permanecem muito dependentes das necessidades e emoções e da vida inconsciente. A educação para a racionalidade e para a cultura partilhada necessita então de uma inversão, uma depuração desse imaginário primeiro, com a ajuda de um trabalho de purificação semelhante ao da psicanálise." (Wunenburger, 2005: 40)

Na busca dos compromissos possíveis entre as interpretações, dos diferentes autores, acerca da teoria do conhecimento seria possível fazer uma análise dos pontos sugeridos por Bulcão (1999) - citados anteriormente. Nesse sentido, desde uma tradição de pesquisa bachelardiana, poder-se-ia mostrar a elaboração e o desenvolvimento da psicologia e da psicologia genéticas, descrevendo e analisando o programa de pesquisas piagetiano no estabelecimento e na evolução dessas disciplinas. Além disso, seria preciso assegurar que as ditas análises bachelardianas não fossem "fechadas" em relação à ciência ou a disciplina que contemplam. Assim, na próxima secção, descrevem-se, brevemente, as características do projeto de pesquisa piagetiano sobre a teoria do conhecimento: a epistemologia genética.

 

Sobre a epistemologia de Piaget

A abordagem da teoria do conhecimento postulado por Piaget analisa os métodos pelos quais são elaboradas as teses epistemológicas. Assim, parece ser aceito pelos filósofos da ciência que todos os problemas epistemológicos são encontrados em uma perspectiva histórico-crítica. Essa perspectiva não é entendida como uma "história anedótica das descobertas, mas como história do próprio pensamento científico (...), o método histórico-crítico consiste, precisamente, em julgar o alcance real das noções por sua construção histórica" (Piaget, 1970/1973: 108). Conforme Piaget, essa perspectiva afasta o improviso que possa existir nas filosofias.

No entanto, esse método não é o único. Segundo Piaget (1970/1973), é possível "prolongar a análise histórico-crítica com uma investigação psicogenética" (Piaget, 1970/1973: 109), entendida como o estudo da origem e evolução das funções mentais. Nesse sentido, deve-se lembrar que os trabalhos de Piaget não são os únicos a seguirem esse curso, uma vez que: "os belos estudos de Leon Brunschvicg [terminam] por um esboço da gênese mental das noções [e] cada estudo crítico de Henri Poincaré utiliza tal recurso" (Piaget, 1970/1973: 110). Ocorre que os autores citados por Piaget faziam a investigação psicogenética através da análise das noções, sem submetê-las a comprovações experimentais. Ou seja, como verificar se as inferências desses autores seriam verdadeiras? Piaget entendeu que o exame dos comportamentos da criança poderia trazer mais aportes para esse debate e, então, talvez corroborasse os postulados desses filósofos da ciência.

A maior parte dos estudos de Piaget seguiu o caminho psicogenético. Os tratados escritos por Piaget - relatórios de pesquisas desenvolvidas em cooperação com seus diversos colaboradores - contemplam o problema central da teoria do conhecimento: quais as relações envolvidas entre sujeito (conhecedor) e objeto (conhecido). O estudo dessas relações abarcou tanto as características da experiência quanto as do pensamento. Nesse particular, é importante lembrar que, em geral, Piaget não se interessou pela individualidade das crianças participantes de seus estudos, seu interesse foi pelo "sujeito epistêmico, ou seja, por estruturas cognitivas comuns a todas as crianças" (grifo do autor; Kesselring, 1997: 27).

A teoria do conhecimento, também chamada de epistemologia, costuma ser descrita como umas das partes da filosofia como também são a metafísica, a ética e a lógica. Entendendo-se assim, no campo da filosofia, quem se dedica à teoria do conhecimento visaria, de preferência, estabelecer critérios para o conhecimento que, possivelmente, colocariam limites ao que pode vir a ser conhecido. Ocorre que essa separação das partes da filosofia é mais para efeitos de estudo, ou seja, o que se estuda em uma parte está relacionada a outra. Citando um exemplo, as concepções que se têm acerca da estrutura da realidade objeto da metafísica - estão relacionadas com aquilo que está ao alcance do conhecer - objeto da teoria do conhecimento. Então, como delimitar, para efeito de estudo, questões voltadas à teoria do conhecimento, sem que se entre nos domínios da metafísica?

Na obra de Jean Piaget há algumas passagens que podem ser úteis para saber como ele colocava em questão seu objeto de estudo. Conforme Piaget (1970/1973) é possível dissociar a teoria do conhecimento da metafísica desde que se delimite metodicamente o objeto de estudo. Assim, por exemplo, trata-se de estudar: "como aumentam os (e não o) conhecimentos" (Piaget, 1970/1973: 32), "considerados em sua multiplicidade e, principalmente, na diversidade de seus respectivos desenvolvimentos" (Piaget, 1970/1973: 104). Bem como, "por quais processos uma ciência passa de um conhecimento determinado, julgado depois insuficiente, a outro conhecimento determinado, julgado depois superior pela consciência comum dos adeptos desta disciplina" (Piaget, 1970/1973: 32-33). Essa segunda questão, por si só, já bastaria para afastar o estudo das conotações metafísicas.

Sendo essas as questões mais gerais, pode-se delas retirar pressupostos e implicações. Assim, se todo conhecimento é sempre um vir a ser - e "jamais se considera seu estado como definitivo" (Piaget, 1970/1990: 4) - as questões estão relacionadas ao processo de passar de um conhecimento menor - e "jamais existem começos absolutos" (Piaget, 1970/1990: 3) para um estado mais completo e mais eficaz, então, "é claro que se trata de conhecer esse vir a ser e de analisá-lo da maneira mais exata possível" (Piaget, 1970/1990: 14).

Nesse sentido, lembra-se que "todo aumento do conhecimento científico supõe, sem dúvida, um processo de pensamento, isto é, um raciocínio, de uma forma ou de outra" (Piaget, 1970/1990, p. 1). Então, se todo conhecimento contém um aspecto de elaboração nova (ou seja, a passagem de um conhecimento menor para outro mais completo e eficaz), que opiniões, postulados, teorias gerais ou modelos teóricos poderiam explicar o processo de pensamento envolvido na elaboração dos conhecimentos?

Nas muitas obras de Piaget essa questão está presente, mas parece ter sido abordada mais objetivamente nos livros dedicados ao desenvolvimento do pensamento (Piaget, 1977) e às abstrações (Piaget, 1977/1995). Nesses e em outros livros, conforme postula Ramozzi-Chiarottino (1997), "[Piaget] criou modelos abstratos, formais, para explicar um fenômeno natural, mas não diretamente observável, ou seja, o funcionamento das estruturas mentais do ser humano" (Ramozzi-Chiarottino, 1997: 111).

Assim, depreende-se que Piaget propôs - e submeteu à experimentação - modelos teóricos para o sistema cognitivo, ou em outras palavras, a partir de seus diversos estudos, ele propôs um conjunto de teorias específicas relacionadas à teoria do conhecimento. Sendo este um de seus maiores méritos: "haver tirado a epistemologia do domínio da filosofia especulativa, para transformá-la em uma disciplina suscetível de corroboração e refutação empírica, ou por assim dizer, para transformá-la em ciência" (Garcia, 1996: 56).

Durante o colóquio que venho relatando, uma importante contribuição acerca da obra de Piaget, bem como sobre as aproximações possíveis com a obra de Bachelard, foi dada por Jean-Jacques Ducret, pesquisador do Service de la recherche en éducation du Cantón de Genève e presidente da Fondation Jean Piaget. Iniciando sua fala, Ducret declarou que Bachelard e Piaget foram os autores que o formaram - embora só houvesse conhecido pessoalmente o segundo. Assim, sugeriu que ambos os autores empreenderam um estudo sobre a razão humana, particularmente, a razão científica, que é chamada de racionalidade. Nesse sentido, ele ponderou que comparar Bachelard e Piaget seria retirar "as conseqüências pedagógicas da razão humana".

Conforme Ducret, interpretando a obra de Piaget, pode-se dizer que "a razão científica é a melhor expressão da razão humana" e, de forma mais particular, que "a atividade intelectual do sujeito está ligada às necessidades interiores". Nesse sentido, Ducret apontou que, desde as diversas tradições epistemológicas, é possível estudar tanto a razão constituída quanto a razão constituinte. Uma vez que o estudo da razão constituinte permite contemplar o dinamismo e a abertura própria da razão, Piaget optou por estudar essa, porém conhecendo os contornos daquela, em relação ao pensamento científico de sua época.

Em resumo, Ducret sugeriu que as pesquisas piagetianas em epistemologia genética, ao abordar a razão constituinte, possuem algumas características comuns:

1) as pesquisas são realizadas sobre as ações das crianças, buscando depreender a significação das ações em relação a suas coordenações inferenciais.
2) as pesquisas visam estudar o funcionamento do pensamento (e não apenas a estutura).
3) os resultados apresentados manifestam o papel epistemológico dialético e interativo das ações dos sujeitos.
4) existe a busca por um novo motor, no qual se possa expressar a necessidade que a criança tem de encontrar a verdade constituinte das coisas, ou de suas ações sobre as coisas.

Nas próximas secções, mantendo o objetivo indicado ao início deste artigo, serão abordados alguns dos compromissos possíveis entre as obras de Bachelard e de Piaget, bem como suas implicações para a educação em ciências.

 

Compromissos possíveis

Durante o colóquio, foi Ducret quem melhor abordou as aproximações entre as obras epistemológicas. Segundo Ducret, tanto Bachelard quanto Piaget realizaram estudos sobre a explicação científica, utilizando uma estrutura materialista. Nesse sentido, ele indicou que duas possíveis comparações (ou compromissos) entre as obras de Piaget e de Bachelard são em relação às enunciações sobre a filosofia das ciências e em relação às propostas pedagógicas e implicações educativas subjacentes as suas abordagens filosóficas.

Em relação à primeira comparação, o compromisso possível entre as duas obras poderia, segundo Ducret, ser buscado em um estudo paralelo sobre os principais mecanismos epistemológicos comuns, como por exemplo, os mecanismos de abstração e de generalização. Na opinião de Ducret, embora os pontos de vista sejam diferentes, eles não são contraditórios. Por exemplo, as evidências das pesquisas de Piaget se dão no nível da generalização implicativa, enquanto que as evidências de Bachelard se dão no nível da generalização construtiva. Nesse sentido, talvez haja uma continuidade entre tais interpretações. Por outro lado, Ducret aponta que Bachelard jamais citou Piaget, embora o contrário tenha acontecido bastante. Na busca por esse compromisso, seria necessário investigar as declarações de um e os silêncios de outro.

Desde outro ponto de vista, em uma segunda comparação, os dois autores são importantes para educação. Conforme Ducret, na educação científica, por exemplo, os estudos de Piaget podem servir de implicação para pesquisas ou estratégias que procurem centrar foco sobre a importância do aluno nas atividades didático-pedagógicas. Por sua vez, nessas mesmas atividades, os estudos de Bachelard são muito úteis quando se quer ressaltar a importância do professor. Essas visões seriam, portanto, complementares do ponto de vista da educação.

Essa segunda comparação será aprofundada na próxima secção. A seguir se destaca alguns dos compromissos possíveis em relação à filosofia das ciências, conforme se depreende de revisões bibliográficas, a partir de temas como: i) as opiniões sobre filósofos contemporâneos aos autores (Emile Meyerson, por exemplo); ii) a continuidade ou a descontinuidade do desenvolvimento científico; e iii) a construção do objeto científico.

Em um livro que aborda a razão constituída, para usar os termos propostos por Ducret durante o colóquio, Piaget (1983) faz uma crítica ao alcance da filosofia no estudo dos problemas acerca do conhecimento. Nesse livro, algumas vezes ele cita Bachelard. Por exemplo, sobre sua experiência na Sorbonne14, Piaget (1983) relata a recepção de sua obra sobre a epistemologia genética: "(...) G. Bachelard não parecia me querer mal e os outros colegas não tinham sem dúvida lido essa obra exageradamente grande, em três volumes [Introduction à l'Epistémologie Génétique]" (Piaget, 1983: 85). Ainda nesse livro, mais adiante, Piaget faz os necessários elogios aos filósofos em debate no colóquio que venho relatando neste artigo:

"(...) as filosofias correntes procedem reflexiva ou dialeticamente, sem ligar-se ao aparelho conceitual da ontologia fenomenologista, fazem muitas vezes apelo às questões de fato, já que elas se ocupam do conjunto da realidade e não apenas da lógica formal. (...). A questão é então examinar como os filósofos abordam as questões de fato, dado que toda sua formação prepara-os para tratar de seus problemas por meios puramente reflexivos, enquanto que um fato presume no minimum uma constatação e mesmo uma constatação não se pode efetuar sem método. (...). Que eu saiba, uma única filosofia contemporânea abordou esse problema de método, salvo, é claro, as filosofia da ciências que estudaram o que é fato em uma ciência experimental: por exemplo a admirável análise de G. Bachelard sobre La connaissance approché. (...). Parece-me que a única filosofia que levou a sério esse problema foi o 'idoneísmo' de F. Gonseth, uma filosofia das ciências antes de mais nada, é verdade, mas que não teme as questões gerais como, se a ocasião se apresentar, a da liberdade. Ora, entre os princípios que Gonseth coloca no início de sua filosofia, como o da abertura, etc., há um que se notou muito pouco porque no seu contexto ele parece evidente: é o da 'tecnicidade', segundo o qual todo o conhecimento é relativo ao emprego de uma técnica particular, que permite sozinha assegurá-lo, como a formalização axiomática para os conhecimentos dedutivos ou os diferentes tipos de observação metódica (com controle estatístico) ou de experimentação para os conhecimentos dos fatos." (Piaget, 1983: 178-179)

Como abordado anteriormente, as citações mútuas são raras e, portanto, de difícil análise. Um das estratégias que pode ser utilizada no estudo dos compromissos possíveis é a análise que os diferentes autores comparados fazem de diversos pensadores que lhes são contemporâneos ou que lhes antecederam. Bachelard e Piaget, no decorrer de suas obras, elaboraram críticas aos entendimentos epistemológicos de Meyerson15. Nesse sentido, poderse-ia comparar as críticas que esses autores fazem a Meyerson com o objetivo de verificar, a partir de um mesmo e importante referencial filosófico, em que esses autores concordam ou discordam, ou seja, quais seriam os compromissos filosóficos possíveis entre Bachelard e Piaget? Ou, ainda, quais seriam as inspirações e matrizes filosóficas comuns a esses autores? Mesmo que neste artigo não se busque esgotar as respostas a essas questões, alguns apontamentos são pertinentes.

A vulgarização do termo epistemologia é devida à Meyerson. Bulcão (1999) indica que o termo 'epistemologia' foi utilizado por Meyerson como um neologismo equivalente de filosofia das ciências e, então, foi disseminado na cultura filosófica francesa. Posteriormente, observa-se, conforme Lecourt (2002), "a obstinação que Bachelard se põe em refutar Meyerson" (Lecourt, 2002: 28).

Segundo Barbosa e Bulcão (2004):

"Toda a obra meyersoniana tem como intuito demonstrar que a ciência é, em última instância, ontologia e, nesse sentido, sua preocupação primordial é expressar de forma absoluta a natureza. Para Bachelard, ao contrário, a ciência é construção e tem como finalidade concretizar fenômenos que são pensados teoricamente. Assim, segundo a epistemologia bachelardiana, não há um real que anteceda ao ato mesmo de conhecer, pois a ciência constitui seu próprio objeto ao longo do ato cognoscente. (...) Um outro ponto de divergência profunda entre os dois pensadores diz respeito à concepção de razão. Para Meyerson, a razão se desenvolve a partir de categorias absolutas, presentes em toda atividade cognitiva, enquanto para Bachelard a razão é fundamentalmente descontínua retificando-se a si mesma, a seus métodos e a seus próprios princípios, o que a torna dinâmica e inconstante." (Barbosa e Bulcão, 2004: 22)

Por sua vez, Piaget (1927/2001, 1971, 1974) apreciou constantemente e criticamente a obra de Meyerson em relação à explicação científica e seus componentes de legalidade e de causalidade. Por exemplo, em Piaget (1971) há o propósito de discutir a obra de Meyerson por que:

"(...) nenhum autor soube, com tanta lógica e coragem intelectual, descrever esse 'monstro amputado' que é a razão exclusivamente identificadora. O reducionismo de Meyerson e sua crença no primado da identificação estão muito distantes de nossas próprias crenças, [porém] nos pareceu indispensável tentar um exame crítico um pouco cuidadoso." (Piaget, 1971: 152)

Como se pode depreender a crítica é similar: ataca-se ao reducionismo, porque ele não descreve e justifica o estatuto da ciência, o desenvolvimento científico, ou mesmo, o próprio objeto da ciência. Nesse sentido, apesar nas nítidas diferenças em escolhas de termos, parece haver um compromisso possível pelo aspecto de construção do conhecimento científico (e por extensão, do objeto da ciência e da própria ciência). Pois, conforme Piaget (1971):

"(...) reduzir a razão apenas ao processo de identificação é, de fato, condenar-se à interdição de toda a construção. (...) A conveniência do construtivismo é (...) reconciliar o real e a inteligência do sujeito, conferir-lhe um estatuto comum conforme o que nos informa a experiência: que todos os dois produzem novidades sem parar, o primeiro através do desencadeamento temporal de sua causalidade e o segundo através das abstrações reflexionantes que conduzem às contínuas organizações operatórias, quer dizer, a uma superposição indefinida de operações efetuadas sobre outras operações." (Piaget, 1971: 208)

Essa discussão sobre o aspecto construtivo da ciência enseja uma segunda possível abordagem nos estudos comparativos das enunciações em filosofia da ciência feitas por Piaget e por Bachelard. Bulcão (1999) indica que a epistemologia de Bachelard caracteriza a trajetória de progresso da ciência de forma descontinuada, durante a qual se constrói um saber renovado a partir de rupturas com as tradições anteriores. O conhecimento novo é mais consistente e mais operatório que o anterior. Portanto, "Bachelard, negando o continuísmo, defende a tese de que o progresso das ciências é descontínuo, mostrando que o desenvolvimento da ciência se faz por mutações, isto é, por mudanças de perspectivas determinadas pela própria evolução do pensamento" (Bulcão, 1999: 152).

Porém, além de uma enunciação epistemológica que se pretende universal, Bulcão (1999) lembra que "Bachelard afirma que a prática científica atual se realiza através de racionalismos setoriais, o que significa que cada campo do saber possui especificidades, que se refletem no objeto, no método e no desenvolvimento de cada área do saber" (Bulcão, 1999: 3). Mais adiante, indica que "para Bachelard, não se trata, pois, de propor uma definição de ciência, mas sim de mostrar como se deu a produção de conceitos e o desenvolvimento da racionalidade através da evolução de certa região do saber" (Bulcão, 1999: 150).

Isso é importante no sentido de suprimir um pouco das esperanças do reducionismo fisicalista, em que se pretende interpretar toda a realidade através dos modelos da Física. Por exemplo, na atualidade, sobressai o reducionismo dos fenômenos em diversas escalas métricas e temporais aos modelos quânticos16, cuja escala é determinada e muito reduzida.

Nesse sentido, cabe lembrar que:

"o espírito pré-científico (...) desconhece a realidade das escalas e, por isso, transporta conclusões experimentais do pequeno ao grande e vice-versa. Isso é criticado por Bachelard, que afirma que as idéias simples de proporcionalidade exercem uma sedução sobre as pessoas, quando, na verdade, é impossível transpor conclusões para ordens de grandeza diferentes." (Bulcão, 1999: 49)

Em seu volumoso tratado sobre epistemologia genética, Piaget (1974) indica a importância e a acuidade da interpretação filosófica de Bachelard:

"(...) a obra de Bachelard constitui a ligação mais íntima entre a análise histórica e a preocupação genética [como nos estudos, em O Racionalismo Aplicado, das ações e das técnicas que elas mesmas desenvolvem], pela constante precisão com a qual ele localiza o problema epistemológico nas próprias transformações [do conhecimento]. Essa passagem de um conhecimento menor a um conhecimento superior, sobre o qual constantemente se volta as obras de Bachelard, é interpretada por ele em função de dois mecanismos fundamentais, entre os quais oscilam todas as suas explicações: a retificação, por aproximações sucessivas, e a 'abertura' das teorias até então fechadas. Ou, a sucessão de aproximações retificadoras é a conquista de uma objetividade crescente, enquanto a abertura dos sistemas anteriormente fechados é o refinamento da própria razão. Os dois pólos da epistemologia de Bachelard serão, assim, uma teoria do tornar-se objeto e uma teoria complementar do sujeito em sua própria construção. Mas, seu denominador comum permanece a idéia do 'inacabamento'." (Piaget, 1974: 317)

Nesse sentido, Piaget cita a Filosofia do Não, concordando que "(...) a doutrina tradicional de uma razão absoluta e imóvel nada mais é que uma filosofia (...) caduca ['périmée', no original]". (Piaget, 1974: 317).

Porém, o foco de interesse de Piaget está na existência das próprias etapas do desenvolvimento científico e, sobretudo, na evidência e no debate do porquê dessa ordem de sucessão e das causas desse desenvolvimento. Nesse sentido, ele se afasta do debate entre a continuidade ou descontinuidade entre as etapas:

"Um conhecimento não poderia estar dissociado do seu contexto histórico, e que, por conseqüência, a história de uma noção fornece alguma indicação sobre o seu significado epistêmico. Mas para conseguir uma tal ligação é ainda necessário colocar os problemas em termos de linhas de força, portanto, da evolução das normas a uma escala que permita discernir as etapas, não propriamente em termos factuais de influência de um sobre o outro, e, em especial, do problema controverso, mas sem grande interesse, do papel dos precursores na conclusão posterior de um novo sistema de conjunto. O essencial é caracterizar os grandes períodos sucessivos do desenvolvimento de um conceito ou de uma estrutura, ou ainda das perspectivas de conjunto sobre determinada disciplina, e isso com ou sem acelerações e regressões, ações dos precursores ou 'cortes epistemológicos'." (Piaget e Garcia, 1987: 22)

Esse excerto pode servir com um bom exemplo de delimitação de campos de pesquisas, a história da ciência, em Bachelard, e a epistemologia genética, em Piaget. Há de se prestar atenção na referência implícita à Bachelard, em relação aos cortes epistemológicos. Posteriormente, nas conclusões de seu livro dedicado à história das ciências, principalmente da física, Piaget e Garcia (1987) indicam que:

"A nossa interpretação tem, sem dúvida, uma relação direta com a posição de Gaston Bachelard, que foi o primeiro a indicar a importância daquilo que ele chama 'obstáculo epistemológico' e 'ruptura epistemológica' no desenvolvimento da ciência. (...). De fato, G. Bachelard considera que existe uma 'ruptura' total entre as concepções précientíficas e científicas, ao mesmo tempo que identifica como o maior obstáculo epistemológico o irracionalismo pré-científico. Nós próprios cremos, por um lado, que existe uma maior continuidade entre o pensamento pré-científico e científico, na medida em que os mecanismos em jogo no processo cognitivo são os mesmos e, por outro lado, consideramos que há um determinado tipo de 'ruptura' cada vez que se passa de um estado de conhecimento a um outro, tanto na ciência como na psicogênese. Podemos aceitar com facilidade que se trata de uma ruptura mas no sentido de uma mudança do quadro epistêmico. (...). Para nós, a cada momento histórico e em cada sociedade, predomina um determinado quadro epistêmico, produto de paradigmas sociais e que é a origem de um novo paradigma epistêmico. Uma vez constituído um determinado quadro epistêmico, torna-se impossível dissociar a contribuição proveniente da componente social daquela que é intrínseca ao sistema cognitivo. Assim constituído, o quadro epistêmico começa a atuar como uma ideologia que condiciona o desenvolvimento posterior da ciência. Esta ideologia funciona como um obstáculo epistemológico que não permite qualquer desenvolvimento fora do quadro conceitual aceite. É somente nos momentos de crise, de revoluções científicas, que se dá uma ruptura com a ideologia científica dominante e que se passa a um estado diferente com um novo quadro epistêmico distinto do precedente." (Piaget e Garcia, 1987: 234)

Nesse sentido, as enunciações epistemológicas de Piaget e de Bachelard poderiam ser confrontadas em outras áreas de saber onde não foram aplicadas por seus autores, como nas ciências da vida ou nas geociências, por exemplo. No âmbito da geologia, Laudan (1987) faz uma oportuna análise epistemológica e histórica onde demonstra que, entre outros, os postulados de Thomas Kuhn17 sobre o desenvolvimento científico por mudanças de "paradigmas" não se aplica à geologia. Segundo essa autora, a geologia apresenta, pelo menos no período de formação dessa ciência, um desenvolvimento gradual e sem rupturas. Portanto, é preciso recordar a própria advertência de Bachelard às enunciações epistemológicas universais e baseadas na física, que podem ser facilmente contrariadas ao se estudar outros campos científicos.

Por fim, na busca das inter-relações entre as enunciações epistemológicas, o terceiro compromisso possível seria em relação à construção do objeto científico. Nesse sentido, começa-se a enfatizar algo já abordado previamente: "toda a epistemologia bachelardiana se apóia na tese da construção do objeto científico. É a partir dela que todos os seus demais conceitos poderão ser compreendidos" (grifos meus; Bulcão, 1999: 65).

Assim, é a questão da objetivação que está em foco. Em relação à objetivação da matéria, por exemplo, cabe notar que existe alguma solidariedade entre as interpretações epistemológicas que vem sendo debatidas. Bachelard (1991) postulou que a interpretação do espaço no atomismo está associada a um problema filosófico muito geral, a relação entre representação e realidade. Haveria uma supremacia do espaço representado sobre o espaço real, ou mais exatamente sobre o espaço que se considera real. Ele afirma que "o espaço em que se olha, em que se examina é filosoficamente muito diferente do espaço em que se vê" (grifos do autor; Bachelard, 1991: 69).

Nesse sentido, Piaget e Inhelder (1971) indicaram que Bachelard mostrara que "os modelos intuitivos, tendo servido de suportes nos primórdios do atomismo, deve[ria]m ser procurados nas poeiras e nos pós" (Piaget e Inhelder, 1971: 123). Portanto, esses autores procuraram evidenciar em suas análises psicogenéticas a "'metafísica da poeira' (...) [manifesta pela] criança ante o espetáculo dos grânulos de açúcar em via de dissolução" (Piaget e Inhelder, 1971: 110). Nessas análises indicaram que o atomismo tem relação com a percepção e com as operações. Por exemplo, no estudo da dissolução do açúcar revelaram que "a percepção prepara relações que a operação [mental ou do raciocínio] transformará, contemplando-as: a operação é ao mesmo tempo, continuação e correção da intuição inicial" (Piaget e Inhelder, 1971: 122). Dessa forma, alertaram que é preciso compreender que explicação pelo atomismo não se trata de uma experiência imediata. A própria "'leitura' [da experiência] consiste numa dedução e não numa percepção" (Piaget e Inhelder, 1971: 131).

Portanto, a objetividade pode ser entendida como uma conquista, que somente seria "alcançada após um esforço do sujeito que conhece e que ativamente cria as condições de objetividade. (...) Conforme mostra Bachelard, chega-se a um conhecimento objetivo expondo-se um método de objetivação" (Bulcão, 1999: 157).

Na próxima secção, abordamos como tais abordagens epistemológicas, bem como seus compromissos possíveis, são ainda parcialmente interpretadas e utilizadas no âmbito da educação em ciências.

 

Sobre a educação em ciências

Essa secção é iniciada com o autor que é mais freqüentemente citado no campo da pedagogia: Piaget. Conforme Parrat-Dayan e Tryphon (1998), porém, quando se examina melhor o conteúdo dessas referências, percebe-se que tratam exclusivamente de sua obra psicológica. Assim, "os escritos de Piaget sobre educação permanecem praticamente ignorados" (Parrat-Dayan e Tryphon, 1998: 7). Segundo essas autoras, os artigos pedagógicos de Piaget sustentaram, de 1930 a 1970, seu ponto de vista epistemológico e sua posição construtivista e interacionista. Nesse sentido, duas foram as temáticas fundamentais desses textos: a atividade do sujeito, por um lado; e o papel do professor e a importância do material e das situações experimentais, por outro.

Em relação ao ensino das ciências naturais, Piaget (1949/1998b) sugere que cabe à própria criança observar e experimentar, ou seja:

"Em outras palavras, (...), a criança não deveria permanecer passiva e receptiva, mas deve estar a cada instante livre para desenvolver por conta própria todos os recursos da experimentação e do método indutivo (...). Porém, no próprio terreno da experimentação concreta, ainda existem duas maneiras de conceber a relação do professor com a criança e desta com os objetos sobre os quais incide sua ação. Uma é preparar tudo, de tal modo que a experiência consiste numa espécie de leitura compulsória e totalmente regulada de antemão. A outra é provocar no aluno uma invenção das próprias experiências, limitando-nos a fazer com que tome plena consciência dos problemas, que em parte ele mesmo já se coloca, e a ativar a descoberta de novos problemas, até fazer dele um experimentador ativo que procura e acha as soluções, por meio de inúmeras tentativas talvez, mas por seus próprios meios intelectuais." (Piaget, 1949/1998b: 179)

Em relação às estratégias de ensino, Piaget (1935/1998a) chama bastante atenção ao trabalho em grupo, porque "a solidez do saber é função da atividade dispensada para sua assimilação e o trabalho em grupo é, em princípio, mais 'ativo' que o trabalho puramente individual" (Piaget, 1935/1998a: 149-150). Além disso, ao enfatizar o trabalho em grupo no ensino de ciências naturais, sugere que:

"a experimentação se completa pela discussão conjunta, a redação ou o desenho nos cadernos de observação convoca a colaboração dos pesquisadores, em suma, o exercício das operações constitutivas do saber supõe essa cooperação intelectual que é o meio necessário para a organização das próprias operações individuais. É aqui que o papel do professor volta a ser central, enquanto animador das discussões, depois de ter sido o instigador, junto a cada criança, da apropriação desse admirável poder de construção intelectual que toda atividade real manifesta." (Piaget, 1949/1998b: 180)

A relação entre a concepção construtivista do conhecimento e a aprendizagem escolar, desde um ponto de vista piagetiano, pode ser encontrado em diversos autores genebrinos. Conforme Bovet e colaboradores (1989), algumas vezes Piaget chamou sua posição de construtivista para capturar o sentido em que a criança deve produzir e reproduzir os conceitos básicos e as formas lógicas de constituem o pensamento e a inteligência. Nesse sentido, deve-se dizer, Piaget preferia falar que a criança está inventando, ao invés de descobrindo, idéias. Parrat-Dayan (2003) aponta que o aluno como sujeito é sempre o autor de seu próprio conhecimento. Nas situações escolares, como em outras, é o sujeito quem escolhe, verifica, ajusta, elimina, coordena, organiza e reorganiza os dados que ele pode assimilar.

Segundo Parrat-Dayan (2003), a aprendizagem escolar não pode ser entendida como uma recepção passiva do conhecimento, mas como um processo ativo de elaboração. Por isso, o construtivismo, o relativismo e o interacionismo, quando aplicados ao processo de aquisição de conhecimentos, são características importantes da aprendizagem escolar. Além disso, ela ressalta que a teoria de Piaget estudou a gênese de noções e conceitos que se relacionam com alguns conteúdos escolares, principalmente nas áreas da matemática e da física. Dessa forma, essa teoria se torna interessante para a educação em ciências.

Em relação à docência, desde outro ponto de vista, Barbosa e Bulcão (2004) relatam que: "quando Léon Brunschvicg estranhou o fato de Bachelard ter atribuído tanta importância ao aspecto pedagógico das noções científicas, este lhe respondeu que se considerava muito mais como professor do que como filósofo, pois achava que a melhor forma de avaliar suas próprias idéias era ensinando-as" (Barbosa e Bulcão, 2004: 59). Essas autoras sugerem que, embora o assunto educação não fosse tratado de forma explícita e direta por Bachelard, de sua obra se pode "retirar contribuições importantes para a pedagogia que levariam à constituição de um novo modelo de escola e de aprendizagem" (Barbosa e Bulcão, 2004: 50).

Conforme Castelão-Lawless (2005), Bachelard conhecia as obras pedagógicofilosóficas de Schopenhauer e de Montessori. Entretanto, sua crítica à escola tradicional é ao mesmo tempo menos emocional do que a do primeiro e mais normativa do que a segunda. Nesse sentido, "embora ele concorde com Montessori no que diz respeito ao desastre pedagógico do dogmatismo ilegítimo das autoridades e dos programas educativos impostos 'de cima', discorda radicalmente desta em questões de metodologia educacional e de epistemologia do conhecimento científico" (Castelão-Lawless, 2005: 318). Para Montessori a aquisição de conhecimentos, incluindo os intelectuais, deve estar sempre em continuidade com o que é espontâneo. Assim, o professor nunca deve obstruir ou desencorajar a imaginação fértil do aluno. Castelão-Lawless lembra que em

"Le Matérialisme rationnel (1953), Bachelard refere sem hesitação o erro do método Montessori quando aplicado ao ensino de ciências. (...). Para Bachelard, fazer ciência implica um esforço em redirecionar o pensamento para a racionalidade e a objetividade e contra a arbitrariedade da subjetividade, criativa em literatura, mas obstáculo epistemológico em ciência." (Castelão-Lawless, 2005: 319)

Porém, existem múltiplas e possíveis interpretações filosóficas da prática científica contemporânea que são inspiradas na obra de Bachelard. Por exemplo, conforme a interpretação pós-moderna de Barbosa (1997), Bachelard se posicionaria contra toda e qualquer situação de estabilidade e acomodamento. Nessa interpretação, a sua obra romperia a tradição dos sistemas e discursos com pretensões universalizantes e introduziria o leitor num mundo de reflexões por meio da razão e da imaginação.

O trecho a seguir é extenso, mas é um interessante depoimento de Castelão-Lawless (2005), acerca das dificuldades de compreensão das ciências:

"Os estudantes dos meus cursos de filosofia das ciências e de história das ciências distribuem-se em dois grupos. Os positivistas ingênuos vêm das disciplinas científicas com o preconceito de que a ciência é um conjunto de verdades irrefutáveis, que as provas dos testes de verificação de hipóteses são sempre inequívocas, que o método científico é fixo, e que existe uma demarcação rígida entre o sujeito e o objeto. Os relativistas ingênuos aprenderam nas cadeiras de estudos culturais e das humanidades que a ciência é uma mera construção social do ocidente e que outros modos de pensar noutras culturas têm o mesmo valor epistemológico da primeira, que o método científico é um mito, e que a falta de distinção entre o sujeito e o objeto impossibilitam a objetividade. Ambos ignoram o papel, fundamental na prática científica, da tensão, do erro e da incerteza. Ambos representam também duas posições filosóficas relativamente à ciência moderna que Bachelard ataca na sua obra e que, segundo ele, constituem obstáculos epistemológicos à sua aprendizagem. (...) Porque é que os estudantes universitários caem inevitavelmente numa destas duas posições epistemológicas? Para Bachelard, a resposta a esta questão passa por uma análise profunda tanto da prática da educação como do próprio conteúdo da ciência. (...) O problema diz respeito aos métodos de ensino, tanto nos cursos de ciência como nos cursos de filosofia das ciências. É aí que a epistemologia da prática científica e o valor epistemológico do erro são rejeitados a favor de uma ciência livresca que fixa o espírito onde ele deveria ser dialetizado e dinamizado (...) e rouba a inevitabilidade da tensão essencial entre idéias a favor de um falso presentismo histórico. Assim, a tensão e o erro são ignorados pelos professores de ciência que não compreendem que não se compreenda." (Castelão-Lawless, 2005: 321)

Dessa forma, Silva (1999) compreende que, a partir de uma perspectiva bachelardiana, pode-se afirmar que "é pouco provável que se forjem bons métodos de ensino de ciências desligados da preocupação e dos métodos da própria ciência" (Silva, 1999: 134). Sob essa perspectiva, o autor sugere que não se imagine ou se conceba o papel do professor como um facilitar da aprendizagem, mas sim como um complicador da realidade. Isso por que "o professor só facilita quando complica. (...). Complica, à medida que desafia, à medida que propõe a análise de cada perspectiva. (...). Quando provoca a exposição do erro de forma discursiva, complica o saber fácil, dificulta os juízos apressados" (Silva, 1999: 138).

A interlocução entre autores, ou entre suas obras, é uma das práticas da filosofia. O colóquio realizado em Lyon teve isso por objetivo. Porém, em poucos momentos o debate tangenciou o compromisso possível, entre as obras de Piaget e Bachelard, sobre a educação em ciências e nenhuma proposta ou declaração foi registrada. Dessa forma, entende-se que no âmbito da Didática das Ciências, a interlocução entre esses autores ainda está por ser realizada, ou mais bem divulgada.

 

Conclusões

Este artigo teve por objetivo apresentar um breve relatório de um colóquio internacional que visou a debater as aproximações possíveis entre importantes obras epistemológicas. Nesse sentido, foi realizada uma revisão da literatura para melhor circunscrever e contextualizar os debates que tiveram lugar durante o colóquio.

Inicialmente, procurou-se discutir a utilização do termo 'educação aberta' para descrever práticas filosóficas ou pedagógicas de diversas origens e sujeitas às múltiplas interpretações. Obviamente, como a própria idéia de 'abertura' permite. Porém, foi apresentado um entendimento estrito ao termo 'educação aberta', conforme documento da UNESCO (Perraton e Creed, 2000). Nesse particular, existem novidades subjacentes à educação aberta. Ela está apoiada em dois esteios: um suporte tecnológico, que envolve a informática e a educação à distância; uma interpretação conceitual em neurociências, que envolve uma pedagogia voltada a interpretações parciais de funções básicas e superiores da psicologia, como atenção, memória e linguagem. Um entendimento estrito de 'educação aberta' não foi apresentado durante o colóquio. Nesse sentido, é oportuno apresentar a advertência de Hein (1975):

"(...) se nós chamamos cada inovação educacional pelo mesmo nome, nós não teremos mudanças pra identificar práticas coerentes de sucesso, desde as mudanças descuidadas até as causas das mudanças, ou reconhecer qual foi resultado do planejamento e da aplicação da uma ideologia e estratégia coerente, ou qual mudança de eventos ou atividades ocasionais não foram dessa forma conectadas."

Portanto, seja o que se queira retirar de implicações pedagógicas das obras de Piaget e de Bachelard, sugere-se que seja feito segundo outros termos ou expressões que aqueles relacionados à 'educação aberta'.

Posteriormente, este artigo passou a enunciar algumas características das obras epistemológicas de Bachelard e de Piaget. Entendeu-se isso como necessário para fazer algumas comparações possíveis entre essas obras. Conforme descrito, durante o colóquio Jean-Jacques Ducret abordou as aproximações entre essas obras epistemológicas e sugeriu que duas possíveis comparações, em relação:

i) às enunciações sobre a filosofia das ciências;
ii) às propostas pedagógicas e implicações educativas subjacentes as suas abordagens filosóficas.

Neste artigo, com o objetivo de indicar as articulações possíveis entre as interpretações epistemológicas, sem o intuito de esgotá-las ou de ser profundo e rebuscado, apresentaram-se os compromissos possíveis a partir de temas como:

a) as opiniões sobre filósofos contemporâneos aos autores (Emile Meyerson, por exemplo);
b) a continuidade ou a descontinuidade do desenvolvimento científico;
c) a construção do objeto científico.

Nesse sentido, muito ainda pode ser feito. Conforme a apresentação de Bulcão (1999), para as tarefas da nova filosofia das ciências, indicou-se que seria pertinente e oportuno, em futuros estudos, mostrar a elaboração e o desenvolvimento da psicologia e da psicologia genéticas, descrevendo e analisando, sob ótica bachelardiana, o programa de pesquisas piagetiano no estabelecimento e na evolução dessas disciplinas. Desde outro ponto de vista, poderia ser realizado um estudo analítico da epistemologia de Bachelard, sob a ótica dos processos de abstração e generalização, conforme descrito por Piaget (1995), por exemplo. Além de estudar uma disciplina - ou tradição de pesquisa - sob o enfoque da outra, ou vice-versa, poderiam ser realizados estudos que mostrassem a pertinência desses referenciais, ou de suas teses, em um mesmo campo de pesquisa contemporâneo. Neste artigo, indicou-se a existência de estudos sobre o conhecimento em geologia que mostram que as enunciações epistemológicas universais e baseadas na física podem ser facilmente contrariadas.

Por fim, uma segunda comparação entre os dois autores foi realizada em relação à educação em ciências. Nesse sentido, mostrou-se que os estudos de Piaget podem servir de implicação para pesquisas ou estratégias que procurem centrar foco sobre a importância do aluno nas atividades didático-pedagógicas. Por sua vez, nessas mesmas atividades, os estudos de Bachelard são muito úteis quando se quer ressaltar a importância do professor. Essas visões seriam, certamente, complementares do ponto de vista da educação. Portanto, no âmbito da Didática das Ciências, existe espaço e oportunidade para aprofundar e divulgar a interlocução entre esses autores.

 

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Submetido em 14/06/2008
Revisado em 13/10/2008
Aceito em 26/01/2009

 

Notas

(1) O colóquio foi promovido por Archives Jean Piaget (Université de Genève), Centre Gaston Bachelard (Université de Bourgogne) e Centre de Recherches Philosophiques (Université Jean Moulin - Lyon 3), com a colaboração de Association des Amis du Centre Ferdinand Gonseth (Nêuchatel, Suíça) e Association des Amis de Gaston Bachelard (Dijon, França).
(2) Como em outros nomes de origem eslava, o sobrenome se encontra grafado diferentemente, Alfred Habdank Skarbek Korzybski nasceu em Varsóvia, Polônia, em 1879, e faleceu em Lakeville, Connecticut (EUA), em 1950 [Essa e outras informações enciclopédicas foram extraídas da http://www.wikipedia.org].
(3) Henri-Louis Bergson nasceu, em 1859, e faleceu, em 1941, em Paris, na França. Foi um filósofo muito influente na primeira metade do Século XX.
(4) Karl Raimund Popper nasceu em Viena, em 1902, e faleceu em Londres, em 1994. Foi considerado por muitos como o filósofo mais influente do Século XX a tematizar a ciência.
(5) Para o leitor deste periódico que não é especialista em educação ou pedagogia, Summerhill é uma escola inglesa diferente dos padrões tradicionais, que foi fundada em 1921 por Alexander Sutherland Neill (Escócia, 1883-1973). É uma das pioneiras dentro do movimento das escolas democráticas. Atende crianças do ensino fundamental e do ensino médio. Atualmente, a diretora é a filha de Neill, Zoe Readhead.
(6) No original, consta 'premier cycle du second degré', que envolve alunos, em geral, entre 11 e 15 anos de idade.
(7) É oportuno registrar que nesse documento da UNESCO se indica que "a formação de professores na forma de ensino à distância não custa mais que um terço a dois terços do preço de custo da formação do professores tradicionais", evidenciando a lógica econômica que subjaz os discursos de formação por ensino à distância, ainda que o dado possa ser contestado.
(8) Marly Bulcão Lassance Britto. Cita-se seu nome conforme é mais conhecida e como consta nas capas dos livros por ela publicados, embora academicamente chegue a ser citada de outras formas. Durante o colóquio sua intervenção foi lida, pois a participante não pôde comparecer ao evento.
(9) Os estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (habitualmente identificados pelo acrônimo CTS) apresentam-se como uma análise crítica e interdisciplinar da Ciência e da Tecnologia num contexto social, com o objetivo de compreender os aspectos gerais do fenômeno científico-tecnológico. Informações mais amplas podem ser encontradas em www.oei.es/cts.htm. Embora esse enfoque tenha se revigorado na década de 1980, suas origens remontam a várias experiências, como as de Maria Montessori, por exemplo, na Itália da década de 1920, em que orientava a implantação de laboratórios científicos nas escolas com o intuito de serem abordados conteúdos das ciências, da tecnologia e da sociedade, conforme a mostra "Dagli archivi delle scuole romane", exposta no outono de 2006, no Complesso del Vittoriano, em Roma.
(10) Onde se buscou as aproximações possíveis entre as compreensões epistemológicas de Jean Piaget e de Mário Bunge.
(11) Como bem indica Lecourt (2002), o novo deve ser levado em consideração à época em que Bachelard escreveu seus primeiros livros.
(12) É interessante verificar que um autor estudioso de Bachelard, que enfatizou tanto a fenomenotécnica, utilize o termo 'descobrir' de maneira inapropriada para as subpartículas atômicas, quando o mais indicado seria escrever que elas foram 'detectadas (ou captadas) pela primeira vez'. No caso do trabalho de Pauli em relação ao neutrino, talvez, seria melhor dizer que foi pela primeira vez 'postulada a sua existência'.

(13) Isso deveria ser mais bem investigado, uma vez que Bachelard não cita Piaget, mas James Mark Baldwin, que nasceu, em 1861, e morreu, em 1934, em Colúmbia, Carolina do Sul (E.U.A.). Ele foi um filósofo e psicólogo que fez importantes contribuições no campo da psicologia, da psiquiatria e da teoria da evolução.
(14) Jean Piaget foi professor de Psicologia Genética na Sorbonne, em Paris, entre os anos de 1952 e 1964. Por sua vez, Gaston Bachelard foi professor de História e Filosofia das Ciências na mesma universidade entre os anos de 1940 e 1955.
(15) Émile Meyerson nasceu em 1859, em Lublin, na Polônia, e morreu em 1933, em Paris, na França.
(16) Os exemplos aqui são abundantes, seja nos meios universitários, seja na vulgarização multimídia, como mostra o recente filme documentário Quem Somos Nós (1985; 'What the Bleep do we Know?', no original), de Betsy Chasse, Mark Vicente e William Arntz (maiores detalhes em: http://www.whatthebleep.com ou http:www.playarte.com.br/Filme/Default.asp?id=25) e seus diversos subprodutos (livros, DVD's e revistas).
(17) Thomas Samuel Kuhn nasceu em Cincinnati (Ohio, E.U.A.), em 1922, e morreu em Cambridge (Massachusetts, E.U.A.), em 1996.

M.L. Eichler é Licenciado em Química, Mestre e Doutor em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS). Atua como Professor (UERGS) e Pesquisador da Área de Educação Química (UFRGS). Endereço para correspondência Área de Educação Química - UFRGS. Av. Bento Gonçalves, 9500, Sala D114, Campus do Vale, Porto Alegre, RS 91501-970. E-mail para correspondência: exlerbr@yahoo.com.br. Telefone para contato: +55-51-33086270. Fax: +55-51-33087304.

 

Agradecimentos

Ao CNPq pelo financiamento concedido (AVG, Processo número 450247/2006-6), que permitiu à participação no evento aqui relatado.

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