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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.14 no.1 Rio de Janeiro Mar. 2009

 

ENSAIO

 

Erros humanos: considerações sob um ponto de vista cognitivo aplicado a processos criativos de negócios

 

Human errors: consideration under an applied cognitive point of view to creative processes of businesses

 

 

Antonio Costa Gomes FilhoI,II; Tarcisio VanzinI,III; Fernando Antonio ForcelliniI,IV

IPrograma de Pós Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (PPG-EGC), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
IIDepartamento de Administração, Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Guarapuava, Paraná, Brasil
IIIDepartamento de Engenharia do Conhecimento, UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
IVDepartamento de Engenharia de Produção e Sistemas, UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 


RESUMO

Neste ensaio, apoiados no paradigma da pesquisa transdisciplinar, os autores propõem um framework conceitual de referência para o conceito cognitivo de erros humanos tendo por base os conceitos de verdade, realidade e conhecimento. Paradigmas existem dentro de determinada lógica, sendo que sua formação resulta de um processo cognitivo. Conceitos são instrumentos de julgamento dentro de paradigmas estabelecidos. Os paradigmas e os conceitos de processos de negócios que exigem criatividade passam pela necessidade de materialização do conceito de erro humano. Normalmente, erros são cometidos pela obscuridade do paradigma ou pela não clareza das próprias regras ou políticas das organizações, sendo, portanto, assunto complexo. Este ensaio tem por objetivo apresentar reflexões sobre a relação existente entre os conceitos de erros humanos e criatividade como elementos de referência aplicáveis a processos de negócios que exigem criatividade.

Palavras-chave: criatividade; erros humanos; processos de negócios; modelo conceitual.


ABSTRACT

In this rehearsal, leaning in the paradigm of the research transdisciplinary, the authors propose a conceptual framework of reference for the cognitive concept of human mistakes with base in the truth reality knowledge concepts. Paradigms life in certain logic inside and their formation results of the cognitive process. Concepts are instruments of judgment inside of established paradigms. The paradigms and the concepts of the processes of the businesses that demand creativity go by into need of materialization of the concept of human mistake. Usually, mistakes are made by the obscurity of the paradigm or for the non clarity of the own rules or politics of the organizations, being, therefore, complex matter. This rehearsal has for objective to present reflections about the existent relationship between the concepts of human mistakes and creativity as applicable reference elements for processes of businesses that demand creativity.

Keywords: creativity; human mistakes; business processes; conceptual framework.


 

 

1. Introdução

O erro humano se caracteriza pelo ato do julgamento. Não há condições de se qualificar um erro sem um conveniente processo de avaliação. A avaliação, por sua vez, pressupõe um fato a ser analisado e um conceito do que seja a verdade, que deve estar amparada por um paradigma estabelecido. Assim, o paradigma é um conhecimento previamente abstraído e aceito tanto em nível individual quanto social. O estabelecimento dos paradigmas que permitem o julgamento coincide com o processo de aprendizagem ou modificação de um conhecimento pré-residente no indivíduo.

Iniciando um ensaio de entendimento no campo dos paradigmas, é conveniente estabelecer, que eles constituem modelos abstratos vigentes em determinado tempo e espaço. Kuhn (1998), tratando do conhecimento científico, afirma que a ciência se desenvolve a partir da aceitação, por parte da comunidade científica, de um conjunto de teses, pressupostos e categorias que facilitam a relação entre os saberes gerados. Ou seja, trata-se de um conjunto de normas dentro das quais tradicionalmente a ciência se move e se orienta. O conhecimento científico é, por suas características, disciplinado, ao contrário de suas outras formas.

A formação de um paradigma resulta de um processo cognitivo que admite todas as etapas identificadas pela epistemologia. Uma vez constituído, espera-se que o paradigma seja operacionalizado com facilidade e rapidez pelo indivíduo.

De uma forma geral, os paradigmas podem ser classificados em duas categorias, os que constituem o "esperado" e aqueles que tratam daquilo que deve ser "evitado". Nessas duas grandes categorias estão embutidas as variações das formas que incluem a verdade e a falsidade no jogo de verificação do correto e/ou incorreto, do sucesso e do fracasso, da realidade e da ficção e muitas outras formas de apresentação. Especificamente para o caso da verdade, Chauí (2000) destaca que podem ser identificados três distintos entendimentos: para o povo judeu, "Deus falou"; para o povo latino, a verdade é o que está escrito; e, para os gregos, a verdade faz-se revelar no "raciocínio" do filósofo. Essas três formas põem em evidência o caráter sócio-cultural da formação dos paradigmas e a decorrente lógica empregada em sua utilização.

A lógica muda de acordo com o paradigma e com o meio sócio-cultural no qual ele foi adotado. Num exemplo mais concreto, ao se afirmar que "matar é errado", pode-se recorrer a diferentes argumentos: ou não se pode matar por determinação divina, ou porque está escrito no Código Penal, ou por que simplesmente o raciocínio Platônico sobre "bondade do homem" leva à preservação da vida. No entanto, em situações de exceção, tais como guerras ou defesa pessoal, esse conceito se torna relativo ao julgamento. Infere-se daí que abordar o assunto "erros humanos" é tarefa complexa, que exige ir além da visão disciplinar da ciência.

Esses conceitos ao serem aplicados ao ambiente de empresas, tornam-se essenciais ao entendimento do que se entende por sucesso ou fracasso, processos rotineiros ou processos não rotineiros. Num momento em que a inovação se torna um elemento de referência ao paradigma pós-industrial, erros humanos devem ser abordados à luz da multidisciplinaridade.

Na abordagem deste texto, conceitos são instrumentos de julgamentos dentro de paradigmas alusivos a processos de negócios que exigem criatividade e que contribuem para a inovação empresarial. Portanto, a motivação inicial dos autores, formulada como problema de pesquisa é a seguinte:

Qual a relação existente entre o conceito de erros humanos e criatividade? Por que na realidade infantil o erro é permitido e visto com naturalidade e na maior parte do mundo dos negócios quem erra é penalizado? Derivado dessas questões, os objetivos do texto são apresentar uma reflexão sobre a relação existente entre os conceitos de erros humanos e criatividade como elementos de referência aplicáveis a processos de negócios que exigem criatividade e propor um framework para o conceito cognitivo de erro humano.

 

2. Suporte teórico

Nesta seção são resgatados os conceitos de realidade, verdade e conhecimento, sendo aqui chamados de primeiro, segundo e terceiro pilares demarcadores, respectivamente. O objetivo é contextualizar o leitor sobre a necessidade de ancorar o conceito de erro humano nesses conceitos mínimos de referência, pois que "definido como um aspecto do pensamento, conceito é uma espécie de unidade em termos da qual se pensa; uma unidade menor do que um julgamento, proposição ou teoria, mas que forçosamente toma parte neles" (Silva, 1986: 232).

2.1. Conceitos: verdade, realidade e conhecimento

O aprofundamento da reflexão sobre o paradigma que permite o julgamento de um fato passa, necessariamente, pela visitação aos conceitos de realidade, verdade e conhecimento. Então cabe inicialmente perguntar o que é realidade, aqui denominada de primeiro pilar demarcador. Nas palavras de Chaui (2000) ratificada por Murcho (2006) o ser humano identifica a realidade como sendo uma espécie de moldura de um quadro, em cujo interior ele se instala e existe. Desta forma, existe a realidade natural, social, política e cultural. Murcho (2006) põe em evidência a afirmação de Kant na qual, segundo ele, a realidade como é conhecida filosoficamente e cientificamente não é uma realidade em si das coisas, mas a realidade tal como é estruturada pela razão, tal como é organizada, explicada e interpretada pelas estruturas a priori do sujeito do conhecimento.

Nessa forma de pensar, a atitude humana é chamada de dogmática ou natural e Chauí (2000) lembra que o ser humano aceita a realidade exterior que, embora externa e diferente de si, pode ser conhecida e tecnicamente transformada pelo indivíduo. As pessoas acreditam que o espaço existe e que nele as coisas estão como receptáculos. Elas aceitam que o tempo também existe e que nele as coisas e o próprio ser humano estão submetidos à sucessão dos instantes.

Como segundo pilar necessário ao entendimento da dimensão conceitual de erro humano, o questionamento passa pelo conceito de "verdade". Aqui se faz necessário lembrar a relação existente entre os conceitos de "realidade" e de "verdade". O entendimento do que seja a "verdade", ora adotado, é aquele que a considera como a "certeza da existência da realidade", certeza esta que é percebida pelo ser humano. Desta forma, a verdade sempre possui um portador, que pode ser: pessoas ou coisas, sentenças assertivas, proposições ou crenças. Costa (2005) apresenta uma abordagem sintetizada das quatro teorias da verdade mais conhecidas, quais sejam:

1) Teoria da Redundância: essa teoria baseia-se na constatação de que enunciados do tipo "p é verdadeiro" podem ser substituídos por enunciados do tipo "p" sem que nada seja perdido. Como exemplo eu nada teria acrescentado à minha afirmação "Está nevando" se tivesse dito "É verdade que está nevando", além de uma certa ênfase de modo que poderia ser substituído por "É...está chovendo" ou "Com efeito, está chovendo". Dessa forma, "é verdade" nada parece acrescentar ao conteúdo da asserção. Ramsey1 foi um dos pioneiros na defesa da teoria da redundância, e considerou o caso da asserção "Tudo o que ele diz é verdadeiro", em que o predicado "é verdadeiro" não pode ser elidido. No entanto, a asserção pode ser substituída por "Para todo p, se ele afirma p, então p", na qual o predicado "é verdadeiro" é eliminado. Melhor esclarecendo, embora "então p" pareça incompleto, querendo dizer "então p é verdadeiro", isso se deve a uma deficiência de linguagem.

2) Teoria Pragmática da Verdade: Sugerida por James2, consiste na aceitação de uma proposição como verdadeira se houver vantagem prática em sustentá-la. A asserção "Deus existe" é uma proposição verdadeira, pois é vantajoso crer em Deus. Nesta teoria, há confusão no conceito de verdade, que é vista a partir da utilidade. Todos concordariam que o conhecimento da verdade, freqüentemente, é útil, mas dizer que algo é verdadeiro porque é útil é confundir o efeito com a causa. Para Meneghetti (2007), James atribui a Pierce3 a origem do pragmatismo, surgido nos EUA em meados do século XIX, com presença significativa até a segunda década do século XX.

3) Teoria Correspondencial: é a mais antiga e também a única que se encontra em dicionário organizado. Foi proposta por Platão, complementada por Aristóteles e após diversas interpretações, foi sintetizada na afirmação de que a verdade é a adequação ou correspondência do que se pensa com a realidade. Dessa forma, deve-se substituir a palavra "intelecto" por "proposição" ou "pensamento", ou seja, pelo nome do portador da verdade. Em vez de coisas, é mais correto falar de fatos porque não se diz das coisas serem verdadeiras, mas de um complexo que geralmente inclui o estado da coisa, ou seja, a verdade é a correspondência da proposição, do pensamento, com o fato. A identificação entre "é verdadeiro" e "corresponde ao fato" é evidenciada na proposição: p é verdadeira = p corresponde ao fato. Por meio da teoria correspondencial, é possível elaborar pressupostos e comparar se os fatos são verdadeiros, no entanto, uma objeção geralmente feita à teoria correspondencial é que proposições só podem ser comparadas com proposições. A contraargumentação dos defensores da teoria é que quando se pretende comparar proposições hipotéticas a observações, o que se faz, na verdade, é comparar proposições hipotéticas a proposições observacionais.

4) Teoria Coerencial: surgiu com filósofos idealistas, a exemplo de Hegel, e com a afirmação de que a verdade está no todo. Foi desenvolvida por idealistas e por empiristas, tendo por idéia básica o entendimento de que uma proposição é verdadeira somente quando é coerente com o conjunto de proposições que constituem o sistema de crenças. Uma maneira básica de entender coerência é em termos de consistência, ou seja, uma proposição p é consistente com o conjunto de proposições {q,r,s,t} quando, sob a suposição de que essas proposições são verdadeiras, p poderá continuar sendo verdadeira. Isso não seria possível, se, por exemplo, p fosse negação de q&r, ou seja, implicassem em não-p. Essa teoria também é aberta a objeções, por exemplo, uma proposição de um conto de fadas pode ser verdadeira, na medida em que é consistente com as outras proposições do conto de fadas. Na consideração de sistemas abstratos e na inconsistência entre eles, a teoria coerencial considera o "sistema realidade" como referência, negando a existência dos outros.

O terceiro e último pilar demarcador para sustentar a proposição teórica sobre o conceito de erros humanos é o conceito de "conhecimento". O conhecimento no nível individual leva à consciência que o ser humano tem de si mesmo. Já na interação com a realidade, essa consciência pode ser percebida em maior ou menor grau, dependendo do tipo de conhecimento que o ser humano possui.

Em Marconi e Lakatos (2007), é encontrada a definição dos diversos tipos de conhecimento, quais sejam:

Conhecimento popular: é o conhecimento do dia-a-dia utilizado para resolver problemas e diz respeito a questões do desenvolvimento de pessoas, grupos, sabedoria popular, dentre outros;
Conhecimento religioso: é baseado na experiência individual, não pode ser repassado, não é representativo de grupo, pois são os dogmas, as crenças de cada pessoa;
Conhecimento filosófico: é o questionamento sem respostas, afinal: quem somos, para onde vamos, são perguntas pertencentes ao campo da filosofia;
Conhecimento científico: é falível (vai até prova em contrário), é sistemático, metódico, sistêmico, verificável, e útil devido à sua objetividade.

Paradigmas de negócios, com propriedade, são influenciados e formados a partir dos conceitos de realidade, verdade e conhecimento, portanto, não se trata, de escolher um ou outro conceito, mas tratá-lo como elementos de referência necessários ao entendimento do modelo de negócios estabelecido em determinado caso. O raciocínio vai, pois, do modelo de negócios estabelecidos ao encontro dos elementos conceituais que expliquem aquele paradigma.

Para melhor entendimento do erro humano e sua relação com os paradigmas, lembrase que é no conhecimento científico que Popper (1993), criador do método hipotéticodedutivo, depois de ter estabelecido a distinção entre certeza e verdade, lembra que o caminho na busca da verdade, passa pela abordagem dos erros humanos. Para ele, sem "verdade" não podem existir nem "erro" nem "falseabilidade" e aquilo que é feito ao submeter as teorias à verificação é procurar descobrir os erros que podem estar escondidos nelas.

2.2. O conceito de erro humano

Entendendo-se que todo conceito é relativo e leva a novos conceitos, a opção em demarcar o conceito de erros humanos nos pilares da "realidade", "verdade" e "conhecimento" é, reconhecidamente, insuficiente. No entanto, para efeitos deste ensaio, a linha de raciocínio inicialmente seguida é que, para entender o conceito de erro é necessário entender o conceito de acerto, que, por sua vez, deriva de certo, justo, correto, verdadeiro. Estes levam ao conceito de verdade, que tem relação direta com realidade e conhecimento.

Em princípio, é possível afirmar que não se entende o que não se conhece, e não se erra quando não se entende. Todavia, a imagem que o indivíduo é capaz de construir do desconhecido funciona como o paradigma inicial - aquele que vai ser submetido à prova. Na medida em que esse paradigma é experimentado ele se reconstrói a partir de uma certa "lógica de raciocínio". Então, a diversidade de formas como se apresentam os diferentes paradigmas mostra a dificuldade da sistematização disciplinar dos erros humanos, porque os paradigmas podem se apresentar em escalas de convicção que tem no seu nível mais baixo a formulação do objeto paradigmático em forma de suspeita, hipótese ou questão e no topo da escala a convicção absoluta e inequívoca (tese).

A verdade não é senão a percepção da realidade traduzida em um operador de confronto simplificado em forma de paradigma. No entanto, as percepções das pessoas podem enganá-las a despeito da própria realidade, por exemplo, pode-se perceber que uma flor é branca, mas se a pessoa estiver doente pode vê-la na cor amarela; percebe-se o Sol muito menor do que a Terra, embora ele seja maior do que ela. Apesar desses enganos perceptivos, entende-se que toda percepção percebe qualidades nas coisas (cor, tamanho, por exemplo) e, portanto, as qualidades pertencem à essência das próprias coisas e fazem parte da verdade delas. Então se deve, ou abandonar as idéias formadas a partir das percepções individuais, ou encontrar os aspectos universais e necessários da experiência sensorial que alcancem parte da essência real das coisas. No primeiro caso, somente o intelecto (espírito) vê o "Ser Verdadeiro". No segundo caso, o intelecto purifica o testemunho sensorial.

Quando, porém, é examinada a idéia latina da verdade como veracidade de um relato, é observado que, agora, o problema da verdade e do erro, do falso e da mentira se deslocou, diretamente, para o campo da linguagem (Chaui, 2000). O verdadeiro e o falso, no paradigma atual, estão menos no ato de ver (com os olhos do corpo ou com os olhos do espírito) e mais no ato de dizer. Por isso, a pergunta dos filósofos, agora, é exatamente contrária à anterior, ou seja, pergunta-se: Como a verdade é possível?

Então, se a verdade está no discurso ou na linguagem, não depende apenas do pensamento e das próprias coisas, mas também da vontade de dizê-la, silenciá-la ou deformála. O verdadeiro continua sendo tomado como conformidade entre a idéia e as coisas, no caso, entre o discurso ou relato e os fatos acontecidos que estão sendo relatados, mas depende também do querer. Para Elster (1994), de forma conjunta, as oportunidades e desejos são as causas imediatas da ação, mas a uma distância maior apenas as oportunidades importam, uma vez que também modelam o desejo. O desejo, por sua vez, constitui, em certa instância, um paradigma de julgamento e, como tal, leva à qualificação ou sentença do fato comparado.

O ser humano tem o raciocínio simbólico por economia de energia. Isto é, age desta maneira porque é mais fácil, rápido e menos dispendioso pensar operando símbolos e julgar por paradigmas simplificados, do que operar com todas as informações e conhecimentos que intervém em cada fato. Essa é uma característica do indivíduo que tem reflexos no coletivo. Ou seja, pela linguagem um paradigma individual atinge e é absorvido pelo coletivo e pode passar a operar como um símbolo.

A rigidez do conhecimento científico ajuda a compreender a aparente complexidade e variabilidade das outras formas do conhecimento, nas quais a precisão conceitual tem implicação direta. Ao se operar com diversas realidades, verdades e conhecimentos, na figura dos paradigmas, torna-se um pouco mais claro o meio no qual se insere o conceito de "erro humano". Neste sentido, a Psicologia Cognitivista parece ser um bom referencial de base para a abordagem do tema porque possibilita pensar em um "conceito cognitivo de erro humano", onde a aquisição da linguagem falada é um estágio de desenvolvimento, sendo a linguagem apenas uma das formas de manifestação da função simbólica.

Piaget concebe o desenvolvimento do conhecimento como um processo contínuo de organização e reorganização estrutural, em que as estruturas de conhecimento sofrem desequilíbrios e reequilibrações constantes, diferenciando-se e integrando-se umas das outras, mas sempre em direção a um melhor equilíbrio ou equilibração majorante relembra (Chakur, 2002). É o processo dinâmico e permanente da construção do conhecimento, que coincide, neste caso, com a reformulação dos paradigmas que, no nível individual são utilizados nos julgamentos dos fatos.

 

3. Erros humanos e processos de negócios que exigem criatividade

Nesta seção, é feita a conexão entre realidade, verdade e conhecimento com criatividade, processos de negócios e processos criativos de negócios passando pelos erros humanos (figura 1).

O estudo dos erros humanos, pelos três pilares anteriormente descritos, pressupõe o domínio de conceitos como "realidade, conhecimento e verdade", aplicáveis pela via dos paradigmas, aos julgamentos e avaliações dos próprios atos, no caso da abordagem individual, e dos atos de outros pela via do julgamento externo, com os paradigmas socialmente compartilhados. A operacionalização dos complexos conceitos de erros humanos nos processos de negócios que requerem criatividade passa, necessariamente, pela configuração que lhe é atribuída pelas ciências cognitivas.

Sully4 é considerado como possível pioneiro na tentativa de classificar o amplo escopo do campo do erro humano e, para tanto, buscou princípios comuns. Ele definiu "ilusão" como sendo todo tipo de erro que contradiz o conhecimento imediato, auto-evidente e intuitivo, seja por sensação-percepção ou por processo. Ele também tentou separar o conhecimento em duas áreas, quais sejam: primária ou intuitiva e secundária ou inferencial. Em seguida, nas duas primeiras décadas do século XX, surgiram numerosas tentativas de compreender as origens psicológicas da falibilidade humana e o mais conhecido dos esforços foi apresentado por Freud na figura da psicopatologia da vida cotidiana. Os lapsos constituíram um vértice de sua abordagem.

Porém foi somente nas duas décadas finais do século XX, por meio das Ciências da Cognição, que surgiu a primeira abordagem operacional para os erros humanos, especificamente nas contribuições oferecidas por Norman (1988), Rasmussen (1983) e Reason (2002). Norman subdividiu o comportamento fora do esperado em "deslizes" e "erros". Rasmussen propôs uma arquitetura cognitiva com três níveis de comportamentos: baseados em habilidades, baseados em regras e baseados em conhecimento. Fazendo convergir os dois anteriores, Reason (2002) propôs, em 1990, o modelo GEMS (Generic Error-Modelling System). O "conceptual framework" que constitui o modelo GEMS é composto por três níveis: erros configurados como lapsos e deslizes (baseados em habilidades), erros baseados em regras e erros baseados em conhecimento.

É importante observar que erros do tipo lapsos e deslizes podem levar à ocorrência de problemas no nível dos erros baseados em regras. Exemplificando como isso funciona na prática, apertar um botão errado, ou vários botões errados no painel de uma usina nuclear por falta de atenção ou por condições de estresse podem levar a uma instabilidade em um sistema nuclear, que somente será percebido como problema no segundo nível, como um problema de regra. Ou seja, em um conjunto de regras que compõe um comportamento esperado podem ocorrer deslizes localizados e pontuais ao longo desse processo.

O modelo GEMS tem sido aplicado com sucesso em situações em que erros humanos podem levar a catástrofes, como tem acontecido no caso de Usinas Nucleares, onde uma interação complexa entre o operador e os equipamentos levam a eventos significativamente perigosos e, em alguns casos, à liberação de radioatividade para a atmosfera. Deficiências no desempenho humano ocorreram tanto antes do inicio do evento, em áreas tais como manutenção, treinamento e planejamento, quanto em resposta ao evento (Ambros, 2005).

A conexão entre erros humanos e criatividade ocorre na passagem do segundo nível, na arquitetura cognitiva de Rasmussen (1983), que trata de comportamentos baseados em regras, para o terceiro nível, que trata dos comportamentos baseados em conhecimentos. Dessa arquitetura é que tem origem o modelo GEMS, que tem demonstrado eficácia principalmente no trato do primeiro e segundo níveis, dentro de regras e paradigmas estabelecidos. No entanto, a criatividade é justamente a quebra de regras e/ou a incorporação de novos elementos de referência no paradigma estabelecido. Daí se extrai que o nível dos erros baseados em conhecimento é uma área nebulosa, porque opera com uma representação da realidade a partir do conhecimento residente na estrutura cognitiva do indivíduo e as associações que ele é capaz de fazer na montagem do seu plano de ação. Esse plano de ação configura o paradigma de julgamento individual (que pode atingir o coletivo) e que, ao ser submetido à realidade e em apresentando resultado satisfatório passará a compor novo conjunto de regras de ação. Com isto, essa nova situação passa a ser paradigmática, isto é, desce para o segundo nível de habilidade cognitiva proposto por Rasmussen (1983).

Este ensaio propõe a existência de uma relação entre os procedimentos criativos em processos de negócios com o nível baseado em conhecimento, no qual, quando há um problema para o qual se busca uma nova solução e não uma já conhecida (regra) ocorre um alinhamento com o próprio procedimento criativo. Neste caso, há uma racionalidade consciente na compreensão do paradigma vigente como carente de reformulação dentro de uma determinada lógica e sua efetiva alteração. Ou seja, tenta-se "racionalmente" entender o paradigma vigente e a lógica necessária a esse modelo de referência para trazer ao nível das regras visando à implementação de mudanças e rotinas. Com isso, quando utilizado o "conceito cognitivo" de erro humano, o julgamento do que é certo e o que é errado fica atrelado a um novo paradigma que pressupõe a possibilidade de ocorrência de erro na busca do acerto. O conceito cognitivo resultante do plano de ação e que opera como paradigma nos processos criativos de negócios é o embrião tanto da Criatividade, quanto da Inovação (conceitos de forte apelo na sociedade capitalista).

Deslizes não constituem indicativos de falta de conhecimento das regras vigentes nem pressupõe uma ação intencional de violação, mas são sempre decorrentes de condições extemporâneas como estresse ou desatenção. Os lapsos, por sua origem funcional orgânica, são de identificação quase que exclusiva do indivíduo que acessa a memória e, portanto, configuram um esquecimento ocasional e não intencional que, todavia, pode, em alguns casos, levar a conseqüências indiretas de descumprimento de regras. Com base nessa conceituação e por serem, de certa forma, incontroláveis, ficam desconsiderados nestas reflexões sobre os processos criativos de negócios.

Uma vez argüido o entendimento da sustentação teórica da formulação do paradigma do erro humano pelos pilares dos conceitos de realidade, verdade e conhecimento, torna-se oportuno clarear as conceituações operacionais de criatividade, processos de negócios e processos criativos de negócios.

A criatividade é aqui entendida como "o processo que resulta na emergência de um novo produto (bem ou serviço), aceito como útil, satisfatório e/ou de valor para um número significativo de pessoas em algum ponto no tempo", sendo essa definição resumida por Alencar, (1996: 15) a partir de mais de cem definições disponíveis na literatura. Para Joahnsson (1995), Rummler, Brache (1994), Davenport (1994) Harrington (1994) processos de negócios são etapas seqüenciais que dispõem de entradas, saídas, tempo, espaço, ordenação, objetivos e valores que, interligados logicamente irão resultar em uma estrutura para fornecer produtos ou serviços ao cliente. No âmbito deste ensaio, o termo "processo criativo de negócio" é aplicado em especial aos casos que exigem criatividade, aqui subtendidos como sendo aqueles enquadrados em "situações complexas", a exemplo da elaboração de um planejamento estratégico, resolução de problemas em ambientes de incertezas, desenvolvimento de conceitos de novos produtos, dentre outros.

Utilizando como exemplo o desenvolvimento de conceitos de novos produtos, o conhecimento de domínio é a condição básica para o reconhecimento da inovação, que tem por base a criatividade. Dessa forma, afirmar o que é criatividade fica a encargo do chamado expert no assunto. Reason (2002) explica que "experts" representam o espaço do problema num nível de abstração maior que "nonexperts".

Os pesquisadores não mudaram essencialmente o modo de conceber as etapas do processo criativo desde Wallas5. Segundo ele, estas etapas são: encontro, preparação, concentração, incubação, iluminação, verificação e persuasão. Muitos autores apresentaram propostas de classificação, mas, como identificado por Ford e Harris (1992), não se verificam diferenças muito significativas.

Segundo Wechsler (1998), a criatividade como processo é uma abordagem teórica onde se enquadram as investigações e os questionamentos sobre o tipo de pensamento que leva o indivíduo à descoberta criativa. Estudam-se também os aspectos relacionados aos passos necessários para se atingir uma produção criativa, onde a preparação, a incubação e a verificação merecem atenção especial.

Ao discorrer sobre o processo criativo, Gabora (2002) discute os seguintes estágios:

Preparação: o criador se envolve no problema, coleta dados relevantes e abordagens tradicionais e, possivelmente, tenta resolvê-lo (sem sucesso);
Incubação: o criador não tenta ativamente resolver o problema, mas seu subconsciente continua trabalhando nele;
Iluminação: uma possibilidade vem à tona, em uma forma vaga e não trabalhada.
Verificação: a idéia é trabalhada e formatada de modo que possa ser provada e comunicada a outras pessoas.

Esse ciclo mostra os estágios de preparação e verificação com clareza, mas deixa uma definição muito aberta nos estágios intermediários. A criatividade é tratada como uma "inspiração", e a conceituação não inclui as possíveis influências às idéias geradas e isso não se alinha com o entendimento geral sobre o tema. Estudos mais recentes tentam descrever mecanismos cognitivos e condições que levam à produção criativa com mais detalhes (Shneiderman, 1999), dando à inspiração um destaque menos acadêmico. Na interpretação de Ward e colaboradores (1999), a marca da criatividade humana é a capacidade de ir além de experiências passadas, utilizando processos caracterizados pela investigação experimental. Estes pressupostos formam a bases da sua abordagem de "cognição criativa". O modelo GENEPLORE proposto por eles, sugere a existência de duas etapas na atividade criativa: a primeira, da geração de idéias candidatas, seguida por uma de exploração destas idéias. O modelo assume que as pessoas alternam entre estas duas etapas, trabalhando nas estruturas de acordo com as restrições da tarefa em questão.

A geração de idéias iniciais inclui a busca por estruturas existentes na memória, a formação de associações ou combinações entre estas estruturas, a síntese ou transformação de estruturas em novas formas ou a transferência de conhecimentos de um domínio para outro. Já os processos exploratórios incluem a busca por novos atributos nestas estruturas de memória, a busca por implicações ou funcionalidades em potencial das estruturas, a avaliação destas a partir de diferentes pontos de vista ou em diferentes contextos, a avaliação de possíveis soluções e a busca por limitações sugeridas pelas estruturas. O modelo assume que podem ser introduzidas restrições ao produto final em qualquer das duas etapas, de modo a limitar os espaços de busca e solução. Esta descrição é inteiramente compatível com o terceiro nível da arquitetura cognitiva proposta por Rasmussen (1983) e apropriada no modelo GEMS.

Em outra descrição da dinâmica do processo criativo, o indivíduo trabalhando dentro de um domínio, apresenta seu trabalho para os "guardiões" desse domínio, que julgarão se seu trabalho deve ser aceito no domínio como uma contribuição criativa ou não (Csikszentmihalyi, 1996). Segundo ele, a criatividade não ocorre nas cabeças das pessoas, mas na interação entre os pensamentos de uma pessoa e o contexto sociocultural, e na sua visão sistêmica de criatividade, existem três componentes: domínio (de aplicação), campo (os indivíduos que atuam como guardiões do domínio) e o indivíduo que manifesta sua criatividade:

Domínio (domain): é a área de conhecimento na qual o indivíduo trabalha. Compreende o conhecimento, regras, código e símbolos compartilhados por todos os que trabalham nesse domínio. Estabelece o que se sabe e o que é geralmente aceito por pessoas envolvidas com o domínio, trabalhos anteriores, etc;
Campo (field): é um conjunto de participantes do domínio que tem condições para avaliar o produto gerado para determinar se pode ou não ser considerada uma contribuição criativa. Este pode ser um grupo grande ou pequeno de indivíduos que, dado seu conhecimento do domínio, tem a capacidade de avaliar as contribuições ao mesmo;
Indivíduo (individual): é o indivíduo que criará algo. O que quer que seja criado estará relacionado a um ou mais domínios e, muito provavelmente, se baseará nos símbolos, códigos, regras e história do domínio.

Esses elementos interagem entre si para viabilizar a produção criativa e esta definição de "sistema criativo" enfatiza o aspecto social da criatividade (na medida em que o indivíduo deve interagir com os especialistas de domínio para validar e conduzir seu trabalho).

Deste modo, o indivíduo constrói e modifica o domínio em que atua e um grupo de "juízes de domínio" decide o que é ou não uma contribuição aceitável. Ele salienta a importância de consultar especialistas de domínio durante o processo de trabalho e a necessidade de disseminação do trabalho dentro do domínio, de modo que o trabalho se torne parte deste. Este modelo recebeu ampla aceitação, provavelmente devido ao fato de que os pesquisadores reconhecem o funcionamento de seus próprios campos de atuação e métodos de pesquisa refletidos nele. No entanto, este modelo não leva em consideração a criação coletiva ou como a interação dentro de um grupo de trabalho, leva à geração e exploração de idéias. É possível adotar seu modelo como base, e pensar em um grupo de indivíduos (ao invés de um indivíduo sozinho) e explorar as interações dentro do grupo e entre o grupo, o domínio e o campo ao tentar gerar soluções criativas para problemas.

Na visão de Alencar e Fleith (2003), o modelo de sistemas de Csikszentmihalyi (1996), ao propor que, criatividade seja vista como um processo que resulta da intersecção de três fatores: indivíduo (bagagem genética e experiências pessoais), domínio (cultura) e campo (sistema social), permite que esse modelo sistêmico defina a criatividade como um ato, idéia ou produto que modifica um domínio existente ou transforma esse em um novo. Para que isso ocorra, é necessário que o indivíduo tenha acesso a vários sistemas simbólicos e que o ambiente social esteja receptivo a novas idéias, ou seja, que o paradigma instituído seja propício à inovação.

A função do especialista de domínio é atuar como juiz, que utiliza paradigmas e que os confrontam com os fatos, atos ou situações de controle do sistema em estudo. Nesta ocasião, pode haver um erro. Por exemplo, o produto final não satisfaz (não chegou a atender o projeto ou objetivos da organização). Ou ao contrário, atendeu, foi bem sucedido, atingiu o esperado. Mas também pode atender em parte a expectativa, apresentando erros parciais que não prejudicam substancialmente o projeto como um todo, mas lhe confere um determinado grau de insatisfação, o que é suficiente para o estabelecimento de um novo paradigma para um novo projeto que desencadeia uma ação. Basicamente esses acontecimentos compõem a dinâmica que leva o comportamento cognitivo baseado em regras (operado por signos) para o nível do comportamento baseado em conhecimento (operado por símbolos) no modelo proposto por Rasmussen (1983).

O assunto, todavia, não se esgota de forma tão simples. As realidades diferentes que compõe o habitat das situações em que operam os julgamentos e os paradigmas não possibilitam um trato absolutamente linear em todas as ocasiões. Os elementos de reflexão sobre os erros humanos devem ir além dos limites de domínio das ciências, passando pela multi, inter e transdisciplinaridade. Porém, isso demanda um modelo de referência que contemple todos esses elementos, modelo esse que não está disponível à ciência. Mas esse fato não invalida a necessária reflexão sobre todas essas implicações, principalmente quando a visão de Jupiassu (2006) parece estar tão alinhada à dimensão da pesquisa transdisciplinar e da realidade em que o tema Criatividade se insere.

"Creio que esse novo paradigma a ser criado, tendo por objetivo utópico a compreensão do mundo presente -embora reconhecendo a independência das disciplinas -, promove sua comunicação sem ter que recorrer a nenhuma forma de redução. Por exemplo, do biológico ao físico-químico ou do antropológico ao biológico; donde seu caráter enciclopédico, no sentido grego de Enkyclios Paidéia, pondo em ciclo (círculo) pedagógico todas as esferas do saber (disciplinas) até então incomunicáveis, mediante uma articulação teórica das atividades dos especialistas em torno da tentativa de resolução de um problema comum. Trata-se de um paradigma mais atento à legitimação epistemológica dos conhecimentos, permitindo produzir, ensinar e praticar. Define-se pela concepção de representações ricas dos contextos considerados, sobre os quais podemos raciocinar de modo ao mesmo tempo engenhoso e comunicável, com o objetivo de elaborar propostas para a ação, procurando lançar mão do principal instrumento de que dispõe o espírito para representar e raciocinar: a conjunção, a capacidade de religar, contextualizar e globalizar." (Jupiassu, 2006: 6)

E criatividade é o principal ingrediente dos processos criativos de negócios que permitirão às corporações a prática da inovação, palavra de ordem no momento atual.

 

4. Conclusões

No mundo infantil, a relação entre o erro humano e o julgamento é tratada com naturalidade, pois que, quando a criança erra, vai aprendendo a operar com as diversas realidades que encontrará no mundo adulto. Já no ambiente de negócios erros não são tolerados e, no ato de julgamento, normalmente, são punidos. Pequenos lapsos e deslizes tradicionalmente são desconsiderados enquanto que os erros de regras, dependendo da gravidade, demandam atitudes com conseqüências mais sérias. A questão crucial é que existem processos de negócios em que as regras estão claramente estabelecidas e muitas vezes descritas em manuais. Já outros processos, por não possuírem regras claras em manuais formais, são impulsionados por políticas de gestão. A diferença entre regras e políticas é que as políticas dão certa margem de flexibilidade, enquanto as regras não. Essas diferentes características deixam clara a facilidade ou dificuldade de atuação bem sucedida, porque a atuação criativa pressupõe menos rigidez e maior grau de liberdade. No entanto, nenhum colaborador cometerá um erro por vontade própria, a não ser em casos explícitos de violação. Na maioria das vezes, estes são cometidos pela inadequada aplicação das regras ou percepção do fato, causados ou pela obscuridade do paradigma ou pela não clareza das próprias regras ou políticas. As causas dos erros, portanto, contém elementos sistêmicos atuando.

Os "processos criativos de negócios" possuem necessidades diferenciadas, pois operam no nível da incubação de idéias, como no exemplo do desenvolvimento do conceito de um novo produto, onde há uma relativa liberdade de ação e menor número de regras rígidas a serem seguidas. Nessa fase, regras e clareza do paradigma são entraves à criatividade. No entanto, ao se passar para a fabricação do produto, o julgamento passa a ser fator relevante, onde regras e paradigmas são elementos essenciais a um modelo de referência que permita levar ao acerto (sucesso) ou ao erro (fracasso). Por isso ganha importância o "conceito cognitivo de erro humano", que dá um sentido relativo ao julgamento do erro em ambiente empresarial. Tem origem, aqui, uma sutil variação conceitual em relação ao "erro de conhecimento" proposto pelo modelo GEMS. Neste caso, a relativização do conceito de erro, admitindo-o como parte do aprendizado e como integrante do processo de proposição de novas soluções ou formas de negócio mais eficientes, perde o caráter taxativo de "falha" ou "erro de conhecimento" tal como concebido por Reason (2002). Como parte do processo de concepção de novas e melhores soluções o "procedimento" resultante da proposição pode ser considerado como a "experimentação" de um plano ainda em construção e que só é dado por concluído quando todas as variáveis envolvidas na situação complexa forem satisfeitas. Isto implica em admitir que o experimento possa demandar diferentes estágios. Assim, o conceito de "erro de conhecimento" do modelo GEMS, para este caso, fica abrandado enquanto o erro de regras permanece íntegro. De outra forma pode-se propor a afirmação de que, para o caso de "negócios que requeiram criatividade" somente ocorre erro quando regras e paradigmas estão perfeitamente claros, ou seja, convencionados pelo grupo e aceito pelo indivíduo.

Muito embora o modelo GEMS, por sua simplicidade e operacionalidade, seja uma ferramenta eficaz no trato da classificação dos erros humanos sob a ótica cognitiva, não constitui uma solução tão geral que esteja imune a ajustes em situações específicas como a que aqui é apresentada. Outras situações semelhantes podem aparecer e propor questionamentos nessa linha sem invalidar esse modelo, principalmente em ocasiões onde o julgamento (avaliação pelo paradigma consensualmente aceito) se baseia em uma seqüência de parâmetros de fraca rigidez, característica da convergência de diferentes realidades. Nesse caso a apreciação da situação requer uma visão transdisciplinar, para a qual se desconhece um modelo que a atenda em sua plenitude. Fica, portanto, identificada aqui uma "inconclusão" que se soma a esta conclusão.

Concluir é encontrar uma forma de finalizar algum assunto e (in) concluir sugere que o assunto não está esgotado por inteiro. Assim, espera-se que este estudo tenha contribuído para evidenciar a aplicabilidade do modelo GEMS com sua conveniente re-interpretação. Esperase, também, que as (in) conclusões finais proporcionadas pela necessidade da visão transdisciplinar, possam ter contribuído para apresentar reflexões sobre a relação existente entre os conceitos de erros humanos como elementos de referência aplicáveis (ou não) a processos de negócios que exigem criatividade. O framework conceitual de referência para o conceito cognitivo de erros humanos (figura 1) é a proposta dos autores deste ensaio. A transdisciplinaridade é a inspiração.

 

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Submetido em 22/09/2008
Revisado em 18/03/2009
Aceito em 23/03/2009

 

 

Notas

(1) Ver Ramsey, P. (1927). "Facts and Propositions".. Ver também Strawson, P.F. (2001). "Truth". Em: Linch, M.P. (Ed.). The Nature of Truth. Cambridge: Bradford.
(2) Ver James,W. (2001). Pragmatism's Conception of Truth. Em: Linch, M. P. (Ed.) The Nature of Truth. Cambridge: Bradford.
(3) Ver Pierce, C.S. (1877). The fixation of belief. Popular Science Monthly, 12, 1-15. Illustrations of the logic of science. Disponível em: http://www.peirce.org/writings.html.
(4) Não apresenta afirmação categórica, por isso a afirmação fica como uma possibilidade provável, ver Sully, J.A. (1881). Psychological Study. London: C. Kegan Paul & Co.
(5) Melhores detalhes, ver Wallas, G. (1926). The art of Thought. New york: Harcourt, Brace & World.

A. C. Gomes Filho é Mestre em Biblioteconomia e Ciência da Informação (PUC/Campinas) e Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC/UFSC). Atua como Professor (Departamento de Administração, UNICENTRO). Endereço para correspondência Rua Europa, 390, apto. 1244, Bairro Trindade, Florianópolis, SC 88036135, Brasil. E-mail para correspondência: acgfilho@unicentro.br.
T. Vanzin é Professor (UFSC) e ministra a disciplina Erros Humanos, área de Concentração - Mídias do Conhecimento (EGC/UFSC). Endereço para correspondência Campus Trindade, Cx. Postal 476, Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC 88036135, Brasil. E-mail para correspondência: tvanzin@egc.ufsc.br.
F.A. Forcellini é Professor (UFSC), participa do Programa de Pós Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC/UFSC) e é Diretor de Inovação da Agência de Inovação Instituto Fábrica do Milênio. Endereço para correspondência Campus Trindade, Cx. Postal 476, Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC 88036-135, Brasil. E-mail para correspondência: forcellini@deps.ufsc.br.

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