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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. v.14 n.2 Rio de Janeiro jul. 2009

 

ARTIGO CIENTÍFICO

 

Terapia profunda e atratores de segunda ordem

 

Deep Therapy and second order attractors

 

 

Francisco A. P. Fialho; Ermelinda G. F. Silveira

Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 


RESUMO

O sonho de Freud e dos primeiros psicanalistas era de encontrar um lócus para os processos psicológicos. Com o desenvolvimento da matemática dos sistemas dinâmicos não lineares foi possível utilizar desta nova linguagem não para encontrar tal lócus, mas para melhor organizar os conhecimentos adquiridos sobre as estruturas conscientes e inconscientes e seus movimentos em direção a uma auto-organização. Epistemologicamente, o artigo se ancora na psicologia profunda de Jung e nas contribuições dos pós-Junguianos, abrindo para as discussões recentes com a psicologia transpessoal, principalmente citando Wilber em seus comentários sobre Jung. Exploramos neste artigo, em particular, o conceito de atrator, já intuído pela genialidade destes precursores como, por exemplo, no pente que Freud utilizava para explicar como traços eram capazes de gerar comportamentos. O artigo faz uma revisão de bibliografia, revendo alguns autores que se utilizam desta nova linguagem para descrever os comportamentos e seus estados patológicos, avançando em algumas analogias e estabelecendo, na conclusão, conjecturas que convidam os leitores a novas pesquisas.

Palavras-chave: Jung; terapia; atratores; complexidade; comportamento.


ABSTRACT

The first psychoanalysts dream, shared by Freud, was to find a locus for the psychological processes. With the development of optimal mathematical models for nonlinear dynamical systems, it was possible to use this new language, not to find a locus, but for a better organization of the knowledge acquired about the conscious and unconscious structures and their movement toward self-organization. The article episthemology is anchored in the depth psychology of Jung and the contributions of post-Jungian. The authors bring also recent discussions with the transpersonal psychology, mainly quoting Wilber in his comments on Jung. We explore in this article, in particular, the concept of attractors, a concept already imagined by these men of extraordinary genius, Freud and Jung, exemplified by the comb that Freud used to explain how traits were able to generate behavior. The article makes a review of literature, visiting some authors who are using this language to describe both normal and pathological behavior, going further, setting some analogies and, in conclusion, formulating conjectures that opens new researches possibilities for the readers.

Keywords: Jung; therapy; attractors; complexity; behavior.


 

 

1. Introdução

A pós-modernidade libertou o homem da unidade, deslocando, descentrando e desmembrando o sujeito moderno cartesiano. Para Hall (1996), as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado.

A redescoberta do inconsciente pela psicanálise de Freud dividiu o ser humano, porém é com a psicologia analítica de Jung que esse sujeito torna-se múltiplo, constituído por inúmeros arquétipos e complexos, personificados nas diversas subpersonalidades que compõem a psique, uma delas constituindo o ego, que rege a consciência. Há um sujeito composto de várias identidades - às vezes, contraditórias e não-resolvidas, definidas arquetipicamente.

As várias identidades do sujeito, chamadas por Wilber (2002) de subpersonalidades do eu, na maioria das vezes, são vivenciadas como vozes vocais ou subvocais no interior da pessoa, que competem por atenção e por predominância comportamental, "formando um tipo de sociedade subconsciente de eus que precisa ser negociada pelo eu proximal em qualquer um dos seus estágios" (Wilber, 2002: 116).

A consciência, na visão de Wilber (2002) é composta de um eu proximal, que corresponde ao eu observador, analogizado com o complexo do ego da psicologia junguiana, e de um eu distal, um eu que é observado, composto por coisas objetivas que podemos ver ou conhecer a nosso respeito, ou seja, a consciência é observadora e observada, simultaneamente. O eu total, neste modelo, corresponde à soma desses eus, juntamente com as subpersonalidades do subconsciente, este entendido como a parte psíquica irracional, prépessoal, correspondendo ao id freudiano e ao inconsciente junguiano.

Essas subpersonalidades são fragmentos autônomos da personalidade, que, inclusive, podem estar em diferentes níveis de desenvolvimento psíquico. Podemos ter facetas da consciência em muitos níveis diferentes de ética, de visões de mundo, de defesas, de patologias e assim por diante (Wilber, 2002). Um senso do eu proximal, que em indivíduos normais chamamos de ego forte, é essencial para integrar e equilibrar esses outros eus que povoam o inconsciente (Woolger, 1997).

Neste artigo, comparamos o conceito de complexos desenvolvido por Jung, e ampliado pelas discussões recentes com a psicologia transpessoal, com a idéia de atratores, em particular dos atratores caóticos estranhos. Trata-se, portanto, de um artigo de reflexão e de conjecturas com base no encontro de duas disciplinas, no caso a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung e a Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos.

 

2. Cartografias da psique

As várias identidades arquetípicas do sujeito são chamados por Castoriadis (1999) de micro-sujeitos ou sub-sujeitos, que formam o inconsciente, cada um agindo por sua conta, com finalidades próprias, cada um deles possuindo (constituindo, criando) seu mundo, seus objetos, suas finalidades e suas avaliações. A psique, então, seria uma totalidade de subesferas psíquicas em que cada uma delas persegue seus próprios fins e é capaz de impor as suas idéias, desempenhando papéis importantes no drama que é o que Jung chamou de processo de individuação, a maneira pela qual cada um vem a ser o que realmente é.

Para Maffesoli (2004), o drama corresponde às teatralidades cotidianas, onde a multiplicidade no interior do ser humano opera. Enquanto que a razão dogmática quer impor a unidade para esse indivíduo fragmentado, os sentimentos e afetos conduzem-no à turbulência, ao desconforto (e à riqueza) da multiplicidade. Esse sujeito múltiplo em si mesmo não se reconhece na rigidez social.

O sujeito da psicologia junguiana é visto como uma constelação de arquétipos, sendo o ego (o eu proximal de Wilber) apenas um planetinha no vasto mundo do universo, que é a psique. Nesse olhar, o indivíduo tem uma alma, que é considerada múltipla, uma unidade viva, organizada, dinâmica e multifacetada. Corresponde a uma estrutura plural e indeterminda, um sistema formado por múltiplas unidades que se agrupam de forma diferenciada, ou melhor, um conjunto estrutural indeterminado e interminável constituído pela interação de inúmeros complexos (Pieri, 2005).

 

 

Os complexos junguianos, que se expressam na personalidade humana como símbolos, são comparados às subpersonalidades do eu de Wilber (2002); às sub-esferas psíquicas de Castoriadis (1999); aos COEX de Grof (2000) e aos complexos cármicos de Woolger (1997), conforme veremos adiante. Correspondem a personalidades divididas, parciais e independentes, que compõem o nosso inconsciente e afetam drasticamente as nossas escolhas, o nosso comportamento e os nossos relacionamentos. Mais recentemente, Hillman e diversos pós-junguianos contemporâneos, que enfatizam a importância do personificar em psicologia profunda, dizem que os complexos aparecem na clínica personificando uma multiplicidade de figuras internas que representam diversas experiências, ou seja, os complexos são personificados, formando subpersonalidades (Boechat, 2004). Stein (2004) refere-se ao espaço psicológico da experiência dos complexos como o interior povoado. Para Parfitt (2003), isso significa dizer que o ser humano apresenta personalidades múltiplas.

Quando o inconsciente é examinado, descobrimos um mundo de heróis, tiranos, escravos, rainhas, mercadores, charlatães, sedutoras, bodes expiatórios, sacerdotes, generais, senhores, camponeses e assim por diante. Cada uma dessas figuras é um complexo personificado que habita os "melodramas internos de nossos sonhos e fantasias" (Woolger, 1997: 208). Hillman (1983), que chama o inconsciente de mundo dos deuses, acredita que só uma psicologia baseada no entendimento de como essas imagens arquetípicas formam todas as atividades culturais e criativas - artes, ciência, religião, política e filosofia - pode fazer justiça às realidades múltiplas que chamamos de alma.

 

3. A teoria dos complexos de Jung

Para compreendermos melhor as sub-esferas psíquicas ou subpersonalidades arquetípicas (complexos personificados), iremos retornar à 1902, na Clínica Psiquiátrica da Universidade de Zuriche, onde Jung começou a estruturar a teoria dos complexos. É na teoria dos "complexos" que Jung consegue representar um tipo de unidade para o estudo da psique, mais dinâmico e suscetível ao novo que qualquer uma das categorias usadas por Freud, trazendo assim, uma contribuição importante para a psicologia, ao aproximar ontologicamente a psique da subjetividade humana (González Rey, 2007).

Para Jung a "via régia" para o inconsciente não estava nos sonhos, como entendia Freud, mas nos complexos. A teoria junguiana dos complexos teve a sua origem em uma série de experimentos com sujeitos humanos, denominados de "teste de associação de palavras"; culminando na publicação da obra "Psicologia do Inconsciente", em 1912. O método experimental, que depois foi abandonado por Jung, tanto lhe serviu de ponte para iniciar o relacionamento com Freud, quanto para lançá-lo internacionalmente no mundo acadêmico (conferências do bicentenário da Clark University, Estados Unidos, 1909). Esta pesquisa experimental surgiu em decorrência de uma inquietação presente na época em que Freud e Jung se debruçavam sobre a comprovação empírica do inconsciente.

Nesta pesquisa, eram utilizadas palavras-estímulos, lidas a um sujeito que tinha sido instruído previamente para responder com a primeira palavra que lhe ocorresse à mente. As respostas geravam uma série de reações emotivas, verbais e fisiológicas, que eram mensuradas e documentadas por equipamentos utilizados na época como o voltímetro, o amperímetro, medidores do reflexo psicogalvânico, e o pneumógrafo. A ativação emocional de determinados conteúdos psíquicos, por exemplo, podia provocar um aumento de sudorese por dilatação das glândulas sudoríparas da pele - o chamado reflexo psicogalvânico convenientemente medidos pelo amperímetro e o voltímetro. A ansiedade provocada por esta constelação afetiva, levando a uma taquipnéia, poderia ser mensurada pelo pneumógrafo, que mede o volume de CO2 (dióxido de carbono) emitido pela expiração num dado tempo (Boechat, 2004).

A partir destes experimentos, Jung observou que haviam fatores que não eram conscientes pelos indivíduos e que afetavam as respostas. Algumas palavras-estímulos despertavam lembranças dolorosas que haviam sido enterradas no inconsciente, conteúdos que, por sua vez, se associavam a outros conteúdos. Havia uma espécie de rede de material associado, formada por lembranças, fantasias, imagens e pensamentos, que se juntavam em torno de uma carga emocional compartilhada. Esta rede foi chamada de complexo (Stein, 2004).

 

 

Os complexos são agrupamentos de conteúdos psíquicos carregados de afetividade. São constituídos primariamente de um núcleo arquetípico possuidor de intensa carga afetiva. Secundariamente à este núcleo, estabelecem-se associações através de várias idéias e imagens associadas e agregadas, cuja coesão em torno do núcleo é mantida pelo afeto comum a seus elementos. Portanto, a constelação de imagens dos "complexos" é agrupada por emoção, isto é, tem um vínculo emocional que as associa.

O conteúdo eminentemente afetivo do complexo faz dele uma entidade psicofísica, e suas manifestações corporais foram meticulosamente mensuradas no teste de associação de palavras (Boechat, 2004). Jung concluiu que podia medir a carga emocional mantida num determinado complexo se simplesmente somasse o número de indicadores de complexo que ele gerava e a severidade dessas perturbações (Stein, 2004). Formam-se, assim, verdadeiras unidades vivas, capazes de existência autônoma. Segundo a força de sua carga energética arquetípica, o complexo torna-se um imã para todo fenômeno psíquico que ocorra ao alcance de seu campo de atração.

Fordham (1954) considera os complexos como inúmeros pequenos nós numa rede invisível, nos quais se acumulam a carga energética da psique coletiva inconsciente, representando cada um o centro de um respectivo campo de energia magnética. Essa energia funciona como uma imã, atraindo para o núcleo arquetípico imagens e sensações que se agrupam por emoção, inchando o núcleo e formando bolsões inconscientes de psiques parciais, considerados estranhos pelo eu.

Para Jacobi (1995: 32), quando um "ponto de nó" está inchado apenas por elementos míticos ou humanos gerais, podemos então falar de um complexo da esfera do inconsciente coletivo. Mas, quando, além disso, lhe são sobrepostos elementos adquiridos individualmente, isto é, quando ele se apresenta com a roupagem de um conflito pessoalmente condicionado, falamos então de um complexo do inconsciente pessoal.

 

4. Complexos, COEX e atratores caóticos

Para entender melhor esses "pontos de nós" do inconsciente, iremos utilizar os achados da teoria dos sistemas dinâmicos não lineares. Nesse olhar, o ser humano é visto como um sistema adaptativo complexo que, de acordo com as suas emoções, constrói o conhecimento de uma forma caótica. Essa percepção, erigida a partir do pensamento complexo, agrega uma contribuição para o entendimento dos fenômenos psíquicos, alinhando-os com os conceitos da ciência pós-moderna.

As técnicas relativas aos sistemas dinâmicos não lineares, vulgarmente conhecidas como técnicas de caos, como reconhecido por diversos autores, alguns citados por nós em trabalho anterior (Fialho et al., 2005), têm permitido uma melhor fundamentação dos achados de Freud e seus seguidores, utilizando o encontro da Psicologia Analítica de Jung com a Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos, comparando o conceito de complexos desenvolvido por Jung com a idéia de atratores caóticos1.

Um atrator é uma abstração matemática assim definida: Diz-se que um conjunto A C é um atrator sob a função ƒ: C C se:

a. A for fechado;
b. A for dinamicamente invariante;
c. a distância d (zk, A) do ponto zk =
ƒk (z) ao conjunto A tender para zero quando k , para todo ponto z de um conjunto aberto B que contenha A.

O conjunto B A constitui, nessas condições, a bacia de atração de A.

Dizemos que um conjunto A C é dinamicamente invariante sob a função ƒ, se a explicação iterativa de ƒ a qualquer ponto z A produzir uma órbita contida em A. Simbolicamente, ƒk: A A.2

Stacey (1996) define um atrator, do ponto de vista filosófico, como um estado potencial de comportamento, uma disposição, ou um arquétipo em processo de ser realizado ou atualização através da experiência específica de um sistema. O conjunto B, a base de atração, corresponderia, por exemplo, ao conjunto de eventos que levaria a um determinado comportamento (pólo de atração), ou, o que é mais comum, a um número n de comportamentos possíveis (atrator com muitos pólos). Nesta metáfora, o mais comum, são atratores bi-polares (dois pólos, como no atrator de Lorentz).

Temos no ser humano atratores de primeira ordem e de ordem mais elevada. Freud já exemplificava um atrator em seu famoso "Pente de Freud" que fala da formação de um complexo-atrator. Freud não tinha acesso à matemática moderna.

Em termos não matemáticos, atratores são como um campo gravitacional que atrae o comportamento através dele (Losada e Heaphy, 2004). Em termos psicológicos, corresponde ao complexo inconsciente, com o seu poder gravitacional. Os atratores variam em graus, que vão do rígido ao flexível. O infinito é um atrator sempre presente que nos conduz à destruição. O atrator de ponto fixo corresponderia a algum estado catatônico. Os atratores periódicos ou de ciclo limitado e o quasi-periódico podem ser associados a neuroses e outros estados patológicos. O mais flexível deles é o atrator caótico, chamado por Losada e Heaphy (2004) de complexor.

 

Figura 3

 

Na cibernética de primeira ordem, os estudiosos consideravam um sistema como se este fosse passivo, algo que pudesse ser livremente observado e manipulado. Na cibernética de segunda ordem, o sistema passou a ser modelado como organismos ativos ou sistemas vivos, agentes capazes de interagir com outros agentes e com o observador. Da mesma forma temos atratores de primeira ordem e outros de ordem mais elevada (atratores de atratores). Atratores com órbitas que são atraídas por um atrator finito, permanecendo confinadas e os mais desafiadores, aqueles que, ainda que confinados, são erráticos.

Palombo (1999) utiliza a teoria dos sistemas dinâmicos não lineares para definir os complexos. Para ele, o inconsciente é uma organização complexa de atratores. Esses atratores se formam em decorrência da repressão das experiências traumáticas e dolorosas que ocorrem na infância. Com o mecanismo da repressão, essas experiências saem da consciência, formando conexões patológicas e fantasiosas no inconsciente. As conexões patológicas agrupam-se em um circulo fechado de condensações primitivas, que ficam conectados com experiências posteriores que acontecem na vida adulta. São essas condensações agrupadas que correspondem aos atratores, chamados de atratores infantis inconscientes (Palombo, 1999).

As unidades básicas constituintes dos atratores psíquicos inconscientes são imagens com coloração afetiva e potencialmente ativas. Essas imagens apresentam uma bacia de atração, área que circunda o atrator, onde os objetos convergem para o centro, podendo ser comparada a uma força que atua semelhante à gravidade, atraindo objetos para o núcleo. Em termos psicológicos, corresponde às experiências da vida adulta conectadas com a base emocional de fantasias infantis que formam o atrator (Palombo, 1999). Se olharmos esses atratores psíquicos como complexos, percebemos que os pólos correspondem a um arquétipo.

As modernas pesquisas sobre consciência realizadas por Stanislaf Grof (2000), inicialmente no Programa de Terapia Psicodélica do Centro de Pesquisas Psiquiátricas de Maryland, em Baltimore e depois em Esalen nos ajudam a entender melhor os complexos junguianos, também chamados de atratores infantis inconscientes, por Palombo. Para Grof (2000), o ser humano tem princípios gerais de organização da psique que influenciam as formas de percepção e representação do mundo, chamados de COEX, ou sistemas de experiência condensada, que parecem corresponder aos complexos junguianos, em uma visão mais ampliada (Jung não considerou os níveis perinatais e transpessoais da psique), assim definidos por Grof (2000: 37):

"memórias com carga emocional, de diferentes períodos da nossa vida, que se assemelham pela qualidade da emoção ou sensação física que compartilham. Cada COEX tem um tema básico que permeia todas as suas camadas e que representa seu denominador comum. As camadas individuais contém variações desse tema básico que ocorreriam em diferentes períodos da vida da pessoa. O inconsciente de uma determinada pessoa pode conter várias constelações COEX. Sua quantidade e a natureza dos temas centrais varia consideravelmente de pessoa para pessoa".

De acordo com Grof (2000), é a intensidade da experiência e sua relevância emocional que determinam se uma memória será incluida ou não em um COEX e não sua natureza desagradável, ou seja, é a tonalidade afetiva que irá aglutinar os elementos dos complexos. Alem de constelações negativas, há também aquelas que compreendem memórias de situações e momentos muito agradáveis e ate de êxtase.

Todas as constelações COEX parecem estar sobrepostas e ancoradas no trauma do nascimento e tem uma relação dinâmica com uma das matrizes perinatais, ou com um aspecto especifico delas. Não obstante, um sistema COEX típico vai mais além e suas raízes mais profundas consistem de várias formas de fenômenos transpessoais, tais como experiências de vidas passadas, arquétipos junguianos, identificação consciente com vários animais, entre outras (Grof, 2000).

Para Grof (1975, 2000), as experiências emocionais e sensoriais do ser humano começam com o nascimento, antes da formação do ego, constituindo o que ele chama de nível perinatal do inconsciente. As experiências psíquicas desse momento de vida, surgem em quatro padrões experienciais distintos, chamados de matrizes perinatais, cada matriz caracterizada por emoções, sensações físicas e imagens simbólicas específicas. As experiências gravadas no inconsciente perinatal são acessadas pela psicoterapia experimental desenvolvida por Grof, inicialmente utilizando LSD, sendo substituído posteriormente pela respiração holotrópica (técnica criada por ele para induzir estados alterados de consciência, chamados de estados holotrópicos).

Grof dá um passo adiante de Jung, quando demonstra empiricamente o inconsciente perinatal e relaciona os COEX ao trauma do nascimento. Segundo Stein (2004), a maioria dos complexos são formados por traumas, ou seja, pertencem ao grupo dos complexos do inconsciente pessoal (tanto a psicologia analítica quanto a psicanálise vão falar de traumas que começam na primeira infância, indo até a idade adulta. Não consideram o nível perinatal do inconsciente). Com Grof vemos que esses traumas vem do período perinatal da vida humana.

Quando um trauma ocorre, a personalidade parece se dividir em diferentes fragmentos; a parte profundamente traumatizada fica congelada no acontecimento de origem, o qual muitas vezes é esquecido, uma outra parte do self se dissocia, ou vai embora, em geral para um outro mundo, que é seguro ou afastado da dor (Rossi e Cheek, 1995; Steinberg e Schnall, 2000). Ao mesmo tempo, surge uma máscara de adaptação aparentemente forte, que ajuda o indivíduo a prosseguir com sua vida, impérvio à dor. Em casos extremos, como no distúrbio de personalidades múltiplas, aparecem vários complexos parciais, cada qual se protegendo ou se escondendo um do outro, em uma teia altamente complexa, dissociada da memória da ferida original.

Perscrutar e despertar as subpersonalidades, muitas vezes, pode ser semelhante a retirar as peles ou camadas de uma cebola, e se faz necessária uma considerável habilidade por parte do terapeuta para respeitar e conter as várias camadas de memória que podem vir à tona, conforme a estrutura protetora em volta do trauma original começa a descongelar (Woolger, 1997).

Os traumas vão formando os complexos-atratores, que vão dissociando a consciência, sendo a dissociabilidade a primeira característica desses atratores inconscientes. Para Palombo (1999), o atrator psíquico inconsciente existe como uma região separada da consciência, com suas próprias regras. As regras que o constituem correspondem às características descritas por Jung (1998) em relação aos complexos: autonomia, dissociabilidade em relação à consciência e capacidade de modificar a personalidade. Quando constelados, são capazes de fazer oposição aberta às intenções do ego, podendo romper a unidade deste, se comportando como se fosse um corpo estranho na esfera da consciência. O componente autônomo do complexo, que o torna dissociado da consciência, propicia a sua atuação como personalidades divididas, parciais, independentes e separadas, afetando drasticamente as nossas escolhas, o nosso comportamento e os nossos relacionamentos.

Para Jung (1998), o complexo tem uma poderosa coerência interior, uma totalidade própria e goza de um grau relativamente elevado de autonomia, vale dizer: está sujeita ao controle das disposições da consciência até um certo limite e, por isto, se comporta, na esfera do consciente, como um corpus alienum corpo estranho, animado de vida própria. Com algum esforço de vontade, pode-se, em geral, reprimir o complexo, mas é impossível negar sua existência, e na primeira ocasião favorável ele volta à tona com toda a sua força original.

Outra característica descrita por Palombo (1999) em relação aos atratores inconscientes é sobre a bacia de atração. A bacia de atração corresponde à área que circunda o atrator, onde os objetos convergem para o centro, podendo ser comparada a uma força que atua semelhante à gravidade, atraindo objetos para o núcleo. Em termos psicológicos, corresponde às experiências da vida adulta conectadas com a base emocional de fantasias infantis que formam o atrator.

Em termos junguianos, as experiências da vida cotidiana ativam complexos em um processo denominado de constelação. Nesse processo, uma situação exterior desencadeia a aglutinação e atualização de determinados conteúdos pertencentes aos complexos. Em termos metafóricos, compara-se os complexos a "botões", dizendo-se que quando um complexo é constelado "foram apertados os botões", obtendo-se como resposta uma reação emocional (Stein, 2004). Depois que conhecemos uma pessoa por algum tempo, passamos a perceber alguns atratores (complexos) e podemos tentar evitar tocá-los. As experiências traumáticas, assim, vão acionando núcleos emocionais arquetípicos, memórias, sensações e representações associados a esses núcleos experienciais individuais.

Apesar de serem predominantemente formados pelos traumas da primeira infância, os estudos mais posteriores de Jung especularam que na base dos complexos estavam os arquétipos. Woolger (1997) e Grof (2000) chegam à mesma conclusão com os seus estudos experimentais. Estes autores localizam a base dos complexos e dos COEX no inconsciente coletivo (Grof e Woolger vão além, indo até memórias mais profundas, cármicas, de vidas passadas).

As pesquisas experimentais de Woolger (1997) o levaram a sugerir um modelo multidimensional para o inconsciente. No lugar da metáfora de uma psique estratificada, habitual entre os autores junguianos, que consideram a análise como um trabalho arqueológico, em busca de fragmentos perdidos da civilização, os deuses por baixo dos complexos, ele propõe uma visão de sobreposição das camadas da psique, assemelhando-se a uma flor de lótus de seis pétalas, cada pétala representando uma das facetas do inconsciente (existencial, biográfico e somático, compondo o inconsciente pessoal e perinatal, de vida passada e arquetípico, compondo o inconsciente coletivo). Essas facetas do inconsciente entram e saem umas das outras, como círculos concêntricos.

A terapia experiencial profunda de Woolger (1997) revela que os complexos surgem de traumas, tanto pós-natais, quanto perinatais e até antes do nascimento (em qualquer nível do inconsciente multidimensional). Para ele o trauma é um evento detonador que evoca memórias residuais cármicas. Sendo assim, propõe que ampliemos o conceito junguiano, dizendo que um complexo surge onde experimentamos uma derrota, um trauma, de qualquer vida. O qualquer vida independe se acreditamos ou não em reencarnação. Essas memórias profundas correspondem a imagens arquetípicas, vindas da psique coletiva, repleta de "outras vidas", outras subpersonalidades.

De acordo com Jung (1986), enquanto que na visão oriental o carma é uma espécie de genética psíquica que se apóia na hipótese da reencarnação (supratemporalidade da alma), na visão ocidental este pode ser entendido como "herança psíquica", ou seja, disposições espirituais de caráter genérico, categorias da faculdade imaginativa do homem, chamadas de arquétipos, produtos da fantasia diretamente acessíveis à observação através de imagens, as imagens arquetípicas.

Woolger (1997) define o complexo cármico como aquele que está entre um arquétipo, que não tem vestígios de memória pessoal, e um complexo do inconsciente pessoal, derivado diretamente das experiências individuais subjetivas. Ele propõe um continuum que vai dos arquétipos, cujos conteúdos são imagens mitológicas, passando pelos complexos cármicos, compostos de vestígios de vidas passadas, indo até o complexo pessoal, cujos conteúdos são vestígios da vida atual.

Na linguagem dos sistemas dinâmicos não lineares e variantes no tempo, diríamos que no polo de todo atrator estão os arquétipos. Um atrator de primeira ordem seria um cuja base seria formado pelos arqétipos-forma sem conteúdo (luz), o que Wilber (2001) chama de transpessoais os quais seriam os polos para atratores de segunda ordem ou pré pessoais, daí para atratores de terceira ordem ou pessoais (imagens arquetípicas).

Para Woolger (1997), muitas vezes no trabalho de prescrutar as subpersonalidades, o terapeuta se depara com fragmentos estranhos de histórias, aparentemente sem conexão com a vida real do cliente. São os complexos do inconsciente coletivo, chamados de "imagens estranhas", correspondendo à "sangramentos de outras camadas da psique"; o que Jung denominou de inconsciente coletivo (Adler, 1979) e W.B. Yeats renomeou de Grande Memória (Yeats, 1959). Nesse nível, estamos olhando não apenas para as fragmentações e defesas do ego, mas para cisões ainda mais profundas dentro da própria alma, que o terapeuta junguiano Kalsched chama de defesas arquetípicas (Kalsched, 1996).

O núcleo básico dos complexos, o arquétipo, padrão de estruturação do desempenho psicológico ligado ao instinto, corresponde à entidade hipotética irrepresentável em si mesma, dependente da expressão individual, que organiza as experiências vividas pelo indivíduo no mundo fenomênico, gerando os significados que tornam a vida singular, individual para cada pessoa, e relacionado a um contexto, a um campo de atividade onde o indivíduo está imerso. O arquétipo, portanto, representa o tema básico e denominador comum do complexo.

Os arquétipos predispõem os indivíduos para determinados tipos de experiências, dentro de um elenco de inúmeras possibilidades já vivenciadas pelos humanos (por exemplo, ser mãe, ser pai). Esse elenco de possibilidades arquetípicas compõe o inconsciente coletivo, uma espécie de estoque de tendências, herdado por cada indivíduo. Os arquétipos geram esses significados, encarnando na existência do sujeito através dos complexos. A ativação e realização de uma e qualquer tendência arquetípica só será materializada pela própria vida individual, pelas atividades reais, e de acordo com elas, através dos complexos que formamos. Por isso, cada arquétipo, se e quando realizado, será sempre manifestado de forma pessoal e idiossincrática, e dentro de um campo de atividades apropriado. Ele emergirá do inconsciente coletivo para o inconsciente pessoal, adquirindo roupagens da experiência do indivíduo, e daí para o mundo fenomênico, manifestando-se na consciência desse indivíduo, ou não. Nesse último caso, ele permanece inconsciente, organizando as percepções individuais, modelando as experiências, mas sem que a pessoa tenha plena consciência do que se passa com ela.

O patamar operacional da psique, portanto, consiste de arquétipos que foram não só ativados, como efetivamente se manifestam no mundo fenomênico, de forma tanto consciente quanto inconsciente. Atuando a partir do patamar operacional, o indivíduo desenvolve uma atividade, realizando o arquétipo ativado. A passagem do padrão organizativo para o patamar operacional significa realizar o complexo e o(s) arquétipo(s), a partir de um campo de atividades de cuja criação e manutenção o sujeito participa e que o alimenta. O complexo, portanto, psicodinamicamente atua como imagem arquetípica, vestindo o arquétipo com as experiências individuais do sujeito.

Pelo fato de os arquétipos não possuírem conteúdo, adquirem materialidade e se comunicam com a consciência através de imagens, chamadas também de símbolos arquetípicos (Neumann, 1996). Como já dissemos anteriormente, essas imagens arquetípicas tem forte componente emocional, face à grande quantidade de energia psíquica que possuem. Cada um desses "símbolos arquetípicos" poderia ser considerado de duas formas, primeiro como pontos da base de atração do arquétipo e, em segundo lugar, como pólos de atração de outros atratores caóticos estranhos (como as camadas do inconsciente, com atratores de atratores de atratores ...).

 

4. Psicoterapia, complexos e atratores

Jung considera os complexos como partes vitais da constituição psicológica de toda pessoa, aspectos normais de uma personalidade saudável. Para Ferrucci (1990) todos eles são expressões de elementos vitais de nosso ser, só sendo lesivos quando nos controlam, impedindo o funcionamento normal do ego. Todos temos complexos de vários tipos e, à medida que crescemos e nos desenvolvemos, esses complexos se tornam conscientes para nós. Mas alguns complexos vão permanecer profundamente inconscientes, e quanto menos consciente for um complexo, maior o seu grau de autonomia e mais iremos projetar o seu conteúdo sobre os outros. Vale dizer, veremos nas outras pessoas aquilo que nos recusamos a ver em nós mesmos.

Os complexos personificados (subpersonalidades psíquicas) podem ser subdivididos em dois tipos: os pessoais, originados do consciente pela repressão, formando o inconsciente pessoal e aqueles oriundos do inconsciente coletivo, formados por conteúdos que nunca passaram pela consciência, os dois tipos tendo base arquetípica (Jacobi, 1995).

Ambos os complexos (pessoais e coletivos) correspondem a atratores. O inconsciente pessoal, na psicologia, é considerado como quarto de despejo da consciência, um inconsciente passivo, chamado por William James (1890) de "franja da consciencia".

De acordo com Palombo (1999), os atratores do inconsciente infantil podem ser tanto de ponto fixo (melhor seria dizer, periódicos) quanto estranhos. Se entendermos que os atratores de ponto fixo e periódicos são estáveis e permanecem sempre orbitando no mesmo ponto, podemos analogizar o mesmo com os complexos patológicos, presentes na dissociação psicótica. Nesta, as imagens que constituem os complexos não tem coesão, tanto associativamente, no interior da mente, como em relação ao meio externo (Storr, 1983).

Já o atrator estranho ou caótico, com a sua capacidade de mudar repentinamente, se adaptando melhor as mudanças que ocorrem em seus ambientes, pode ser analogizado com o comportamento dito normal.

Através da psicoterapia tentamos encontrar caminhos que nos levem aos atratores inconscientes. A técnica analítica da associação livre, juntamente com outros métodos psicoterápicos, é um dos métodos que facilita o acesso a esses atratores (Palombo, 1999). Nesta técnica psicanalítica, assim como no teste de associação de palavras, há uma condução do indivíduo aos complexos (Jung, 1998). Através desse movimento de convergência em direção aos atratores, pode-se localizá-los e trazê-los para o processo analítico, possibilitando que o indivíduo submetido à psicoterapia possa ter uma participação mais ativa na exploração do modo de operação do atrator (Palombo, 1999).

Terapia é possível porque, por um lado, os atratores caóticos estranhos têm mais de um pólo de atração. Numa visão simplista, a terapia visa mover o comportamento de um pólo não saudável para outro mais adaptado. A existência de atratores de ordem mais elevadas diz que somos capazes de autoconhecimento e mudança consciente (pois mudança inconsciente é primeira ordem). Atratores de segunda ordem tem a ver com "pensar o próprio pensamento!" e a possibilidade de "mudar padrões".

A mudança dos padrões dos atratores inconscientes ocorre com a conscientização. Tornar consciente os complexos é fator terapêutico da maior importância. A consciência visa abrir caminho para a associação dos complexos inconscientes com o complexo central que rege a consciência, o ego. Somente através da conscientização, os complexos afetivos inconscientes tornam-se emocionalmente digeríveis. Estes precisam ser reconhecidos pelo ego para poderem ser integrados e assimilados à consciência.

Do ponto de vista funcional, pode-se dizer que a dissolução de um complexo e sua "digestão emocional", isto é, sua conscientização, apresenta sempre, como consequência, uma redistribuição de energia psíquica (Jacobi, 1995).

Para Jacobi (1995), enquanto os complexos estão no inconsciente, vão se enriquecendo de associações, ganhando uma expressão cada vez maior. De acordo com ela,

"Proporcionalmente à distância a que estão do consciente, os complexos adquirem, pelo enriquecimento dos seus conteúdos no inconsciente, um caráter arcaico-mitológico e, com isso, uma crescente numinosidade, o que os fraccionamentos esquizofrênicos deixam facilmente constatar. A numinosidade é, no entanto, algo totalmente fora do alcance do arbítrio consciente e submerge o indivíduo em comoção, isto é, em devoção inerte." (Jacobi, 1995: 20)

Nesse caso, o complexo parece estar atuando como um atrator periódico ou de ponto fixo. Quando alcança a consciência, através do ego, o comportamento dos complexos pode ser corrigido e transformado. Eles se despojam do caráter arcaico-mitológico pela racionalização, o que facilita o diálogo com a consciência. É quando surgem novas bifurcações para os atratores.

Grof (2000), em seus quarenta anos de pesquisa experimental, parece concordar com a postura junguiana. Utilizando LSD e respiração holotrópica, Grof abre caminho para a relação dos COEX inconscientes com a consciência. Nos estados holotrópicos, os COEX-atratores conseguem chegar à superfície da consciência para posteriormente serem digeridos, de uma forma mais rápida do que as psicoterapias de longa duração (aqui incluímos a psicanálise freudiana e a psicologia profunda de Jung).

Para Grof:

"Nos estados holotrópicos, ocorre uma mudança qualitativa de consciência, de forma profunda e fundamental, que não sofre danos como ocorre nas condições de causa orgânica. Tipicamente, permanecemos completamente orientados em termos de espaço e tempo e não perdemos totalmente o contato com a realidade diária. Ao mesmo tempo, nosso campo de consciência é invadido por conteúdos de outras dimensões da existência que podem ser muito intensos e até mesmo avassaladores. Assim, experienciamos simultaneamente duas realidades muito diferentes, ´temos cada um dos pés em um mundo diferente´." (Grof, 2000: 18)

Nesse processo, o intelecto não fica debilitado, mas opera de uma forma significativamente diferente do seu modo de funcionamento diário. Em uma leitura junguiana podemos dizer que nos estados holotrópicos, os complexos inconscientes são aproximados do complexo do ego, para posteriormente serem assimilados à consciência. O ego torna-se receptivo para o acolhimento dos atratores inconscientes.

O processo de aprendizagem e conhecimento que ocorre na psicoterapia através da identificação dos atratores individuais, assim como os seus relacionamentos estruturais pode gerar uma série de perturbações, que tendem a alterar a forma dos atratores complexos, no sentido de um aumento de complexidade. O progresso da análise, assim, conduz a uma alteração no nível de diferenciação do atrator inconsciente complexo, com aumento das bifurcações e diminuição dos intervalos entre as bifurcações. Como conseqüência, o comportamento do indivíduo se torna menos rigidamente determinado (Palombo, 1999).

Essa flexibilidade comportamental tende à relativização dos complexos. A situação ideal seria a integração total do atrator inconsciente à economia psíquica do indivíduo, de forma que o atrator (complexo) não existisse autônomo e separado da consciência. No entanto, as observações empíricas e clínicas sugerem que esse ideal não é obtido. Os atratores podem não influir explicitamente na vida cotidiana do indivíduo. No entanto, ficam latentes e podem ser revividos sob estresse suficiente.

A abordagem à terapia do trauma feita pelo Deep Memory Process, linha terapêutica criada por Woolger (1987, 1997) é outro tipo de terapia, que facilita a conscientização dos complexos. Nesse processo terapêutico, ocorre a emergência dos complexos (pessoais e coletivos), representados por vários tipos de cenas e histórias fragmentadas, algumas delas se assemelhando a fragmentos de "vidas passadas" que funcionam como reflexões de memória profundas dos problemas atuais do cliente. Como pode ser visto nos estudos de casos, quando completamente encorajada, a liberação física e emocional pode ser realizada muito rapidamente. A tarefa do terapeuta é simplesmente a de encorajar que os clientes sigam o conteúdo imaginado até alcançar algum tipo de conclusão ou resolução, trabalhar em torno da imagem de sonho, desprezando qualquer tentativa do sonhador para dela escapar (Jung, 1999), ou "completar a Gestalt inacabada" nas palavras de Perls (1969).

A Psicossíntese de Assagioli é outra linha terapêutica que trabalha com os complexos junguianos ou subpersonalidades do inconsciente. Para Assagioli (1993), devemos nos tornar cônscios dessas subpersonalidades, para podermos sintetizá-las num todo orgânico maior, sem reprimir qualquer dos traços úteis. Para realizar isso, a Psicossíntese trabalha com o princípio da Identificação Desidentificação. Conforme Ferrucci (1990) salienta, quando alguma subpersonalidade impõe seus padrões característicos sobre nós, excluindo todos os outros, nos tornamos prisioneiros dela. Segundo Boccalandro (1998), Assagioli ressalta que quando nos identificamos com uma fraqueza, defeito, emoção ou impulso pessoal, nos tornamos limitados e paralisados.

Para Ferrucci (1990) e Boccalandro (1998), o caminho a ser trilhado consiste no exercício da observação. Ao nos tornarmos consciente dos complexos, passamos a estabelecer uma comunicação com eles, que tende a crescer conforme os tratarmos com compreensão, aceitando-os como existentes em nós. A consciência não só liberta: também integra. Esse trabalho implica em que a energia positiva existente em cada subpersonalidade e complexos venha à tona, que elas revelem o potencial oculto que carregam (Ferrucci, 1990), para contribuir com o desenvolvimento pessoal.

 

6. Conclusão

Segundo Piaget e Szeminska (1977), o processo de abstração reflexiva ou réfléchissemente, divide-se: (em um primeiro momento) em abstração empírique e em abstração réfléchissante; e (em um segundo momento) em abstração pseudo-empirique e réfléchie:

(i) Abstração empírica.

A abstração "empírica" (empírique) tira suas informações dos objetos como tais ou das ações do sujeito em suas características materiais, portanto, de modo geral, dos observáveis.

(ii) Abstração reflexionante.

A abstração reflexionante (réfléchissante) apoia-se sobre as coordenações das ações do sujeito, podendo estas coordenações e o próprio processo de reflexão permanecerem inconscientes ou dar lugar a tomadas de consciência e conceituações diversas.

(iii) Abstração pseudo-empírica.

Quando o objeto é transformado pelas ações do sujeito e enriquecido de propriedades tiradas de suas coordenações, chamamos a abstração apoiada sobre tais propriedades de "pseudo-empírica", porque, ao agir sobre o objeto e sobre seus observáveis atuais, como na abstração empírica, as constatações atingem, de fato, os produtos de coordenação do sujeito.

(iv) Reflexão.

A abstração pseudo-empírica trata-se de um caso particular de abstração refletida (réfléchie). O resultado de uma abstração reflexiva assim que se torna consciente, e isto independente do seu nível.

Observamos com isso que com o desenvolver do conhecimento, as primeiras explicações ou primeiras formas explicativas transformam-se em conteúdo para qual se transformam novas formas. Concluímos então com Piaget e Szeminska (1977: 306):

"Todo reflexionamento de conteúdos(observáveis) supõe a intervenção de uma forma, e os conteúdos assim transferidos exigem a construção de novas formas devidas à reflexão. Há portanto uma alternância ininterrupta de reflexionamentos - reflexões reflexionamentos; e, ou, conteúdos reelaborados - novas formas... de domínios cada vez mais amplos, sem fim e, sobretudo, sem começo absoluto."

Estamos falando, aqui, de atratores, de atratores, de atratores. Argyris e Schön (1978) falam de Aprendizagem de Primeira Ordem e de Segunda Ordem. A cibernética de segunda ordem está falando do coletivo, vivo, criativo, produzindo arquétipos que vão ser atualizados através do pessoal. Esse movimento vivo e dinâmico pode mudar a morfologia dos atratores.

De acordo com Kelso (1996), através do conhecimento e aprendizagem, muda-se a arquitetura global do atrator. O mesmo acontece com os atratores inconscientes. Uma mudança em um atrator mais próximo à superfície do discurso analítico, ou seja, mais acessível ao teste de associação de palavras, associação livre ou outros métodos, afeta os atratores dinâmicos que estão em proximidade, que por sua vez provocam a alteração de outros atratores (Palombo, 1999).

É quando os complexos-atratores proporcionam uma transformação e reconstrução criativas da personalidade. Nesse caso eles ganham um lugar de honra especial, face à sua qualidade de núcleos criativos da psique, sendo uma fonte revitalizadora, cuja função é levar os conteúdos do inconsciente para a consciência, rumo à totalidade psíquica. Individuação em Jung é se libertar dos atratores, dos arquétipos. Wilber pretende que devemos nos aproximar do que chama de arquétipos verdadeiros, os transpessoais. Segundo Wilber o único arquétipo genuinamente transpessoal é o Self. Talvez o Self seja aquele tipo de atrator que, ainda que confinado, não se reduz a nenhuma matemática, erráticos como dançarinos.

 

Figura 4

 

6. Referências bibliográficas

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Submetido em 30/01/2009
Revisado em 12/05/2009
Aceito em 15/06/2009

 

 

Notas

(1) A associação da psicologia com a teoria dos sistemas dinâmicos não lineares já tem sido descrita por alguns autores (e.g. Stacey, 1996; Palombo, 1999; Losada e Heaphy, 2004). Para Stacey (1996), a associação entre complexidade e psicologia se torna clara quando estudamos a teoria psicoanalítica, particularmente os estudos de Melanie Klein sobre os objetos relacionais e os estudos de Donald Winnicott sobre os objetos transicionais. Palombo (1999), tenta reconceitualizar sistematicamente a teoria psicanalítica Freudiana a partir da teoria da complexidade. O foco do tabalho de Losada e Heaphy (2004) está nas relações, em particular na formação de times de alto desempenho.
(2) Para facilitar a compreensão dos leitores que não dominam a linguagem matemática, permitimo-nos simplificar a notação utilizada (ao custo, infelizmente, do rigor exigido a um artigo científico). Dizemos que um conjunto A, subconjunto de C, é um atrator com relação a uma operação f (função) se, ao aplicarmos esse operador sequencialmente, assim produzindo um caminho (unindo-se os pontos criados temos uma órbita), a órbita então gerada fica contida no conjunto A. Chamamos bacia de atração ao subconjunto B co conjunto C (que sempre contém o conjunto A), o qual é o lócus de todos os pontos de C que são atraídos pelo atrator A.

F. A. P. Fialho é Graduado em Engenharia Eletrônica (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-RJ) e Psicologia (UFSC), Mestre e Doutor em Engenharia de Produção (UFSC). Atua como Professor do Programa de Pós-Graduação em EGC (UFSC). E-mail para correspondência: fapfialho@gmail.com.
E.G.F. Silveira é Médica (Escola de Medicina e Saúde Pública, BA), Mestra e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em EGC (UFSC). E-mail para correspondência: egfsilveira@terra.com.br.

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