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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.14 no.2 Rio de Janeiro July 2009

 

ARTIGO CIENTÍFICO

 

Crenças estereotipadas acerca de atletas que sofreram lesões

 

Stereotypes of the athletes who has suffered injuries

 

 

Verena de Melo FreireI,II; Marcos Emanoel PereiraIII

IDepartamento de Psicologia e Sociologia, Universidad de Las Palmas de Gran Canária (ULPGC), Las Palmas de Gran Canaria, Espanha
IIFaculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Campus Vitória da Conquista, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil
IIIInstituto de Psicologia, UFBA, Salvador, Bahia, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo se propõe a levantar informações a respeito dos estereótipos sobre atletas que sofreram lesão, averiguando, especialmente, se eles são negativos e quais são as suas proposições. Para tanto, uma pesquisa tipo survey foi elaborada, com a participação de 83 pessoas, das quais 23 praticavam atividade física, 31 declararam não ter qualquer envolvimento com esportes e 29 tinham tipos de envolvimento variados. Os resultados mostram que os participantes acreditam que os atletas lesionados têm medo e ansiedade, e que dirigentes e investidores se incomodam em apoiá-los. Por outro lado, não corroboram as afirmações de que tais esportistas sejam perdedores, inúteis, solitários, que valham menos ou que jamais recuperem o desempenho anterior à lesão. Comparando-se as características da amostra, pôdese notar que as crenças negativas sobre atletas que sofreram lesão vieram, em especial, dos participantes não envolvidos com o meio esportivo, que já não praticam atividade física ou que têm mais de 40 anos. Tais dados reforçam a ideia de que os estereótipos ocorrem com mais frequência quando não se conhece o grupo estereotipado e também que são os mais velhos aqueles que mais resistem a alterar suas crenças.

Palavras-chave: estereótipos; atletas; esporte; lesão.


ABSTRACT

The purpose of this study was to obtain information about stereotyping athletes who have suffered injuries, to establish if they prove to be negative and to what they referred. In order to achieve this, a survey was made with 83 participants, 23 of which were physically active, 31 had no involvement in sports and 29 were involved in sports in different ways. The results revealed that the participants believed that injured athletes show fear and anxiety and that managers and sponsors do not want to support them. On the other hand, participants do not agree that injured athletes are losers or solitary people, or that they are less valuable than others or that they will never regain their performance. Comparing the characteristics of the sample, it was revealed that there are negative beliefs about athletes who have been injured. These convictions are present especially among those participants who were not involved in sports and who were not physically active or who were over the age of 40. This data confirms the belief that groups are stereotyped more frequently when people are not familiar with them and that older people are less likely to change their convictions.

Keywords: stereotypes; athletes; sport; injury.


 

 

1. Introdução

Os estereótipos são aplicados a muitas categorias sociais e ocorrem quando se observa que há uma crença formada e compartilhada sobre um determinado grupo ou categoria de pessoas, seja ela relativa ao comportamento, à personalidade ou a qualquer outro atributo dos seus membros (Leyens et al., 1994; Hamilton et al.,1994; Rodrigues et al., 1999; Pereira, 2002; Tajfel, 1982).

Uma das áreas mais pesquisadas no âmbito dos estereótipos é a modificação que ocorre no desempenho das pessoas quando esses são ativados. Ativar um estereótipo é o mesmo que fazer lembrar quais são os atributos característicos dos membros de um determinado grupo ou categoria (Wheeler e Petty, 2001). Assim, os idosos, de uma maneira geral, são tidos como mais experientes; as mulheres, como mais delicadas, embora se reconheça que há exceções. Os estudos sobre este tema se baseiam no clássico experimento de Levy (1996), no qual um grupo de pessoas da terceira idade foi submetido a palavras que ativavam estereótipos positivos para idosos (sabedoria, experiência), enquanto outro grupo passou pela ativação de estereótipos negativos (velho, senil etc). Ao participarem de um teste de memória, o resultado do primeiro grupo foi melhor do que o do segundo, levando a crer que a ativação de estereótipos positivos pode melhorar o rendimento, enquanto que ativar estereótipos negativos pode reduzi-lo.

Na mesma linha de estudos, Steele e Aronson (1995) desenvolveram a Teoria da Ameaça dos Estereótipos. Eles elaboraram um experimento com base na informação estereotipada de que os caucasianos seriam mais bem dotados intelectualmente, em comparação com os afrodescendentes. Ao apresentarem uma prova verbal como sendo um teste de inteligência - ativando, assim, esse estereótipo - houve uma significativa queda no rendimento dos estudantes afrodescendentes. Tal efeito não foi observado quando a prova foi apresentada como sendo apenas uma tarefa de resolução de problemas nem como um desafio, ou seja, sem a ativação do estereótipo. Os resultados dos estudantes caucasianos tampouco foram estatisticamente diferentes em qualquer das três situações experimentais.

Muitas pesquisas semelhantes a essa foram feitas, sempre tendo em conta as atividades intelectuais e os dados, com frequência, sugerem que a ativação de estereótipos positivos tende a melhorar o desempenho das pessoas, enquanto a ativação de estereótipos negativos leva à sua queda.

Atualmente, o interesse dos investigadores que se dedicam à ameaça dos estereótipos, pouco a pouco, começa a se dirigir para a área da Educação Física e do Esporte. Stone e colaboradores (1999) pesquisaram o efeito da ameaça dos estereótipos no desempenho de afrodescendentes e de caucasianos em um jogo de golfe. Desta vez, além dos estereótipos referentes às habilidades intelectuais dos caucasianos, foram trabalhados também os relativos à habilidade atlética dos afrodescendentes. Os resultados mostraram uma queda no rendimento quando se salientou o ponto débil dos grupos, ou seja, os caucasianos apresentaram desempenho mais baixo quando o jogo era apresentado como um teste de habilidade atlética, enquanto que esse efeito foi observado nos afrodescendentes quando a apresentação era feita como se a prova fosse um teste de habilidade intelectual.

Analisando o desempenho de dois grupos de pessoas ao lançarem uma bola, Follenfant e colaboradores (2005) obtiveram resultado semelhante: as que foram previamente ativadas com estereótipos negativos para idosos tiveram rendimento inferior àquelas cuja ativação se referia às características de jogadores de basquete.

Nos exemplos acima, os autores partiram do pressuposto de que os afrodescendentes são bons atletas, enquanto os caucasianos são mais bem dotados intelectualmente; que os jogadores de basquete podem lançar uma bola mais longe do que um idoso. Sem se importar com a veracidade das crenças, o comportamento dos participantes parece seguir a direção apontada por elas, sempre que o estereótipo referente aos grupos é ativado. Ocorre, porém, que nem todas as crenças estereotipadas são claramente conhecidas, de maneira que nem sempre é possível predizer os seus efeitos.

1.1. Crenças sobre atletas lesionados

Nos dias atuais, as atividades esportivas se tornaram muito exigentes e é bastante frequente que o físico do atleta não acompanhe esta cobrança. Com maior ou menor gravidade, a ocorrência de lesões já é parte do cotidiano dos praticantes de esporte de alto rendimento.

Assim como acontece com qualquer outro profissional, o atleta que adoece e não pode cumprir os seus compromissos não é bem visto. Neste caso, porém, a sua atividade laboral pode ser a causa principal deste adoecer. Em um ambiente competitivo, machucar-se pode significar não só um problema de saúde, mas também derrotas inesperadas e conseqüentes perdas econômicas. Deste modo, o atleta se vê obrigado a sempre demonstrar que é suficientemente forte para suportar o ritmo que lhe é imposto, em especial quando os seus companheiros e adversários o estão fazendo.

Muito provavelmente este é o motivo pelo qual há registros na literatura de casos de atletas que procuram ocultar suas lesões dos médicos e dos treinadores. Assim, eles tentam evitar serem conhecidos como frágeis ou preguiçosos, além de fugirem de piadas que insinuam uma propensão para lesões (Dodier, 1985), o que indica, pelo menos implicitamente, a existência de estereótipos sobre os atletas lesionados.

Em um estudo com jogadores ingleses de futebol profissional, Roderick (2006) reafirma essa linha de raciocínio ao observar que eles ocultavam suas lesões para evitar serem estigmatizados. Neste trabalho, fica demonstrado também que o meio esportivo aceita a dor como algo inerente, provocando nos jogadores a crença de que eles sempre estarão correndo riscos ou que desempenharão as suas atividades sob condições prejudiciais à saúde. Longe de desistirem ou lutar contra essa situação, a atitude dos atletas investigados foi a de tentar mostrar força, minimizando, sempre que possível, as lesões.

Diante deste quadro, esta pesquisa se propõe a levantar informações a respeito dos estereótipos sobre atletas que sofreram lesão, averiguando, se eles são de fato negativos e quais são as suas proposições. Acredita-se que seus achados podem auxiliar outras pesquisas sobre o tema, por exemplo àquelas dedicadas à ativação dos estereótipos antes da execução de uma atividade física ou motora. Tais informações devem contribuir para a investigação da possível influência que os estereótipos exercem no desempenho de atletas que sofreram lesão.

 

2. Método

Uma pesquisa tipo survey foi elaborada, com a participação de oitenta e três pessoas, das quais trinta e uma declararam não ter qualquer envolvimento com esportes. As cinqüenta e duas restantes estavam, de alguma maneira, vinculadas à atividade física, sendo vinte e três praticantes assíduos do esporte e vinte e nove com tipos de envolvimento variados: professores universitários, jornalistas, estudantes de Educação Física ou pais de atletas. Deste total, vinte e oito afirmaram ter sofrido algum tipo de lesão (tabela 1).

Após demonstrar concordância com as normas da pesquisa e assinar um termo de consentimento, todos responderam a um questionário com perguntas fechadas, de escolha obrigatória, organizadas em uma escala do tipo Likert, com cinco níveis graduais, onde o número 1 correspondia ao total desacordo e o número 5 ao total acordo. As perguntas se referiam, não apenas aos adjetivos - positivos e negativos - relacionados ao atleta lesionado, mas também ao valor que lhes é atribuído, por exemplo, "atletas lesionados são ansiosos / medrosos / otimistas / vencedores"; "atletas lesionados valem menos/não valem nada para sua equipe".

Outras questões foram dedicadas a averiguar as atitudes de jogadores, dirigentes e investidores frente aos lesionados: "jogadores se incomodam quando há um atleta na equipe que ficou muito tempo afastado por lesão"; "dirigentes se incomodam em contratar para a equipe atletas que ficaram muito tempo afastados por lesão"; "investidores se incomodam em patrocinar um atleta recuperado de lesão grave".

Frases do tipo "o declínio no rendimento de um atleta afastado durante muito tempo por lesão é de ordem física", ou "o declínio no rendimento de um atleta lesionado gravemente é de ordem psicológica", ou ainda "fatores psicológicos desempenham papel importante na recuperação de lesões" tinham o objetivo de investigar se os participantes atribuíam a questões psicológicas alguma influência no re-estabelecimento ou na queda do rendimento dos esportistas em questão.

Para avaliar se as pessoas creem na reabilitação destes atletas, usou-se perguntas como "um atleta lesionado gravemente jamais recupera o desempenho anterior à lesão". Optou-se também por dedicar alguns itens aos fatores distratores, sem qualquer relação com estereótipos negativos. São eles: "alongamentos previnem lesões", "atletas competem lesionados", "não é possível prevenir as lesões", "qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira", "todo atleta sofrerá pelo menos uma lesão grave durante sua carreira" e "é comum atletas competirem com dor".

 

3. Resultados

Os resultados, exibidos na tabela 2, foram calculados com base na aplicação do teste t para uma única amostra, usando como critério o valor 3,11, referente à média geral de todos os itens. Assim, nesta tabela pode-se observar as afirmações com as quais a maioria das pessoas pesquisadas concorda ou discorda, além daquelas que não apresentaram diferença significativa.

Ressalta-se a concordância com as questões relativas à preparação psicológica e ao incômodo de investidores e dirigentes no apoio ao atleta que sofreu lesão, além da ideia de que os lesionados têm medo e ansiedade. Nota-se também que os participantes não demonstram concordância com afirmações muito extremas, por exemplo, que os atletas lesionados são inúteis, perdedores ou que não valem nada para sua equipe.

Com o auxílio do teste t para as diferenças entre as médias, buscou-se identificar diferenças estatisticamente significativas entre as respostas de homens e mulheres, assim como nas de pessoas envolvidas ou não com o esporte. No primeiro critério, o de gênero, elas não foram encontradas em item algum. Com relação ao seguinte critério, os envolvidos com esporte obtiveram média mais baixa em 3 itens, ou seja, "qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira" (MEnvolvidos = 4,04; MNão-Envolvidos = 4,74; t(81) = 3,195; p < 0,05), "atletas lesionados se sentem solitários" (MEnvolvidos = 2,56; MNão-Envolvidos = 3,29; t(81) = 2,888; p < 0,05) e "jogadores se incomodam quando há um atleta na equipe que ficou muito tempo afastado por lesão" (MEnvolvidos = 2,67; MNão-Envolvidos = 3,29; t(81) = 2,149; p < 0,05).

O tipo de envolvimento também foi estudado e desta vez os inquiridos foram classificados em "não envolvidos" com a área esportiva, "praticantes" e "não-praticantes" de esporte. Utilizando-se a análise de variância, ANOVA, encontrou-se diferença estatística com relação à média geral, e também entre os grupos, em 3 itens: "qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira" (F(4,78) = 2,484; p < 0,05), "atletas lesionados se sentem solitários" (F(4,78) = 2,867; p < 0,05) e "atletas lesionados são confiantes" (F(4,78) = 2,368; p < 0,05). Para analisar as diferenças entre os grupos, foram conduzidos testes post hoc Tukey, cujos resultados evidenciaram que aqueles não envolvidos com o esporte, quando comparados com os praticantes, discordaram de que "qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira" (MNão-envolvidos = 4,74; MPraticantes = 3,91; p < 0,05) e de que os "atletas lesionados se sentem solitários" (MNão-envolvidos = 3,29; MPraticantes = 3,91; p < 0,02). Com relação ao grupo dos envolvidos com esporte, mas que não são praticantes, os não envolvidos se posicionam de forma neutra no item "atletas lesionados são confiantes" (MNão-envolvidos = 3,03), enquanto que os não-praticantes tendem à discordância (MEnvolvidosNão-praticantes = 2,31; p < 0,05).

O critério da prática esportiva permitiu alocar os participantes em 3 grupos: nãopraticantes, amadores e profissionais. A ANOVA mostrou discordância com relação à média geral em duas proposições, ou seja, "um atleta afastado durante muito tempo por lesão jamais recupera o seu desempenho anterior" (F(2,80) = 3,466; p < 0,05) e "atletas lesionados se sentem solitários" (F(2,80) = 3,115; p < 0,05). O teste post hoc Tukey mostrou desigualdade intergrupal apenas na questão "atletas lesionados são ansiosos". Nela os amadores apresentaram média maior que os profissionais (MAmadores = 3,56; MProfissionais = 1,50; p < 0,05).

Analisando a modalidade esportiva escolhida, trabalhou-se com 4 grupos: os nãopraticantes, os que adotaram esportes individuais, os que preferem os coletivos e os que atuam em ambos. Encontraram-se respostas contrastantes com a média geral nas questões "atletas lesionados são ansiosos" (F(3,79) = 5,222; p < 0,05) e "atletas lesionados se sentem solitários" (F(3,79) = 2,882; p < 0,05). Há divergências entre os praticantes de esportes individuais e os não praticantes quando a proposição se refere aos alongamentos (MIndividual = 3,96; MNão-praticantes = 4,55; p < 0,05) ou ao sentimento de solidão dos atletas lesionados. (MIndividual = 2,33; MNão-praticantes = 3,12; p < 0,05). Já na afirmativa sobre a ansiedade dos atletas lesionados, a discordância está entre aqueles que combinam modalidades individuais e coletivas. Eles divergem dos praticantes de esportes coletivos (MAmbos = 1,00; MColetivos = 4,17; p < 0,001) e também dos não praticantes (MNão-praticantes = 3,65; p < 0,001).

Também se compararam as respostas de quem já sofreu lesão com os não-lesionados e os não-praticantes. A ANOVA mostrou desigualdade em 7 afirmações: "alongamentos previnem lesões" (F(2,80) = 3,427; p < 0,05), "atletas lesionados são ansiosos" (F(2,80) = 4,031; p < 0,05), "qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira" (F(2,80) = 3,134; p < 0,05), "o declínio no rendimento de um atleta lesionado gravemente é de ordem física" (F(2,80) = 3,309; p < 0,05), "uma lesão grave é motivo suficiente para encerrar a carreira de um atleta" (F(2,80) = 3,521; p < 0,05) e "atletas lesionados têm ansiedade" (F(2,80) = 4,014; p < 0,05).

Devido a maior quantidade de itens com discordância, decidiu-se apresentar os dados desta análise na tabela 3. Nela, pode-se observar, também, os números do teste post hoc Tukey, que apontou as diferenças intergrupais. Os não-praticantes - ou os que não responderam a esta pergunta - diferem dos praticantes que não se lesionaram nas afirmativas "atletas lesionados são ansiosos", "atletas lesionados são confiantes" e "atletas lesionados têm ansiedade". Eles diferem também dos que se lesionaram nas questões "alongamentos previnem lesões", "atletas lesionados se sentem solitários" e "uma lesão grave é motivo suficiente para encerrar a carreira de um atleta".

Por fim, analisou-se a influência da idade nas respostas. Dividiu-se a amostra em 4 grupos: os que têm menos de 24 anos, aqueles que estão entre 25 e 32 anos, a faixa que vai dos 33 aos 40 e os maiores de 40 anos. Houve discordância significativa com relação à média nas questões "jogadores se incomodam quando há um atleta recuperado de lesão grave na equipe" (F(3,79) = 5,193; p < 0,001), "qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira" (F(3,79) = 3,392; p < 0,05), "atletas lesionados se sentem solitários (F(3,79) = 2,961; p < 0,05)" e "atletas lesionados são otimistas (F(3,79) = 2,919; p < 0,05)".

O teste Tukey mostrou diferenças intergrupais nos mesmos itens, sendo que os que se encontram abaixo dos 24 anos diferem dos que têm mais de 40 anos nas afirmações "jogadores se incomodam quando há um atleta recuperado de lesão grave na equipe" (M<24anos = 1,94; M>40anos = 3,32; p < 0,001) e "atletas lesionados se sentem solitários" (M<24anos = 2,12; M>40anos = 3,11; p < 0,05). Com relação aos que estão entre 33 e 40 anos, este mesmo grupo dos mais jovens diferiu no quesito "atletas lesionados são otimistas" (M<24anos = 3,71; M33a40anos = 2,71; p < 0,05). Aqueles cuja faixa etária se encontra entre 25 e 32 anos divergiram dos mais jovens (p < 0,05) e dos que estão entre 33 e 40 anos (p < 0,05) na afirmação "qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira" (M<24anos = 3,88; M25a32anos = 4,85; M33a40anos = 3,90).

 

4. Discussão

Levando em conta as respostas de todos os participantes, nota-se que os dados mostram uma grande concordância tanto com relação ao papel dos fatores psicológicos na reabilitação, quanto à influência do psicólogo neste processo. Pode-se considerar este fato como inesperado, já que há pouca participação dos profissionais da psicologia na reabilitação de atletas lesionados. Talvez isso se deva a fatores outros que não ao reconhecimento da sua importância.

A sentença relacionada aos alongamentos deveria funcionar apenas como fator distrator, mas foi mantida nesta análise por alcançar alta aprovação entre os respondentes. A amostra pesquisada demonstra acreditar que eles são mesmo capazes de prevenir as lesões. Esta é, em particular, a opinião dos que não praticam esporte.

Logo após, aparecem as proposições que demonstram o risco oferecido por algumas modalidades, pois os participantes acatam a ideia de que é comum competir com dor, bem como a de que qualquer atleta se arrisca a sofrer alguma lesão grave durante a sua carreira, Esta última é aceita, principalmente, pelos que não estão envolvidos com o meio da atividade física.

Em seguida, os primeiros sinais de estereótipos negativos começam a aparecer. Os respondentes estão de acordo com a declaração de que atletas lesionados não apenas têm ansiedade, mas que são pessoas ansiosas e têm medo. Chama a atenção a posição dos investidores e dos dirigentes. Acredita-se que ambos se incomodam em trabalhar tanto com o atleta que ficou muito tempo afastado por lesão, quanto com aquele já recuperado de um quadro grave. Essa crença difere da atribuída aos jogadores, como será demonstrado a seguir, mas já dá indícios de que o longo período de afastamento tende a contribuir mais para a imagem negativa do atleta lesionado do que a gravidade da lesão. Além disso, pela resposta a respeito dos investidores, fica demonstrada a pouca confiança depositada nos praticantes de atividade esportiva que já enfrentaram problemas físicos, especialmente no que tange às questões econômicas. Deve-se destacar que a maior concordância com a afirmação de que os atletas lesionados são ansiosos foi manifestada pelos participantes que não praticam esporte ou por aqueles que o fazem de forma amadora, escolhendo, em geral, modalidades coletivas.

As demais proposições desta faixa de concordância expressam que, além de acharem que competir com dor é usual, os participantes, também, acreditam que os atletas competem lesionados, ratificando a ideia, já comentada, de que algumas modalidades expõem os seus esportistas a situações de risco. A outra posição confirmada trata da pouca confiança que se tem nos lesionados, já que a alta concordância relativa à cautela dos dirigentes na hora de contratar atletas recuperados de lesão grave para suas equipes se repete.

Sobre as proposições introduzidas na pesquisa com a finalidade de observar como os participantes justificam a queda no rendimento de um atleta, os fatores físicos são os motivos preferencialmente apontados, tanto para os que se afastam por muito tempo devido a uma lesão, quanto para aqueles que são vítimas de um quadro grave. As causas psicológicas vêm logo em seguida, mas já figuram no bloco de sentenças que não encontram assentimento dos inquiridos.

Contrariando a literatura (Weinberg e Gould, 2001), os participantes não pactuam com as declarações de que os atletas lesionados são ou se sentem solitários, nem que valem menos para sua equipe, ou que sejam medrosos. Para eles, os jogadores não se incomodam em ter como companheiro de equipe alguém que ficou muito tempo afastado por lesão, tampouco um colega recuperado de um problema grave. Discordam, também, das ideias de que a lesão já faz parte do esporte, e refutam a proposição que diz que todo atleta sofrerá pelo menos uma lesão grave durante sua carreira. Recusam-se, porém, a concordar com a afirmação de que os lesionados são confiantes.

Pelas respostas dos inquiridos, pode-se dizer que ninguém concorda que os atletas lesionados sejam solitários, inúteis ou perdedores, muito menos que não valham nada para a sua equipe. As afirmações fatalistas também foram refutadas, demonstrando a tendência dos respondentes para acreditarem que há solução para os problemas gerados pelas lesões, sejam elas graves ou que afastem o ferido por muito tempo. Não se admite que uma lesão grave seja motivo suficiente para encerrar a carreira de um atleta, nem que elas sejam irrecuperáveis ou impossíveis de serem prevenidas.

É provável que os resultados aqui comentados tenham sofrido influência de divulgações na mídia de casos de atletas que, lesionados, foram submetidos a cirurgias sucessivas, retornando em muito boa forma, vencendo, inclusive, campeonatos mundiais. Frente a exemplos positivos de atletas lesionados, compreende-se porque a amostra não demonstrou concordância com as afirmações que tentam enquadrá-los no grupo dos perdedores, dos inúteis, dos medrosos e dos desvalorizados. Os participantes não deixaram de reconhecer as características negativas desses atletas, já que aderiram à idéia de que eles são ansiosos, têm medo e se sentem inúteis, porém, eles acreditam que os lesionados são otimistas, e, uma vez recuperados, a opinião dos respondentes é a de que eles se tornam vencedores.

Os estudos referentes à ameaça dos estereótipos analisam não só a interferência das crenças dos próprios membros do grupo estereotipado, mas também o efeito da preocupação com a opinião que os outros têm deles (Miller e Brewer, 1984). Sentir-se avaliado com a possibilidade de vir a confirmar um estereótipo negativo amplamente divulgado a respeito de um importante grupo social é, para o indivíduo, um dos mecanismos tidos como responsáveis pelo efeito da ameaça (Steele e Aronson, 1995). Assim, nesta survey, deve-se atentar para as proposições referentes à opinião de dirigentes e investidores sobre os atletas lesionados: ambos se incomodam em trabalhar com eles, seja porque ficaram muito tempo afastados das atividades - e estão fora de ritmo, podendo ou não recuperá-lo - seja porque vivenciaram uma lesão grave, consumando o grau de desconfiança.

 

5. Conclusão

Embora os dados aqui coletados não sejam de todo conclusivos, pode-se considerar que existe uma crença compartilhada relativa a atletas lesionados, cuja tendência é negativa. É importante destacar que essas crenças negativas sobre atletas que sofreram lesão vieram, essencialmente, dos participantes que não estão envolvidas com o meio, que já não praticam atividade física ou que têm mais de 40 anos. Tais dados reforçam a ideia de que os estereótipos ocorrem com frequência quando não se conhece o grupo estereotipado (Kunda, 1999) e também que os mais velhos resistem mais a alterar suas crenças (Rokeach, 1981).

 

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Submetido em 08/02/2009
Revisado em 12/05/2009
Aceito em 15/05/2009

 

 

V.M. Freire é Doutoranda em Psicologia (Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, Espanha). Atua como Professora de Psicologia (FTC -Campus Vitória da Conquista). Endereço para correspondência Facultad de Formación del Profesorado, C/Juana de Arco, 1, 35004 Las Palmas de Gran Canaria, Espanha. Telefones: +55-34-626-272958; FAX: +55-34928-458624. E-mail para correspondência: verena@verenafreire.com.
M.E. Pereira atua como Professor (Instituto de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia, UFBA). Endereço para correspondência Rua Rodrigo Argolo, 293/502, Rio Vermelho,Salvador, Bahia 41940-220. Telefone: +55-71-32407792 ou +55-71-99873612. E- mails para correspondência: emanoel@terra.com.br e emanoel@ufba.br.

 

Agradecimento

Esta pesquisa foi realizada com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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