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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.14 no.3 Rio de Janeiro Nov. 2009

 

EDITORIAL

 

Aporias do periodismo científico no Brasil

 

Aporias of scientific publications in Brazil

 

 

Sem sombra de dúvida, nosso país precisa investir cada vez mais na qualificação de nossos veículos de comunicação científica e neste sentido algumas ações vêm sendo tomadas. Infelizmente, temos um cenário no qual se contrapõem as medidas formais e as especificidades da prática científica, estabelecendo uma batalha entre o enformar e informar. Como comparar impacto geral e impacto específico dos periódicos? Como dar credibilidade aos critérios quando nos deparamos com vários pesos para uma mesma medida? Mais do que uma imposição vertical de regras, urge que tenhamos uma consciência e profissionalismo nas diversas instâncias.

Enquanto periódicos de reconhecido impacto como Naturee Sciencesão sólidos e abrangentes, há - mesmo no periodismo internacional - revistas que atendem segmentos específicos e cuja importância é inquestionável, não em relação à sua circulação, mas em relação ao seu conteúdo específico. Nestes casos, mesmo um periódico com menor número de citações pode contribuir mais significativamente para seu campo do que outro de larga distribuição.

No Brasil, este tipo de preocupação esbarra ainda em outros elementos delicados, por exemplo, a falta de profissionalismo de muitos periódicos. Refiro-me aqui não aos agentes em relação às suas áreas de expertise, mas sim em relação à experiência de edição de um veículo de comunicação. Infelizmente, causa espanto o modo como até mesmo alguns dos periódicos da área de comunicação se apresentam "amadoras" em relação ao processo editorial que circunda a prática de uma publicação. Por certo, a escassez de verbas e o voluntarismo que envolve a organização e coordenação de muitas destas publicações podem ser levantados como problemas. Outrossim, devemos nos perguntar, antes de usar tais argumentos, sobre o que e quanto estamos dispostos a fazer para melhorar esta condição.

Hoje, instituições como a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABTC) e a Associação Brasileira de Editores Científicos de Psicologia (ABECIP) têm se mobilizado no sentido de promover o aumento da qualidade dos periódicos. Todavia, o número de editores e periódicos envolvidos ativamente junto a tais instituições e similares ainda é reduzido. É neste sentido que entendo faltar uma consciência profissional dos agentes envolvidos, ou seja, em relação a um maior grau de amadurecimento editorial.

Há, contudo, a necessidade de ressaltar que as deficiências não estão somente com os agentes diretamente ligados com a produção. Atualmente, as agências de fomento, mesmo que revestidos de válida intenção de promoção de melhorias, acabam contribuindo para a desarticulação deste setor ainda em processo de consolidação no Brasil. Os critérios adotados nas últimas reformas do QUALIS, investindo pesadamente, na avaliação orientada por indexação e impacto parecem muito mais inibir do que estimular a melhoria. Primeiro, porque a avaliação deixa de contemplar a questão da especificidade das publicações voltadas para certos nichos acadêmicos, o que prejudica consideravelmente importantes periódicos setoriais. Segundo, por exibir listagens cuja hierarquização fere a própria lógica proposta e, com isto, a credibilidade do processo. Algumas vezes, encontrar veículos meramente informativos de banca de jornais e destituídos de qualquer rigor científico, como a revista História Viva(ISBN 1679-656X - http://www2.uol.com.br/historiaviva/), classificada como B3 por dois comitês científicos de avaliação do QUALIS, deixam em dúvida a eficácia das avaliações, quando tantos outros periódicos, realmente científicos (com avaliação por pares e demais requisitos), são equiparados ou avaliados abaixo desta publicação, que sequer deveria compor a listagem de periódicos científicos. Aporias de tal ordem colocam a credibilidade dos critérios em uso contra a parede, deixando a incômoda sensação de, na melhor das hipóteses, ineficácia e incoerência dos esquemas atualmente em vigor.

Indiscutivelmente, há a necessidade de cobrar a qualidade e estimular o rigor das publicações científicas brasileiras, entretanto há também a necessidade de fazê-lo de modo coerente e com profissionalismo da parte de todos os envolvidos (editores, órgãos de fomento, pareceristas, autores e outros). Este é um requisito sem o qual estaremos fazendo parte de um festim esquizóide, no qual cada um se deixa levar por suas próprias ilusões.

 

Gláucio Aranha
Editor-Chefe
Ciências & Cognição

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