SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 issue3Reflections about the creativity concept: relationship with the knowledge biologyJung: a path through the analytical psychology author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.14 no.3 Rio de Janeiro Nov. 2009

 

REVISÃO

 

O papel das células tronco na engenharia tecidual

 

The use of stem cells in tissue engineering

 

 

Guinea Brasil Camargo CardosoI; Antonio Celso Fonseca de ArrudaII

ICurso de Pós-Graduação na Área de Materiais e Processos de Fabricação, Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Campinas, São Paulo, Brasil
IILaboratório de Engenharia de Biomateriais e Biomecânica (LABIOMEC), Departamento de Engenharia de Materiais, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil

 

 


RESUMO

A engenharia tecidual é um campo de estudo que abrange diversas áreas do conhecimento, e em maior intensidade as áreas médica, biológica e da engenharia. A utilização de células tronco na bioengenharia tem sido muito investigada e está se revelando como uma linha promissora também em engenharia tecidual, embora apresente algumas controversas e discussões. Esse trabalho é uma revisão a respeito das características das células tronco, assim como suas classificações, focalizando em sua potencialidade na engenharia tecidual.

Palavras-chave:engenharia tecidual; células tronco; células pluripotentes; células multipotentes.


ABSTRACT

Tissue engineering is an interdisciplinary field that involves mainly medical area, biology and engineering. The uses of stem cells in bioengineering have been much investigated and it is showing a promising research line also in tissue engineering, although there are some controversies and discussions. This work is a review regarding the characteristics of stem cells focusing in their potentiality in tissue engineering.

Keywords: tissue engineering; stem cells; pluripotents cells; multipotents cells.


 

 

Introdução

O tratamento médico e odontológico para perda de tecidos ou reparador após o estágio final de fadiga de um órgão é requerido por milhões de pessoas, de diferentes idades em todo o mundo (Langer e Vacanti, 1993). Neste sentido, a engenharia tecidual aparece como um campo multidisciplinar que envolve as ciências e conhecimentos das engenharias com o objetivo de desenvolver substitutos biológicos que restaurem, mantenham ou melhorem a função de diferentes tecidos (Kaigler e Mooney, 2001).

Os principais objetivos dos tecidos repostos e reconstruídos são aliviar a dor, restaurar mecanicamente a estabilidade e a função. As estratégias atuais usadas para o tratamento de perda de tecidos utilizam enxertos autógenos, alógenos e materiais sintéticos. Embora esses tratamentos tenham sucesso, cada um possui suas limitações.

A engenharia tecidual depende de três fatores importantes, fonte celular, scaffolds, ou seja, o material que irar atuar como um arcabouço para as células, além dos fatores de indução para o crescimento celular. A incorporação da engenharia genética na biologia celular abre caminho para novos hospedeiros para fontes celulares para serem investigados (Lavik et al., 2004).

 

Estratégias para engenharia tecidual

Atualmente estratégias empregadas na engenharia tecidual podem ser categorizadas em três classes maiores: condutoras, indutoras e transplante celular. Essas estratégias utilizam tipicamente os mesmo materiais, entretanto com diferentes finalidades. A condução utiliza os biomateriais de uma maneira passiva, para facilitar o crescimento ou a capacidade regenerativa dos tecidos existentes (Kaigler e Mooney, 2001). A indução é a segunda maior estratégia da engenharia tecidual, e envolve a ativação das células nas proximidades do local a ser recomposto com específicos sinais biológicos. A origem desse mecanismo tem suas raízes na descoberta das proteínas morfogenéticas ósseas (BMPs). Urist et al., primeiro demonstrou que um novo osso poderia ser formado por um campo não mineralizado, após implantação de osso "tratado" (osso desmineralizado em pequenos pedaços) (Urist, 1965). No osso tratado havia proteínas (BMPs), as quais se tornariam o elemento chave para a indução da formação ósseas. Essas proteínas agora são disponíveis em fórmulas diversas e produzidas em larga escala pelas empresas de biotecnologia (Kaigler e Mooney, 2001).

Uma limitação da indução é que o fator que induz um tecido em particular, pode não ser sempre reconhecido. Nessa situação, a terceira estratégia da engenharia tecidual, transplante celular, se torna bem atraente. Essa estratégia envolve o transplante direto de células, cujo crescimento se deu em laboratório (Krebsbach et al., 1999). A estratégia de transplante celular, realmente reflete a natureza multidisciplinar da engenharia tecidual, já que requerem o clínico ou cirurgião, o bioengenheiro e o histologista. O clinico é necessário para realizar a captação de um pequeno tecido, onde contenha as células de interesse. Princípios de histologia são necessários para multiplicar células em laboratório e manter suas funções. Enquanto isso, o bioengenheiro produz tecido, em bioreatores e materiais para os transportes celulares. Por último, o clínico é necessário para transplantar o tecido. Após o transplante, o material que serviu de substrato para o crescimento das células pode degradar-se ou remodelar-se pelo campo do transplante celular, resultando em um tecido restaurado (Kaigler e Mooney, 2001).

 

Fontes celulares

O princípio essencial da engenharia tecidual é combinar, in vitro,o crescimento de células em substratos (scaffolds)específicos, para repor ou recompor determinado tecido. Os tipos celulares escolhidos, sozinhos, como única fonte de crescimento celular e implantação, são críticos para o sucesso da engenharia tecidual.

As células tronco possuem propriedades essenciais como a capacidade de auto renovação, onde possui uma capacidade de origina-se em outra célula tronco com características idênticas e a diferenciação em outras linhagens sobre condições apropriadas. Para a realização destas tarefas, chamadas de replicação e diferenciação, elas podem se utilizar de dois modelos de divisão: o determinístico, onde sua divisão gera sempre uma nova célula tronco e uma diferenciada ou modelo aleatório, quando algumas células tronco geram somente novas células tronco e outras geram apenas células diferenciadas.

As células tronco se classificam em totipotentes ou embrionárias, pluripotentes ou multipotentes, oligopotentes e unipotentes. As embrionárias são totipotentes, consequentemente, elas podem diferenciar em todos os três germes embrionários. São derivadas até a fase em que o embrião tem cerca de dezesseis até trinta e duas células, ou seja, três a quatro dias de vida, visto que cada célula é capaz de se transformar em um ser humano completo. Estas células só podem ser encontradas no embrião. As células tronco pluripotentes ou multipotentes também só podem ser encontradas em embriões, conseguem se diferenciar em quase todos os tecidos humanos, salvo a placenta e nos anexos embrionários.

Já as oligopotentes possuem capacidade de se diferenciar apenas em alguns tecidos, são encontradas em diversos tecidos, sendo assim muito utilizadas em pesquisas. As unipotentes diferenciam em um único tecido, ou seja, ao tecido em que pertencem.

Também podem ser classificadas de acordo com a sua natureza, podendo ser adultas ou embrionárias. São encontrados dois tipos de célula tronco na médula óssea, que é a fonte mais utilizada para a extração, as hematopoiética e as mesenquimais. Os potenciais dessas células e a facilidade de isolarem e se expandirem são propriedades inestimáveis para a medicina regenerativa.

Células tronco hemapoéticas (CTHs), as quais são capazes de repor todas as células no sistema hemapoético, foram as primeiras células tronco a serem identificadas (Alison et al.,2002; Weissman, 1997). Agora, parte do desafio nesse campo é a definição da plasticidade das CTHs para se diferenciarem nos diversos tipos celulares presentes nos organismos.

As não embrionárias podem ser deviradas de diversas fontes, tais como fluido amniótico (De Coppi et al., 2007), tecido do cordão umbilical (Wang et al., 2004), sistema nervoso central (Gage, 2000), osso medular (Caplan, 1991), retina (Tropepe et al., 2000) e pele (Toma et al., 2001).

Os estudos tendem a avançar na identificação, isolamento, expansão e controle de diferenciação das células tronco dos tecidos adultos e fetais (Jackson et al., 2002). Identificação e isolação das células tronco tem sido mais comum utilizando técnicas de clonagem (Stemple e Anderson, 1992; Weissman, 1997; Lu et al., 2002) e ativação celular fluorescente que é empregada para a separação de células tronco específicas, baseando-se em um marcador de superfície celular (Morrison et al., 1999). Várias reposições teciduais têm sido estudadas com composição de scaffoldsde polímeros colocado-se células tronco, como por exemplo, em cartilagem (Ponticiello et al., 2000; Weber et al., 2002), intestino (Hori et al., 2002) e osso (Gao et al., 2001).

A transdiferenciação das células tronco multipotentes têm levado a um grande interesse como uma possibilidade de obter células tronco as quais não são disponíveis ou não são facilmente obtidos no adulto. Tem sido sugerido que pode ser possível induzir um tipo de célula tronco em outra, como ocorre na transdiferenciação de célula tronco da medula óssea em neural (Mezy et al., 2000; Sanchez-Ramos et al., 2000) ou transdiferenciação de célula tronco neural em hematopoética (Boheler et al., 2002). Entretanto, in vitro, apenas uma porcentagem de CTN se diferencia em um tipo especifico celular. Assim como in vivo, em grandes modelos de injúrias com enxertos de CTN, diferenciações celulares são observadas, mas não sempre completo (Teng et al., 2002).

Várias ideias surgiram para explicar a determinação da linhagem das células tronco. Uma linha de pesquisa atual foca o microenvolvimento ou nicho das células tronco. O nicho consiste em moléculas sinalizadoras, comunicações intracelulares e interações entre as células tronco e as matrizes extracelulares. Esses três microenvolvimentos são suficiênte para influênciar e ou controlar genes e propriedades das células tronco (Watt e Hogan, 2000).

Esses achados de transdiferenciação mostraram a alta possibilidade da influência do nicho, levando a plasticidade de células tronco adultas (a habilidade de diferenciação em células de outras linhagens). O entusiasmo gerado por esses achados da plascidade de células tronco tem sido contráriada por dezenas de controversas e ceticismo em vários centros de pesquisas.

Outra controversa é a pesquisa com células tronco embrionárias, já que se torna mais polêmica devido a discussão da clonagem reprodutiva. Devido o envolvimento da transferência do núcleo de uma célula adulta do paciente para um oócito doador enucleado com o propósito de gerar um embrião. Esse cresce até o estádio de blastocisto, fase em que as células tronco podem ser obtidas e diferenciadas em tecidos adultos. Essas células podem também ser obtidas a partir de tecidos adultos, entretanto são as derivadas a partir de embriões que há muitas objeções ao uso.Assim sabe-se que são necessários mais estudos para entender completamente esse mecanismo de potencial de diferenciação das células tronco.

 

Conclusão

A utilização de células tronco na engeharia tecidual, possui diversas dificuldades, uma das maiores é em relação à ética, já que envolve fatores culturais e ou religiosos, além da fonte celular e o tipo da fonte, por exemplo, a utilização de célula tronco embrionárias. O estudo do comportamento das células in vitro, deve propiciar um melhor entendimento do controle da diferenciação celular, de modo a obter as características dos tecidos que tais células irão regenerar. O desenvolvimento de novos biomateriais com características que propiciem sua utilização como substrato para crescimento e condução celular a áreas a serem recompostas. É esperado que o aumento da interação entre os campos da engenharia, biologia e ciências médicas, vinculado ao estudo de células tronco, venha direcionar as mudanças na área de engenharia tecidual.

 

Referências bibliográficas

Alison, M.; Poulsom, R. e Wright, N. (2002). Preface to stem cells. J. Pathol., 197, 417-418.        [ Links ]

Boheler K.R.; Czyz, J.; Tweedie, D.; Yang, H.T.; Anisimov, S.V. e Wobus, A.M. (2002). Differentiation of pluripotent embryonic stem cells into cardiomyocytes. Circ. Res.,91, 189-201.        [ Links ]

Caplan, A.I. (1991). Mesenchymal stem cells. J. Orthop. Res.,9 (5), 641-650.        [ Links ]

De Coppi, P.; Bartsch, G., Jr. e Siddiqui, M.M. (2007). Isolation of amniotic stem cell lines with potential for therapy. Nat. Biotechnol.,25 (1), 100-106.        [ Links ]

Gage, F.H. (2000). Mammalian neural stem cells. Science,287 (5457), 1433-1438.        [ Links ]

Gao, J.; Dennis, J.; Solchaga, L.; Awadallah, A.; Goldberg, V. e Caplan, A. (2001). Tissue- engineered fabrication of an osteochondral composite graft using rat bone marrow-derived mesenchymal stem cells. Tissue Eng., 7, 363-371.        [ Links ]

Hori, Y.; Nakamura, T.; Kimura, D.; Kaiano, K.; Kurokawa, Y.; Satomi, S. e Shimizu, Y. (2002). Experimental study on tissue engineering of the small intestine by mesenchymal stem cell seeding. J. Surg. Res.,102, 156-160.        [ Links ]

Jackson, K.A,; Majka, S.M; Wulf, G.G. e Goodell, M.A. (2002). Stem cells: a mini-review. J. Cell Biochem., S38, 1-6.        [ Links ]

Kaigler, D. e Mooney, D. (2001). Tissue engineering's impact on dentistry. J. Dent. Educ., 65 (5), 456-62.        [ Links ]

Krebsbach, P.H.; Kuznetsov, S.A.; Bianco, P. e Gerhon Robey, P. (1999). Bone marrow stromal cells: characterization and clinical application. Crit. Rev. Oral Biol. Med., 10(2), 165-81.        [ Links ]

Langer, R. e Vacanti, J.P. (1993). Tissue engineering. Science, 260 (5110), 920-926.        [ Links ]

Lavik, E. e Langer, R. (2004). Tissue engineering: current state and perspectives. Appl. Microbiol. Biotechnol., 65 (1), 1-8.        [ Links ]

Lu, B.; Kwan, T.; Kurimoto, Y.; Shatos, M.; Lund, R.D. e Young, M.J. (2002). Transplantation of EGF-responsive neurospheres from GFP transgenic mice into the eyes of rd mice. Brain Res., 943, 292-300.        [ Links ]

Mezy, E.; Chandross, K.; Harta, G.; Maki, R. e Mckercher, S. (2000). Turning blood into brain: cells bearing neuronal antigens generated in vivo from bone marrow. Science, 290, 1779-1782.        [ Links ]

Morrison, S.; White, P.; Zock, C. e Anderson, D. (1999). Prospective identification, isolation by flow cytometry, and in vivo self-renewal of multipotent mammalian neural crest stem cells. Cell, 96, 737-749.        [ Links ]

Ponticiello, M.S.; Schinagl, R.M.; Kadiyala, S. e Barry, F.P. (2000). Gelatin-based resorbable sponge as a carrier matrix for human mesenchymal stem cells in cartilage regeneration therapy. J. Biomed. Mater Res., 52, 246-255.        [ Links ]

Sanchez-Ramos, J.; Song, S.; Cardozo-Pelaez, F.; Hazzi, C.; Stedeford, T.; Willing, A.; Freeman, T.B.; Saporta, S.; Janssen, W.; Patel, N.; Cooper, D.R. e Sanberg, P.R. (2000). Adult bone marrow stromal cells differentiate into neural cells in vitro. Exp. Neurol.,164 (2), 247-256.        [ Links ]

Stemple, D.L. e Anderson, D.J. (1992). Isolation of a stem cell for neurons and glia from the mammalian neural crest. Cell, 71, 973-985.        [ Links ]

Teng, Y.D.; Lavik, E.B.; Qu, X.L.; Park, K.I.; Ourednik, J.; Zurakowski, D.; Langer, R. e Snyder, E.Y. (2002). Functional recovery following traumatic spinal cord injury mediated by a unique polymer scaffold seeded with neural stem cells. Proc. Natl. Acad. Sci., 99, 3024-3029.        [ Links ]

Toma, J.G.; Akhavan, M.; Fernandes, K.J.; Barnabe-Heider, F.; Sadikot, A.; Kaplan, D.R. e Miller, F.D. (2001). Isolation of multipotent adult stem cells from the dermis of mammalian skin. Nat. Cell Biol., 3 (9), 778-784.        [ Links ]

Tropepe, V.; Coles, B.L.; Chiasson, B.J.; Horsford, D.J.; Elia, A.J.; Mcinnes, R.R. e van der Kooy, D. (2000). Retinal stem cells in the adult mammalian eye. Science, 287(5460), 2032-2036.        [ Links ]

Urist, M.R. (1965). Bone Formation by Autoinduction. Science, 150, 893-899.        [ Links ]

Wang, H.S.; Hung, S.C.; Peng, S.T.; Huang, C.C.; Wei, H.M.; Guo, Y.J.; Fu, Y.S.; Lai, M.C. e Chen, C.C. (2004). Mesenchymal stem cells in the Wharton's jelly of the human umbilical cord. Stem Cells, 22 (7), 1330-1337.        [ Links ]

Watt, F.M. e Hogan, B.L. (2000). Out of Eden: stem cells and their niches. Science,287, 1427-1430.        [ Links ]

Weber, M.; Steinert, A.; Jork, A.; Dimmler, A.; Thurmer, F.; Schutze, N.; Hendrich, C. e Zimmermann, U. (2002). Formation of cartilage matrix proteins by BMP-transfected murine mesenchymal stem cells encapsulated in a novel class of alginates. Biomaterials, 23, 2003-2013.        [ Links ]

Weissman, I. (1997). Stem cells: the lessons from hematopoieses. Isolation, characterization and utilization of CNS stem cells. New York: Springer.        [ Links ]

 

 

Submetido em 22/09/2008
Revisado em 26/02/2009
Aceito em 30/10/2009

 

 

A.C.F. de Arrudaé Graduado em Engenharia Mecânica, Mestre em Engenharia Mecânica e Doutor em Engenharia Mecânica (UNICAMP). Atualmente é Professor Titular (UNICAMP). Tem experiência na área de Engenharia Mecânica, com ênfase em Biomecânica/Biomateriais, atuando principalmente nos seguintes temas: equipamentos médico-hospitalares e sistemas de proteção aos ocupantes em automóveis. E-mailpara correspondência: celso.arruda@pq.cnpq.br. Telefone para contato: +55-19-35213327.

Creative Commons License