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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. v.14 n.3 Rio de Janeiro nov. 2009

 

RESENHA

 

Biblioteca escolar e práticas educativas: o mediador em formação

 

School library and educational practices: the mediator in formation

 

 

Flávia Brocchetto Ramos; Nathalie Vieira Neves

Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil

 

 

"Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!"
Castro Alves

 

 

A obra Biblioteca escolar e práticas educativas: o mediador em formação (242 páginas), organizada por Renata Junqueira de Souza, é composta de 10 artigos escritos por 15 profissionais das áreas de Literatura, Educação e Biblioteconomia, entre outras. Esses artigos visam a promover a reflexão sobre as bibliotecas escolares, no que se refere a questões como constituição e organização do acervo, condições de funcionamento e práticas pedagógicas desenvolvidas nesses ambientes, a fim de formar efetivos mediadores de leitura.

"A hora do conto na biblioteca escolar: o diálogo entre a leitura literária e outras linguagens" é o artigo de abertura da obra, no qual as autoras, Cyntia Girotto e Renata de Souza, sugerem algumas propostas para dinamizar a Biblioteca Escolar. Segundo as pesquisadoras, mediadores de leitura são "sujeitos que leem, discutem, promovem e facilitam o diálogo entre texto e leitor" (p. 19). As autoras sugerem que a hora do conto pode se dar pela narração de história memorizada, pela leitura do livro ou através de recursos como dramatização e gravuras. Apontam ainda como fundamentais a boa acomodação física dos alunos, a apresentação das ilustrações da obra e a expressividade vocal e corporal, a fim de dar "afeto e calor humano ao texto" (p. 34).

No artigo "Formar leitores: desafios da sala de aula e da biblioteca escolar", Lílian da Silva, Norma Ferreira e Rosalia Scorsi, argumentam que, apesar de significarem um grande passo para a democratização dos livros, os programas de distribuição de obras não são suficientes para a efetiva formação do leitor, sendo necessário também garantir tempos e espaços para a mediação de leitura na escola. Para as autoras, a biblioteca deve ser um espaço de diálogo, liberdade, descoberta, e não um lugar de acumulação e ordenação de livros. Por fim, elas apontam que o mediador precisa de um bom repertório de leituras para ter condições de fazer uma seleção adequada de textos.

Eliane Ferreira, no artigo "A leitura dialógica como elemento de articulação no interior de uma biblioteca vivida", constata que, em geral, o trabalho com a leitura em sala de aula desconsidera as percepções, os sentimentos e a criatividade da criança, contrariando a natureza dialógica da literatura. Além disso, outros fatores contribuem para a rejeição da leitura, como a desvalorização da biblioteca, a pouca oferta de livros nos lares, o desconhecimento da produção literária infantil e juvenil por parte dos professores e a concepção do livro como instrumento de transmissão de normas linguísticas e comportamentais. Segundo a autora, cabe ao mediador disponibilizar ao leitor diversos textos, especialmente obras emancipatórias, que promovam a expansão de perspectivas, a reflexão existencial e a revisão de valores.

O artigo "Programas de leitura na biblioteca escolar: a literatura a serviço da formação de leitores", de Renata de Souza e Caroline dos Santos, propõe o desenvolvimento de programas de leitura que potencializem a consciência literária das crianças. Como exemplos de atividades para revitalização do espaço da biblioteca escolar, as autoras propõem confecção de diários de leituras, realização de saraus literários, exposição de livros, confecção de murais de recortes sobre literatura, etc. Por fim, as autoras apontam que a função dos programas de leitura é "criar alunos pensantes, leitores críticos, formadores de opinião e, principalmente, crianças que sintam necessidade da literatura - para dar forma aos sentimentos e à visão de mundo" (p. 113).

Rovilson da Silva, no artigo "Biblioteca escolar: organização e funcionamento", sugere que é preciso que a biblioteca tenha espaço e mobiliário adequados, acervo diversificado, além de horário de funcionamento flexível e profissional capacitado para a mediação de leitura. De acordo com o pesquisador, a biblioteca também deve ter uma área informal, um espaço lúdico, com tapetes, cortinas, fantoches, baús etc, a fim de que a criança se sinta mais à vontade. Em síntese, o autor lembra que é preciso que o profissional que atua na biblioteca seja dinâmico, empenhado em tornar a biblioteca um espaço mais acessível e agradável aos alunos.

"A trama do acervo: a literatura nas bibliotecas escolares pela via do Programa Nacional Biblioteca da Escola" é o título do artigo em que Aparecida Paiva analisa algumas políticas públicas de incentivo à leitura. A autora contextualiza o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) e algumas iniciativas do MEC anteriores a este programa, como o Proler e o Programa Nacional Sala de Leitura. A pesquisadora enfatiza a importância de os profissionais da escola integrarem os bens culturais recebidos do governo às atividades da sala de aula e da biblioteca e que orientem os alunos a ler as obras com diferentes níveis de dificuldade, refletindo sobre a qualidade textual, temática e gráfica das obras.

Dagoberto Arena, no artigo "Leitura no espaço da biblioteca escolar", contextualiza historicamente a mudança de percepção acerca do espaço da biblioteca, lembrando que o que faz uma biblioteca não é apenas a presença de livros, e sim a interação entre os diversos leitores. O autor ainda salienta que, em geral, as políticas públicas têm investido apenas no reunir (distribuir livros), mas pouco no dispersar (compartilhar leituras). Segundo o autor, a biblioteca transcende a função de apoio ao trabalho em sala de aula, já que tem uma identidade própria, uma história de relação com os leitores. Por fim, relata uma experiência de mediação de leitura em Évora, Portugal: o projeto Loja dos Sonhos (mediadores contam histórias para as crianças dentro de ônibus adaptados, em frente a escolas).

Para Luiz Percival Britto, no artigo "Leitura e formação na educação escolar: algumas considerações inevitáveis", no senso comum há concepções de leitura errôneas, como a de que o Brasil é um país de não leitores. O autor contra-argumenta, afirmando que os índices de analfabetismo têm diminuído cada vez mais e que, na contemporaneidade, a sociedade está impregnada de escrita (placas, cartazes, mídia). Assim, quando se afirma que o brasileiro lê pouco, refere-se apenas aos textos da tradição intelectual (filosofia, literatura, ciências). Percival ainda pondera que se deve inverter a lógica de que "leitura gera conhecimento", para "conhecimento gera leitura", cabendo à escola oferecer objetos culturais além daqueles cotidianos, da cultura de massa, a fim de não se submeter à lógica da literatura como entretenimento descomprometido. Nesse sentido, a biblioteca pode se tornar um espaço de estudo e acesso ao conhecimento elaborado pela tradição ocidental.

No artigo "Bibliotecário: um essencial mediador de leitura", os pesquisadores Sueli Bortolin e Oswaldo de Almeida Júnior propõem que a função do bibliotecário não pode se restringir ao empréstimo de livros e organização de estantes. Espera-se do mediador de leitura embasamento teórico, criatividade e abertura às situações imprevistas, disponibilidade ao diálogo e atenção às reações dos alunos, objetivando aproximar leitor e texto. Além disso, a escola também precisa estimular, além da leitura literária, a leitura informacional, baseada na curiosidade em aprender e não no mero cumprimento de conteúdos.

O desafio de envolver outros parceiros no trabalho escolar é a preocupação de Ana Paula Rigoleto e Cristiano di Giorgi no artigo "Outros parceiros na biblioteca escolar: democratização e incentivo à leitura". Segundo os autores, toda a sociedade tem responsabilidade sobre a formação do leitor. Cabe à família primeiramente iniciar a criança na leitura por meio do incentivo e da oferta de material. Ao poder público, investir não somente na distribuição de acervos, mas também numa política de formação e valorização do leitor. À escola, realizar atividades a fim de formar leitores capazes de ler, refletir e reagir.

Em síntese, a obra Biblioteca escolar e práticas educativas: o mediador em formaçãotraz reflexões sobre o papel da biblioteca no contexto da educação e da formação do leitor. Apesar da diversidade de perspectivas teóricas, os autores enfatizam a dinamização do espaço da biblioteca, o investimento em acervo com qualidade literária e científica e a formação continuada de profissionais flexíveis que efetivamente sejam mediadores de leitura, a fim de que sejam construídas práticas educativas relevantes e prazerosas para os educandos e educadores. A obra, constituída por artigos de profissionais de diversas áreas, pode dialogar com vários leitores que estejam preocupados com a formação de leitores. Dessa forma, o exemplar pode contribuir para a formação de normalistas, acadêmicos de licenciaturas e de Biblioteconomia e pós-graduandos, além de auxiliar professores da educação básica e ensino superior. Espera-se, assim, que a leitura e a implementação de reflexões propostas na obra tornem a epígrafe dessa resenha uma realidade nas bibliotecas.

 

Referência:

Souza, R.J. (org.). (2009). Biblioteca escolar e práticas educativas: o mediador em formação. Campinas: Mercado das Letras.        [ Links ]

 

 

Submetido em 30/09/2009
Aceito em 22/10/2009

 

 

F.B. Ramos é Graduada em Letras (UCS), Doutora em Letras (Pontifícia Universidade Católica - Rio Grande do Sul, PUC-RS). Atua como Docente do Programa de Pós-graduação em Educação (UCS) e realiza Estagio de Pós-doutoramento (Universidade Federal de Minas Gerais, FAE/UFMG). Endereço para correspondência: Rua Antônio Xavier da Luz, 710. Bairro Petrópolis, Caxias do Sul, RS 95.070-040. E-mailpara correspondência: ramos.fb@gmail.com.

N.V. Nevesé Graduanda em Letras (Licenciatura, UCS), Bolsista BIC/FAPERGS no projeto de pesquisa "Educação, linguagem e práticas leitoras". Endereço para correspondência: Rua Sinimbu, 1346/apto 13. Bairro Centro, Caxias do Sul, RS 95.020-001. E-mailpara correspondência: nathalie.vneves@gmail.com.

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