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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro abr. 2010

 

Artigo Científico

 

As ideias e seus veículos: um encontro entre a literatura fantástica de Borges, a memética e a biologia evolutiva

 

The ideas and their vehicles.  a meeting between Borges' fantastic literature, memetic. and evolutionary biology

 

 

Ricardo Francisco Waizbort

Laboratório de Avaliação em Ensino e Filosofia das Biociências, Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde, IOC/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; Programa de Pós-Graduação em Histórias das Ciências e da Saúde/COC/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


Resumo

O objetivo desse trabalho é demonstrar que a poética narrativa que pode ser depreendida de relatos do escritor Jorge Luis Borges tem uma grande afinidade com a teoria dos memes: ambas supõem que as ideias são entidades com vida própria, e ocupam um lugar central na formação da mente humana e em seu funcionamento teleológico. Para tanto apresentaremos algumas narrativas de Borges e, paralelamente, a assim chamada teoria dos memes ou memética. No caso da memética, a teoria da evolução por seleção natural associada à genética serve de base para pensar os memes como entidades análogas aos genes. Para chegar a esclarecer esse ponto apresentaremos uma versão do darwinismo atual e da genética, para só então introduzir a teoria dos memes. De especial interesse é o caso do relato "Funes, o memorioso", no qual o neurologista Oliver Sacks, identifica no personagem-título uma afecção cognitiva, mas que aqui irá nos servir de base para argumentar que enquanto Funes é um homem sem ideias, um grau zero de memes, outros personagens e relatos representam a prisão que certas ideias, especialmente monomanias, podem nos encarcerar. Ao contrário de interpretações tradicionais que indicam que Borges é adepto da ideia de que o conhecimento e a ciência não passam de um jogo de espelhos, afirmo que Borges vê muito bem que as ideias (incluindo as científicas) podem nos levar à destruição, mas também podem ajudar a nos libertarmos de prisões naturais e daquelas que nós mesmos criamos, consciente e inconscientemente. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 155-170.

Palavras-chaves: Borges; meme; gene; mente; livre arbítrio; evolução.


Abstract

The aim of this paper is to demonstrate that poetic narrative deduced from some texts written by Jorge Luis Borges has a. affinity with memetics, both Borges and memetics assuming that ideas are entitie. having their own lives, occupying a central place in modeling the human mind. In order to achieve this goal, we will present some Borges narratives and in parallel presen. the so-called theory of memes or memetics. In the case of memetics, the theor. of evolution by natural selection associated with genetics establishes the basis t. consider ideas as entities analogous to genes. In order t. clarify this point we will present a version of Darwinism in addition to curren. genetics, and only then introduce the theory of memes. Specia. interest is the case of the Borges narrative "Funes, el memorioso" in which the neurologis. Oliver Sacks, identifies in the protagonist, Funes, a cognitive disorder. Bu. in our argument, such a tale will serve as the basis for query that Funes is . man without ideas, (a zero-memes man), other characters and storie. represent imprisoning ideas,, especially monomania. Unlike traditional interpretations establishing tha. Borges encouraging the idea that knowledge and science are merel. a language illusion, we will defend that Borges understands very well the concept of idea. (including scientific ideas) lead us to destruction, but ma. help us to free ourselves from natural prisons or other mazes which w. have created, either consciously or unconsciously. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 155-170.

Keywords: Borges; meme; gene; mind; free will; evolution.


 

 

"A ciência, afinal de contas, é um ramo da literatura: e trabalhar
em ciência é uma atividade humana como construir uma
catedral." (Popper, 1975)

"A metafísica é um ramo da literatura fantástica." (Borges, 1986a)

 

Darwinismo, Borges e as ideias

Para o darwinsimo clássico os indivíduos são os alvos principais da seleção natural. Cada um luta para sobreviver e se reproduzir, a despeito de qualquer consideração de ordem ética ou moral. Indivíduos aqui não devem ser considerados, necessariamente, como humanos, mas como organismos que constituem as populações de milhões de espécies de animais, plantas e outros seres vivos que habitam a Terra. Durante o século XX, até meados da década de 1960, uma doutrina centrada na seleção de grupos, e não de indivíduos isolados, ganhou espaço considerável em livros, artigos e instituições científicas. Seus defensores julgavam que o nível mais importante sobre o qual agia a seleção natural era o grupo ou a espécie. Nesse contexto o altruísmo, tema central desses debates, era explicado como o sacrifício do indivíduo para o bem da espécie. O advento da genética em princípios do século XX e o seu fantástico desenvolvimento, a síntese entre a genética e a teoria da evolução, em fins da década de 1930, as novas descobertas da biologia molecular a partir de 1953, instigaram os cientistas a compreender que o nível mais fundamental em que a seleção natural age, não é nem o dos indivíduos ou o das espécies, mas o nível dos genes, na verdade, a informação contida nos genes. Animais e plantas são veículos para os genes, replicadores biológicos, cuja informação está sendo transmitida, em muitos casos, por bilhões de anos. Essa é a concepção popularizada como a teoria do gene egoísta (Williams, 1966; Dawkins, 1979; Dennett, 1998;).

Assim, para essa teoria, genes são replicadores biológicos. Um replicador é uma entidade que, dadas certas condições, intermedia a produção de cópias de si mesmo. Alguns biólogos e filósofos partindo do estudo da evolução das próprias teorias científicas desenvolveram a hipótese de que o que chamamos de 'ideia' pode ser compreendido também como um replicador. As informações de que são feitas as ideias não estão inscritas em fitas de DNA, mas em substâncias muito mais tênues. A linguagem falada no dia a dia, os rádios, os telefones, os jornais, os livros, os discos, são veículos de informações. Entretanto, diferente dos genes, as ideias estão sujeitas a mutações que são aparentemente passadas para os veículos seguintes. O programa de pesquisa dos memes propõe que se pode tratar a replicação das ideias como um processo análogo ao que mantém os genes nas populações biológicas (Blackmore, 1999; Dawkins, 1979; Dennett, 1998; Hull, 2001).

O objetivo desse trabalho é apresentar uma analogia entre elementos da poética narrativa de Jorge Luis Borges, que podem ser interpretados como conformando uma teoria (não formalizada) da dispersão ou contágio de ideias, e a própria teoria memes. Embora, em um primeiro instante, essa aproximação seja absolutamente arbitrária, o que seria bem ao estilo de Borges, ela está de acordo com algumas hipóteses que sugerem que os textos de Borges produzem sondagens acerca de sua própria linguagem (Arrigucci Junior, 1973; Waizbort, 1998).

Jorge Luis Borges (1899-1986) é um dos mais proeminentes artistas dessa revolução literária que ocorreu na América espanhola, a partir da década de 1930. Seus escritos incluem narrativas curtas, poemas, ensaios, prosas poéticas, roteiros cinematográficos e mesmo letras para tangos. Borges é melhor conhecido como autor de relatos fantásticos, e muitos de seus textos são entendidos como uma crítica à lógica e à ciências tradicionais. Borges é muitas vezes interpretado como alguém que repudiou, em sua obra literária, a importância do indivíduo, a postulação de uma realidade independente da mente individual e, consequentemente, as formas usuais de conhecimento (Barrenechea, 1984; Blanchot, 1984;). Eu argumento, no presente trabalho, que a poética narrativa de Borges apresenta analogias surpreendentes com a memética, essa compreendida como uma nova forma de lidar com fenômenos culturais tendo por base a biologia evolutiva. Encarada assim, a poética de Borges, ao contrário de repudiar o sujeito, critica as doutrinas que assim o fizeram. Não se trata meramente de se subjugar ao poder imperial das ideias, mas reconhecer que se é pela linguagem que os indivíduos humanos terminam aprisionados e determinados por sua vida social, cultural, e histórica, é também pela linguagem e pelas ideias que podemos almejar alguma liberdade.

 

A máquina da mente

No conto "Funes, o memorioso", Borges narra a história de um jovem uruguaio, Irineu Funes, que após cair de um cavalo fica paralítico e passa a ser possuído por uma memória perfeita, absoluta. Funes:

"Sabia as formas das nuvens austrais do amanhecer do trinta de abril de mil oitocentos e oitenta e dois e podia compará-las na lembrança com as listras de um livro espanhol encadernado que vira somente uma vez e com as linhas da espuma que um remo sulcou no Rio Negro na véspera da batalha do Quebracho. Essas lembranças não eram simples; cada imagem visual estava ligada a sensações musculares, térmicas, etc." (Borges, 1986a: 94)

Funes aprendera sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim (este em dois ou três dias), mas o texto de Borges nos informa que ele "era incapaz de ideias gerais platônicas" (Borges, 1986a: 96). O narrador do relato diz: "Suspeito, entretanto, que [Funes] não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mundo de Funes não havia senão pormenores, quase imediatos" (Borges, 1986a: 97). O personagem é caracterizado com tamanho realismo que o neurologista Oliver Sacks acredita que Borges tenha tido contato com uma pessoa afetada realmente por um distúrbio cognitivo e afetivo capaz justamente de conceder ao sujeito, ao mesmo tempo, uma memória prodigiosa e uma profunda incapacidade intelectual. No ensaio "A paisagem dos seus sonhos", do livro Um antropólogo em Marte (Sacks, 1996), Sacks compara o infortúnio de Funes com o de um paciente que ele conheceu, o artista italiano Franco Magnani, possuído pela pintura de alucinações de sua cidade natal, Pontito, na Toscana. Em outro ensaio, "Os gêmeos", do livro O homem que confundiu sua mulher com um chapéu (Sacks, 1997), Sacks compara Funes, dessa vez, com dois famosos irmãos gêmeos autistas capazes de "ver" fabulosos números nos fenômenos do universo. Entre inúmeros outros prodígios com números, principalmente números primos, eles eram "capazes de dizer como estava o tempo e quais foram os eventos de qualquer dia de suas vidas - qualquer dia a partir de seus quatro anos de idade". Sacks diz que isso o lembrou o "Funes" de Borges, e cita expressamente o texto do escritor argentino:

"Nós, de relance, podemos perceber três copos em uma mesa; Funes, todas as folhas, gavinhas e frutos que compõe uma videira [...] Um círculo desenhado no quadro negro, um ângulo reto, um losango - todas essas são formas que podemos entender intuitivamente e por completo; Ireneo [Funes] podia fazer o mesmo com a emaranhada crina de um pônei, com uma manada de gado na colina [...] Não sei quantas estrelas ele era capaz de enxergar no céu." (Borges, 1986a citado por Sacks, 1996: 221)

Sacks insiste, em muitos dos seus ensaios e livros, que desde um ponto de vista médico e filosófico, é necessário deixar de tratar os pacientes apenas como máquinas, cujo funcionamento foi corrompido seja por que causa; e passar a tratá-los também como indivíduos, donos de uma biografia única, de toda uma história de tentativas de sobreviver, não apesar de seus estados mentais diferentes, mas por causa deles. Considerar as dificuldades e as soluções dessas frágeis mentes para viver em um mundo social "normal" e complexo, no qual conseguem se inserir muito marginalmente, indica que mesmo em casos mais extremos, continua-se a se encontrar uma pessoa por detrás de toda a dor e destruição. Todavia Sacks não faz qualquer distinção entre o tipo de mente de Funes, de um lado, e do outro, o tipo de mente dos gêmeos e de Franco, pintor de Pontito. É essa distinção que me proponho fazer, de uma perspectiva memética, indicando que não pode haver pensamento que não seja guiado por ideia(s) ou sistema(s) de ideia(s).

Em Desvendando o arco-íris o controvertido zoólogo e divulgador científico Richard Dawkins, seguindo uma tradição de autores, compara o cérebro a um computador, dizendo que o hardware seria o cérebro propriamente dito, a estrutura física e nervosa, enquanto a mente seria o software, os programas que rodam na máquina. A evidente metáfora do corpo, do cérebro e da mente como máquinas, ou partes de máquinas, em especial a analogia do cérebro com um computador constituído de programas é desconstruída e logo reafirmada pelo próprio Dawkins, pouco depois de apresentá-la como uma das mais fascinantes ideias da biologia evolutiva:

"O cérebro de qualquer animal tem sido descrito como seu computador de bordo. Não funciona, contudo, como um computador eletrônico. É feito de componentes muito diferentes. Estes são individualmente muito mais lentos, mas funcionam em enormes redes paralelas, de modo que, por algum meio ainda só parcialmente compreendido, os seus números compensam a velocidade mais lenta, e os cérebros podem, em certos aspectos, superar o desempenho dos computadores digitais. Em todo caso, as diferenças do funcionamento detalhado não anulam o poder da metáfora. O cérebro é o computador de bordo no corpo, não pela forma como funciona, e sim pelo que realiza na vida do animal. A semelhança funcional se estende a muitas partes da economia do animal, porém o aspecto mais espetacular talvez seja o fato de o cérebro simular o mundo com o equivalente do software da realidade virtual." (Dawkins, 2000: 364)

O cérebro é o hardware, a mente o software. Para Dawkins, a mente humana é composta de softwares para simular mundos. Mas o que ocorre no caso de personagem como o Funes, de Borges, e com Franco e "os gêmeos autistas", de Sacks? O que o cérebro está fazendo? Que softwares que estão rodando? Muitas pessoas certamente afirmariam logo: Franco, os gêmeos e Funes não representam mentes normais, pois não rodam softwares habituais, eles não executam, por exemplo, as rotinas que levam o sujeito a se integrar socialmente. O que chamamos de self, no caso desses estranhos personagens, se intrinca na infinita faina de pintar Pontito, de enxergar números primos em tudo, de ter uma sede não direcionada de aprender.

Dawkins é talvez o representante mais ilustre de uma espécie de revolução no pensamento evolutivo que ocorreu em meados de 1960, indicado no primeiro parágrafo desse trabalho (Williams 1966; Dawkins, 1979; Ridley, 1995). Mas nem de longe ele é o único e nem tão pouco foi o primeiro. George Williams, William Hamilton, Robert Trivers e, um pouco mais tarde, John Maynard Smith foram os iniciadores dessa revolução. A concepção de que o gene é o nível fundamental em que a seleção natural opera, aplicado a problemas populacionais humanos, teve impacto em outras áreas do pensamento, dando origem a várias linhas de investigação, entre elas a psicologia evolucionista (Laland e Brown, 2002). A psicologia evolucionista procura entender a mente a partir do enraizamento humano no mundo vivo. Tratando o Homo sapiens como produto de processos populacionais, genéticos, ecológicos e seletivos que ocorreram no passado, procura demonstrar um iniludível componente biológico no comportamento do homem atual e de todas as épocas e culturas. A psicologia evolucionista toma por base a ideia de que há uma natureza humana. Mas essa natureza nada tem a ver com uma essência imutável e denota apenas o que todas as mentes e culturas da espécie Homo sapiens teriam em comum. O que as mentes dos personagens de Borges e de Sacks têm em comum? Há alguma semelhança entre essas mentes e as nossas mentes ditas normais? Na verdade, não pretendo responder diretamente essas perguntas, mas encaminhar uma resposta delineando o programa de pesquisa dos memes como uma tentativa de superar alguns impasses deixados por importantes descobertas da psicologia evolucionista.

A psicologia evolucionista é o resultado do encontro das ciências cognitivas com a biologia evolutiva, para originar uma abordagem evolutiva das mentes e sociedades humanas (Tooby e Cosmides, 1992; Pinker, 1998). Interpretando o cérebro como um computador (um achado das ciências cognitivas), os adeptos da psicologia evolucionista consideram que a mente humana teria sido modelada para viver no inóspito ambiente da savana em que a espécie Homo sapiens emergiu. Para compreender o homem em sociedade e seus problemas, seria fundamental reconstruir um quadro histórico das "faculdades mentais" (Darwin, 1985/1959) que impeliram o homem ao que ele é hoje. Esse quadro não poderia ser equacionado sem referência às ciências como a biologia evolutiva e a paleoantropologia e a própria antropologia, significando que a história biológica da espécie humana é necessária para compreender nossas mentes, sociedades e história em toda sua riqueza, complexidade e conflitos.

A psicologia evolucionista é um afastamento da visão dominante da mente humana na tradição intelectual do Ocidente. John Tobby e Leda Cosmides (1992) batizaram a tradição dominante como Modelo Clássico das Ciências Sociais (MCCS) (Standard Social Science Model). O MCCS postula uma cisão fundamental entre biologia e cultura A biologia dotaria os seres humanos com os cinco sentidos, alguns impulsos como a fome, o medo, o sexo e uma capacidade geral para o aprendizado (Tobby e Cosmides, 1992; Pinker 1998). O cérebro é compreendido como um aparato de resolução geral de problemas, sem áreas ou regiões especializadas. A evolução biológica, segundo os adeptos do MCCS, teria sido suplantada pela evolução cultural (Geertz, 1978). Um dos elementos mais importantes da revolução que a psicologia evolucionista trouxe foi, aprofundando achados da sociobiologia, a consideração de que o cérebro e a mente são modulares. Para evitar predadores, comer o alimento certo, formar alianças e amizades, prover ajuda aos filhos e outros parentes, ler as mentes alheias, comunicar-se com outras pessoas, selecionar parceiros sociais, a seleção natural desenvolveu módulos específicos. Tobby e Cosmides conjecturam que o cérebro humano poderia ter cerca de mil módulos diferentes. O que chamamos de cultura poderia ser interpretado como um caminho instintivo aberto pelos módulos do cérebro com o intuito de tirar vantagens do ambiente a partir da experiência, explorando ontogenética e filogeneticamente o arcabouço físico que a vida nos ofertou em um cenário ecológico e histórico específico.

Assim, para responder como a mente humana evoluiu seria necessário compreender um duplo cenário histórico e ecológico em que se deu o fenômeno da rápida expansão do cérebro humano. Ou seja, devemos buscar nos vestígios do passado (nos fósseis, na anatomia comparada, na distribuição biogeográfica, nos instintos animais, etc.) e certamente também em populações de outras espécies que possuam cérebros (e quiçá mentes) sofisticados - primatas não humanos, cetáceos, delfinideos, etc - os elementos para construir uma narrativa científica acerca de nós mesmos, de nossa história biológica, de nossas diferentes culturas e de nossa ânsia por alguns universais. Reconstruída nesses termos a história da mente deixa em aberto questões de difícil resposta como: quando isso que chamamos de mente emergiu em termos filogenéticos? Em que circunstâncias? Sob quais condições? Quando a mente surge na criança? Ela surge pronta? Os animais têm mente? Quais animais? Como se relaciona o que chamamos de mente com a aquisição da linguagem? Qual a relação da mente com o que chamamos de cultura? E com as instituições sociais dogmáticas e democráticas? Quando a linguagem verbal falada apareceu entre os hominídeos? Qual a relação entre linguagem e mente? E entre mente e agricultura? E assim por diante...

Na árvore da vida a emergência de um ser essencialmente linguístico e, sobretudo, de uma espécie contadora de narrativas, está significativamente interrelacionada com nossa própria auto-percepção individual e a percepção de um mundo à nossa volta. A consciência da morte, da extinção da mente, da destruição do self, do desaparecimento do tempo (Caetano Veloso: "e quando eu tiver saído, para fora do teu círculo, tempo, tempo, tempo, tempo, não serei nem terás sido"), nos indica que somos seres essencialmente históricos. Como tais, podemos perguntar como esse processo que chamamos vida funciona; e ao mesmo tempo perguntar em que condições essa mente emerge, se ela evoluiu, e como certos tipos de mente se mantêm por algum tempo nas populações humanas por poucas ou muitas gerações. Também podemos questionar por que casos como os de Funes, Franco e os gêmeos autistas nos maravilham, apesar de toda ruína psicológica desses personagens.

 

Zahir versus Funes: monomania versus um homem sem ideias

Na minha leitura de Borges, Funes poderia ser tomado como o grau zero (0) do pensamento ou da inter-relação entre uma mente com seu meio sócio-histórico e suas ideias. Nesse sentido, Funes é um homem sem ideias. Sua mente é uma máquina que corre sem direção. Eu penso ter encontrado em Borges também o grau um (1) dessa escala, não em um personagem fantástico, mas em um objeto fantástico, o Zahir, que como veremos remete diretamente ao problema do aprisionamento humano pelas ideias e sua contínua lembrança (aquela canção do Roberto, que não nos sai da memória), e a libertação pelo esquecimento. No conto "O zahir" (1982), Borges se apresenta como sujeito de sua própria narrativa. Ele nos narra como e porque uma moeda comum de 20 centavos estava o tornando louco.

Seu relato, em uma primeira leitura, como ademais inúmeros de seus contos, prima por criar um ambiente que parece ser essencialmente circunstancial, para ao fim do texto se mostrar admiravelmente necessário, construído para parecer circunstancial e surpreender o leitor com um desfecho que discute, cientifica e filosoficamente, o seu próprio modo de construir e apresentar a narrativa. No conto em questão, zahir é um "objeto" que encarna em vários objetos diferentes, e possui a virtude ou o vício de infectar mentes humanas levando-as à monomania, a uma ideia fixa, ou seja, a uma espécie de loucura, de esquecimento do próprio eu. Ao beber uma cachaça em um armazém poucas horas depois do enterro de uma antiga paixão não correspondida Borges, o personagem do conto, recebe como troco uma moeda de vinte centavos, um zahir. Pronto! Essa moeda não vai mais sair da mente do personagem "...no dia sete de junho, pela madrugada, chegou às minhas mãos o Zahir; não sou o que então eu era, mais ainda me é dado recordar, e talvez contar o ocorrido. Se bem que parcialmente, ainda sou Borges". (1982: 81).

O narrador tenta inúmeros artifícios para esquecer tal objeto. Pesquisa em várias fontes a origem da maldição:

"Zahir, em árabe, quer dizer evidente, visível; em tal sentido, é um dos noventa e nove nomes de Deus; a plebe, em terras muçulmanas, chama-o de 'seres ou coisas que têm a terrível virtude de ser inolvidáveis e cuja imagem acaba por enlouquecer a gente'". (Borges, 1982: 87)

Ele cita uma passagem de um autor, provavelmente fictício, que dizia que "não havia criatura no mundo que não se inclinasse para Zaheer, mas que o Todo-Misericordioso não deixa que duas coisas o sejam ao mesmo tempo, já que uma só pode fascinar multidões" (Borges, 1982: 88). Vou apenas citar outras obras de Borges onde um tipo de monomania infecta sem piedade seus sujeitos ou veículos: Em "O sonho de Shakespeare", o personagem-Borges novamente é possuído por uma ideia, nesse caso de que ele é Shakespeare; em "Tigres azuis", o narrador nos retransmite a lenda de felinos com essa estranha cor, que uma vez visto jamais podia ser esquecido; em "O imortal", o "sistema de precisas compensações", filosofia de vida dos imortais, é uma espécie também de Zahir, embora talvez muito mais conceitual e complexo.

Nesse sentido, o pintor Franco teria sido vítima de uma espécie de um zahir, Pontito, sua cidade natal. Os gêmeos autistas também parecem ser tomados pela ideia de ver números, principalmente primos, em todos os fenômenos do universo. Mas, Funes, lembremos, é um personagem praticamente sem ideias, sem pensamentos, sem zahires. Ele encarna, a meu modo de ver, a crítica de Borges à ideia de que o conhecimento e o pensamento humanos são meras duplicações da realidade. Isso está maravilhosamente representado em "Museu: do rigor na ciência", outro texto de Borges:

"... Naquele império, a Arte da Cartografia logrou tal Perfeição que o mapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmedidos não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos Adictas as Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes entenderam que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem impiedade o entregaram às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas. Suárez Miranda: Viajes de Varones Prudentes, livro quarto, cap. XLV, Lérida, 1658." (Borges, 1987: 32)

A duplicação da realidade pelo sonho, por alucinações, por monomanias, por outras situações fantásticas (como no caso do relato anterior) são temas diletos de Borges. Ele costuma encerrar seu personagem em um mundo cujas leis são arbitrárias e desconhecidas. O hardware acidentado de Funes consegue rodar apenas um software muito básico, embora plenamente desenvolvido, capaz de registrar com perfeição o que fora captado com os olhos. Mas em "O zahir", a máquina é "invadida" por um único programa que é como um vírus. Ela se apossa praticamente de todo o funcionamento autoconsciente e racional, embora o self do narrador ainda não tenha sido, ao final do conto, totalmente submerso ao infeliz efeito do zahir.

Eu gostaria de expressar um quase infinito espanto por até agora nenhum autor, que eu saiba, ter estabelecido comparações entre os contos fantásticos de Borges e os memes. Os memes são um dos quatro tipos de software que Dawkins apresenta entre alguns possíveis contribuintes para o rápido crescimento do cérebro humano. Os outros seriam: a linguagem falada, a leitura de mapas e o arremesso de projéteis (Dawkins, 2000: 391). Eu creio que os zahires de Borges são belíssimas metáforas do funcionamento de nossas mentes guiadas ou possuídas por memes. Em Destecendo o arco-íris, Dawkins se aproxima (inadvertidamente) de Borges quando cita um texto fantástico de Mark Twain:

"Em 1876, Mark Twain escreveu o conto 'Um pesadelo literário', sobre a sua mente ter sido possuída por um fragmento ridículo de uma ordem em forma de versos dada a um motorista de ônibus e sua máquina de coletar passagens, cujo refrão era: 'Punch in the presence of the passenjare': 'Fure na presença do passageiro. Fure na presença do passageiro.'" (Dawkins, 2000: 384)

Dawkins ressalta que a única diferença entre essa possessão inventada por Twain e os memes é que esses últimos, quando passados adiante, não abandonam a mente de seus veículos emissores.

Alguns estudiosos dos liames entre biologia e cultura assinalam que os psicólogos evolucionistas superestimam a importância dos genes, descurando do significado que a informação cultural e social pode ter, inclusive como pressão seletiva que teria contribuído para o crescimento evolutivo do cérebro. Nesse sentido o programa de pesquisa dos memes ou memética pretende ser uma crítica à psicologia evolucionista, uma tentativa de introduzir um segundo replicador no algoritmo da evolução por seleção natural (Dennett, 1998). Partindo da revolucionária ideia de gene como nível fundamental da seleção natural, de Williams (1966), Richard Dawkins, na conclusão de seu controvertido livro O gene egoísta escreveu que após centenas de milhões de anos de domínio do gene como a única espécie de replicador natural, um segundo tipo de replicador não genético, cultural, teria emergido em meio a populações humanas e colonizado, como um vírus, os cérebros dos homens. Dawkins define o meme como:

"Uma unidade de transmissão cultural, ou unidade de imitação. "Mimeme" vem da raiz grega adequada, mas quero um termo que soe mais como "gene"... Também se pode pensar que ele está relacionado com "memória" ou com a palavra même, do francês..."
"Exemplos de memes são melodias, ideias, expressões, estilos de roupa, maneiras de fazer potes ou construir arcos. Assim como os genes se propagavam no pool gênico saltando de corpo em corpo via espermas ou óvulos, os memes se propagam no pool memético saltando de cérebro em cérebro por um processo que, no sentido mais amplo, pode ser chamado de imitação. Se um cientista ouve falar ou lê a respeito de uma ideia, ele a transmite para seus colegas e alunos. Ele a menciona em seus artigos e palestras. Se a ideia for bem sucedida, pode-se dizer que ela se propaga, espalhando-se de cérebro em cérebro." (Dawkins, 2000: 214)

Dawkins foi o primeiro a nomear os 'memes' em 1976, mas David Hull em 2000 argumentava que a memética teria no máximo doze anos, indicando que Dawkins não era em absoluto o autor que desenvolveu e aplicou seriamente a ideia de meme como um ponto de partida para um programa de pesquisa ou uma tradição de investigação. Em 1995, no livro A perigosa ideia de Darwin, publicado no Brasil em 1998, o filósofo da mente Daniel C. Dennett dedica todo um capítulo inteiro para tratar dos memes, para tratar do cérebro como ninho de memes. Além desse capítulo, o livro está coalhado de referências aos memes, em vários contextos, e indica uma linha de raciocínio consistente em defesa da aproximação entre a filosofia e as ciências sociais, de um lado, e o darwinismo, do outro. (Dennett, 1998; Runciman, 1998). Em The meme machine, publicado nos EUA em 1999, e sem tradução para língua portuguesa, Susan Blackmore defendeu sistematicamente que a história evolutiva do homem tem sido perversamente guiada pela lógica de unidades culturais de imitação chamadas memes. Basicamente, memes são ideias, informações, que se reproduzem de mente para mente, de ser humano para ser humano: memes são "instruções para realizar comportamentos, estocadas no cérebro (ou em outros objetos), e passada adiante por imitação" (Blackmore, 1999: 43). Na verdade, segundo a autora, nós, seres humanos, e nossos cérebros, seríamos máquinas de reprodução de ideias. O mecanismo para essa reprodução de ideias seria a imitação, mais especificamente a aprendizagem.

Segundo a teoria do meme defendida por Blackmore, o que fez o cérebro crescer foi a capacidade de imitação. Essa capacidade teria sido grandemente magnificada pelo advento da fabricação de ferramentas e, posteriormente, pelo advento da linguagem. Embora a linguagem verbal e articulada, com níveis sintáticos, semânticos e pragmáticos muito complexos, seja exclusiva à espécie humana é comum considerar, cartesiana e erroneamente, que a própria linguagem seja uma característica apenas da nossa espécie, quando na verdade ela está presente em vários outros animais, e de forma muito pronunciada entre os chimpanzés (Fouts e Mills, 1998; Goodall, 1991). Mas a linguagem humana é também um veículo de ideias, que pela aprendizagem de linguagens somos capazes de absorver. Nenhum animal foi visto jogando xadrez, produzindo filmes, construindo pontes, compondo sinfonias, indo trabalhar todos os dias. A possibilidade de planejar, de antever um futuro e tentar realizá-lo em tempo curto ou mais distante, parece necessitar de um esforço mental sempre mediado pelo aprendizado de linguagens.

O filósofo Karl Popper enfatizou que as funções expressiva e sinalizadora da linguagem ocorrem em vários animais. Embora a função descritiva só seja conhecida em umas poucas espécies além da humana (em especial, nos insetos sociais) é no homem que ela atinge seu mais alto grau de desenvolvimento. Já a função crítica ou argumentativa só teria emergido no Homo sapiens (Popper, 1975). Na verdade o homem é o único animal que possui uma linguagem falada altamente articulada e, sobretudo, uma linguagem escrita.

Mas, para que fosse possível o aparecimento de uma linguagem descritiva articulada, segundo a abordagem típica da teoria da evolução, foi preciso que o aparelho vocal de uma população ancestral de primatas tivesse se modificado. As condições ecológicas dessa transformação se relacionam com a evolução da postura bípede. Segundo a visão mais tradicional, fenômenos sísmicos que ocorreram na África Ocidental entre 15 e 7 milhões de anos atrás deram origem à enorme cadeia de montanhas que corta o território africano na direção norte-sul, isolando a porção oriental da ocidental. Essa modificação fez com que a África deixasse de ser um ambiente ecológico superficialmente homogêneo. Ecologicamente falando, a porção oriental criada com o soerguimento da barreira geográfica favoreceu primatas que andavam sobre duas patas, uma vez que a antiga floresta da região oriental regrediu dando vez a um ambiente de savana intercalado com bosques formando uma espécie de mosaico ambiental (Lewin, 1999). Provavelmente, só quando populações dos nossos ancestrais passaram a andar frequentemente sobre dois pés e a fabricar instrumentos; assim como a articular uma gama mais variada e significativa de sons, é que a cultura começou a se desenvolver em uma velocidade vertiginosa. Nos últimos anos, no entanto, achados antropológicos na região de Chade, na África Central, desafiam a narrativa clássica da evolução da linhagem hominídea. Seja como for, muito provavelmente, mudanças ecológicas e históricas devem ter favorecido a postura bípede. Além disso, tem-se aceito que a postura bípede conduziu a uma modificação da forma do copro, com o rebaixabemento da laringe, o que permitiu a produção de sons com maior grau de sofisticação, o que, por sua vez, pode ter levado à linguagem articulada fonologicamente (Lewin, 1999). Segundo Blackmore, as sociedades, como as conhecemos, teriam emergido quando as ideias ou os memes puderam ser imitados mais prontamente, conferindo vantagens importantes não apenas para os que inventavam uma ideia útil, mas, sobretudo, para os que copiavam essas boas ideias. E essa capacidade teria sido proveniente do aumento do cérebro. Na verdade, pode-se imaginar uma curiosa circularidade a retroalimentar o crescimento do cérebro e a evolução da cultura. Boas ideias se propagam porque elas favorecem seus inventores e imitadores. Se uma ferramenta serve a algum propósito, ela pode ser copiada com proveito. Se um indivíduo de uma população pré-humana vive em um ambiente inóspito e a carne faz parte de sua dieta obrigatória, a fabricação de uma ponta de lança certamente lhe favorecerá. De onde vem essa ideia? Esse talvez seja um dos limites da teoria dos memes, ela não dá conta propriamente da invenção, da emergência da novidade. Mas dado o aparecimento de uma ferramenta (de um meme) interessante nada impede que outro homem vendo sua utilidade (ou beleza) não fabrique ele mesmo uma para si e assim por diante. Nesse sentido, parece que uma ideia se espalha porque ela confere algum tipo de vantagem para aquele que a adota. Mas não nos iludamos: na lógica egoísta dos memes, as ideia se replicam porque são boas para se replicar; e não por causa dos benefícios que trazem para seu possuidor ou por causa de alguma virtude moral. Porque, como sabemos, existem ideias que nos pegam e, às vezes, só nos abandonam a muito custo.

Muitos autores têm desenvolvido interpretações e modelos a partir do conceito de meme. Paul Marsden se pergunta se o suicídio pode ser um fenômeno social contagioso. . Para Marsden, o fenômeno do suicídio por contágio é demonstrado experimentalmente. Uma interpretação dos resultados é proposta usando um entendimento da memética como uma psicologia do contágio, informada por um pensamento selecionista (de populações). Usando o termo "meme" para denotar um objeto de contágio e "contágio" para designar um processo de dispersão do meme por exposição a ele, Marsden fornece uma explicação selecionista do suicídio por influência de outros sujeitos. Sucintamente, Marsden argumenta que pessoas que se tornaram socialmente isoladas e privadas de direitos e bens culturais, podem estar em risco particular de cometer suicídio, por exemplo, por ter ouvido informações sobre outros casos de suicídio. Marsden sugere então, de forma breve, as importantes implicações para políticas de saúde pública de um entendimento memético do suicídio (Marsden, 2001). Um exemplo muito usado, nesse caso, foi a publicação de Werther, de Goethe, onde o artista, cientista e estadista alemão, narra o suicídio do personagem-título, causado pela avassaladora consciência moral de sua paixão pela esposa de um grande amigo seu. O livro gerou uma onda de suicídio e foi considerado na época um objeto perigoso: um zahir?

Já o médico Stephen Ross discute a hipótese de que algumas importantes doenças possam ser causadas por ideias, que os memes podem estar em cena no caso de certas manifestações maladaptativas. Por exemplo, ele argumenta que algumas desordens alimentares podem ser contagiosas, não por serem mediadas por qualquer patógeno clássico (microorganismos ou toxinas), mas ao contrário, podem ser vistas como uma espécie de script socialmente construído, como no caso de anorexia nervosa ou de bulimia, transmitidas pela informação de que outras pessoas são afetas por essas doenças. Fibromialgias, síndromes de fadiga crônica, síndrome do intestino irritável, alcoolismo, assim como "doenças psicogênicas de massa" e histeria epidêmica podem ser interpretadas, em certos casos como memes psicossomáticos. Nesse contexto, os memes são analisados como agentes infecciosos que, como os patógenos clássicos, possuem fatores de virulência, afetando hospedeiros particularmente vulneráveis. Essas ideias seriam disseminadas por uma variedade de vetores e promovidas ou inibidas por vários componentes da ecologia social (Ross, 1999).

Por sua vez, Mario Vaneechoutte e John Skoyles sugerem que a linguagem falada tem uma origem memética e que nós humanos somos uma espécie de primatas musicais. Segundo esses autores as canções (a musicalidade, a capacidade de cantar) estariam na base da origem evolutiva da fala humana e do desenvolvimento da fala durante a primeira infância. Contrapondo-se a Steven Pinker (1998), Vaneechoutte e Skoyles sugerem que a linguagem humana teria surgido da combinação de três fatores:

1) Seleção natural durante a evolução animal para uma crescente habilidade de representação mental;
2) Seleção natural para a habilidade de cantar na evolução recente do homem;
3) Seleção memética ainda mais recente (últimos cem mil anos) para reusar as habilidades evoluídas previamente Nesse contexto, a fala (speech, no original) - o uso de sons simbólicos ligados gramaticalmente - seria interpretada como um fenômeno cultural, ligada à revolução do paleolítico superior (ocorrida a quarenta mil anos atrás).

A habilidade de cantar se ancora em um aparato físico e no controle neural da respiração que é usado quando falamos (ou cantamos). A habilidade de cantar teria evoluído em outros grupos animais, como o dos babuínos, o das baleias e o das aves canora, embora nessas espécies não tenha havido a transição do canto para a fala (Vaneechoutte e Skoyles, 1998).

 

A mente teleológica

Para seres intencionais como os humanos, as ideias possuem a propriedade de nos capacitar a representar o futuro mentalmente, de uma maneira geral, aberta ao acaso e a possibilidades insuspeitas (Andacht, 1999). Esse é um modelo no qual cada ideia (e também cada ação no mundo) traz consigo uma causalidade final ou teleológica, todavia não rigidamente determinada. Nesse sentido, a direcionalidade não implica um fim definido, mas uma tendência geral que dirige abertamente a ação humana, mentalmente, modificando de modo contínuo seus próprios alvos na medida em que a experiência muda com o passar do tempo. Somos seres teleológicos por que nós nos fazemos, em parte, pelo fim que antecipamos, por que agimos segundo valores, ideias desenhadas, conscientemente ou não, para determinados fins, desde muito tempo.

O professor Fernando Andacht, da Universidade de Montevideo, assinalou as similaridades entre as concepções teleológicas de Borges e Charles Sanders Peirce. Para Andacht, os dois autores consideram que nós seres humanos somos veículos de ideias, vale dizer, complexos de memes. Segundo Andacht, Peirce afirma que as:

"[...]ideias não são todas meras criações desta ou daquela mente, mas ao contrário, elas têm o poder de encontrar ou criar seus veículos, e havendo os encontrado, de outorgar-lhes a habilidade de transformar a face da Terra" (Peirce CP 1.217, apud Andacht, 1999: 105 - Tradução livre)

É extraordinária a semelhança entre a citação que Andachat faz de Peirce e a memética. Interpretando como metafórico ou não o tom grandiloquente acerca do poder das ideias de transformar o planeta, é surpreendente como o semiótico americano considera as ideias como agentes. Andacht enfatiza que Peirce argumenta que:

"[alguns] lógicos [...] imaginam que uma ideia deve estar conectada a um cérebro, ou que deve ser inerente a uma 'alma'. Isso é absurdo: a ideia não pertence à alma; é a alma que pertence à ideia. A alma faz pela ideia exatamente o que a celulose faz pela beleza da rosa; isto é, lhe dá uma oportunidade. É o xerife da corte, o braço da lei." (Peirce CP, 1.216, apud Andacht, 1999: 108 - Tradução livre)

Sem o xerife, sem a lei (sem a celulose) não há a expressão da ordem (da beleza da rosa). Mas a ordem em si não se confunde com sua expressão. A ideia é algo que pode sim ser estudado isoladamente, embora se compreenda que o sentido é o resultado diferencial de atribuiçao de valores. Mas o mesmo ocorre com todo conceito científico. Os memes, os genes ou mesmo Charles Darwin sozinhos não fazem sentido se não à luz de seus contextos específicos, essencialmente históricos. Dar sentido a coisas, processos e fenômenos é uma função que parece que fazemos, nosso cérebro, nossa mente, como que automaticamente. Todavia nossos atos são mediados por intenções e propósitos, ou seja, somos movidos por ideias, por fins que antecipamos e buscamos alcançar. Daí a suprema importância da causação final, quando se trata de entender a relaçao entre seres humanos e suas. ideias. Peirce fala de novo pelas palavras de Andacht:

"A causação final é essa modalidade de produzir fatos de acordo com o qual uma descrição geral é produzida, deixando de lado qualquer compulsão para que esta ocorra deste ou de outro modo particular. A causação final não determina em que modo particular há de ser produzida, mas apenas que o resultado terá certo caráter geral." (Peirce CP 1.211, apud Andacht, 1999: 110 - Tradução livre)

Andacht mostra como as ideias e os signos, em textos de Borges e Peirce, motivam e moldam as mentes e as vidas humanas. Andacht chama a atenção que ambos os autores assinalam de modo muito similar a conexão entre ideias e valores, usando o famoso tema da proscrição do parricídio, exemplarmente ilustrado no breve relato de Borges conhecido como "A trama":

"Para que seu horror seja perfeito, César, acossado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais de seus amigos, descobre entre os rostos e as armas o de Marco Janio Brutus, seu protegido, quiçá seu filho, e já não se defende e exclama: Tú também, Brutus! Shakespeare e Quevedo recolhem o grito patético."

"Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezenove séculos depois, no sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um seu afilhado e lhe diz com mansa recriminação e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas): Pero, che! Matam-no e ele não sabe que morre para que uma cena se repita." (Borges, 1987: 25)

A explicação por causa final é de novo evidente. Ela é usada por Borges como uma parte fundamental de nossa constituição mental, mas não é compreendida em oposição à causa eficiente ou natural; nos textos de Borges a teleologia se sobrepõe à causa eficiente. Talvez Borges estivesse querendo enfatizar que nossa mente, demasiada humana, opera todo o tempo em termos de causas finais, tanto para projetarmos aquilo que pretendemos fazer, em um futuro próximo ou mesmo mais distante, como para evitar ações que parecem violar nosso senso de moralidade e justiça, como é o caso do assassinato e mesmo, no caso, um suposto parricídio.

É importante enfatizar que a teleologia de Borges (ou de Peirce, ou de Andacht, ou mesmo a minha) não diz respeito absolutamente a uma teleologia cósmica (Mayr, 1998), em que cada detalhe do universo foi desenhado pelo Criador para sua própria Glória. A teleologia aqui diz respeito a uma forma de conceber os procedimentos narrativos e mentais como uma ação voltada para um fim, qual seja, produzir um efeito, no mais das vezes de grande significado crítico e moral. Entretanto, para Borges, esse significado está sempre prestes a ser reconstruído, pois como diz um dos narradores ao final do conto "O imortal", "no meu entender a conclusão é inadmissível" (Borges: 18, 1982,), não no sentido de que não possamos compreender melhor o que quer que seja, mas que o próprio processo de aquisição e revisão de ideias é incessante.

 

Considerações finais

Em 1985, ano que antecedeu o de sua morte, Borges publicou o livro Los conjurados. Entre os textos dessa obra encontra-se "La larga busca":

"Anterior ao tempo ou fora do tempo (ambas locuções são vãs) ou em um lugar que não é do espaço, há um animal invisível, e talvez diáfano, que os homens buscamos e que nos busca. Sabemos que ele não pode ser medido. Sabemos que ele não pode ser contado, porque as formas que o somam são infinitas. Existem os que o buscaram em um pássaro, que é feito de pássaros; existem os que o buscaram em uma palavra ou nas letras dessa palavra; existem os que o buscaram, e o buscam, em um livro anterior ao árabe em que foi escrito, anterior mesmo a todas as coisas; existem os que o buscaram na sentença Sou O Que Sou. Como as formas universais da escolástica ou os arquétipos de Whitehead, costumam descender fugazmente. Dizem que mora nos espelhos, e que quem se mira O mira. Existem os que o vêem ou entrevêem na memória formosa de uma batalha ou em cada paraíso perdido. Conjectura-se que seu sangue pulsa em teu sangue, que todos os seres o engendram e foram engendrados por ele e que basta inverter uma clepsidra para medir sua eternidade. Espreita nos crepúsculos de Turner, no olhar de uma mulher, na antiga cadência do hexâmetro, na ignorante aurora, na lua do horizonte ou da metáfora. Escapa-nos de segundo em segundo. A sentença do romano se gasta, as noites roem o mármore." (Borges, 1989: 490 - Tradução livre)

O texto se estrutura sobre algo que não pode existir: uma criatura invisível anterior ao tempo e fora do espaço. Os homens nesse breve relato são representados em busca de uma compreensão que jamais se realiza. Estruturalmente, note-se, a importância da anáfora, confirmando no nível da linguagem (pela repetição de "existem os que...", e a reiteração do ato de "buscar", sobretudo no terceiro parágrafo) um caráter de competição de várias hipóteses concorrentes, de várias perseguições, de modo a transformar o texto em uma mandala labiríntica. Todos perseguem tal ser, ele talvez esteja em muitos lugares: no espelho, no sangue do leitor, e no entanto essa proximidade é um enigmático signo do inalcançável.

Entretanto, o texto também se estrutura sobre a ideia do conhecimento humano evidenciado não só pela palavra "conjectura" que aparece no quinto parágrafo, mas, sobretudo, pela referência ao saber, no segundo parágrafo, como que ensaiando as repetições do parágrafo seguinte: "Sabemos que não pode medir-se. Sabemos que não pode contar-se..." (Borges, 1989: 490). Ao apontarem para compreensões negativas, tais sentenças ironizam e limitam a ciência e a razão ante esse ser indecifrável. A criatura que todos sabem viver fora do tempo e do espaço é avessa a réguas e números, "porque as formas que o somam são infinitas".

Entretanto, talvez seja a sentença "Sou O Que Sou" que melhor simbolize, com sua repetição do verbo "ser", a teleologia da lógica fantástica de Borges, a auto-afirmação poética como célula mínima de um procedimento narrativo que se estende desde os primeiros ensaios até o último livro.

Mais de cinquenta anos antes, em 1932, entre os artigos publicados em Discussão, há um que trata explicitamente do problema da teleologia da narrativa: "A arte narrativa e a magia". Esse trabalho examina a face romanesca de A vida e morte de Jason (The life and death of Jason), livro de William Morris. Em seguida estuda A narrativa de A. Gordom Pym (The narrative of A. Gordon Pym), de Edgar Allan Poe. Depois de analisar as duas obras, Borges conclui:

"Induz-se diretamente do anteriormente dito que o procedimento central do romance é a causalidade. Uma das variedades do gênero, o moroso romance de tipos, finge ou dispõe uma concatenação de motivos que se propõem não diferir dos do mundo real. Seu caso, no entanto, não é o comum. No romance de contínuas vicissitudes, essa motivação é improcedente." (Borges, 1986b: 57)

Note-se que Borges classifica o realismo ("romance de tipos") como uma variedade das histórias de aventuras imaginativas, casos de Morris e Poe, romances de contínuas vicissitudes. Esses são governados por uma lógica diferente da lógica do real, morosa, desordenada e asiática, tediosamente explorada pelo realismo segundo Borges. No relato fantástico, os pormenores que são plantados desde o início da narrativa profetizam um sentido mais complexo do que a simples imitação da realidade. Daí a importância de palavras, expressões e ideias que se repetem, como que preparando um sentido inaudito. Essa "teleologia de palavras e episódios" (Borges, 1986b: 60) significa que as palavras e as ideias de um texto literário existem para justificar a si mesmas. A obra literária fantástica existe para criar sua própria realidade.

Tal proposta, pode lançar luz sobre os procedimentos mentais humanos, uma vez estabelecido que em parte a mente funciona de forma teleológica. Pensar em termos de fins é de certa forma construir narrativas mentais onde as idéias seriam os eixos em torno do qual tudo gira. Tendo-se em conta, todavia, que os achados das neurociências e da psicologia evolucionista indicam o quão não intencionalmente nosso cérebro funciona, ainda assim o estudo das narrativas literárias, como as de Borges, podem contribuir para a compreensão de como se dá o encontro entre nossas pulsões biológicas não intencionais e o mundo cultural das ideias chegamos a ser o que somos hoje.

 

Agradecimentos

Esse artigo é o resultado de um projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e PAPES V/FIOCRUZ.

 

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Notas

Ricardo Francisco Waizbort
Endereço para correspondência: Rua das Laranjeiras, 210/1010, Laranjeiras, Rio de Janeiro, RJ 22.240-000, Brasil.
E-mail para correspondência: ricardowaizbort@yahoo.com.br; ricw@ioc.fiocruz.br.

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