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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.2 Rio de Janeiro Aug. 2010

 

Artigo Científico

 

Projeto ciência até os ossos: primeiras atividades e desafios

 

Science to the bones project:first activities and challenges

 

 

Silvia Barreiros dos ReisI; Murilo Quintans Ribeiro BastosII; Adilson SallesI; Claudia Rodrigues-CarvalhoI

IMuseu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil;

IIInstituto de Geociências, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil

 

 


Resumo

No projeto Ciência até os ossos temos como objetivo contribuir para o desenvolvimento de estratégias de divulgação científica, especialmente na área da Antropologia Biológica. Neste artigo, fizemos um balanço de três de anos de realização de atividades pedagógicas voltadas para eventos com audiência de perfil variado, a saber, a comemoração do aniversário do Museu Nacional, evento no qual a instituição, seus departamentos e laboratórios desenvolvem e apresentam, ao público em geral, diversas atividades durante três dias. Assim, a partir do desenvolvimento, aplicação e reformulação de quatro atividades diferentes, voltadas desde o público infantil até o jovem e adulto, faz-se premente um balanço dos êxitos e desafios particulares à divulgação científica em Antropologia Biológica. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 111-120.

Palavras-chave: divulgação científica; educação científica; antropologia biológica; museu nacional.


Abstract

In the "Science to the Bones Project" we aim to contribute to the development of strategies of popularization of science, particularly in the Biological Anthropology area. In this article we present a retrospective analysis from three years of pedagogic activities, during the celebration of the National Museum/UFRJ anniversary. These actions were directed to a varied public profile, including children and adults individuals. In each one of those events, the institution - departments and laboratories - promotes, during three days, development and presentation of several activities to the general public. Thus, in this moment a retrospective analysis of the results of these actions is essential, considering successes and challenges to the future, especially focused on the popularization of the Biological Anthropology studies and researches. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 111-120.

Keywords: popularization of science; scientific education; biological anthropology; national museum.


 

Introdução

O projeto Ciência até os Ossos é uma iniciativa voltada para a difusão e popularização de temas relacionados à Antropologia Biológica. A necessidade de sistematizar, produzir e elaborar materiais lúdico-didáticos para o público - principal objetivo do projeto - desenvolveu-se a partir das atuações de membros do Setor de Antropologia Biológica do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, em atividades de extensão e de divulgação científica para além dos espaços musealizados, disponíveis na instituição.

As primeiras atuações nesta direção se deram no contexto da Semana Nacional de Ciências e eventos semelhantes, onde o cotidiano dos laboratórios ou os conhecimentos produzidos eram apresentados ao público, muitas vezes fora do espaço tradicional das instituições de pesquisa. Estas ações focavam na apresentação de elementos expositivos na qual a participação dos visitantes limitava-se à leitura de painéis e ao diálogo com os expositores (pesquisadores ou alunos). Todavia, era estimulante o interesse do público pelas pesquisas bioantropológicas. A partir de 2007, o projeto foi se reconfigurando, enfatizando as tradicionais vocações do setor: Bioarqueologia e Osteologia Humana.

O desafio inicial foi desenvolver elementos interativos capazes de atrair o interesse do público, especialmente quando envolvidas questões associadas à morte e às práticas funerárias, como no caso das investigações em bioarqueologia humana. Nesse viés, procuramos mostrar ao público o potencial informativo dos ossos como evidência e indícios tanto de um dado indivíduo estudado quanto de uma sociedade, ao entendermos o corpo também como cultura material, como produto de uma cultura, modificado e marcado pela trajetória do indivíduo em seu tempo, espaço e grupo. Segundo Sofaer (2006: 28):

"Osteoarqueólogos também estão cada vez mais conscientes do potencial das formas como as relações sociais - incluindo aquelas ligados a status, classe, sexo e etnia - tem impacto no corpo. Nesse sentido, os corpos na osteoarqueologia devem ser considerados como em parte construídos a partir da cultura e dos discursos predominantes."1

Destarte, com a intenção de contemplar os dois eixos principais de atuação do setor de Antropologia Biológica, a saber Bioarqueologia e Osteologia Humana, foram elaboradas duas ferramentas didáticas: a "caixa com enterramento" e a exposição "o que os ossos nos revelam?". Ambas são calcadas em uma proposta pedagógica de abordagem construtivista, através de Vygotsky, a partir da qual o sujeito passa a ter uma postura ativa, interagindo com seu meio, de tal modo a possibilitar alterações qualitativas em seu processo de desenvolvimento (Gabriel e Teixeira, 1999). Assim, por meio da efetiva participação do público com os objetos expostos, busca-se envolver os visitantes/participantes de tal maneira que eles possam apreender as realidades apresentadas e refletir criticamente sobre os conteúdos apresentados.

Dessa forma, neste artigo apresentamos um balanço de três de anos de realização de atividades pedagógicas voltadas para eventos com audiência de perfil variado, como a comemoração do aniversário do Museu Nacional. Discutimos, assim, o planejamento e os objetivos de tais atividades, além dos desafios enfrentados e os resultados obtidos.

 

Revisão bibliográfica e metodologia

Segundo Chelini e Lopes (2008: 206-207), os museus, "no que diz respeito a sua interface direta com o público, são considerados, em teoria, instituições com objetivos variados como educação, lazer, informação e inclusão social" e, assim, apontam que em suas exposições, mediam a relação do público com a cultura material, suscitando não só uma experiência intelectual, mas, também, emocional.

A cultura material apresentada nos museus tem dupla dimensão: a primeira e mais clara, como elemento de outra cultura, caracterizada e contemplada como pertencente e remanescente do outro; a segunda, como parte da história de construção e constituição do museu no qual se encontra e da coleção na qual é inserida e referenciada.

Assim, como evidência de outra cultura ou de nossa própria (marcando a trajetória de nossa história), os artefatos passam a povoar o imaginário social no que tange o que é representativo, ou assim ele é apresentado, dialogando no limiar entre o senso comum e o conhecimento científico. Loureiro (2003: 91) aponta que, como espaço de divulgação científica, "a instrumentalização e ênfase no objeto musealizado constituem os mais expressivos elementos que diferenciam a instituição museológica dos demais meios de divulgação científica". A partir da recodificação, é possibilitada não só a comunicação de conhecimentos científicos a não iniciados como também um espaço de encontro e de diálogo com a educação formal, se incorporado ao repertório de estratégias pedagógicas dos professores. Para George Brown Goode, segundo Chelini e Lopes (2008: 207), os museus teriam então duas funções, "colaborar com a educação e com a investigação científica". Rivière (1968: 18), ao tratar de sua experiência no Museu de Etnologia, delineia o que entenderia ser o papel de um museu laboratório, o qual teria dois campos de atuação: pesquisa, publicação e constituição de coleções em sua faceta de laboratório e, ainda, a preservação das coleções e o acesso ao público por meio de exposições.

Para além da visitação, limitada por vezes no tocante à interação, os eventos proporcionados pelo Museu Nacional, como aqui discutido, tornam possível outro tipo de abordagem, de contato direto da face laboratório com o público. Privilegiando o diálogo, desvelam essa outra face do Museu. Assim, no espaço de um evento de caráter anual, de contato direto entre pesquisador e visitante, encontramos o desafio de trabalhar outras estratégias para além da exposição.

Fino (2004: 2), ao discutir a teoria de Vygotsky frente aos diversos debates construtivistas, aponta como elementos fundamentais: 1) o papel ativo do aprendiz em sua iniciativa e escolha entre alternativas; 2) a capacidade deste de construir conhecimento dentro de sua compreensão podendo superar até mesmo a do professor; 3) a construção do conhecimento é facilitada pelas interações horizontais e verticais; 4) a diversidade de fontes de informação, potencializando essa construção do conhecimento pelo aprendiz. Ainda segundo Fino (2004: 3), "o conhecimento é freqüentemente construído quando o aprendiz interage com o professor (ou membro mais capaz), pares, ou artefactos impregnados com as vozes de outros, criando juntamente com eles o contexto para a interacção". Nesse viés, um instrumento ou material pode ser o catalisador que fomenta o debate e a investigação, promovendo o ponto de partida para o diálogo entre mediador e aprendiz. Dessa forma, tanto a configuração do espaço de encontro e atuação como os instrumentos, artefatos, trabalhados devem estar em sintonia com a proposta acordada.

Todavia, há ainda a questão das zonas de desenvolvimento proximal de Vygotsky que Fino (2001: 6), baseado em Boettcher, discute o possível corolário deste conceito, o que seria uma janela de aprendizagem respectiva a "cada momento de desenvolvimento cognitivo do aprendiz". Assim, teríamos tantas janelas de aprendizagem quantos aprendizes tivermos e, aponta Fino (2001: 7), a aplicação dessa proposta trataria da

"(...) necessidade de se garantir, a cada grupo de aprendizes, um leque de actividades e de conteúdos para que eles possam personalizar a sua aprendizagem dentro da estrutura das metas e objectivos de um determinado programa de aprendizagem. Embora os critérios de sucesso da generalidade das unidades de aprendizagem impliquem o domínio de um conjunto fundamental de conceitos e de princípios, a concepção de ZPD de Vygotsky sugere que também devem ser proporcionados aos alunos meios que lhes permitam personalizar essa aprendizagem."

Destarte, ao oferecer atividades em um evento aberto ao público em geral, está-se lidando com uma diversidade não só de faixa etária como também de janelas de aprendizagem dos diversos aprendizes dentro de tais faixas. Assim, a atividade elaborada precisa não só fomentar o trato dos temas propostos como também permitir que o aprendiz construa seu próprio discurso frente ao que lhe é apresentado e se aproprie deste, dentro de seu momento.

Colocando em prática

Em 2007, por ocasião das comemorações do aniversário de 189 anos do Museu Nacional, foram elaboradas as primeiras instalações lúdicas. A atividade "o que os ossos revelam" foi desenhada principalmente para o público adulto, e consistia na exposição de peças ósseas humanas, em que os participantes podiam identificar parâmetros relacionados ao dimorfismo sexual, idade, além de processos e patologias ósseas como: osteoporose, periostites, osteomielite, osteoartrose, entre outros. Em todos os casos foram usadas peças saudáveis para que pudesse ser feita a comparação.

A outra atividade, "caixa com enterramento" consistia em duas caixas com medidas de 90 cm de largura, 90 de comprimento e 25 cm de altura cada, nas quais recriamos, por meio de uma escultura em isopor de alta densidade2 , dois sepultamentos humanos, os quais deveriam ser desenterrados, simulando assim uma escavação (Figura 1). Em cada caixa colocamos aproximadamente 80 litros de areia, e as dividimos em quatro quadrículas. Nosso objetivo inicial foi apresentar um exemplo de sepultamento e trabalhar as etapas envolvidas em uma escavação de remanescentes humanos. Assim, primeiramente, cabia ao aprendiz colocar-se no papel do bioarqueólogo e escavar dentro da quadrícula designada, com pá e pincel, revelando parte do sepultamento. Dessa forma, com quatro aprendizes, a escavação de cada um complementava a do outro, suscitando colaboração na busca de revelar e descobrir o que jazia sob a areia. Na segunda etapa, com auxílio dos monitores, traçava-se a identificação do que foi escavado, variando no detalhamento de acordo com a demanda de cada aprendiz. Na terceira etapa, os participantes podiam desenhar em papel milimetrado o achado.

Tal atividade proporcionou uma forma ímpar de interação e aprendizado com grande envolvimento e mobilização do público infantil e jovem, motivo pelo qual, na edição seguinte do evento, em 2008, optou-se por expandir as atividades direcionadas ao incremento da participação do público, com temática focada no reconhecimento do esqueleto humano. Por conta disso, introduzimos a atividade "Monte o esqueleto", a qual foi subdividida em duas propostas interdependentes: esqueleto de papel e esqueleto de almofada. A primeira consistia no corte e colagem de um modelo de esqueleto humano impresso papel3, na posição que o participante desejasse (Figuras 2 e 3). Assim, tivemos vários esqueletos dançantes, entre outras posições pitorescas, cabendo aos monitores ajudar a identificar as peças, o funcionamento das articulações e os limites de movimentos. A outra proposta, tal qual um quebra cabeça, consistia em identificar e organizar anatomicamente ossos humanos, confeccionados em tecido acolchoado (criando diferentes "almofadas" em formato de osso), em um painel de pano de tamanho real, utilizando velcro costurado nas almofadas e no painel para a fixação (Figura 4). Ambas as propostas foram desenvolvidas priorizando participantes entre 3 e 14 anos, sendo o esqueleto de almofada mais indicado para as crianças mais novas. Além dessas, desenvolvemos ainda em 2008 uma atividade especial para deficientes visuais de todas as idades que consistia na exploração tátil de peças ósseas humanas dispostas especialmente para esse público e uma réplica de esqueleto humano em tamanho real.

 

Figura 1

Figura 1 - Atividade de escavação das caixas com enterramento.

 

Figura 2

Figura 2 - Atividade com esqueletos de papel.

 

Figura 3

Figura 3 - Atividade com esqueletos de papel.

 

Figura 4

Figura 4 - Atividade com esqueleto de almofada.

 

Na edição de 2009, optamos por trazer também uma mesa de ossos com caráter para além do expositivo. Diferente da atividade "O que os ossos revelam" de 2007, construímos uma trajetória de questões anatômicas, doenças e lesões ósseas ao longo do percurso da mesa, com o intuito de facilitar a construção de uma linha de raciocínio sobre temas discutidos em Antropologia Biológica. Cada ponto abordado nessa atividade passou a ter uma nota explicativa com imagem e texto, com o objetivo de facilitar a identificação do processo por parte do público.

Nas três edições do evento, trabalhamos com painéis posicionados no nosso espaço, entretanto, nas edições de 2007 e 2008 os painéis continham informações muito densas e específicas, sendo estes muitas vezes ignorados pelo público em geral. Na edição de 2009 trabalhamos com painéis mais adequados à dinâmica do evento, com um desenho mais agradável, priorizando a provocação de questões em vez de tentar responder ou antecipar questões, contendo principalmente informações complementares às atividades abordadas no nosso estande.

 

Resultados e discussão

Objetivamos proporcionar ao público um leque diversificado de questões em cada atividade. Assim, em cada uma, há um foco específico que norteia o trabalho aliado a questões outras que transbordam o objetivo inicial. Nesse viés, a caixa de enterramento trabalha a princípio com noções de arqueologia, escavação e identificação do material encontrado, mas também envolve dinâmica de grupo e cooperação, capacidade motora e atenção no uso das ferramentas. Dessa forma, dialogamos com as diversas janelas de aprendizagem, possibilitando que o público alvo crie em certa medida seu aprendizado, uma vez que em um grupo de quatro crianças encontramos momentos diferentes e interesses diversificados.

De fato, algumas crianças tinham interesse apenas de escavar sem, no entanto, encontrar algo, se preocupando em colocar a areia nos baldes e até mesmo, chegando ao fundo, destruir o isopor para ultrapassar a base. Outras tinham dificuldade de se ater à quadrícula designada, ultrapassando e intervindo nas quadrículas dos colegas. Nessas situações, o papel dos monitores se tornava mais ativo, direcionando tais crianças a explorar o próprio espaço como forma de possibilitar que o grupo pudesse revelar o enterramento como um todo, reforçando a necessidade de cooperação e trabalho em grupo.

Por vezes, uma criança anunciava para o grupo o seu achado: "olha, um dinossauro!". Nessas ocasiões, em que todos se uniam entusiasmados, os monitores entravam mais uma vez com as questões, levando e guiando-os a identificar juntos o achado, aproveitando as demais atividades como exemplo para identificação, principalmente o esqueleto montado em exposição. A identificação do achado como sendo um dinossauro não era diretamente negada, mas sim usada como ponto de partida para o questionamento do que fora encontrado, suas características, forma, tamanho, levando-os a refletir e mudar seu parecer.

No tocante à terceira etapa da caixa de sepultamento, a saber, o desenho em papel milimetrado do achado, não tivemos muito sucesso. Poucas crianças e jovens sequer começaram a desenhar. Algumas comentaram não saber ou querer desenhar, outras ainda almejavam visitar as demais atividades, tanto nossas quanto de outros setores. A grande oferta de atividades nos fez perceber que essa etapa tornava-se pouco atraente e alongava ainda mais a estada nessa atividade em particular. De fato, as visitações escolares tinham em geral um curto tempo disponível para explorar o evento (algumas escolas optavam pelo turno da manhã, outras pelo da tarde, e poucas pareciam ter programado a visitação para o dia inteiro) que impedia que seus alunos permanecessem em uma atividade só por mais tempo.

As duas atividades de montagem de esqueleto tinham como foco primeiro a iniciação e o reconhecimento de anatomia óssea, mas também, a coordenação motora e disciplina para recortar as peças de papel (no caso do esqueleto de papel), atenção e percepção visual para a montagem do esqueleto tendo em vista os modelos dispostos. A ideia de trabalharmos com o esqueleto de almofada foi possibilitar a participação de todos, principalmente daqueles que não tinham interesse na versão em papel ou tinham dificuldade neste tipo de atividade, evitando-a. No tocante à montagem em papel, outro objetivo foi proporcionar a confecção de um produto que pudesse ser levado para casa. Como consequência inesperada, tal "souvenir" acabou por chamar a atenção do público, fazendo com que nosso espaço fosse intencionalmente procurado. Assim, no segundo ano da aplicação dessa atividade, já contávamos com a expectativa de aumento da procura ao longo do evento, recebendo o público em fluxos cada vez maiores com o desenrolar do dia.

Em relação ao público adulto, a apresentação da mesa "O que os ossos revelam" possibilitou um contato direto com as peças e um espaço de diálogo com os monitores para expandir a experiência, personalizando a interação com as peças. A reedição dessa atividade em 2009 teve maior êxito em relação à primeira edição de 2007 por traçar uma trajetória de questões, constituindo começo, meio e fim, encadeando um fio narrativo, expandindo questões de acordo com o interesse do interlocutor. É importante ressaltar que os monitores presentes eram desde os estagiários de iniciação científica de nível médio e superior até colaboradores, pesquisadores e professores do setor de Antropologia Biológica, proporcionando não só o contato direto do Setor com o público como também um espaço de aprendizagem para todos os envolvidos na monitoria.

A diversidade de formação do nosso grupo, incluindo arqueólogos, anatomista, médico, cientista social, historiador, cria condições alternativas de abordagens, pois o osso deixa de ser a algo geográfico (geografia da doença, segundo Foucault (1994), em "O Nascimento da Clínica"), como é tradicional na área biomédica, e passa a ser uma fonte histórica.

A exposição de ossos humanos, face à própria inquietação que o material provoca, é um atrativo primordial que, sem dúvida, atrai a atenção de quem passa, especialmente pela colocação da mesa na entrada do estande. É uma atividade que desperta a atenção dos adultos e muito menos das crianças que, muitas vezes, se limitam a "pegar" o osso como objeto de curiosidade. Outra questão que surge, invariavelmente, é a discussão entre a vida e a morte. Os ossos humanos "reais" estimulam as pessoas (adultos) a desinterditar a temática do significado da vida. Em todas as oportunidades, sempre aparece alguém que afirma: "Nós não somos nada mesmo!" ou "Olha como nós acabamos!". E esse enfoque, embora não seja o foco que pretendemos, exige uma resposta.

A medicalização da mesa dos ossos é um aspecto que jamais escapa ao público. Embora tenhamos nos esforçado em tirar o viés biomédico da apresentação, é inevitável que as pessoas tragam seus problemas médicos ou de seus parentes para um confronto com o que estamos apresentando. Comentários como: "minha mulher teve câncer nos ossos", "eu tenho esse tipo de artrose", "isso tem tratamento?", "ano passado eu tive osteoporose e estou tomando cálcio hoje!" estão sempre presentes. E esse viés, embora possa ser contemplado, precisa ser desestimulado.

Uma das nossas preocupações foi re-significar alguns valores sociais e culturais. Procuramos conduzir as pessoas no tempo e fazer com que elas reinterpretem os sinais com os pés em uma determinada época, envolvidas pelos valores ali contidos. Assim, as idéias de "primitivo", "arcaico", "atrasado", "ultrapassado", "antigo" se misturam, de tal ordem, que é essencial promover uma nova interpretação de valores, especialmente num momento da vida humana onde a cientificidade e a tecnologia se impõem como valores absolutos.

Os painéis apresentados em 2009, por sua vez, diferiam das edições anteriores por introduzir informações complementares às atividades, de caráter objetivo, sucinto e de rápida apreensão. Assim, enquanto os responsáveis esperavam pelas crianças, tinham a oportunidade de compreender as atividades apresentadas no nosso espaço, conhecer o trabalho desenvolvido no setor de Antropologia Biológica e também de convidá-los à nova mesa "o que os ossos nos revelam". Dessa forma, os painéis passaram a estar intimamente ligados às atividades apresentadas, suprindo questões já levantadas nas edições anteriores em vez de constituírem por si só uma exposição encerrada em si mesma.

O balanço final desses três anos aponta que há uma demanda e uma boa receptividade do público em relação às temáticas trabalhadas. O desafio permanente se encontra no estabelecimento de estratégias que envolvam o público de forma que este se aproprie das questões apresentadas. Ao longo do período trabalhado temos encontrado tanto possibilidades de êxito como também sucesso nas reedições e aperfeiçoamento de propostas.

 

Considerações finais

O material desenvolvido tem sido apresentado ao público efetivamente desde as atividades que marcaram a comemoração dos 189 anos do Museu Nacional em 2007. Têm-se observado o maior envolvimento do público com os conteúdos apresentados, bem como maior facilidade na apreensão, compreensão e contextualização dos temas. Notamos um aumento da curiosidade e da busca pela interação tanto com as peças quanto com os monitores e com o público, no contexto da exposição.

O sucesso do evento de 2009 não ofusca os desafios ainda pendentes, como desenvolver atividades que atraiam ainda mais o interesse tanto de adolescentes como de adultos. Em relação aos desafios, a Antropologia Biológica tem como questão lidar com material de estudo que por vezes provoca reações contraditórias no público associadas à perda, morte e doenças. Até o presente momento, conseguimos lidar com essas questões, quando trazidas por uma pequena parcela do público.

No tocante aos êxitos, ambas as atividades suscitaram grande interesse e participação do público, até mesmo fora da faixa etária trabalhada. Um dos maiores méritos das atividades foi fomentar a curiosidade dos visitantes sobre o potencial informativo do esqueleto humano nas investigações científicas.

 

Referências bibliográficas

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Agradecimentos

O projeto Ciência até os Ossos conta com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ, através do qual desenvolvemos as atividades e continuamos expandindo para novas propostas e espaços de atuação.

 

Notas

Silvia Barreiros dos Reis
Endereço para Correspondência: Setor de Antropologia Biológica, Departamento de Antropologia, Museu Nacional/UFRJ, Quinta da Boa Vista s/n - São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ20940-040, Brasil.
E-mail para correspondência: s_breis@yahoo.com.br.

(1) No artigo original em inglês: "Osteoarchaeologists are also increasingly aware of the potential of ways that social relations - including those linked to status, class, sex and ethnicity - impact on the body. In this sense, the bodies in osteoarchaeology must be regarded as in part constructed through culture and prevailing discourses."
(2) Escolhemos trabalhar com réplicas com o intuito de deixar o público infantil mais livre para interagir com o material, sem temer uma perda irremediável.
(3) O modelo de esqueleto em papel foi adaptado e reduzido para dois esqueletos por folha tamanho A4 do modelo disponibilizado pelo programa de extensão Family Nutrition da Universidade de Illinois - http://wellnessways.aces.illinois.edu.

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