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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.2 Rio de Janeiro ago. 2010

 

Artigo Científico

 

Mulheres encarceradas e fatores associados a drogas e crimes

 

Incarcerated women and factors associated to drugs and crimes

 

 

Regina Maria Fernandes Lopes; Daniela Canazaro de Mello; Irani I. de Lima Argimon

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

 

 


Resumo

Com o aumento gradativo da violência, a população carcerária vem crescendo ao longo dos últimos anos, e está aumentando a proporção de mulheres em relação aos homens. Diversos estudos apontam prevalência mais elevada de transtornos mentais na população prisional do que na comunidade, o que pode estar associado com a criminalidade. O estudo objetivou descrever as características sociodemográficas e clínicas da mulher encarcerada, além de verificar a prevalência de uso, abuso e dependência de álcool e outras drogas. Participaram 287 mulheres encarceradas do estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil. O delineamento foi de um estudo quantitativo e transversal. Os achados mostram que o perfil da mulher presa caracteriza-se por ser solteira, jovem, cumpre pena por tráfico de drogas, teve contato com o ambiente prisional antes do encarceramento através de visitas e já teve algum membro da família preso. Foi encontrada alta prevalência de uso, abuso e dependência de drogas. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 121-131.

Palavras-chave: prevalência; crime; drogas; mulher encarcerada; álcool.


Abstract

With the gradual increase of violence, the jail inmates' population has been growing throughout the last years, and the proportion of women, in relation to men, has increased. Several studies point out a higher prevalence of mental derangement in prison population than in the community, which might be associated to criminality. The study objective to describes the socio-demographic and clinical characteristics of incarcerated women, besides verifying the prevalence of use, abuse or dependency of alcohol and another drugs. Two hundred and eighty seven women incarcerated in a Female Prison participated; representing 35% of the female prison population in the State of Rio Grande do Sul (RS), Brazil. The design was that of a quantitative and transversal study. The findings showed that the profile of jailed women is characterized by them being single, servers a sentence for drug trafficking, have had some contact with the prison atmosphere, before being interned, through visits and have already had some family member in jail. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 121-131.

Keywords: prevalence; crime; drugs; incarcerated women; alcohol.


 

Introdução

A criminalidade vem crescendo de forma constante no mundo inteiro e as mulheres são cada vez mais protagonistas de episódios de delitos. No Brasil, nos últimos quatro anos, houve um aumento da população carcerária feminina de 37,47%, representando, assim, um crescimento anual de 11,99%. O crescimento da população feminina tem sido maior que o da população masculina. Estima-se que no ano de 2012 a população feminina no país representará 7,65%; atualmente, representa 6,12% (Sistema Nacional de Informações Penitenciárias, 2008). No estado do Rio Grande do Sul, a população carcerária feminina praticamente triplicou nos últimos sete anos, passando de 377 para 1.060 reclusas em 2007 (Mapa Carcerário, 2007).

Os estudiosos apontam diversas e diferentes causas da criminalidade, descrevendo-a como um fenômeno complexo que abrange fatores biológicos, genéticos, psicológicos, psiquiátricos, econômicos, sociais etc. Chalub e Telles (2006) descrevem uma associação entre transtornos do uso de substâncias e criminalidade, aumentando a proporção de atos violentos. A variabilidade dos efeitos das drogas em diferentes indivíduos sugere a contribuição de fatores orgânicos, socioculturais e de personalidade.

Diversos estudos apontam para uma alta prevalência de dependência de substâncias entre os prisioneiros (Bryant-Rounds e Baker Jr, 2007; Sacks e Pearson, 2003). Além disso, Harris e colaboradores (2003) referem que 98% das mulheres encarceradas reportaram ter usado drogas ao longo de suas vidas, bem como foi revelada uma relação significativa entre uso de drogas e comportamento de auto-risco HIV-AIDS. Já o estudo de Staton e colaboradores (2003) revela que 85% das mulheres presas faziam o uso de substâncias múltiplas um mês antes do encarceramento.

Também as presas são cinco vezes mais propensas a ter um problema de saúde mental do que mulheres da população em geral; é elevado o número de reclusas que já tiveram algum problema psicológico antes da detenção (Jackson, 2007). Reforçando estes dados, Assadi e colaboradores (2006), mostraram que 88% da sua amostra apresentou algum transtorno mental e que o uso de drogas foi a principal desordem de comorbidade nos diagnósticos. Além disso, 50% dos condenados cometeram crimes relacionados com a droga, essa elevada proporção reflete nas taxas crescentes do uso de drogas na população livre que está propensa a cometer um crime. Lewis (2006) aponta o contraste das diferenças nas taxas de dependência de drogas entre prisioneiros em comparação à população da comunidade. Curiosamente, é mais elevada essa prevalência nas encarceradas do que nos homens presos. O estudo descreve, ainda, que tais mulheres têm um elevado grau de comorbidade psicopatológica, dependência de substância, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de personalidade anti-social e depressão maior. Dessa forma, as doenças mentais relacionadas aos prisioneiros torna-se um problema de saúde e segurança pública mundial.

Diante das variadas circunstâncias que pode levar um indivíduo a cometer um delito, esse estudo tem por objetivo descrever algumas características das mulheres detentas, a prevalência de uso, abuso e dependência de álcool e outras drogas e verificar a extensão das associações entre o crime e fatores ligados à sua história atual e pregressa.

 

Método

O estudo teve um delineamento quantitativo transversal e descritivo. A amostra foi constituída por 287 mulheres recolhidas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Esta é a única penitenciária de regime fechado exclusiva para mulheres no Estado. No mês de dezembro de 2007, a instituição estava constituída por 368 mulheres, as quais representavam aproximadamente 35% da população feminina de prisioneiras totais do Estado. O restante das mulheres encarceradas está distribuído em duas casas prisionais, de regime semi-aberto e aberto. As outras encontram-se distribuídas em celas femininas de prisões masculinas.

Os instrumentos utilizados foram constituídos por uma Ficha de Dados Sociodemográficos e Clínicos, composta pela escolaridade, estado civil, tempo de reclusão, situação jurídica, delito, "história tratamento psiquiátrico" antes e durante a prisionização, uso de drogas e história penal pessoal e familiar. Também utilizou-se a Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV - Versão Clínica (SCID-CV), o qual fornece o diagnóstico psiquiátrico. No presente estudo foi administrado somente o módulo de transtorno do uso de substância. Ainda foi aplicado o Questionário cut-down, annoyed, guilty, eeye-opener (CAGE), o qual indica dependência de álcool.

A coleta dos dados ocorreu nos meses de dezembro de 2007 e janeiro de 2008. Todas as mulheres recolhidas na penitenciária em questão foram chamadas individualmente nas salas de atendimento psicológico, com o intuito de esclarecer o objetivo e a metodologia da pesquisa a cada participante. No início da coleta, a população prisional era constituída por 368 prisioneiras. Durante os dois meses de coleta, 57 encarceradas saíram desta instituição prisional por receberem liberdade provisória, habeas corpus, revogação da prisão preventiva, absolução ou transferência para outra instituição de regime fechado ou semi-aberto. Somente 23 mulheres não aceitaram participar da pesquisa - algumas delas nem chegaram a se deslocar para a entrevista, recusando-se sair da cela. Havia, ainda, uma de castigo. Das 368 prisioneiras recolhidas na penitenciária, 287 mulheres aceitaram participar, representando 80% do universo de encarceradas neste presídio. As entrevistas tiveram, em média, uma hora de duração.

A amostra foi descrita estatisticamente em suas características sociodemográficas e clínicas mediante análise das distribuições de freqüência das variáveis dependentes e independentes. Foi realizada uma análise bivariada dos resultados obtidos através dos testes qui-quadrado, t de student e regressão logística. Foram consideradas significativas as associações com valores de p< 0,05. Calcularam-se as estatísticas através do Statical Package for the Social Sciences, versão 11.5 para Windows.

Esta pesquisa foi autorizada pela direção da penitenciária e pelo órgão ao qual está subordinada, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE). Após, o projeto foi aprovado pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica Rio Grande do Sul, onde este estudo foi desenvolvido. Conforme este parecer, o estudo foi autorizado sem a necessidade de passar pelo Comitê de Ética, devido características específicas desta pesquisa. A entrevista constituiu-se em uma sessão com cada participante, na qual, após informar o objetivo do estudo, foi assinado o termo de consentimento livre e esclarecido. Todas as participantes aceitaram voluntariamente participar desta atividade, ficando claro para elas que a sua decisão de não participar não implicaria em nenhum prejuízo, principalmente com relação à sua situação jurídica.

 

Resultados

Características sociodemográficas

As prisioneiras apresentaram uma média de 33,39 anos (DP=9,84), sendo 18 anos a idade mínima e 61 a máxima. Destas, 46,7% são solteiras; somando viúvas, separadas ou divorciadas, totaliza-se 67,6% que não têm relação estável com companheiro. Do total, 86,4% têm filhos, com uma média de 2,75 filhos. Quanto à escolaridade, a maioria tem no máximo o ensino fundamental incompleto.

Quanto a atividades laborativas, 75,2% das mulheres estavam trabalhando antes do encarceramento, porém apenas 15,9% tinham um trabalho formal. Uma grande parcela tem uma profissão de baixo status social e econômico: domésticas, costureiras, cozinheiras, manicure e até profissionais do sexo.

Características jurídicas

A amostra foi constituída por 51,2% de presas provisórias e 48,8% de presas já condenadas. Mais da metade da amostra (51,6%) está reclusa há, no máximo, seis meses, o que indica que, provavelmente, muitas devem ser provisórias. Sendo que 25,4% das presas estão presas de 7 a 12 meses, 15,8% e somente 7,7% estão presas a mais de 25 meses.

Características do crime e contato com o sistema prisional

Com relação ao delito, 41,1% das detentas assumem que cometeram o crime pelo qual estão aprisionadas, 17,4% estavam sob o efeito de droga e 10,2% sob efeito de álcool. Da amostra total, 34,8% já haviam sido presas anteriormente, sendo que 15% já tiveram passagem por detenção juvenil.

A respeito do delito praticado, 62,4% das presas estavam envolvidas com o tráfico de drogas. Segundo os relatos, houve diferentes tipos de participações, desde o envolvimento direto com a venda de entorpecentes e carregamento de drogas no sistema prisional para ajudar seu companheiro ou familiar que se encontravam presos, até participações indiretas, como o conhecimento e conivência de familiares que fazem, de sua residência, local para guardar ou vender drogas. Dessa forma, quando a participante nega o delito, menciona geralmente autoria aos filhos ou companheiros; quando assumem a participação no delito, associam-no ao sustento econômico ou como mantenedor do uso de drogas.

Com relação a freqüência dos delitos pelos quais as participantes estão respondendo, constata-se que mais da metade da amostra responde por tráfico de drogas (62,4%), seguido de roubo (12,5%), homicídio (11,1%), furto (8,7%), latrocínio (1,4%), Estelionato (1%)m e outros (2,85), que corresponde estupro, formação de quadrilha, corrupção de menores.

Com relação ao contato das participantes com o ambiente prisional, os resultados mostram que 66,9% das reclusas têm ou já tiveram um ou mais familiares presos, incluindo o companheiro. Além disso, 61,6% das presas já visitaram alguém na prisão, ou seja, a maioria das mulheres já tinha contato com este ambiente antes do aprisionamento: 66,3% das presas visitaram o companheiro, 25% das mulheres visitaram irmãos e 9,9% visitaram os filhos.

Prevalência do uso, abuso e dependência de drogas

Do total das presas, 54,4% das presas admitiram usar ou já usaram drogas. Com relação aos motivos que fizeram as presas iniciar o uso, 24,7% delas mencionam que foi por curiosidade, 12,9% por pressão ou influências de outras pessoas e 6,3% alegam que foi por problemas pessoais. As que mais causaram problemas foram: o crack (22%), a cocaína (12,2%) e a maconha (11,5%). Das presas, 38,3% preencheram os critérios diagnósticos para dependência de drogas. Com relação às substâncias lícitas, mais da metade da amostra usa álcool (53,7%). Os resultados apontam, ainda, no momento da pesquisa, uma alta prevalência de abstinência, representada por 44,9% da amostra total. Ou seja, 94,9% das mulheres que têm história de uso de drogas, no momento estão em abstinência.

 

Prevalência

n (n=287)

%

Uso de drogas

156

54,4

Abuso de drogas

113

39,4

Dependência de drogas

110

38,3

Drogas mais usadas

Maconha

135

47,0

Cocaína

110

38,3

Crack

78

27,2

Loló

41

14,3

Drogas que causou mais problemas

Crack

63

22,0

Cocaína

35

12,2

Maconha

33

11,5

Outras*

4

1,3

Uso de álcool

154

53,7

Dependência de álcool

45

15,7

Abstinência

129

44,9

Tabela 1 - Características de prevalência de drogas por presas de uma penitenciária do Rio Grande do Sul, 2008. * Loló (2), ectasy (1) e heroína (1).

 

A idade de início do uso de drogas consta na tabela 2, em que foram descritas as substâncias mais freqüentes já utilizadas pelas participantes: lóló, maconha, cocaína e crack. Evidencia-se o início precoce, primeiramente pelo loló, seguido da maconha. A partir disso, deduz-se que a maioria iniciou o uso antes do período do aprisionamento.

 

Tipo de Drogas

n

Idade de início

Mínimo

Máximo

Média

Dp

Loló

40

8

37

15,5

5,09

Maconha

130

9

39

16,7

5,18

Cocaína

106

11

40

19,0

6,15

Crack

75

11

46

23,7

7,87

Tabela 2 - Análise descritiva do tipo de drogas e idade de início de presas de uma penitenciária do Rio Grande do Sul, 2008.

 

Variáveis relacionadas com o crime

Foi realizada uma análise de associação entre o crime e outras variáveis. Em virtude da baixa prevalência dos delitos de latrocínio, estelionato e outros crimes, foram analisados os quatro mais freqüentes, sendo que roubo e furto foram aglomerados pela semelhança para efetuar os cálculos estatísticos.

Através da análise de associação entre o tipo de delito e as variáveis descritas (tabela 3), constatou-se que houve diferenças estatisticamente significativas entre algumas características. Com relação ao uso de drogas, houve diferença significativa entre os tipos de delitos. Observou-se que há uma prevalência maior do uso entre as mulheres que cometeram o delito de furto/roubo (77%), comparado com as que cometeram tráfico de drogas (51,4%) e homicídio (40,6%). Já com relação ao uso de álcool, não houve diferença significativa, bem como se as presas estavam sob o efeito de álcool ou drogas durante a execução do delito.

Alguns fatores relacionados a história clínica apresentaram uma diferença significativa entre os tipos de delitos. Evidencia-se que as reclusas que respondem por homicídio têm a presença de história de tratamento psiquiátrico, ideação suicida, tentativa de suicídio ao longo da vida/atual e ocorrência de violência sexual, sendo estes fatores ausentes nas reclusas que respondem por tráfico de drogas.

Com relação a familiares das presas que já cumpriram pena, houve diferença significativa entre os tipos de delitos, observando que as mulheres que respondem por tráfico de drogas apresentam uma maior prevalência de familiares que estão ou já foram presos (70,9%) e as mulheres que respondem por homicídio corresponde a 50%. Também houve diferença significativa a respeito das presas que já visitaram alguém na prisão e o tipo de delito, sendo que as mulheres que respondem por homicídio tiveram uma prevalência maior de nunca terem visitado alguém na prisão, sendo que 31,3% já visitaram alguém. Já quem responde por tráfico de drogas, 64% das mulheres já visitaram alguém na prisão.

Quanto a história de aprisionamento anterior houve diferença significativa entre os tipos de delitos, das mulheres que respondem por furto/roubo, 70,5% da amostra já foram presas antes, em contraste com 25,7% das mulheres que estão respondendo por tráfico de drogas e 21,9% por homicídio. Não houve diferença significativa entre o tipo de delito e ocorrência de fuga de casa e violência não-sexual, bem como familiar com história de uso de drogas/álcool ou com problemas psiquiátricos.

 

Delito

Tráfico drogas

(n=179)

Homicídio

(n=32)

Furto/Roubo

(n=61)

p

Variáveis

Não Sim

n % n %

Não Sim

n % n %

Não Sim

n % n %

Uso de drogas

87 48,6 * 92 51,4

19 59,4 13 40,6

14 23,0 47 77,0*

<0,001

Uso de álcool

88 49,2 91 50,8

16 50,0 16 50,0

22 36,1 39 63,9

0,189

Sob efeito de álcool

161 89,9 18 10,1

27 90,0 3 10,0

54 88,5 7 11,5

0,786

Sob efeito de drogas

144 80,4 35 19,6

27 90,0 3 10,0

49 80,3 12 19,7

0,444

Ideação suicida

123 69,1* 55 30,9

12 37,5 20 62,5*

30 49,2 31 50,8*

<0,001

Tentativa de suicídio

150 83,8* 29 16,2

21 65,6 11 34,4*

45 73,8 16 26,2

0,030

Tratamento psiquiátrico

135 75,4* 44 24,6

15 46,9 17 53,1*

41 67,2 20 32,8

0,004

Fuga de casa

110 61,8 68 38,2

17 53,1 15 46,9

29 48,3 31 51,7

0,161

Violência não-sexual

123 69,5 54 30,5

19 59,4 13 40,6

40 67,8 19 32,2

0,529

Violência sexual

156 88,1* 21 11,9

19 59,4 13 40,6*

48 81,4 11 18,6

<0,001

Familiar cumpriu pena

52 29,0 127 70,9*

16 50,0 16 50,0*

22 36,1 39 63,9

0,058

Familiar drogas/álcool

51 28,5 128 71,5

8 25,0 24 75,0

15 24,6 46 75,4

0,803

Familiar prob. Psiquiátri.

121 68,0 57 32,0

20 62,5 12 37,5

46 75,4 15 24,6

0,389

Visitou prisão

64 36,0 114 64,0

22 68,8* 10 31,3

18 29,5 43 70,5

0,001

Já foi presa antes

133 74,3* 46 25,7

25 78,1 7 21,9

18 29,5 43 70,5*

<0,001

Tabela 3 - Distribuição de freqüência das variáveis segmentadas pelo tipo de delito praticado por presas de uma penitenciária do Rio Grande do Sul. Análise de resíduos ajustados = p < 0,005. * Nível de significância do teste qui-quadrado.

 

Variáveis associadas com o uso e dependência de drogas

Foi realizada uma análise de medidas de associação entre o uso de drogas e as variáveis descritas na tabela 4, por meio do teste qui-quadrado 2x2 (X2) para descobrir se existe uma relação significativa entre o uso de drogas e as variáveis descritas. Os resultados mostram que existe uma associação significativa entre o uso de substâncias e ocorrência de violência sexual, ideação suicida, percepção que tem um problema psicológico, se já tinha sido presa antes, bem como se já visitou alguém na prisão.

Já as presas que não fazem uso de drogas mostra uma relação significativa de que não tiveram história de ocorrência de violência sexual, não possuem história de ideação suicida, não possuem problemas psicológicos, não tinham sido presas antes, nunca visitaram alguém na prisão e são casadas. Com relação a familiares que cumprem ou já cumpriram pena, não está associado com o uso de substância.

 

Variável

Uso de Drogas

Não (n=130)

Sim (n=153)

p

n

%

n

%

Violência sexual

10

7,7

39

25,5

<0,001

Ideação suicida

36

27,7

78

50,0

<0,001

Já foi presa antes

30

22,9

70

44,9

<0,001

Solteira

74

56,4

120

76,9

<0.001

Visita na prisão

64

49,2

108

69,2

0,001

Problemas psicológicos

19

14,5

48

30,8

0,002

Familiar cumpriu pena

86

65,6

107

68,6

0,687

Tabela 4 - Associação do uso de drogas e variáveis relacionadas de presas de uma penitenciária do Rio Grande do Sul, 2008.

 

A tabela 5 mostra alguns fatores de risco que aumentam a probabilidade de ocorrer a dependência de drogas. As mulheres encarceradas com história de ocorrência de violência não-sexual têm 1,53 mais chances de desenvolver uma dependência de drogas do que as que não sofreram violência; quem teve história de violência sexual possui 1,56 mais chances de ter dependência de drogas do que as participantes que não foram abusadas; as solteiras têm 0,7 mais chances, se comparadas com as casadas; quem já foi presa antes tem 1,57 chance comparada com as que nunca haviam sido detidas; quem tem familiares com história de drogas/álcool tem 0,85 mais chances de desenvolver dependência de drogas, comparando com as que não possuem familiares com esta problemática.

 

Variáveis independentes

Média

Mínimo

Máximo

p

Violência não-sexual

2,53

1,51

4,29

<0,001

Já foi presa antes

2,57

1,56

4,24

<0,000

Violência sexual

2,57

1,37

4,80

0,003

Familiar usa drogas/álcool

1,85

1,05

3,25

0,032

Estado civil - solteira

1,70

1,00

2,88

0,048

Tabela 5 - Regressão logística de algumas variáveis correlacionadas com a dependência de drogas (variável resposta).

 

Discussão

O aumento elevado de usuários e dependentes de drogas está associado com a perpetuação da violência e da criminalidade, tornando-se um dos maiores problemas de saúde pública mundial. Este estudo mostra uma elevada prevalência nas taxas de uso, abuso e dependência de drogas entre as mulheres encarceradas, corroborado por diversas pesquisas (Barlett, 2007; Green et al., 2005).

As características da trajetória criminal das presidiárias estão associadas a fatores sociais, psicológicos, econômicos e familiares. Evidencia-se um número de mulheres que já haviam sido presas antes (praticamente 35% da amostra), e 15% tiveram detenção juvenil antes dos 18 anos de idade. Os dados mostraram uma associação entre uso de drogas e o envolvimento de crimes. Percebeu-se, uma associação entre usuárias de drogas e o contato prévio com o ambiente prisional através de visitas de familiares ou amigos, quando as participantes estavam em liberdade. Em contra partida, não foi associado o uso de drogas com familiares que cumprem ou já cumpriram pena.

O presente estudo apresentou uma associação significativa entre uso de drogas e percepção que tem algum problemas psicológicos, ideação suicida e ocorrência de violência sexual. Isso é confirmado no estudo Johnson (2006) que constatou uma associação significativa entre dependência de substância e problemas de saúde mental (as mulheres com problemas de saúde mental são mais propensas à dependência; mulheres dependentes têm maior probabilidade de possuir problemas de saúde mental). Outro estudo realizado por Abram e colaboradores (2003) confirma que há uma alta prevalência de mulheres presas com algum transtorno mental e também de uso de substâncias.

Alguns fatores de risco aumentaram a probabilidade de as mulheres encarceradas desenvolverem a dependência de drogas, como é a história de violência sexual e não-sexual, aumentando significativamente a probabilidade de uma mulher desenvolver dependência química. Diversos estudos apontam uma alta prevalência de história de abuso (sexual, físico e emocional) entre as mulheres encarceradas, tanto na infância como na vida adulta, e tais fatores contribuem e apresentam uma relação significativa com problemas de dependência química e de saúde mental (Blitz et al., 2006; Chapman et al., 2005; Johnson, 2006; Tye e Mullen, 2006).

Um fator importante que foi associado significativamente com o uso de drogas, e que aumentaram a probabilidade de desenvolver a dependência química é o estado civil, sendo que as mulheres solteiras tiveram mais chances de apresentar uma dependência do que as casadas. Bem como, as encarceradas que possuíam familiares que tinham história de uso de drogas/álcool também apresentam uma maior probabilidade de desenvolver a dependência por drogas. Este dado mostra o quanto a família possui um papel fundamental no desenvolvimento psíquico dessas mulheres.

A alta prevalência de mulheres envolvidas de forma direta ou indireta com as drogas vai ao encontro com um estudo realizado nos Estados Unidos (Belenko e Peught, 2005), o qual menciona que quase 70% das presas fazem uso regular de droga ilícita, 80% das encarceradas estão envolvidos com drogas e álcool, e a metade da amostra estava sob influência de drogas ou álcool no momento do crime - sendo que uma parte cometeu delito para comprar drogas. Este fato é confirmado pelo estudo de Johnson (2006) que associa a dependência de drogas a: envolvimento em crimes ou prostituição para o sustento, exposição precoce de problemas com drogas pela família de origem, história de prisionização anterior, prescrição de psicotrópicos e problemas de saúde mental.

Um dado importante que os resultados do presente estudo apontam é uma alta prevalência do uso de drogas ao longo da vida, o que indica que a prática já havia sido feita antes do aprisionamento. Os dados apontam que as mulheres encarceradas iniciaram o uso de entorpecentes em idade precoce, sendo a rua o local mais frequente. Este fato pode estar relacionado com a história de violência sofrida, ocorrência de fuga de casa, bem como de familiares com problemas psiquiátricos ou com envolvimento com drogas e /ou álcool. Isso significa que geralmente muitas destas mulheres já tinham problemas relacionados ao uso de drogas quando ingressaram na prisão. Green e colaboradores (2005) apontam que 72% da amostra tiveram problemas de abuso de substâncias, sendo a maior prevalência, apontado por 60% relacionado com cocaína, crack e heroína.

Com relação ao tipo de delito, quem responde por tráfico de drogas possuem familiar que cumpre/cumpriu pena e não estão associadas com violência sexual, ideação suicida, tratamento psiquiátrico ou prisão anterior. Já as mulheres que respondem por homicídio estão associadas com história de tratamento psiquiátrico, violência sexual, história de ideação suicida e tentativa de suicídio, mas não estão relacionadas com visitas na prisão. Já as mulheres que são acusadas de furto e roubo estão associados com uso de drogas e prisionização anterior e a reincidência criminal. A execução do delito pode estar relacionada à prática do crime como uma forma de sustentar o consumo de drogas, tendo em vista que as mulheres que o fazem encontram mais dificuldades de conseguir ou manter um trabalho. Evidencia-se que a mulheres encarceradas que respondem por homicídio apresentam mais fatores emocionais relacionados à história clínica, diferentemente das mulheres que respondem por tráfico de drogas, mais associado a fatores sociais e familiares.

Diante das características descritas, observa-se que a extensão do envolvimento dessas mulheres com a droga parece forte e prevalente, e relaciona-se com os três delitos (tráfico de drogas, roubo e furto - ou seja, 83,6% da amostra) de forma direta, através do uso próprio e de familiares, ou a execução do tráfico de drogas envolvendo membros da família.

Um dado interessante é que a maioria das mulheres com história de uso de drogas menciona estar em abstinência durante o período de aprisionamento, sendo que algumas relatam fazer uso somente no início do ingresso na prisão. Este dado pode estar sub-relatado, pois muitas poderiam ter negado pelo receio de conseqüências negativas que poderiam surgir. Porém, provavelmente, muitas dessas presas podem de fato, ter interrompido ou diminuído o consumo de drogas em virtude das peculiaridades dentro do ambiente prisional, como a falta de recursos financeiros para comprar a droga.

O estudo de Narkauskaité e colaboradores (2007) identificou que mais da metade da amostra de prisioneiros refere que há um fácil acesso a drogas dentro da prisão, porém não quiseram revelar qual era esse meio. Assim, as drogas são freqüentemente usadas devido ao impacto psicológico, tornando a disponibilidade de substâncias em instituições penais um problema mundial. Este mesmo trabalho aponta que o motivo mais importante para usar drogas é o distanciamento dos problemas, envolvendo o encarceramento, a relação com outros presos, funcionários e com a administração. Dessa forma, as substâncias são estimuladas no sentido de aliviar as dificuldades relacionadas com o encarceramento e o isolamento. Porém, neste estudo, nenhuma mulher referiu o uso atual.

Diante dos apontamentos obtidos, observa-se que diferentes tipos de intervenções serão necessários para diminuir os índices de mulheres envolvidas com crimes. É importante inserir as mulheres em diferentes tipos de programas dentro do ambiente prisional, de acordo com as peculiaridades das características relacionadas com o tipo de delito. Programas de prevenção e de tratamento para dependentes químicos na comunidade poderiam minimizar a violência e a criminalidade que se intensificam em função do uso de drogas. Além, disso, é importante um programa preventivo focado na saúde da família, tendo em vista que este estudo mostrou uma associação significativa entre fatores familiares com o uso e dependência química e envolvimento com delitos.

As limitações desse estudo estão relacionadas à metodologia, principalmente porque a coleta dos dados ocorreu unicamente através de auto-relatos, não sendo pesquisadas outras fontes, como entrevista familiar e registros de prontuários clínicos e médicos. Dessa forma os achados podem estar subestimados ou superestimados. Assim, devem ser compreendidos como uma estimativa, e não como dados precisos.

O número reduzido de participantes também interfere em inferências mais generalizadas, não podendo concluir que as características descritas aqui são semelhantes às de mulheres presas em outros estados do país. Isso sugere a necessidade de mais pesquisas e um número maior de presos, envolvendo uma amostragem randomizada estratificada, para englobar o país inteiro. Dessa forma, dados mais representativos e padronizados serão fornecidos para colaborar na construção de políticas de saúde pública e futuros programas de prevenção e tratamento para os usuários de drogas.

 

Conclusões

Em resumo, a descrição de algumas características sociodemográficas permitiu identificar que as participantes estão inseridas em um contexto sociofamiliar cujo envolvimento com a droga e o contato com o sistema prisional podem ser vistos como fatores de vulnerabilidade social e criminal. Estima-se que a maioria das mulheres presas apresente uma relação direta com as drogas, seja no uso, seja na venda. Associado com baixa escolaridade e qualificação profissional de menor status socioeconômico, pode contribuir para um possível aumento dos delitos praticados.

A história pregressa dessas mulheres também parece estar associada ao uso, ao abuso e à dependência de substâncias ilícitas, como pode ter sido observado que as encarceradas com ocorrência de abuso físico ou sexual tiveram mais chances de desenvolver dependência de drogas do que as que não foram abusadas. Neste sentido parece que, para diminuir os índices de criminalidade e mulheres envolvidas com o sistema prisional, será preciso que os serviços de saúde mental estejam mais atuantes nas camadas mais populares, com um trabalho preventivo que envolva todo o núcleo familiar. Uma atuação junto aos filhos de mulheres encarceradas pode minimizar os efeitos da ruptura do vínculo mãe-filho, bem como o modelo da figura materna associada ao crime e o envolvimento com drogas. Como foi neste estudo que a maioria das mulheres é solteira e possui mais de dois filhos, os quais, geralmente, não vivem com a figura paterna.

Constata-se a necessidade de um investimento na prevenção e no tratamento para a dependência química na população em geral para evitar que a criminalidade continue se elevando drasticamente. Também se tornam necessários novos estudos com o objetivo de ampliar os resultados obtidos e, assim, contribuir para futuras intervenções no sistema prisional.

 

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Notas

R.M.F. Lopes
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D.C. Melo
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I.I.L. Argimon
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