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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.2 Rio de Janeiro ago. 2010

 

Artigo Científico

 

Abordagem neuropsicológica dos processos de orientação da atenção visuo-espacial e manutenção da concentração em atletas da categoria sub-13 de futebol de campo

 

Neuropsychological approach of the processes of orientation of the visuospatial attention and concentration maintenance on under-13 athletes of field soccer

 

 

Alberto Filgueiras

Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


Resumo

A atenção visual e a concentração são valências psicológicas que podem estar relacionadas com diferentes vias neurais e diferentes processos cognitivos. Com este trabalho pretendemos trazer à luz das Ciências do Esporte as contribuições de uma sessão de treinamento físico e de uma sessão de treinamento mental para a melhora da atenção visual e da concentração. Os resultados para a sessão de treinamento físico mostraram diferenças significativas na avaliação da concentração, mas não houve diferença significativa para processos bottom-up da atenção visuo-espacial. Todavia, os resultados para a sessão de treinamento mental mostraram diferenças significativas em ambas as situações. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 142-154.

Palavras-chave: atenção; treinamento físico e mental; neuropsicologia.


Abstract

The visual attention and concentration are psychological valences that can be related to different neural ways and different cognitive processes. With this work, we intend to bring, in the light of Sports Sciences, the contribution of a single physical training session and a single mental training session for the improvement of visual attention and concentration. The results for the physical training session showed significant differences on concentration assessment, but no significant difference for bottom-up processes of visuospatial attention. However the results for the mental training session showed significant differences on both situations. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 142-154.

Keywords: attention; physical and mental training; neuropsychology.


 

 

Introdução

A atenção enquanto função mental vem sendo alvo de diferentes abordagens teóricas dentro dos campos das Neurociências, Psicologia e Psicofísica. A atribuição do valor cognitivo à atenção visual é comum nas pesquisas científicas no âmbito do esporte que tendem, na contemporaneidade, a interpretar o fenômeno sob o prisma dos processos de alta ordem ou top-down, assim considerados como: operações centradas nas diretrizes internas do sujeito estabelecidas pelos processos cognitivos e influenciadas pela atividade mnemônica e de representações mentais (Pashler et al., 2001).

A atividade esportiva necessita da orientação e manutenção da atenção em estímulos relevantes ao longo do evento esportivo (Weinberg e Gould, 2001), todavia a atenção seletiva, cujos esforços de grande parte dos pesquisadores do desporto contemporâneos se fixam em teorias que abordam seus fundamentos, constitui um processo mental complexo que precisa ser investigado desde as características físicas do objeto (Chen, 1998; Khurana, 1998; Prinzmetal et al., 1998; Treisman, 1992), os processos atentivos top-down e bottom-up (Pashler et al., 2001; Rossini e Galera, 2006), sua manutenção ao longo de uma janela temporal significativa, isto é, concentração (e.g. Abes, 2006; Abes e Takase, 2007; Adriano, 2003; Bortoli et al., 2002) e atividade cerebral perceptiva visual e atencional (Faw, 2003; Kurtz et al., 2001; Kolb e Wishaw, 2002; Linden, 2005).

Rossini e Galera (2006) afirmam que a Atenção nos últimos vinte anos está sendo estudada sob duas perspectivas: processos top-down e bottom-up. Processos de alta ordem (Pashler et al., 2001), ou top-down, são aqueles que necessitam da atividade cognitiva a fim de traçar as metas para uma orientação desejável: eleger objetos relevantes para qual a atenção visual será orientada, estabelecer um controle inibitório de estímulos irrelevantes, criar relações com a memória visuo-espacial e com a imagética mental para executar a tarefa (Pashler et al., 2001). A atenção seletiva é explicada por Rossini e Galera (2006) como a capacidade de selecionar entre os estímulos percebidos no ambiente a informação mais relevante, suprimindo ou atenuando os demais. Estudos da topografia cerebral em eletroencefalografia (Kolb e Wishaw, 2002) mostram a ativação do córtex pré-frontal na execução de tarefas que envolvem a cognição. Os processos top-down (Pashler et al., 2001) envolvem a cognição, representação mental e atividade mnemônica, todos coordenados pelo córtex pré-frontal.

A concentração pode ser compreendida em dois momentos: (a) a atenção seletiva voluntária concentra seu foco na informação mais relevante do ambiente (Rossini e Galera, 2006), (b) sendo mantido ao longo de um evento esportivo (Samulski, 2002). O que podemos compreender é que a concentração envolve a orientação da atenção, em um primeiro momento, e sua manutenção ao longo de um período de tempo significativo. A partir desta abordagem teórica, entendemos uma diferença epistemológica no estudo da Atenção e da Concentração, aceitando que a atenção seletiva voluntária difere, por natureza, da definição de concentração. A concentração usa de fato a atenção seletiva como para manter seu foco ao longo de uma janela temporal, ou seja, suficiente para executar de forma satisfatória aquilo que se deseja. O córtex límbico (hipocampo e amígdala) parece estar relacionado à atividade de manutenção do foco atencional: a concentração (Kolb e Wishaw, 2002). Há evidências de sua ativação quando o sujeito é solicitado a realizar tarefas que exijam o controle atentivo por períodos de tempo prolongados.

Abes (2006) e Abes e Takase (2007) propõem estudar a precisão dos saques e o foco atencional de atletas na prática esportiva do tênis. A orientação da atenção se dá em estímulos externos e internos ao sujeito. A bola, a quadra e o posicionamento dos jogadores são estímulos externos, enquanto pensar sobre uma estratégia geral na partida ou utilizar a visualização mental para simular uma situação ou estado emocional desejável são processos internos (Abes e Takase, 2007). Percebemos que o autor mantém o foco do estudo nos processo top-down. O processamento das informações ambientais e proprioceptivas foi o objeto do estudo de Abes e Takase (2007) que buscaram estratégias para aumentar a capacidade de concentração dos atletas.

Adriano (2003), Bortoli e colaboradores (2002) pretenderam avaliar a influência de uma sessão de treinamento na concentração de atletas do Futsal, logo, estudaram um processo top-down seguido de sua manutenção por um tempo significativo. A avaliação (Adriano, 2003) foi feita a partir de uma tarefa que exige, basicamente, a atenção concentrada enquanto função executiva do córtex pré-frontal (Cormier et al., 1990; Lezak, 1995; Luria, 1984; Owen, 1997).

Sternberg (2008) lembra que os primeiros modelos teóricos da atenção, cujos experimentos passam por: William James, Edward Tichener, Donald Broadbent e Colin Cherry, tentaram explicar, basicamente, os processos de alta ordem, ou top-down, como preferem Pashler e colaboradores (2001). Todavia, as hipóteses destes pesquisadores acabaram por apresentar falhas e lacunas na tentativa de explicar os eventos relacionados à atenção humana (Rossini e Galera, 2006). Treisman (1960), então, propõe uma teoria integrativa dos processos cognitivos e perceptivos, isto é: os processos atencionais são dados de forma integrada com uma parcela processada automaticamente e outra parcela que usa o processamento cognitivo. Acompanhando esta teoria, Pylyshyn e colaboradores (1994) propuseram que a atenção usa vias múltiplas e paralelas no processamento de informações relevantes, isto é, processos bottom-up e top-down teriam vias paralelas para o tratamento da atenção.

Os processos bottom-up constituem na porção automática da atenção que envolve atividade perceptiva e neurofisiológica (Galera et al., 2007; Pashler et al., 2001). A atenção possui um processo específico que a orienta para determinados estímulos que são fisicamente predominantes em relação aos outros. Os circuitos neurais das áreas visuais V1 e V4 - responsáveis pela percepção visual de cor e formas - e do ramo ventral da região Tronco Encefálica do Lobo Temporal - responsável por parte do processamento visual de objetos complexos como luzes, rostos e mãos - são ativados quando estímulos de determinadas características entram na área de percepção visual e podem desencadear um processo de alteração automática do foco atencional (Kolb e Wishaw, 2002).

A atenção seletiva voluntária, que usa processos de alta ordem, a concentração, que usa ambos os processos, e a atenção automática, que usa processos bottom-up, possuem vias neurais diferentes. Pensamos que são construtos diferentes e podem ser avaliados por diferentes instrumentos.

As investigações sobre as características físicas do objeto levam a crer que existe influência desta variável na percepção do sujeito, porém igualmente na orientação da atenção, no controle inibitório e na capacidade de se manter concentrado por longos períodos temporais (Prinzmetal et al., 1998).

Khurana (1998) defende que há uma integração da percepção de forma e cor que influencia em tarefas que exigem a atenção visuo-espacial. Treisman (1992) ressalta que percepção e interpretação dos objetos se dão em dois momentos distintos: estritamente perceptivo e cognitivo.

Chen (1998) propôs estudar a influência da cor e da forma na orientação eficaz da atenção e tomada de decisão. Para tanto, preparou um teste de Tempo de Reação Manual (TRM) cuja tarefa consistia em responder o mais rápido possível na presença do estímulo alvo. Através de seu estudo, concluiu que quanto mais complexo e mais colorido o objeto, maior o TRM. Sua justificativa fundamenta-se na integração dos processos down-up de reconhecimento de objetos segundo as características físicas de cor e forma, com os processos top-down de inibição ou diminuição do foco atencional nos estímulos perceptivos irrelevantes à tarefa, capacidade de orientação da atenção correta referenciada pela pista e a manutenção da atividade atentiva ao longo da execução (Chen, 1998). Evidências próximas aos resultados de Chen (1998) foram encontradas por Galera e colaboradores (2007), Khurana (1998), Prinzmetal e colaboradores (1998), Treisman (1992), Wolfe e colaboradores (1990).

 

Método

Neste estudo, propomos verificar o impacto de sessões simples de treinamento físico e treinamento mental na atenção seletiva voluntária e na concentração de atletas do futebol amador levando em conta os processos top-down e bottom-up a realização das tarefas. De acordo com Kolb e Wishaw (2002), experimentos em animais evidenciam que é possível diminuir ou até mesmo extinguir a ativação neural dos circuitos responsáveis pelo foco atencional em estímulos irrelevantes durante a execução de uma tarefa, desde que o sujeito seja treinado com este objetivo (Kolb e Wishaw, 2002). O treinamento físico não tem como objetivo principal a concentração, porém Adriano (2003), Bortoli e colaboradores (2002) evidenciaram melhora no desempenho em tarefas de concentração após uma sessão de treinamento físico. O treinamento mental, por sua vez, mostra resultados nas habilidades mentais ao longo de períodos temporais maiores variando de dois a seis meses (Gould e Eillen, 1994; Orlick e Mccaffrey, 2007). Todavia, propomos verificar concentração e atenção seletiva voluntária visuo-espacial após apenas uma sessão de treinamento.

O delineamento experimental focou a avaliação de dois aspectos: concentração e orientação da atenção visuo-espacial. Para avaliar a orientação da atenção visuo-espacial utilizamos um protocolo adaptado de Chen (1998). Trata-se de um Teste de Compatibilidade Visuo-Espacial cujo escore obtido é o Tempo de Reação Manual (TRM) e o índice de Erros em cada tentativa.

O teste foi estendido por um período de execução significativo (total de 128 tentativas), levando em consideração o fator Erros de Execução para avaliar a capacidade de concentração dos participantes ao longo das sessões de avaliação. Consideramos que a concentração seria mantida caso não houvesse diferenças significativas nas Médias de Erro de todas as condições do experimento entre a primeira metade do teste (as primeiras 64 tentativas) e a segunda metade do teste (as últimas 64 tentativas).

Dividimos os atletas em dois grupos: aqueles que receberiam somente treinamento físico (TF; n=37) e aqueles que receberiam somente treinamento mental (TM; n=36). O treinamento físico consistiu em treinos de coordenação motora, atividades aeróbicas e futebol coletivo totalizando o tempo de uma hora e trinta minutos (Adriano, 2003; Gomes e Souza, 2008; Page, 2008). O treinamento mental foi realizado coletivamente e obedeceu a um protocolo de aprendizado de habilidades mentais que consistiu em trinta minutos de relaxamento muscular progressivo de Jacobson (Canter et al, 1975; Polonsky, 1997; Schlutter et al., 1980), trinta minutos de imagética mental (Lorey et al., 2009; Shoenfelt e Griffith, 2008) e trinta minutos de tarefas estímulo-resposta visuo-motoras (Studer et al., 2010, Saijo e Gomi, 2010).

O objetivo do estudo foi verificar diferenças entre os grupos na avaliação da concentração e orientação da atenção visuo-espacial nos dois níveis do experimento: antes e após uma sessão de treinamento.

Participantes

Setenta e três atletas do sexo masculino de 12 e 13 anos de idade (Média=12,20; EPM=0,42), sendo 59 de lateralidade manual direita (80,83%) e 14 de lateralidade manual esquerda (19,17%). Todos os participantes integravam times da categoria mirim (sub-13) do Estado do Rio de Janeiro. Foram divididos em dois grupos, conforme tabela 1: treinamento físico (TF) e treinamento mental (TM) que participaram de duas sessões de avaliação: antes do treinamento e depois do treinamento. Nenhum dos participantes relatou problemas visuais, não necessitavam de correção da visão ou apresentavam registros de daltonismo.

 

Tabela 1

Tabela 1 - Dados demográficos.

 

Os dados demográficos são dados por grupos experimentais. O grupo de treinamento físico (TF) apresentou média de idade de seus participantes de 12,41 anos (DP=0,52) com 30 participantes de lateralidade direita (81,09%) e 7 participantes de lateralidade esquerda (18,91%). O grupo de treinamento mental (TM) apresentou média de idade de seus participantes de 12,09 anos (DP=1,04) com 29 participantes de lateralidade direita (80,55%) e 7 participantes de lateralidade esquerda (19,45%).

Materiais e estímulos

O protocolo de Chen (1998) foi adaptado para o software Inquisit 3.0.2.0 (Millisecond Software) programado e rodado em doze computadores notebook PC Philco PHN 14122, com tela plana de 15 polegadas. Os computadores ficaram afixados em doze mesas com aparatos de fronte-mento a 57 centímetros do centro da tela calculados previamente. A programação foi feita da seguinte forma: para cada tentativa um ponto de fixação em forma de cruz aparecia no centro da tela, após 300 milissegundos uma pista era exposta ao examinado por 500 milissegundos antes do aparecimento de um estímulo que era exibido assim que a pista desaparecia. O Tempo de Reação Manual era coletado a partir do desaparecimento da pista. O sujeito deveria escolher entre o estímulo alvo (a letra T) e o estímulo não-alvo (a letra O). Os estímulos e as pistas eram apresentados tendo como fundo uma figura complexa com cores diferentes que formavam um X, e outra condição no qual uma figura na forma de V tinha apenas uma cor. Conforme o exemplo da figura 1, quatro condições foram estudadas e o TRM coletado: (1) condição compatível, quando a pista apontava para o local onde o estímulo alvo apareceria e tinha o fundo formado por duas cores, (2) condição incompatível, quando a pista apontava para o lado oposto para onde o estímulo alvo estava e tinha o fundo formado por duas cores, (3) condição inválida incompatível, quando não havia estímulo alvo e tinha o fundo formado por duas cores, neste caso o sujeito não deveria apertar botão algum, (4) condição válida compatível, a mesma situação da condição compatível, mas com apenas uma cor de fundo.

As cores utilizadas respeitaram os eixos ortogonais de contraste propostos por Gomes e colaboradores (2006) com os estímulos (letras T e O) e as pistas no nível máximo de azul - código hexadecimal #0000FF - as porções em forma de V das figuras de fundo expostas em nível máximo de amarelo - código hexadecimal #FFFF00 - enquanto o restante das figuras em forma de X (porção inferior) apareciam com nível máximo de vermelho - código hexadecimal #FF0000. O fundo da tela estava em nível máximo de preto - código hexadecimal #000000 - e o ponto de fixação em branco - código hexadecimal #FFFFFF.

 

Figura 1

Figura 1 - Exemplo do protocolo de Pistas expostas por 500 milissegundos e possíveis respostas das quais são coletados Tempos de Reação Manual (TRM) dos participantes. A letra T é o estímulo alvo, enquanto a letra O é o estímulo distrator. Todas as respostas exigiam que o participante pressionasse a tecla lateralmente correspondente ao estímulo alvo, todavia, quando este não aparecesse, o participante deveria aguardar 500 ms. até o início da próxima tentativa. As lateralidades foram equilibradas, isto é, na metade dos casos a pista e os estímulos apareciam de um lado e vice-versa.

 

Figura 2

Figura 2 - Exemplo do protocolo de aplicação da Condição Compatível (1) e da Condição Incompatível Inválida (4). Na última situação, caso o participante não responda em 500 milissegundos, a tentativa é considerada correta.

 

Procedimento

Todos os atletas fizeram o teste ao mesmo tempo e no mesmo ambiente tanto na avaliação anterior quanto na posterior aos treinamentos. Foram agrupados em 12 atletas por vez, devido à limitação do número de computadores, tendo sido divididos ao meio para cada grupo experimental, ou seja, 6 atletas que fariam ou fizeram o treinamento físico e 6 que fariam ou fizeram o treinamento mental. A mesma configuração de participantes foi mantida na primeira e na segunda sessão de avaliação, bem como o agrupamento experimental.

Os participantes eram instruídos a focalizarem sua atenção visual no ponto de fixação no centro da tela. As respostas relativas à compatibilidade visuo-espacial seriam dadas apertando a tecla A para o lado esquerdo e a tecla L para o lado direito em teclados padronizados ABNT 2. Cada participante, assim que posicionado no aparato de fronte-mento, era instruído a colocar o dedo indicador esquerdo sobre a tecla A e o dedo indicador direito sobre a tecla L, somente retirando a mão após a conclusão do experimento. Caso o participante errasse a resposta, aparecia um X em vermelho na parte inferior da tela e lhe era solicitado pressionar a tecla correta correspondente o mais rápido possível para corrigir seu erro. No caso de não haver estímulo alvo, levamos em consideração como erro caso o participante pressionasse qualquer tecla.

Os erros foram computados tendo como critério duas condições: erros de compatibilidade visuo-espacial e erros de antecipação. Erros de compatibilidade visuo-espacial foram considerados aqueles cuja resposta ocorria na tecla contrária a que deveria ser pressionada. Erros de antecipação foram considerados aqueles cujas respostas eram emitidas em menos de 100 milissegundos, e quando os participantes respondiam antes da janela temporal de 500 milissegundos na Condição Inválida Incompatível.

 

Resultados

Analisamos se havia diferenças significativas na variância entre as médias do TRM quando a pista apontava para o mesmo lado que o estímulo alvo, e quando a pista apontava para o lado contrário ao do estímulo alvo. Na Condição Inválida Incompatível, isto é, quando não havia estímulo alvo para responder, somente fizemos a atribuição de certo ou errado, sem levar em conta o tempo de reposta, caso esta acontecesse antes da janela temporal máxima de 500 milissegundos. Portanto, para a análise de variância, utilizamos somente as condições: Compatível, Válida Compatível e Válida Incompatível. Os dados da análise de variância foram feitos no software IBM SPSS Statistics 18.0 (IBM) representados por uma ANOVA de Medidas Repetidas que teve como variável experimental a média dos TRM dos dois grupos nas diferentes situações: antes e depois dos treinamentos, na primeira metade e na segunda metade de cada aplicação do teste, e em face das três diferentes condições da tarefa. Os resultados mostraram uma diferença significativa [F(2,71)=554,96; p<0,001] no efeito de variância dos níveis e das sessões de treinamento quanto às variáveis estudadas.

 

Tabela 2

Tabela 2 - Média (M) e erro padrão da média (EPM) dos tempos de reação manual.

 

Utilizamos o teste t de student para a análise post-hoc dentre os grupos, em função dos períodos Antes e Após o treinamento. Para o período Antes do treinamento: o Grupo do Treinamento Mental mostrou diferença significativa entre a Condição Compatível e a Condição Válida Incompatível [t(35)=5,69; p<0,01], contudo não houve diferença entre a Condição Compatível e Válida Compatível [t(35)=1,61; p=0,28] o Grupo de Treinamento Físico mostrou diferença significativa entre a entre a Condição Compatível e a Condição Válida Incompatível [t(36)=6,41; p<0,01], não aparecendo diferença significante entre a Condição Compatível e Válida Compatível [t(36)=1,73; p=0,21]. Para o período Após do treinamento: no Grupo de Treinamento Mental não ocorreu diferença significativa entre a Condição Compatível e a Condição Válida Incompatível [t(35)=2,19; p=0,17] e entre a Condição Compatível e Válida Compatível foi mantida a inocorrência de diferença [t(35)=1,89; p=0,24], todavia a variância se manteve para o Grupo de Treinamento Físico entre a Condição Compatível e a Condição Válida Incompatível [t(36)=4,59; p>0,01] e entre a Condição Compatível e Válida Compatível não houve variância significativa [t(36)=1,27; p=0,31].

 

Figura 3

Figura 3 - Médias dos Tempos de Reação Manual em função dos grupos experimentais e das sessões de coleta de dados antes e depois dos respectivos treinamentos. A diferença deu significativa para a Média do TRM entre as Condições Compatíveis (Compatível e Válida Compatível) em face da Condição Válida Incompatível na coleta antes dos treinamentos. Contudo, esta diferença foi suprimida após a sessão de Treinamento Mental (TM), mas se manteve após a sessão de Treinamento Físico (TF). * p < 0,01.

 

Para as médias de Erros de Execução da tarefa, isto é, quando a resposta ocorria do lado incompatível ao estímulo alvo ou quando havia antecipação, não consideramos a natureza do erro, compatibilidade ou antecipação, mas somente a média de erros para cada grupo em função dos períodos Antes do Treinamento e Depois do Treinamento. Tanto para a Primeira Parte (64 tentativas iniciais) e quanto para a Segunda Parte (64 tentativas finais) do teste. Uma ANOVA de Medidas Repetidas mostrou diferença significativa entre as condições [F(2,71)=58,81; p<0,01], havendo variância nas médias de erros entre as metades do experimento.

 

Tabela 3

Tabela 3 - Média (M) e erro padrão da média (EPM) de erros de execução por tentativa.

 

Novamente usamos o teste t de student para a análise post-hoc dentre os grupos, em função dos períodos Antes e Depois do treinamento. Antes do Treinamento, no Grupo de Treinamento Mental houve diferença significativa das médias de erros em função da primeira e da segunda metade do experimento [t(35)=21,49; p<0,05], ocorrendo o mesmo com o Grupo de Treinamento Físico [t(36)=25,18; p<0,05]. Todavia, no período Após do Treinamento, o Grupo de Treinamento Mental não apresentou diferença significativa nas médias de Erros de Execução [t(35)=16,79; p=0,34], ocorrendo o mesmo fenômeno com o Grupo de Treinamento Físico [t(36)=15,92; p=0,28].

 

Figura 4

Figura 4 - Média de Erros cometidos para cada 64 tentativas, num total de 128 tentativas ao longo do experimento. A primeira metade do experimento foram as 64 primeiras tentativas, subsequentemente, os demais constituíram a segunda metade do experimento. Houve diferença significativa entre a primeira metade e a segunda metade do experimento nos dois grupos experimentais antes das sessões de treinamento mostrando tendência na piora do desempenho ao longo da testagem. Contudo, após as sessões de treinamento, ambos os grupos mostraram melhora no desempenho na segunda metade do teste, suprimindo o efeito de piora e mantendo o desempenho parecido ao longo de todas as 128 tentativas. * p < 0,05.

 

Discussões

As evidências encontradas pela literatura da presença de processos bottom-up na orientação da atenção visuo-espacial (Chen, 1998; Khurana, 1998; Prinzmetal et al., 1998; Treisman, 1992; Wolfe et al., 1990) foram confirmadas em nosso estudo. O efeito da cor e complexidade da forma influenciou de maneira significativa nos TRM dos atletas em ambos os grupos. Todavia, observamos que o grupo de treinamento mental foi capaz de suprimir a predominância destes processos após uma sessão. Isto leva-nos a acreditar na existência de alguma atividade no treinamento mental capaz de regular a ativação das redes neurais responsáveis pelo processo bottom-up otimizando o desempenho, fato que não ocorreu com o treinamento físico que manteve, nos dois momentos de avaliação, evidências da influência da complexidade da forma e cor nos TRM coletados. De acordo com Kolb e Wishaw (2002) certos procedimentos experimentados em modelos de animais primatas podem diminuir ou até extinguir a ativação das regiões V1 e V4 em contato com estímulos irrelevantes se treinados. Contudo, imagina-se que isto ocorre ao longo do tempo, constituindo o treinamento do presente estudo tão somente um caminho que pode ser seguido, mas não contamos com evidências suficientes para afirmar que o protocolo de treinamento mental é capaz de extinguir os processos bottom-up. Recomendamos mais estudos que levem em conta acompanhamentos longitudinais de participantes para definir um treinamento correto e uma estratégia de adaptação aos estímulos irrelevantes do campo visual. Para maior aprofundamento do estudo, recomenda-se o uso de técnicas de neuroimagem e outros instrumentos capazes de avaliar funções neuropsicológicas.

Sobremaneira, os dados encontrados quando levamos em conta o construto concentração, confirmam que o treinamento físico é capaz de melhorar o rendimento de atletas (Adriano, 2003; Bortoli et al., 2002). Da mesma forma, o treinamento mental foi capaz de gerar resultados semelhantes no que tange a concentração mostrando que pode ser uma ferramenta interessante para desportistas em desenvolvimento. O experimento mostrou que, ao longo da primeira sessão de testes, os participantes de ambos os grupos tiveram uma queda no desempenho de acertos entre a primeira metade da tarefa e a segunda metade. Contudo, após uma sessão de treinamento, a concentração dos grupos melhorou, dirimindo evidências estatísticas da queda do rendimento.

Imaginamos, por consequência, que os processos de baixa ordem possam ser regulados de maneira mais eficaz através de um protocolo que envolva o treinamento mental como parte do treinamento de atletas em formação, o que diminuiria os tempos de resposta diante de ambientes visualmente complexos. Por outro lado, a concentração pode ser trabalhada tanto através de treinamentos mentais quanto físicos. Há evidências, destarte, que orientação da atenção visual e concentração são constructos diferentes, mas ambos influenciam no desempenho global em tarefas de TRM.

A importância de conhecermos os processos da atenção levando em conta todos os aspectos biológicos, psíquicos e físicos que os orientam é preponderante no desporto contemporâneo e acreditamos que a contribuição deste estudo perfaz-se no campo da divulgação junto às ciências psicológicas da capacidade de melhora do desempenho esportivo através de avaliações e treinamentos mentais com bases neuropsicológicas.

 

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Notas

Alberto Filgueiras
E-mail para correspondência: albertofilgueiras@yahoo.com.br.

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