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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.2 Rio de Janeiro ago. 2010

 

Resenha

 

Manual of linguística

 

Manual of linguistics

 

 

Bruna Rodrigues do Amaral; Danielle Gonçalves da€ Silva

 

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

 

 

Resenha de Martelotta, M.E. (org.). (2008). Manual de Linguística. 1ª Ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto.

 

Existem diversas formas de se pensar e compreender o fenômeno linguístico e é por essa razão que a Linguística constitui-se em uma área de estudo extremamente rica e complexa. Consciente dos percalços enfrentados pelos iniciantes dos estudos da linguagem, Mário Eduardo Martellota organizou o Manual de Lingüística, que apresenta aos estudantes de letras conceitos básicos da Linguística e de suas principais correntes teóricas, enfocando a relevância dessa disciplina que, não deve ser considerada apenas como uma teoria para discutir questões relativas à linguagem, mas como uma ciência com objeto de estudo e métodos de pesquisa próprios.

O livro divide-se em três seções. Na primeira, são apresentados conceitos básicos acerca da linguagem e da linguística, necessários à compreensão de estudos posteriores dentro dessa área de conhecimento. Na segunda, discutem-se as principais vertentes de estudos da Linguística, trazendo, ainda, em cada capítulo, uma breve contextualização da corrente teórica a ser abordada, como lugar e época de surgimento. Por fim, na última seção, abre-se o debate a futuras questões de pesquisa que possam surgir no percurso acadêmico do estudante ou, mais amplamente, que possam ter aplicações em termos de ensino.

Linguística e linguagem

Em Linguística, primeiro capítulo do livro, há uma exposição geral sobre o que vem a ser a Linguística a partir da apresentação de conceitos fundamentais à compreensão dessa disciplina. Aborda-se, por exemplo, a noção de linguagem que, embora seja comumente tomada como qualquer processo de comunicação, é entendida pelos linguistas como uma habilidade ou como uma capacidade própria dos seres humanos de se comunicar por meio de línguas. Para elucidar o fato da linguística apresentar diferentes escolas teóricas que compreendem o fenômeno da linguagem de maneiras distintas, os autores do capítulo apresentam um conjunto de características relacionadas à capacidade da linguagem humana, tais como: uma técnica articulatória complexa; uma base neurobiológica composta de centros nervosos que são utilizados na comunicação verbal; uma base cognitiva que rege as relações entre o homem e o mundo biossocial; uma base sociocultural que atribui à linguagem humana os aspectos variáveis que ela apresenta no tempo e no espaço; uma base comunicativa que fornece os dados que regulamentam a interação entre os falantes.

No capítulo Funções de linguagem, Mário Eduardo Martelotta aponta o quão difícil é determinar essas funções assumidas pela linguagem, uma vez que a aplicação das mesmas ocorre de forma distinta em diferentes situações da vida social. Dessa forma, o autor opta por analisar o tema sob a perspectiva da proposta de Roman Jakobson. Nessa abordagem, apresentam-se as tradicionais funções da linguagem, a saber, a emotiva, a referencial, a conativa, a fática, a metalinguística e a poética, ressaltando-se que, para compreendê-las, é preciso levar em conta os elementos constitutivos do ato de comunicação como o contexto apreensível pelo destinatário, um código que seja conhecido pelo remetente e pelo destinatário, um contato ou canal físico e uma conexão psicológica entre remetente e destinatário que permita a troca de informações.

No capítulo sobre a Dupla Articulação, Martelotta, pontua que a linguagem humana é considerada articulada, já que os enunciados não se apresentam como um todo indivisível. Por exemplo, os radicais, as vogais temáticas, os prefixos, os sufixos e as desinências constituem as menores unidades dotadas de significado em uma língua e a esses elementos dá-se o nome de Morfemas. Entretanto, existem as unidades ainda menores, os Fonemas, que, embora não possuam significado próprio, são capazes de distinguir significados entre as palavras. Assim, a atribuição do termo "dupla articulação" à linguagem faz sentido uma vez entendido que a linguagem humana manifesta-se através de sentenças constituídas de dois tipos diferentes de unidades mínimas: os morfemas e os fonemas.

Em Conceitos de Gramática, Martelotta apresenta por meio de alguns modelos teóricos como, ao longo da evolução dos estudos linguísticos, questões acerca do funcionamento da língua são abordadas. O primeiro modelo é o da Gramática Tradicional, que possui origem em uma tradição de estudos cuja base filosófica é a Grécia antiga. Dessa raiz manteve-se, entre outras coisas, a herança normativa de ditar padrões de uso da língua. Este capítulo também discorre sobre o modelo da Gramática Histórico-Comparativa que propõe comparar elementos gramaticais de línguas de origem comum a fim de detectar a estrutura da língua original. A Gramática Estrutural é apresentada pelo autor como um modelo teórico que tende a descrever a estrutura gramatical das línguas, vendo-as como uma rede de relações de acordo com leis internas, ou seja, inerentes ao próprio sistema. O quarto modelo descrito é a Gramática Gerativa, o qual assume que a natureza da linguagem é relacionada à estrutura biológica humana e, por isso, estuda a estrutura gramatical das línguas enquanto reflexo de um modelo formal de linguagem preexistente às línguas naturais. Por fim, Martelotta descreve um modelo teórico que analisa não somente a estrutura gramatical, como também a situação de comunicação inteira: a Gramática Cognitivo-funcional.

O capítulo Arbitrariedade e Iconicidade traz uma discussão sobre a relação entre a linguagem e o mundo que ela simboliza. Os autores Victoria Wilson e Martelotta destacam que o tema que é abordado desde a Grécia antiga por filósofos como Platão, Crátilo, Hermógenes e Sócrates, também encontra estudiosos modernos que se interessam pelo assunto, como o filósofo Charles Sanders Pierce que fundou a semiótica. Definida como a ciência dos signos, a semiótica de Pierce não só abrange a linguagem, como a comunicação e a filosofia. No âmbito da linguística, porém, ressaltam os autores, foi Ferdinand de Saussure quem realizou os estudos que sintetizaram a tradição clássica e moderna. Assim, Saussure reinterpreta o conceito de arbitrariedade, defendendo que o signo linguístico passa a ser o resultado da associação - arbitrária - entre significante (imagem acústica) e significado (conceito).

Motivações Pragmáticas é o capítulo em que se aborda a pragmática, apontando-a como vertente teórica que estuda a relação entre os signos com os intérpretes. Victoria Wilson apresenta dois estudos dentro do campo de investigação da pragmática. O primeiro constitui-se nas implicaturas conversacionais que se baseiam na intenção do falante. Fundada por H. P. Grice, essa teoria estabelece que, na comunicação, nem sempre os falantes dizem algo que corresponde à realidade, ou a realmente àquilo que se quer dizer. Com base nesse argumento, Grice elaborou o princípio de cooperação que formula que o falante dê sua contribuição na conversação, atendendo ao que é exigido e no momento em que é exigido. E a partir desse princípio geral, resultam quatro máximas que são: Máxima da quantidade (seja informativo), Máxima da qualidade (seja verdadeiro), Máxima da relação (seja relevante), Máxima do modo (seja claro). O segundo estudo apresentado pela autora é a Teoria dos atos de fala, que entende os enunciados como uma unidade mínima de ação.

Abordagens linguísticas

O capítulo sobre Estruturalismo expõe as propostas advindas do legado de Saussure e também de Leonard Bloomfield. Ao discutir como se deu o estruturalismo de Saussure no âmbito da linguística, enfatiza-se o surgimento dessa corrente e de seus conceitos fundamentais. O autor do capítulo Marcos Antonio Costa opta por tratar das "dicotomias" que surgem em decorrência do corte saussuriano: língua/fala, sincronia/diacronia, significante/significado, motivação/arbitrariedade e paradigma/sintagma, bem como das opções metodológicas feitas pelo linguista suíço no estudo da "língua". Costa não deixa de notar a mudança que se opera, a partir de Saussure, em relação à visão da linguagem, que passa a ser o objeto central de estudo da linguística. Após a apresentação destes conceitos, que serviram de base para a Linguística Moderna, passa-se a apreciação de como se desenvolveu o estruturalismo em sua vertente norte-america, encabeçado por Bloomfield. Para finalizar, Costa busca mostrar pontos de convergência que fizeram com que tanto o distribucionismo de Bloomfield como a linguística de Saussure coubessem dentro do "rótulo" do Estruturalismo.

O capítulo sobre Gerativismo, escrito por Eduardo Kenedy, inicia destacando o surgimento do pensamento gerativista que começa a ganhar corpo a partir da resenha escrita por Chomsky sobre a obra Comportamento Verbal, de Skinner. Kenedy apresenta os principais aspectos do modelo teórico gerativista e, dentre as elaborações desse modelo (que começa com a gramática transformacional), enfoca a teoria de Princípios e Parâmetros, criada para descrever o funcionamento e a organização da Gramática Universal. Apresenta-se, ainda, uma rápida visão da atualização da teoria dos Princípios e Parâmetros, fase conhecida como Programa Minimalista. O capítulo termina citando a relação que se quis criar entre genética e linguagem, com a discutida descoberta do gene FOXP2. Nesse subtópico, é colocada de forma bastante parcial a questão da crença na hipótese de existência do FOXP2 como um gene controlador da linguagem humana. Tal apontamento constitui um problema se se considerar todos os questionamentos tanto em relação à parcela de influência que o referido gene teria em pequenos aspectos da linguagem como da própria família que serviu de gatilho para a discussão dessa questão 1.

No capítulo que trata da vertente Sociolinguística, os autores Maria Maura Cezario e Sebastião Votre optam por abordar o tema sob a ótica da Sociolinguística Variacionista, que tem em William Labov a figura de seu precursor. Além de uma definição e breve contextualização do tema, são apresentados conceitos básicos para a manipulação dessa teoria como o de variante e variável. Tais conceitos têm uma vantagem em termos de sua compreensão em função do número de exemplos apresentados pelos autores para facilitar a exposição do assunto. A preocupação principal do capítulo parece centrar-se no estreitamento das relações entre linguagem e sociedade, possibilitadas pelo estudo da sociolinguística, bem como tratar de alguns procedimentos metodológicos que subsidiam esse tipo de análise.

No capítulo sobre o Funcionalismo, aapontam-se algumas das principais distinções entre as correntes formalistas e àquelas de cunho funcional, enfocando-se os propósitos comunicativo-interacionais da linguagem dessas últimas, o que ampliou a reflexão sobre o fenômeno linguístico. Angélica Furtado da Cunha faz, ainda, uma distinção entre o funcionalismo desenvolvido na Europa e o de cunho norte-americano, destacando algumas categorias importantes de análise da língua desses estudos como tema/rema, perspectiva e sistema emergente. Para discutir mais detalhadamente algumas categorias de análise da perspectiva funcionalista, como a iconicidade, a informatividade, a marcação, a transitividade e o plano discursivo e o processo de gramaticalização, a autora apresenta um grupo funcionalista atuante no Brasil, denominado Discurso e Gramática, para mostrar como o grupo trabalha com os aspectos mencionados.

Mário Eduardo Martellota e Roza Palomanes começam o capítulo sobre Linguística Cognitiva (LC) enfatizando a importância de Chomsky no surgimento dessa área de pesquisa, já que é por meio dos estudos gerativistas que a relação entre a linguagem e os fenômenos de natureza cognitiva é colocada como uma questão central. É a partir, então, do questionamento de muitos dos pressupostos da teoria gerativa que se começa a construir um programa de trabalho para a LC. O capítulo evoca, assim, alguns dos princípios básicos dessa nova abordagem da linguagem como a importância do sujeito na construção do significado, a ruptura com a ideia de modularidade (o que propicia o entendimento do pensamento como algo corporificado), além do novo modo de se pensar como o conhecimento se organiza no nosso cérebro e de que forma ele é ativado (cabendo-se aqui, por exemplo, a noção de figura/fundo, domínios conceptuais etc.). O capítulo finaliza com a apresentação do princípio de projeção, que está embasado na teoria da metáfora conceptual de Lakoff e Johnson, e com a teoria da mesclagem (que é uma evolução da teoria dos espaços mentais), de Faucunnier e Turner, que tenta explicar a efetivação do princípio de projeção.

O capítulo sobre Linguística Textual, no qual, segundo a autora Mariangela Rios de Oliveira, o enfoque deixa de ser a questão da linguagem em si e passa a ser o texto, traz uma breve contextualização da disciplina e da dificuldade de determinar características precisas de delimitação do seu objeto de análise. Oliveira centra-se, na maior parte do capítulo, em duas propriedades fundamentais do texto: a coesão e a coerência, discutindo e exemplificando seus mecanismos de realização de ambos os aspectos.

Aquisição, processamento e ensino

No capítulo Aquisição da Linguagem, são apresentadas as três principais hipóteses que tentam explicar como se dá o processo de aquisição das línguas. São elas: o interacionismo social de Vygotsky, o congnitivismo construtivista de Jean Piaget e a hipótese behaviorista que defende que os conhecimentos são adquiridos através das experiências vividas. Ao inatismo é dado maior atenção, pois, segundo Maria Maura Cezario e Martelotta, autores do capítulo, a descrição desta proposta aprofunda algumas noções da linha teórica gerativista que é bastante estudada nos Cursos de Letras.

Psicolinguística experimental: focalizando o processamento da linguagem é o capítulo que trata da parte do processamento da linguagem, mais especificamente do processamento de sentenças e da co-referência. É feito inicialmente um rápido histórico do surgimento e da evolução da Psicolinguística e, a diante, foca-se na parte experimental dos estudos psicolinguísticos. São discutidos, então, modelos teóricos robustos de processamento da sentença como a teoria do garden-path ou o modelo conexionista. Márcio Martins Leitão, autor do capítulo, finaliza seu texto com a discussão de dois tipos de experimento, on-line e off-line, sobre a questão da co-referência. A riqueza desse tipo de exemplo está no fato de que, ao apresentar esses modos de experimentação, o autor leva ao conhecimento do leitor não só técnicas experimentais (como self-paced reading ou priming) como a possibilidade de visualizar aplicações para futuras questões de pesquisa que possam surgir no percurso acadêmico do estudante.

Por último, o livro dedica-se ao estudo da interface Linguística e Ensino. Mariângela Rios de Oliveira e Victoria Wilson discutem concepções de linguagem e suas contribuições ao ensino de línguas. Uma delas é a concepção funcional e pragmática de estudo da linguagem, que vê o fenômeno linguístico como produto e processo da interação humana, da entidade sociocultural. Em termos de ensino, essa concepção contabiliza algumas contribuições para o ensino-aprendizagem de línguas. Entre elas, é possível citar os estudos variacionistas - abordagem vinculada ao funcionalismo - influenciaram o fato de as aulas de português voltarem-se para uma observação e análise de usos específicos da língua, o que acarretou na superação do tratamento estigmatizado de alguns usos linguísticos.

É possível perceber que Manual de Linguística configura-se como uma grande contribuição ao estudo da linguagem, pois, ao apresentar conceitos básicos acerca da Linguística e de suas vertentes, estimula o estudante a aprofundar-se nesse campo pesquisa, além de possibilitar a continuidade de seus estudos. Com uma linguagem simples e objetiva, os temas são abordados de forma concisa e ainda são oferecidos, ao final de cada capítulo, exercícios que contribuem para a compreensão e a fixação do conteúdo.

 

Referência bibliográfica

Levinson, S.C.; Borges, L.C. e Mari, A. (2007). Pragmática. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

 

 

Nota

Bruna Rodrigues do Amaral
E-mail para correspondência: brunaramaral@gmail.com.

(1) Ver a esse respeito discussões como a disponível na Revista da Educação Pública, no endereço: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/portugues/0002.html.

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