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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.3 Rio de Janeiro dez. 2010

 

Ensaio

 

Origem motriz da linguagem sonora dos homens: um estudo exploratório

 

Driving source of sound-language in men: an exploratory study

 

 

Sylvia Beatriz Joffily

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


Resumo

Desde a antiguidade e em todas as civilizações os homens compartilham com seus antepassados o desejo de conhecer detalhes de sua origem. A necessidade de mergulhar nos primórdios de sua existência, nascida com as primeiras luzes da reflexão mental, é tão poderosa que se espalha por diferentes áreas do conhecimento científico. Um dos grandes enigmas da espécie humana refere-se à origem de sua linguagem oral simbólica. Neste ensaio, lança-se mão de alguns dos principais achados das pesquisas etimológicas e neuropsicológicas cognitivas para acompanhar os primeiros passos de uma provável origem motriz da linguagem sonora dos homens. Com base em teorias neuropsicológicas cognitivas retrocede-se ao instante em que a linguagem humana era apenas um conjunto de gestos e de sons partilhados e ao "acidente motor" que teria inaugurado a comunicação oral consciente nos homens. A pesquisa etimológica de uma antiga raiz indo-européia, o eis desvela o sentido motor primordial de inúmeros vocábulos contemporâneos. Considerada pelos etimólogos, devido a sua dimensão e complexidade, uma das mais abrangentes e antigas raízes linguísticas, o eis representava o impulso ou ímpeto motor que regia o comportamento dos nômades. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 062-068.

Palavras-chave: Linguagem motriz; Linguagem sonora; Etimologia; Neuropsicologia cognitiva.


Abstract

Since ancient times and in all civilizations men share with their ancestrals the desire to know details of their origin. The need to immerse in the early days of its existence, born with the first mental reflection lights, is so powerful that spreads over different areas of scientific knowledge. One of the great enigmas of the human species refers to the origin of its symbolic oral language. This essay discusses some of the main findings of etymologic and cognitive neuropsychology studies in order to track the first stages of a probable origin of sound language in men. Based on cognitive neuropsychology theories, we track back the moment when the human language was only a set of gestures and shared sounds and the "motor accident" that had instantiated the conscious oral communication in men. The etymological search of an ancient Indo-European root, the eis has explicited the primordial motor sense of countless modern words. Considered by etymologists, due to this breadth and complexity, one of the most extensive and ancient linguistic roots, the "eis" represents the driving force that ruled the nomads behavior. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 062-068.

Keywords: motor-language; sound-language; etymology; cognitive neuropsychology.


 

 

Introdução

Para se conhecer as primeiras etapas evolutivas de uma língua faz-se necessário retroceder ao instante em que ela é apenas um conjunto de gestos e sons partilhados. Instante no qual a sua expressão oral e atividade motriz permanecem indistinguíveis. Portanto, para Bordelois (1934/2007) investigar etimologicamente uma língua é o mesmo que observar, através de diferentes modelos metodológicos, a sua origem e evolução. Entretanto, para este estudioso, este não é um processo estático, que vise apenas recuperar concretos e abstratos elementos pretéritos, pois no momento em que são resgatados e interpretados à luz do moderno pensamento científico aqueles elementos se alteram.

Nesta ocasião, pretende-se, através da argumentação neuropsicológica cognitiva e etimológica, resgatar os elementos motrizes constituintes da linguagem oral dos homens.

 

Argumentação neuropsicológica cognitiva

Se o processo comunicativo pressupõe a ação de um cérebro sobre outro e se estruturas físicas como cérebros só se intercomunicam através de instrumentos mediadores, toda e qualquer investigação a respeito do instrumento que a natureza concedeu à espécie humana para mediar a sua comunicação externa - a linguagem articulada - é instigante.

Para Laks (2002), só através do sinal acústico da fonação os homens escapam do funcionamento interno encefálico. Porém, na visão de Corballis (1991, 2002), a linguagem falada, como descrita por Laks (2002), resultaria de um longo processo evolutivo. Ao contrário do controle gestual manual de caráter voluntário e cortical, a vocalização dos grandes primatas é subcortical, emocional e involuntária. Corballis (2002) defende o caráter gestual e não sonoro da primitiva linguagem dos hominídeos. Uma recente descoberta na área da neurociência fortalece esta hipótese. Gallese e colaboradores (2004) defendem que o processo de pré-adaptação linguístico tem inicio no momento em que os "neurônios espelho" entram em ação. Pesquisando o cérebro de macacos, Rizzolatti e colaboradores (2001) constataram a existência de um grupo de células no córtex frontal, área F5, que se ativam, indiscriminadamente, tanto quando os animais movimentam as suas mãos para pegarem alimentos colocados sobre uma bandeja, como quando observam seus pares ou pesquisadores executarem os mesmos gestos. Como a atividade destas células reflete a atividade neural motriz do cérebro de um outro, Rizzolatti (1998) denominou-as: "neurônios-espelho". Mais tarde comprovou-se que tais neurônios também existiam no cérebro dos homens.

Baseado nesta descoberta e em teorias paleoantropológicas, as quais defendem ter sido a linguagem um processo inicialmente gestual e só posteriormente sonoro, Rizzolatti (1998) - apoiado na tese de MacNeilage - elabora a hipótese do sistema de espelhamento para a evolução da linguagem. Segundo esta hipótese, um "acidente motor" teria inaugurado a comunicação linguística. Um "colapso acidental" no sistema inibidor motriz de um hominídeo deixou que a ativação dos neurônios-espelho reproduzisse concretamente em seu corpo a movimentação observada no corpo de um congênere. Rizzolatti (2005) atribui a este inesperado espelhamento a capacidade de reconhecer conscientemente intenções motoras de um outro. Segundo Edelman (1992), seres que só dispõem de consciência primária para elaborar imagens mentais, sendo, portanto, incapazes de observá-las a partir de um ponto de vista sócio/espacial, não desenvolvem linguagem abstrata ou simbólica. Para Edelman, o surgimento da linguagem oral/simbólica decorre da interação social que se estabelece entre o eu e o não-eu. Para ele, seria a interação e a especialização de certas áreas cerebrais corticais como as áreas de Broca e de Wernike e o estabelecimento de ligações reentrantes entre as áreas acústicas, motora e conceitual que, inaugurando um novo tipo de memória, teria possibilitado a categorização e a organização dos fonemas que constituem a linguagem oral/simbólica dos homens. Também para Jäger (2001), o que possibilitou aos homens intuírem as intenções comportamentais de seus pares teria sido a denominada "consciência on-line", a qual se opõe à "consciência off-line". Somente através da "consciência off-line" os homens poderiam identificar em si mesmos a fonte de seus pensamentos e de suas ações. Seguindo este mesmo raciocínio, Maturana (2002) considera que a autoconsciência emerge do espaço relacional instituído pela linguagem pertencendo, portanto, ao âmbito das coordenações da ação, e, para Rizzolatti (1998), o gesto só adquire o caráter atemporal que caracteriza a linguagem sonora dos homens após a instalação da consciência.

O fato da área cortical cerebral envolvida neste processo (F 5) ser a mesma que nos homens responde pela articulação das palavras (área de Broca) e o fato do sulco superior do lobo temporal (Sulcus Temporalis superior, STS) - próximo à área F 5, envolvido na intermodalidade viso/manual, que caracteriza o processo comunicativo on-line dos macacos - ser o mesmo que no cérebro humano responde pela interpretação dos signos linguísticos (área de Wernick), reforça esta hipótese.

Segundo Laks (2002), o caráter estrutural relacional recíproco e hierárquico da expressão sonora - que dá origem a complexa, abstrata e universal arquitetura linguística humana - não possui o caráter sequencial das contas de um colar, pois para esse pesquisador, a competência universal linguística presente na criança desde a fase de balbucio, decorre do processo relacional assimétrico que acontece entre o núcleo vocálico e as inúmeras consonâncias que o seguem e o antecedem. Apesar das diferenças existentes entre a fonética - ciência que se dedica à análise e descrição do aspecto físico, articulatório e auditivo do sinal sonoro - e a fonologia - ciência que se dedica a analisar a maneira pela qual os signos sonoros são representados (armazenados, codificados e decodificados) na mente dos locutores -, Berthoz (1997) defende a origem motora da função linguística, pois para ele, a ação intencional e não a linguagem estaria na origem dos processos cognitivos superiores.

Segundo van der Veer e Valsiner (1999), tanto Vigotsky quanto Sechenov e Watson achavam que na origem dos processos cognitivos superiores dos homens estava a atividade muscular. Entretanto, para Pinker (1999) seria, sobretudo, o caráter dinâmico e inato da linguagem que os impulsionaria a interpretar, categorizar e predizer os fenômenos mundanos.

Já na visão ontogenética de Boysson-Bardies (2005), a linguagem seria, inicialmente, um processo bem mais acústico do que linguístico, pois para ela, a criança só se tornaria capaz de reconhecer os diferentes significados atribuídos à forma sonora, no momento em que pronuncia as primeiras palavras. No instante em que compreende que os sons não só revelam intenções, mas, também, fornecem informações a respeito dos objetos, situações e pessoas, a sua realidade se transforma, facilitando, desta forma, a vida em sociedade -.

Como para Benoist (1975), as primeiras palavras surgem das ações motoras embrionárias que germinam no espaço corporal, para ele as metáforas verbais são valiosos e polivalentes instrumentos táteis, somestésicos e proprioceptivos. Neste sentido, Benoist destaca algumas habilidades manuais: a detecção de estímulos, a produção de objetos, a expressão de sentimentos, a alteração do mundo externo e a criação de símbolos linguísticos.

 

Argumentação etimológica

Nesta ocasião, recorre-se à análise etimológica para enfatizar o papel desempenhado pela motricidade corporal no surgimento das palavras.

O sentido originário do vocábulo cognição reflete o movimento intencional realizado por um membro, braço ou mão, que se estende para alcançar ou pegar algo no espaço externo. Neste caso, o cérebro agiria como uma mão que capta nos espaços interno e externo estímulos virtuais. Já o verbo latino cogitare (cum-agitare), cogitar, agitação ou ativação mental, derivar-se, segundo Benoist (1975), do ato de sacudir, simultânea e concretamente, objetos.

A origem do verbo pensar também é física e motriz. O seu correlato latino, pendere, corresponde ao verbo pesar, movimentação corporal de pegar, suspender, ou arrastar volumes. Com o tempo, o caráter físico e concreto deste verbo se abstrai e sutiliza até designar, na atualidade, a capacidade humana de avaliar ou mensurar conteúdos mentais. A palavra inteligência derivada do verbo latino intelligere (inter = entre e legere = colher, reunir, apanhar entidades concretas) designa, na atualidade, tanto a função inteligente de tomar decisões, de fazer escolhas mentais como a de ler - reunir letras com os olhos.

O verbo computar, cuja origem latina putare (limpar; purificar; esclarecer), está, segundo Benoist (1975), intimamente relacionada ao verbo pureis, do lit. piáuti (cortar árvores), só posteriormente adquire o sentido de computar, analisar ou fracionar objetos mentais.

A raiz latina secare (fazer sinais por incisões), presente na palavra signo (marca ou sinal), é a mesma encontrada no verbo serrar e no vocábulo inglês scissors (tesoura). Referindo-se, originalmente, às marcas deixadas nas árvores pelas mãos dos homens, ela também está presente na palavra latina scire (saber); no verbo sânscrito chati (ele corta); no vocábulo irlandês scian (faca), todos dotados com o sentido de corte, divisão, afastamento. As palavras consciência, ciência e derivados surgem da versão anasalada scien. (Hecker et al., 1984).

O primitivo significado da palavra ciência pressupondo a ação de separar, afastar, adquire, com o tempo, o sentido de função mental predominantemente humana - analisar e categorizar conhecimentos. Consciência define, portanto, o afastamento psicológico que permite aos homens avaliar, refletir e contextualizar - de forma objetiva e imparcial - estímulos externos e internos.

Se, de forma geral, a moderna análise etimológica considera a função motriz como a precursora da produção simbólica humana, para Aristóteles (1984) seriam as mãos o seu principal instrumento. A proposta de Aristóteles encontra respaldo na correlação existente entre o verbo dizer e o gesto de apontar com as mãos ou com os dedos. Utilizando o dedo indicador para chamar atenção de seus pares para algo que queriam ou precisavam destacar no contexto ambiental externo, hominídeos - ainda desprovidos de linguagem sonora - costumavam dizer com o dedo.

É neste sentido que para Corballis (2002), a mímica corporal, com ênfase na manual, estaria na origem da comunicação oral dos homens. Reconhecendo o gesto como o mais fiel tradutor da forma e da posição das coisas no espaço externo, Corbalis considera a "linguagem sonora" apenas um eficaz, econômico e tardio substituto da primitiva "linguagem motriz". Porém, enquanto a "linguagem motriz" exige a presença concreta de três diferentes entidades: locutor, interlocutor e assunto em pauta; a "linguagem sonora" dispensa, não só a presença visuo/tátil do interlocutor, como também, a presença concreta do assunto a ser tratado. Apta a reproduzir, de forma virtual, simbólica e profunda, conteúdos reais e estados emocionais de ocorrências presentes, pretéritas e futuras, a "linguagem sonora", através de onipresentes signos, permite ao ser cognoscitivo libertar-se dos estreitos e efêmeros limites espaço/temporais do aqui e agora.

Entretanto, a linguagem motriz ou gestual não deve ser considerada menos importante uma vez que a sua qualidade silenciosa pode ter sido, em certas situações, extremamente vantajosa. O caráter direto, eficaz e silencioso desta linguagem é vital, sobretudo para quem necessita, como os antigos hominídeos, comunicar-se sem fazer barulho. Segundo Garcia-Rosa (1990:30),

"Num tempo em que a cultura grega era ainda fundamentalmente, ou exclusivamente, oral, a palavra não era dissociável do gesto e das condições de enunciação, como também não o era do sistema de representações religiosas. Não havia, nessa época, distância entre a palavra e os demais planos da realidade. A palavra não barrava o real e nem se constituía como um desvio deste, mas era parte integrante do mundo natural e capaz de interagir com ele em termos causais. Daí ela ser marcada pela eficácia: uma vez articulada, a palavra se converte em potência, força e ação."

Iverson e Goldin-Meadow (1998) analisam a importância do caráter motor da comunicação gestual em uma pesquisa com cegos e videntes. Nesta ocasião, elas constataram que embora os cegos estivessem impossibilitados de ver e, consequentemente, de reproduzir os gestos dos demais, a sua gesticulação manual não diferia muito da gesticulação dos participantes videntes. Para Iverson e Goldin-Meadow, este fato sugere que os indivíduos, cegos e videntes, dispõem de uma inata e incipiente linguagem gestual, a qual de alguma forma embasa a linguagem oral que utilizam.

Para Coballis (2002), achados como os descritos acima - somados à evidência de serem as áreas cerebrais ativadas pela linguagem oral às mesmas que se ativam durante a linguagem gestual utilizada pelos surdos - reforçam a hipótese da origem motriz da linguagem sonora dos homens. Esta hipótese apóia-se também no fato de que lesões no córtex cerebral esquerdo de surdos, usuários da linguagem de sinais, geram dificuldades de sinalização comparáveis as que ocorrem na fala dos sujeitos usuários da linguagem oral. Por exemplo, lesões na parte anterior do córtex cerebral (área de Broca) provocam distúrbios na produção de sinais, enquanto que lesões em áreas mais posteriores (área de Wernick) provocam dificuldades na compreensão dos sinais manuais.

Refletindo sobre o caráter corporal primordial da linguagem humana, o prêmio Nobel da literatura de 1993, John Maxwell Coetzee (2003:61), ressalta o valor da literatura sul africana da seguinte maneira:

"um romance que se manteve em contato com a voz humana e, portanto, com o corpo humano, um romance que não é desencarnado como o romance ocidental, mas expressa o corpo e a verdade do corpo, é apenas outra maneira de expor a mística do africano como último depositório das energias primais humanas."

Considerando-se a afirmação de Lampreia (1999), segundo a qual não é o pensamento que determina o significado das palavras, mas as regras sociais que normatizam o seu uso em determinados contextos, propõem-se acompanhar a análise que Bodelois (2007) faz a respeito da raiz indo-européia eis. Considerada pelos etimólogos, devido a sua abrangência e complexidade, uma das mais abrangentes e antigas raízes linguísticas, ela está presente em palavras dotadas de sentido motriz, veloz e sagrado. Segundo Bordelois, a raiz eis vincula-se, inicialmente, ao impulso ou ímpeto motor. Um excelente exemplo desta vinculação encontra-se no verbo ir, do latim ire, carregado da energia que caracteriza a movimentação espacial dos povos nômades da Ásia e Europa. A ascendência semântica da raiz eis, ainda de acordo com Bordelois equivale a da raiz hieros da língua grega. Nas línguas clássicas, hieros possui o sentido de sagrado, ou melhor, de algo tomado ou tocado pelos deuses. Dentre as várias palavras descendentes da raiz hieros têm-se: hierático (sagrado), hierofante (sacerdote grego que iniciava os mistérios de Ceres), hierarca (chefe superior eclesiástico), hierarquia (ordem ou gradação de pessoas ou coisas) e hieróglifo (signo sagrado ou esculpido).

Vegetti Finzi (1998) identifica na fala emocionada de Aquiles (Homero, VIII a.C./2003) o mesmo sentido motriz, divino e passional que envolve a raiz indo-européia eis pois, para ele o que faz o homem se reconhecer como um ser intencionalmente motriz é a resposta emocional decorrente da ameaça comportamental alheia. A mesma expressão poética referenda a emoção gerada pelo "acidente motriz" pré-histórico que, segundo Rizzolatti (2005), deu origem à consciência primária de si e do outro. Para Bordelois (2007), a origem de tal consciência, representada linguisticamente pela vogal e, refletiria a sensação de cansaço e de desânimo que acometia os povos nômades. A mesma sensação de desalento encontra-se nas raízes ei; ir; el e er, as quais se referem a ação de mover, origem do verbo errar (vagar). Por sua vez, a raiz eghs, movimento dirigido para o exterior, dá origem ao prefixo ex, que tanto no grego quanto no latim, adquire o sentido de estar fora. Ainda segundo o mesmo Bordelois, através da interpretação etimológica destas raízes os ecos do passo acelerado ou da corrida desenfreada dos povos nômades indo-europeus podem ser recuperados. Rosenstock-Huessy (2002:69-70) atribui ao "campo de força" que a linguagem estabelece entre diferentes gerações a qualidade preditiva e executiva que caracteriza as funções cognitivas superiores dos homens. Neste caso, pode-se inferir que a raiz eis, cerne de inúmeros vocábulos que indicam a atividade corporal humana, desempenha duas funções fundamentais: como elemento transmissor de informações unitário e como instrumento instigador da vontade, possibilitando que os homens baseados nas experiências motrizes de seus antepassados enfrentem e superem os seus cotidianos obstáculos existenciais. É esta última função que a fala certeira de Creonte, personagem da tragédia grega Antígona de Sófocles (441a.C./ 2008: 208) revela quando afirma que "Não é possível conhecer perfeitamente um homem e o que vai profundo em sua alma, seus sentimentos e seus pensamentos antes de o vermos no exercício do poder, senhor das leis.", ou seja, em ação.

 

Referências Bibliográficas

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Notas

Sylvia Beatriz Joffily
Endereço para correspondência: Laboratório de Cognição e Linguagem (LCL), Centro de Ciências do Homem (CCH), Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Campos dos Goytacazes, RJ 28.013-602. Brasil.
E-mail para correspondência: joffily.uenf@gmail.com.