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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.3 Rio de Janeiro dez. 2010

 

Artigo Científico

 

Memória e representação: imagens nos livros didáticos de física

 

Memory and representation: images in the physics textbooks

 

 

Guaracira GouvêaI; Carmem Irene Correia OliveiraII

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil;
IIPrograma de Pós-Graduação em Memória Social e Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


Resumo

Em nossas investigações, temos como referência a noção de síntese informacional, no âmbito da representação, quando discutimos o uso de imagens no campo das ciências, tendo em vista sua relação com os fenômenos que representa e com os conceitos que tem por objetivo materializar, em nosso trabalho, nos livros didáticos do ensino de física. Abordar o estatuto das imagens no contexto do livro didático implica considerar que há um processo comunicacional elaborado por um conjunto de atores sociais que constroem representações acerca de uma determinada informação científica e que exige por parte do leitor determinadas formas de produção de sentidos no processo de construção de conhecimento. Nosso campo empírico se constitui dos livros didáticos de Física, neste trabalho, trazemos as análises de imagens de cinco produções, respectivamente, dos anos de 1910; 1920-1930; 1958; 1976; 2007. Observamos que a mudança nas práticas de ensino de ciências é acompanhada por modificações nas formas de representação das imagens e na explicação dos conceitos e fenômenos, no entanto, algumas formas se mantêm, constituindo-se na memória social do ensino de física. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 069-083.

Palavras-chave: imagem; livro didático de física; ensino de física; memória; representação.


Abstract

In our work with textbooks of physics teaching, when we discuss the use of images in science relationship with the phenomena it represents and with the concepts that aims to materialize, we have as reference the notion of informational synthesis. Discuss the status of images in the context of the textbook implies considering that there is a communication process developed by a group of social actors who construct images about a specific scientific information and that it requires from the reader a production of meaning in the process of developing knowledge. Our corpus are the Physics textbooks. We present the analysis of images in five textbooks, respectively, of the years 1910, 1920-1930, 1958, 1976, 2007. We observe that the variation in the practices of physics teaching is accompanied by variations in the images and the explanation of concepts and phenomena, but some forms remain, constituting the social memory of teaching physics. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 069-083.

Keywords: image; textbooks of physics teaching; physics teaching; memory; representation.


 

 

Introdução

Em nossas investigações, temos a perspectiva da noção de síntese informacional, no âmbito da representação, quando discutimos o uso de imagens no campo das ciências, considerando sua relação com os fenômenos e conceitos que representa com objetivo de materializá-los em diferentes suportes. Neste trabalho, o suporte escolhido é o livro didático de física para o ensino médio e o foco está no estudo das imagens contidas neste livro.

Abordar o estatuto das imagens no contexto do livro didático implica considerar que há um processo comunicacional elaborado por um conjunto de atores sociais que constroem imagens acerca de uma determinada informação científica e que exige por parte do leitor determinadas formas de produção de sentidos por meio de processos cognitivos na construção de conhecimento. Temos como hipótese que a mudança nas práticas de ensino de ciências é acompanhada por modificações nas formas de representação das imagens e na explicação dos conceitos e fenômenos, mas algumas formas de representação permanecem por longos períodos, caracterizando-se como elementos constitutivos da memória dessa prática social - ensinar física.

Esta hipótese nos leva a questões associadas ao estatuto da imagem na construção do conhecimento. A primeira delas é referente à representação, que no caso deste estudo, está relacionada ao conteúdo de um saber científico. Decorrente, há outra questão, aquela que diz respeito ao redimensionamento das idéias de um campo da linguagem para outro, como no caso da representação imagética de um conceito abstrato, isto significa ir do conhecimento científico ao conhecimento escolar. Há, por fim, uma problematização referente ao papel que as mudanças nas práticas de ensino de ciências têm nas modificações das formas de representação das imagens e na explicação dos conceitos e fenômenos, mudanças que acompanharam as diferentes correntes teórico-metodológicas no campo da disciplina escolar física e ainda o porque de certas formas se manterem, mesmo havendo mudanças nas práticas de ensino.

Neste trabalho, então, ao discutirmos a representação imagética nos livros didáticos de Física, estamos, também, discutindo questões de representação, de memória e de ensino, a partir do pressuposto de que o livro é um dos instrumentos de materialização destas representações, documento de memória e instrumento de ensino, e como estes é historicamente construído e socialmente contextualizado.

 

Representação e imagem: algumas considerações

Para problematizarmos o tema representação, no contexto das imagens como representações, apoiamo-nos nas discussões trazidas por Hall (2003), pois este considera que há uma clara relação entre representação e cultura mediada pela linguagem, assim produzimos e comunicamos significados por meio de representações da cultura que compartilhamos com outros da mesma cultura. Essas representações são expressas em diferentes linguagens e são elaboradas em contextos diversos da vida cotidiana, seja, por exemplo, nas práticas de produção do conhecimento ou nas práticas de ensino deste conhecimento.

Desta forma, a relação entre representação/imagem e cultura nos possibilita pensar sobre a representação da ciência nos livros didáticos, expressa pelo discurso escolar sobre a ciência, pois estamos falando de duas culturas a da ciência e a da escola, cada uma com suas práticas específicas. O livro didático, neste contexto, está produzindo um discurso acerca do outro. Como as imagens historicamente produzidas na cultura científica tornam-se elementos da cultura escolar e de sua memória?

As imagens podem ser consideradas representação de uma coisa e por extensão representação mental de alguma coisa percebida pelos sentidos. Imago, do latim, as imagens estão associadas à sombra, figura, imitação ou representação figurada relacionada a um objeto, seu referente, por sua analogia ou por sua semelhança perceptiva. Assim, temos imagens sonoras, táteis, olfativas e visuais. Neste estudo, a imagem será considerada como representação de uma coisa, assim em sua materialidade e por ser representação em sua convencionalidade (Santaella e Nöth, 2008). No sentido de problematizarmos a representação em sua convencionalidade, remetemo-nos a Aumont (1993).

A imagem fortemente analógica é um fator preponderante ainda na contemporaneidade. Como nos diz Aumont (1993) é necessário relativizar essa concepção "absolutista" da analogia, sem, no entanto, renunciar a ela. O teórico francês discute uma das teses de Ernst Gombrich para quem: a) toda representação é convencional. Mesmo a mais analógica, como a fotografia, é passível de intervenção com alterações nos parâmetros óticos ou químicos; b) algumas convenções são mais naturais que outras. A partir dessa tese, Gombrich (2000) aponta um duplo aspecto para a imagem analógica: o aspecto espelho e o aspecto mapa. No primeiro, sobressai-se a capacidade mimética, quando "a analogia redobra [certos elementos de] a realidade virtual" (Aumont, 1993:199). O segundo designa a condição referencial da imagem quando "[...] a imitação da natureza passa por esquemas múltiplos: esquemas mentais vinculados a universais, que visam tornar a representação mais clara ao simplificá-la [...]" (Aumont, 1993: 199). Nas nossas categorizações para fins de análise, veremos tal possibilidade na construção de imagens, por exemplo, que conjugam representação do globo terrestre com esquemas de física.

Alguns teóricos destacam o fato de que a analogia está sempre presente na representação das imagens de qualquer natureza (com ápice na produção fotográfica), em graus diferenciados, caracterizando o grau de iconicidade da imagem. Por um lado, percebê-la como mimética traz para o debate o caráter de imitação do mundo (do real) como uma necessidade de ilusão (Aumont, 1993: 200), e com a fotografia, essencialmente objetiva, tem-se a percepção de uma credibilidade completa. Por outro lado, quando se discute a questão da referência, a analogia passa para segundo plano, pois é considerada acidental diante de um processo maior que é o de simbolização do real. Para aqueles que pesquisam nessa vertente, a noção de imitação não tem sentido, pois não é possível "copiar" o mundo como ele é, considerando que não sabemos como ele é. A analogia "pode teoricamente intervir em cada um dos tipos de referência" (Aumont, 1993: 202), que incluem a denotação (representação sem referente), exemplificação (representação com referente); representação (referente concreto no mundo) e expressão (referente abstrato).

Este autor, ainda, apresenta algumas afirmativas sobre a analogia que são de interesse para nossa discussão: a) a analogia possui realidade empírica; ela é constatada perceptivamente; b) a analogia é produzida artificialmente, no decurso da história, sempre de modo a atingir uma semelhança mais ou menos perfeita; c) a analogia sempre foi produzida com fins simbólicos. Ela, então, está nesse ponto de junção entre a imitação da semelhança e produção de signos comunicáveis socialmente, compartilhados culturalmente.

Na perspectiva de Barthes (1990), tendo em vista a questão da convencionalidade, a princípio, toda imagem possui duas mensagens: a denotada e a conotada e ainda se vier acompanhada por um texto, ainda terá a mensagem linguística. A primeira forma de conotação ao se captar uma imagem, seria a conotação perceptiva (ou denotação). Para descrever uma imagem utiliza-se a linguagem verbal que é socialmente construída, isto é, na denotação aspectos culturais já estão presentes, tornando-a um modo de conotação. Em seguida, a conotação pode passar para o nível cognitivo, em que a leitura se relaciona de forma mais evidente à cultura do observador. A conotação ideológica ou ética é a que incorpora na interpretação da imagem julgamentos e valores. Nesse sentido, Barthes (1990) está considerando as imagens sempre como convenção e inserida em um contexto cultural.

Toda imagem pressupõe, para o seu entendimento, um certo nível de conhecimento de determinações culturais referentes à localização geográfica e à época de sua criação com uma ampla variedade de aspectos que influenciarão sua produção e leitura, tais como: técnicas de produção, distribuição e consumo; fatores econômicos, políticos e sociais; visão de homem e de mundo em geral. Isso está vinculado ao signo simbólico. As "imagens se tornam símbolos quando o significado de seus elementos só pode ser entendido com a ajuda do código de uma convenção cultural" (Santaella e Nöth, 2008: 150). Nesta investigação, estamos problematizando as imagens produzidas pela cultura científica e que são reapresentadas no contexto da cultura escolar, assim códigos da cultura científica são inseridos na cultura escolar. Com se dá esse processo? Quais são as táticas utilizadas pelas diferentes perspectivas de ensinar física?

 

A memória

Neste trabalho, abordamos o estudo da memória, tendo como referência teóricos da sociologia e, ainda, consideramos que os processos de cognição estão fortemente apoiados em nossas possibilidades de memorizar que envolvem conhecimentos sobre o funcionamento de nosso cérebro.

A memória como objeto tem uma historicidade que remonta à Antiguidade, quando o próprio mito de mnemosyne funciona para explicar essa faculdade tão cara à perpetuação da cultura de povos com base na tradição oral. No entanto, nossa discussão fundamenta-se nas teorizações de Maurice Halbwachs, discípulo de Emile Durkheim, que rediscute a noção de memória no contexto das questões sociais. Suas articulações são, até o presente, material de discussão teórica que as expandem e enriquecem ou que indicam suas limitações em um contexto de modernidade tardia. No entanto, sua importância é inegável na área, pois ele lançou as bases de uma concepção de memória articulada ao social que tem nos grupos e nas representações fortes alicerces. Para Halbwachs (2004), a memória coletiva estabelece-se em uma relação entre a memória individual e o contexto social, pois nossas lembranças são coletivas e apóiam-se nos quadros sociais. Este é um conceito central na obra de Halbwachs.

Segundo Fentress e Wickham (1992), há uma tendência em considerar a memória dividida em dois segmentos: uma parte objetiva que guarda informações sobre fatos que podem, em princípio, estar guardados em outros suportes; uma parte subjetiva que inclui informações e sentimentos que são parte integrante de nós, estando, portanto, somente em nós. Tal distinção tem um caráter metodológico, no sentido de explicitar as etapas que se encontram na própria estrutura da memória, tornando melhor delineáveis a natureza de ambas: mais passiva, a primeira, e mais ativa, a segunda. Na dinâmica de funcionamento das duas memórias, baseia-se nossa capacidade de recordar, ligar informações, reconhecer as coisas que nos afetam e construir conhecimento sobre elas. Tal processo é um encadeamento.

A linguagem apresenta, nesse sentido, uma função fundamental, pois se a memória objetiva é percebida como tal, isso se deve em grande parte ao fato de poder ser expressa, exteriorizada mais objetivamente que a memória subjetiva. Tal característica a torna o "melhor veículo para transportar informação" (Fentress, e Wickham, 1992: 19), pois ela é aquele aspecto de nossa memória, como um todo, ao qual os outros têm acesso mais facilmente. No entanto, materializar as informações de nossa memória objetiva é, antes de tudo, uma ação ou fator de natureza social. Com isso, os autores nos colocam no espaço da representação, tendo em vista as condições de sua produção em função da linguagem utilizada para a exteriorização da memória tanto objetiva quanto subjetiva. A distinção entre o que é social e individual é relativa, na medida em que os processos de rememoração acionam informações dos dois níveis que se encontram misturadas. O que ordena, tais informações é a demanda do momento preciso de recordação de um fato. Halbwachs (2004) já havia enfatizado a relação entre memória individual e memória coletiva, mostrando que nossas lembranças são coletivas; recordamos em função do(s) outro(s), mesmo quando se trata de eventos aos quais presenciamos sozinhos e objetos que vislumbramos sem nenhuma outra testemunha.

A natureza dessa memória está relacionada à própria natureza da informação que é agenciada na dinâmica processual de recordar, construir conhecimento ou transmitir informações. Tal é a base da memória social, pois uma memória "só pode ser social se puder ser transmitida e, para ser transmitida, tem que ser primeiro articulada. A memória social é, portanto, memória articulada" (Fentress e Wickham, 1992: 65-66). Tal articulação não se restringe às palavras, ou seja, não exige que a memória social seja eminentemente semântica, mas necessita que ela seja conceitualizada. No caso das imagens, os autores nos mostram que elas só podem ser socialmente transmitidas se forem convencionalizadas e simplificadas: "convencionalizadas, porque a imagem tem que ser significativa para todo o grupo; simplificadas, porque, para ser significativa em geral e capaz de transmissão, a complexidade da imagem tem que ser tanto quanto possível reduzida" (Fentress e Wickham, 1992: 66).

A simplificação preconizada pelos autores não deve ser entendida como perda da qualidade sensorial das imagens. Ela deve ser compreendida em estreita ligação com o processo de estratégia mnemônica ou de aprendizado, no qual, para ser "guardada" ou assimilada, uma imagem deve se apresentar como compreensível nos termos de uma dada cultura e graças ao processo de conceitualização, o conjunto de idéias, coletivamente guardadas, adquire estabilidade e pode ser socialmente difundido e transmitido.

 

Práticas de ensinar física - o livro didático

No Brasil, a diretriz apoiada na necessidade de tornar os conhecimentos científicos acessíveis à população, dentro do sistema formal de ensino, surge com a implantação da disciplina Ciências (denominada Ciências Físicas e Naturais), na Reforma Francisco Campos de 1931. Até então, não havia uma prática de estudo formal e organizada de modo a propiciar o estudo das especificidades metodológicas de ensino da área. Ao longo do tempo essa disciplina assumiu diferentes denominações - Ciências Naturais (1942), Iniciação à Ciência (1961) e Ciências Físicas e Biológicas (1971) abarcando os conhecimentos em física presentes no currículo. A disciplina escolar física foi se constituindo á medida que a escolaridade para os jovens, entre 14 e 18 anos vai se estruturando, no que atualmente denominamos ensino médio.

Fundamentalmente, foram nas décadas de 1950 e 1960 que se organizaram ações para a melhoria do ensino de ciências/física no Brasil (Krasilchik, 1987; Marandino, 1994; Fracalanza e Megib Neto, 2006; Nardi, 2007). A Lei 4.024 de 1961 ampliava a carga horária das disciplinas científicas nos ensinos fundamental e médio. À época ocorreram também as grandes revisões curriculares, a criação de centros de ciências, a produção de materiais didáticos, bem como programas de capacitação de professores. Na mesma década ocorreu a democratização do ensino fundamental com o término dos exames de admissão ao denominado nível ginasial, possibilitando acesso à escola pública de segmentos da população, excluídos até então.

Durante a década de 1980, um número considerável de países e a UNESCO assumiram um compromisso internacional no que diz respeito à educação em ciências: uma nova meta sob o sloganciência para todos. Nesta mesma década, houve a criação de grupos de pesquisa em educação em ciências, com inserção internacional, e a consolidação das pesquisas em ensino de ciências como um campo de conhecimento.

O que podemos destacar é que na primeira década do século XXI há ações no sentido de ampliar a difusão conhecimento científico, seja na esfera da pesquisa produzindo conhecimento, seja na das políticas públicas em relação ao plano nacional de educação, dentro dele as diretirzes curriculares, as políticas de avaliação, distribuição e avaliação do livro didático, políticas de divulgação científica entre outras.

Estudos realizados (Krasilchik, 1987; Marandino,1994; Nardi, 2007) nos apontam que tanto a disciplina escolar ciências como a disciplina escolar física foram influenciadas por diferentes correntes teórico-metodológicas que lhes deram perfis didáticos distintos em distintos momentos. Marandino (1994) faz uma análise das bases epistemológicas do Ensino de Ciências, mostrando as tendências presentes nos primeiros anos da década de 1990. A autora aponta para a existência de algumas bases epistemológicas preponderantes no Ensino de Ciências: as que incorporam contribuições da Filosofia da Ciência (Bachelard (1968) - obstáculo e ruptura epistemológica; Tomas Kuhn (1978) - revolução científica; Karl Popper (1973) - refutabilidade); a que incorpora a história da Ciência (ciência como construção humana); as que assumem abordagens cognitivas como as de Piaget (1970) e Ausubel (1968); as que aproximam a Ciência dos problemas sociais (Meio Ambiente, Tecnologia e Sociedade - movimento CTS); as que vinculam o Ensino de Ciências com o princípio da escola como fator de mudança social (abordagem sociológica).

Ressaltamos que outras tendências também se fazem presentes, atualmente, no ensino da Física, como a perspectiva da redescoberta dos princípios da Ciência no ensino, de atividades de Experimentação ou de Laboratório, ou ainda a questão do trabalho com materiais de baixo custo e sucata. Outras abordagens podem ser caracterizadas quando nos referimos àquelas que valorizam os atores da prática educativa (aluno e professor) do ponto de vista da cultura e nos remetem ao campo das pesquisas sobre a formação e profissionalização docente e sobre a cultura escolar. Parece haver uma tendência à valorização dos saberes profissionais, a partir do início dos anos 1980, no cenário internacional e mais recentemente, década de 1990, no contexto das pesquisas nacionais. Da mesma forma, há uma valorização dos saberes dos estudantes e estes considerados como produtores de cultura. (Forquin, 1993; Chervel, 1990).

Ao elaborarmos reflexões sobre o livro didático, inserido em práticas de ensino fundamentadas em diferentes perspectivas epistemológicas, temos que considerar os estudos contemporâneos, tendo como referência os estudos culturais (Choppin, 2004; Munakata, 2008), que apontam para a necessidade de considerar o livro didático como objeto cultural cujos textos são atravessados por diversos discursos, sendo um dos objetos culturais constituintes do discurso pedagógico na escola e mediando interações entre autores, professores e estudantes. O discurso pedagógico é entendido nesta investigação como compreendendo o conjunto de práticas de linguagem desenvolvidas nas e sobre as mais variadas situações didáticas (Barreto, 2003) e o livro didático, atualmente, como sendo o mediador preferencial nas práticas de linguagem realizadas em sala de aula (Bittencourt, 2004).

O livro didático está presente na escola da Europa, desde o século XVII, com Comenius e sua obra principal Didacta magna. Neste momento, a escola constitui-se em lugar específico onde se realizam práticas específicas, cujo objetivo é ensinar a todos um mesmo conjunto de saberes e valores, contrapondo-se ao aprendizado centrado no fazer, característico da formação dos artesãos. Desta forma, precisa se basear na escrita, constituindo a natureza escritural dos saberes a transmitir (Munakata, 2008). Nesse sentido, o livro didático é artefato importante no estabelecimento das práticas de ensinar a todos os mesmos saberes.

Neste trabalho, estamos considerando o livro didático como objeto representativo da cultura material escolar e suporte das mediações em práticas educativas, realizadas na escola e que materializa diferentes discursos e como objeto cultural escolar, pois "e o principal ordenador da cultura, da memória e das ações escolares, por inscrição na cultura escrita" (Magalhães, 2006: 5).

 

Metodologia

Nosso campo empírico se constitui dos livros didáticos de Física, que circularam em diferentes décadas do século XX e nos primeiros anos do século XXI. Como são livros de diferentes momentos, estão associados a diferentes políticas e diretrizes curriculares, bem como a determinados momentos da história da disciplina escolar física. Realizamos a leitura exploratória de 25 livros e apresentamos neste trabalho as análises de cinco livros didáticos de Física, focalizando o conteúdo de Mecânica que faz parte do currículo oficial do ensino de física no século XX e XXI e isso nos possibilitou comparar as imagens em diferentes momentos.

Os cinco livros cujas imagens foram analisadas e, selecionadas para apresentarmos neste trabalho, são produções dos anos de 1910; 1920-1930; 1958; 1976; 2007 e estão com seus dados apresentados na tabela 1, a seguir:

 

LIVRO

IMAGENS

Elementos de mecânica com numerosos exercícios. Revistos e adaptados a instrucção secundário do Brazil pelo Dr. E. de B. Raja Gabaglia. Livraria Garnier. Sem data. Localizado na primeira década do século XX, por uma busca na Internet. Análise: Mecânica (dinâmica e estática)

As imagens são ilustrações desenhadas, elaboradas coma técnica de bico de pena a nanquim. Elas não têm legenda e se apresentam na cadeia argumentativa de desenvolvimento do texto que apresenta o conteúdo. Neste texto elas são indicadas pela numeração e colocadas entre parágrafos. Os artefatos, objetos e seres humanos são representados com alto grau de iconicidade.

Physica com mais de 600 figuras intercaladas no texto. Livraria Paulo de Azevedo e Cia. Sem data. Localizado no período de 1920-1930 devido à data colocada pelo autor. Análise: Mecânica (dinâmica e estática)

As imagens são ilustrações desenhadas, elaboradas coma técnica de bico de pena a nanquim. Apresentam legenda explicativa.

Os artefatos, objetos e seres humanos são representados com alto grau de iconicidade.

Física na escola secundária, de Blackwood, Herron, Kelly, do ano de 1958.

Apresenta ilustrações desenhadas e fotografias preto em branco. As imagens ocupam diferentes posições na pagina e os artefatos, objetos e seres humanos são representados com alto grau de iconicidade.

Física, volume 1, de Antonio Ribeiro da Luz e Beatriz G. de Alvarenga, 9a edição, 1976.

Apresenta ilustrações desenhadas, pouca fotografias e tirinhas. As imagens, em sua maioria, apresentam baixo grau de iconicidade. As imagens estão muitas vezes ao lado da coluna de texto.

Os Fundamentos da Física 1 de Ramalho, Nicolau e Toledo. Ano de 2007. Análise: Capítulo 11.

Apresenta fotografias, ilustrações e tirinhas. As legendas nem sempre apresentam relação com a imagem. Outras funcionam para atrair a atenção para o conteúdo. As imagens ocupam diferentes lugares nas páginas e na disposição do conteúdo.

Tabela 1 - Descrição do material de análise. Na coluna Imagens há observação geral com relação a todas as imagens dos livros, as análises, porém, incidem sobre o capítulo de Mecânica.

 

As categorias analíticas (tabela 2) foram construídas tendo em vista os elementos presentes nas imagens, após um levantamento exploratório inicial. Esse procedimento evidenciou a necessidade de se destacar a relação homem e artefatos. Algumas observações devem ser feitas a esse respeito:

  • Os desenhos ilustrativos forma considerados como correlatos à fotografia no levantamento nos livros das décadas de 1910-1920. Tal decisão teve como base o fato de o recurso da ilustração desenhada ter como princípio, nesse material que não dispunha à época da tecnologia apropriada para inserção de imagens fotográficas, o análogo do real.
  • Todas as imagens ilustram situações de experimento ou demonstração de conceitos, exceto aquelas da categoria G. Não analisamos imagens de problemas para serem resolvidos ou citados como exemplos.
  • Como artefatos foram considerados todos os tipos de objetos produzidos culturalmente.
  • Como cotidiano entende-se lazer ou atividade doméstica.
  • Como atividades de produção e serviço entendem-se àquelas referentes ao mundo do trabalho.
  • Elementos da natureza englobam todos os seres vivos, em parte ou inteiros, e minerais.
  • Consideramos elementos do mundo natural e cultural aqueles que dão conta dos equipamentos, máquinas, seres vivos etc.
  • Como esquemas da física, entendem-se os sinais, fórmulas e indicações de algum fenômeno e processo que são traduzidos em linguagem matemática ou símbolos.

 

A - Artefatos

Tipo 1: aqueles específicos de atividades em laboratório. (A1)

Tipo 2: aqueles relacionados às atividades de produção e serviço. (A2)

Tipo 3: objetos do cotidiano. (A3)

B - Artefatos + Homem

Tipo 1: homem com artefato específico de atividades de laboratório. (B1)

Tipo 2: homem com artefato específico de atividades de produção e serviço. (B2)

Tipo 3: homem com objetos do cotidiano. (B3)

C - Artefatos + parte do corpo humano

Tipo 1: parte humana* em experimento. (C1)

Tipo 2: parte humana com artefato do tipo A2. (C2)

Tipo 3: parte humana com artefato do tipo A3. (C3)

* Cabe destacar que a parte humana muito utilizada é a mão.

D - Elementos com intervenção técnica

Tipo 1: Imagens da natureza ou do homem em atividade (laboratório ou serviço) que passaram por tratamento pictórico para evidenciar aspectos que não podem ser visíveis sem tal procedimento. (D1)

E - Elementos do mundo natural e cultural + esquemas da física

Tipo 1: Artefatos do tipo A1 e esquemas da física. (E1)

Tipo 2: Artefatos do tipo A2 e esquemas da física (E2)

Tipo 3: Artefatos do tipo A3 e esquemas da física (E3)

Tipo 4: Elementos da natureza e esquemas da física (E4)

Tipo 5: Elementos da natureza, artefatos e esquemas da física (E5)

F - Tirinhas

Tipo 1: Tirinhas de personagens e de autoria, adotadas para ilustrar partes do conteúdo.

Tipo 2: Tirinhas construídas especialmente para ilustrar o conteúdo.

G - Imagens Ilustrativas

Tipo 1: Imagens que não estão na cadeia argumentativa de uma demonstração conceitual e não ilustram experimento.

Tabela 2 - Categorias de análise.

 

A produção imagética em cada livro didático foi estudada dentro do desenvolvimento dos conteúdos de Mecânica, realizamos a contagem das imagens para cada categoria e elaboramos gráficos para cada produção para estudarmos as frequências de cada categoria. Ainda, observamos as formas de produção das imagens e como elas estavam dispostas na página.

Ao procedermos à análise, consideramos que esta deve ancorar-se nas formas de representação para entendermos que as fronteiras entre o saber científico, o saber escolar e o saber do cotidiano encontram-se, no espaço escolar, mediadas, dentre outros fatores, pelo livro didático e por uma linguagem imagética que, por princípio, teria função de facilitar a construção do conhecimento e iniciar os estudantes como praticantes da cultura científica.

 

Resultados - As imagens em cada produção

No Livro Elementos de Mecânica, há uma forte preponderância de ilustrações com artefatos, sobretudo aqueles relacionados ao espaço da produção e serviços, como balanças, máquinas a vapor etc (Tipo A2). O homem está muito ausente (categorias B e C), com algumas imagens de presença humana com artefatos de laboratório.

Este livro é do começo do século XX, período em que no Brasil, o ensino de física estava voltado para os estudantes que iriam se tornar engenheiros, a física não era considerada integrante da cultura dos jovens daquela época A forte presença de artefatos que representam máquinas indica que somente alguns poderiam entender ou precisariam entender o funcionamento daquelas máquinas.

 

Gráfico 1 - Categorias de ilustrações do livro Elementos de Mecânica.

 

Todas as imagens foram apresentadas por desenhos a bico de pena e possuem elementos que caracterizam seu referente no que é considerado fundamental para transmitir um conceito de física, pois são simplificadas por meio de esquemas mentais vinculados a universais, que visam tornar a representação mais clara ao simplificá-la e torná-las socialmente compartilhadas. São expostos: homem segurando balde; balanças; homens empurrando um tonel, mas não há detalhamento do entorno dessas situações sociais representadas. Em que contexto este homem está carregando um balde? Ainda, essas imagens são reconhecidas como sendo do início de século XX, primeiro por sua forma de produção e impressão e em segundo pelo que representam, por exemplo, homem manipulando um sarilho, seria pouco provável observamos isso contemporaneamente.

 

Gráfico 2 - Categorias de ilustrações do livro Physica.

 

No livro Physica, há uma maior distribuição de imagens, no que se refere à conjugação de homens e artefatos, mas continua uma preponderância do Tipo A2. No entanto a introdução dos esquemas da física passa a ser um ponto de diferenciação, o que pode ser evidenciado com a quantidade de ilustrações que mesclam elementos do mundo natural e cultural (seres e artefatos) com fórmulas, símbolos e vetores. Também é interessante a maior quantidade de ilustrações de partes do corpo humano (a mão humana) em situações de experimento e com artefatos de produção. As atividades de laboratório (indicadas na categoria C1) começam a povoar mais o material, se fizermos uma comparação com a produção do período de 1910-1920. Nos parece que esta forma de apresentação está dirigida a um leitor mais especializado.

Neste livro a técnica de produção das imagens também é bico de pena, e uma tática de apresentação dos fenômenos é a de utilizar esquemas com elementos do mundo natural e cultural, mas da mesma forma simplificado, há poucos elementos que nos possibilitem situar a prática social representada.

 

Gráfico 3 - Categorias de ilustrações do livro Física na escola secundária.

 

No livro Física na escola secundária, há um equilíbrio entre as imagens do Tipo A2 e A3 o que reforça o caráter do cotidiano nas imagens. Outro indicador desse reforço é o grande aumento das imagens do Tipo B3 e E3, além do surgimento, ainda que tímido, das imagens do Tipo C3. Outro destaque é as imagens do Tipo E5 que também apresentam um aumento significativo.

Este livro apresenta várias formas de produção das imagens e diferentes táticas de junção dos elementos, artefatos, homens e natureza. No entanto, também estão presentes os processos de simplificação.

No entanto, é preciso salientar que este livro é do final da década de 1950 e início da década de 1960, período em que o Brasil está em franco desenvolvimento e necessitando estabelecer um projeto de desenvolvimento científico e tecnológico. Nos parece, mesmo esse livro sendo uma tradução, apresenta imagens que estabelecem relações da tecnologia e da ciência com as pessoas, indicando que a física está presente nas práticas sociais destas pessoas e garantem desenvolvimento e conforto. Isso significa que este livro não está voltado só para os futuros engenheiros, mas para mais jovens e os provocando para estudarem física, pois esta dá conta de resolver muitos problemas.

 

Gráfico 4 - Categorias de ilustrações do livro Física 1.

 

Em Física volume 1, as imagens do Tipo A1 retornam ao patamar quantitativo do livro de 1910. O mesmo não pode ser dito das imagens do Tipo A2 e A3 que desaparecem. Podemos ressaltar como característica desse livro, as imagens da categoria E3, o que parece indicar uma prevalência do uso de esquemas da Física em várias situações.

Este livro só apresenta desenhos e tem suas formas de representação fundamentadas nos signos oriundos da cultura científica, há pouco espaço para representações de práticas sociais que envolvam trabalho e lazer, pois as formas de representação praticamente abandonam a apresentação da tecnologia por meio de máquinas ou a tecnologia em nossas práticas sociais por meio de homens operando máquinas, indicando uma tática de inserir o leitor na cultura científica tendo como referência as imagens produzidas nesta cultura.

Quando localizamos a data deste livro, observamos que este é da década de 1970, quando no Brasil, inicia-se o processo de implantação das revisões curriculares, cuja diretriz fundamental era de inserir os jovens na cultura científica com objetivo de torná-los cientistas. A busca era por fazê-los pensar e agir como cientistas, desta forma era preciso que estes compreendessem os símbolos da cultura científica.

 

Gráfico 5 - Categorias de ilustrações do livro Os Fundamentos da Física 1.

 

No quantitativo de imagens do livro de 2007 (Os Fundamentos da Física 1, capítulo 11) apresentado no Gráfico 3, consideramos as ilustrações e as fotografias. No entanto, a distribuição de ilustrações e fotografias pode ser considerada equilibrada. As tirinhas foram consideradas ilustração.

Em termos globais, a presença de artefatos sofreu um decréscimo (categoria A), em uma comparação com os dois livros anteriores. A presença de homens e artefatos aumentou consideravelmente, sobretudo partes do corpo (a mão) em experimento e homens com objetos do cotidiano. Esse cotidiano começa a estar mais presente como indicam, também, as categorias C3, E3 e F1.

Este livro, pelas possibilidades técnicas e por opção didática apresenta muitas formas de produção de imagens, no entanto, as representações de práticas sociais continuam simplificadas. No entanto, é preciso destacar que há um deslocamento do uso da tecnologia para o cotidiano das pessoas, vinculado a vida doméstica e ao lazer, e não vinculado ao trabalho. Essa tática nos parece estar inserida na perspectiva de inserir a física no cotidiano das pessoas, assim esta não é só para promover o progresso, mas para estar em sua vida.

Este livro, que está sendo pensado para ensinar física a todos, representa diferentes formas de se pensar o ensino de ciências, elaboradas ao longo do século XX, é um híbrido e usa esse hibridismo como tática didática em suas formas de representação, explicitando diferentes perspectivas de ensino.

 

Discussão

Um aspecto a destacar é que as representações de atividades de laboratório, com seres humanos ou não, estão presentes em todos os livros, indicando que está forma de apresentar e representar os fenômenos constitui-se na memória social dos praticantes do ensino de física e, nesse sentido, são constitutivos da cultura desta disciplina escolar e da memória social de seus praticantes.

As imagens passam por processos de simplificação de diferentes níveis e podem conviver imagens simplificadas com outras que não passaram por esse processo, em um mesmo elo de uma cadeia de explicação. Isso não significa que houve perda sensorial da imagem, pois para ser guardada ou assimilada, uma imagem deve se apresentar como compreensível para uma dada cultura e devido ao processo de conceitualização o conjunto de idéias, coletivamente guardadas, adquire estabilidade e pode ser socialmente difundido e transmitido. Essa conceitualização fica guardada na memória coletiva do grupo.

Também, nos interessa problematizar, retomando Aumont (2003), que as formas de representar os fenômenos ou conceitos no ensino da física por meio de imagens consideram que:

a) a analogia possui realidade empírica; ela é constatada perceptivamente - imagens de artefatos, seres humanos em praticas sociais;

b) a analogia é produzida artificialmente, no decurso da história, sempre de modo a atingir uma semelhança mais ou menos perfeita - as imagens representam situações datadas.

c) a analogia sempre foi produzida com fins simbólicos. Ela, então, está nesse ponto de junção entre a imitação da semelhança e produção de signos comunicáveis socialmente, compartilhados culturalmente - artefatos mais esquemas de física ou somente esquemas de física - signos compartilhados culturalmente.

Os livros todos apresentam imagens do cotidiano das pessoas, tendo como referência os três pontos levantados acima, indicando a necessidade de recorrer tanto a memória subjetiva - relação de cada sujeito com aquele aspecto do cotidiano representado - como a memória objetiva, elementos compartilhados pelos sujeitos. Ao longo dos livros, e de uma forma muita intensa no livro de 2007, recorre-se a articulação entre essas duas memórias no sentido de se ir da analogia com realidade empírica à analogia produzida para fins simbólicos, que seria o objetivo do ensino de física - inserir o leitor na cultura científica. Esta tática garante que a memória seja transmitida e tornar-se memória social da disciplina.

Os tipos de imagem utilizados nos livros de física são diversos quanto à técnica de produção, bem como quanto à origem, isto é, sua produção se deu no contexto do cotidiano, das artes, da ciência, dos meios de comunicação, dentre outros. Nesse sentido, a leitura desses livros propicia a interação com diferentes formas de expressão estética e mundos culturais.

Nos livros percebe-se que há um cruzamento entre culturas expressa pela forma de apresentar as imagens. Na realidade, a cultura do outro se torna um recurso didático, na medida em que seu mundo cultural, guardado em sua memória social, é chamado a participar das interações, quando pode ser utilizado como argumento para desenvolver um modelo explicativo legítimo. Ao simplificar as imagens no sentido da conceitualização ao representar uma entidade científica, tende-se a padronizar as formas de representação do fenômeno, consistindo em uma tática de elaborar universais. No entanto, estes, no caso das representações estudadas, são compartilhados por participantes da cultura científica e tornam-se de difícil compreensão para os iniciantes neste aprendizado. Este fato talvez justifique a tática de se colocar esquemas e artefatos ou esquemas e seres humanos.

Outro aspecto é aquele no qual a simplificação é realizada nas imagens da cultura cotidiana. Tal processo opera com a possibilidade de se retirar os elementos que datam esse cotidiano e tornando a representação universal, mas sem memória subjetiva e sim como memória coletiva. Assim, nos parece que a única forma de datar algumas imagens é pela sua forma de produção e não pelo que ela representa.Este procedimento representacional tem um funcionamento característico no qual podemos perceber que tais imagens, oriundas de um processo complexo e histórico de produção dentro de um campo científico-educacional, consolidam-se como elementos dinâmicos de uma memória social deste campo. Esta memória apóia-se em estratégias diferenciadas de consolidação e transmissão, sendo uma delas, a construção de representações válidas e plenas de significado contextual. Algumas das imagens analisadas e alguns esquemas de construção (como utilizar partes do corpo humano com esquemas de física) consagraram-se de tal forma que funcionam como diretrizes do gênero, independente da perspectiva didática adotada. No entanto, esse processo não se dá sem certo "distanciamento" com o contexto de referência: o cotidiano.

Nesse sentido, é possível perceber pela forma que as imagens são apresentadas que procedimentos de intervenção, em seus processos de conotação, procuram desbastar o cotidiano, retirando as situações dos fenômenos e dos seres de sua contextualidade, procurando dar-lhes uma perspectiva de neutralidade. A presença maciça de artefatos, com seres humanos ou partes de seres humanos desbastados como representações de conceitos e fenômenos, é indício desse processo e se matem ao logo do período estudado, indicando que esta tática de ensinar é constitutiva da memória coletiva da área.

 

Apoio

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

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Notas

Guaracira Gouvêa
Endereço para correspondência: G. Gouvêa, Av. Paster, 458, CCH, Térreo, Urca, Rio de Janeiro, RJ 22.290-240.
E-mail para correspondência: guaracirag@uol.com.br.