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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.3 Rio de Janeiro dez. 2010

 

Artigo Científico

 

Fatores interpessoais das redes sociais de parentesco

 

Interpersonal factors of kin social networks

 

 

Mauro Dias Silva Júnior; Regina Célia Souza Brito; Manuela Cavaleiro de Macedo Beltrão

Universidade Federal do Pará (UFPA), Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC), Belém, Pará, Brasil

 

 


Resumo

Segundo hipóteses da Psicologia Evolucionista, as pessoas possuem predisposições naturais para formar laços sociais e afetivos com pessoas aparentadas. Compartilhar genes favorece, em termos evolucionários, à cooperação entre parentes e o convívio fortalece os laços afetivos. Usando uma versão traduzida do Social Network Questionnaire, acessamos as redes de parentesco de estudantes universitários com o objetivo de investigar as características dos seus relacionamentos interpessoais com parentes. Encontramos 29 parentes, em média, a maioria de parentes genéticos com diferenças significativas para os demais tipos de parentes (postiços, e pelo casamento de parentes). Encontramos correlações positivas entre coeficiente de parentesco e frequência de contato, e proximidade emocional; e entre frequência e tempo de interações. Comparado aos outros tipos de parentes, houve maior frequência de contato, tempo de interações e proximidade emocional com parentes genéticos. Os resultados obtidos demonstram associações encontradas na literatura entre as variáveis investigadas, estes confirmam as hipóteses da Psicologia Evolucionista e revelam a importância dos parentes nas redes sociais das pessoas. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 100-110.

Palavras-chave: redes sociais; redes de parentesco; psicologia evolucionista; parentesco genético.


Abstract

According to Evolutionary Psychology's hypotheses, people have natural predispositions to form social and affective bonds with kin. Share genes favor, in evolutionary terms, cooperation among relatives, and living side-by-side strength the social bonds. Using a translated Portuguese version of Social Networks Questionnaire, we accessed university students' relative social networks, to investigate characteristics of their interpersonal relationships with kin. We found out relative social network size of 29 kin, on average, the majority of them were genetic relatives with significant differences to other kind of relatives (step and related by marriage). We found positive correlations between relatedness coefficient and frequency of contact; relatedness coefficient and emotional closeness, and frequency and time of contact. Compared with other kinds of relatives, there were more frequency and time of contact, and emotional closeness with genetic relatives. Correlations found were the same found on literature. These results confirm Evolutionary Psychology hypotheses, and demonstrate the importance of relatives on people's social networks. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 100-110.

Keywords: social networks; relative networks; evolutionary psychology; genetic relatedness.


 

 

Introdução

Parentes são a unidade social básica de muitas espécies primatas (Foley, 1997), e enquanto primatas, os seres humanos não fogem a essa regra. Alguns autores sugerem que devido à necessidade de proteção contra predação, fêmeas primatas aparentadas que formaram grupos sociais familiares foram mais bem sucedidas e transmitiram esta característica à sua descendência (van Schaik, 1996; Isbell e Young, 2002). Em função das escolhas das fêmeas, os machos somaram-se aos grupos de diferentes formas, até encontrarmos os mais variados tipos de organização social primata (van Schaik, 1996).

As especificidades da nossa espécie tornaram o núcleo familiar mais coeso e as necessidades de cuidado dos bebês fortaleceram os laços sociais entre parentes. Os machos selecionados pelas fêmeas, a partir de então, investiram na prole e permaneceram junto a elas durante a gestação, lactação e criação desta. Formava-se assim a família humana (Bussab, 2000; Bussab e Ribeiro, 1998; Weber, 2004).

No que tange à formação das redes sociais, a família constitui a base de todas as relações sociais das pessoas. Estudos na área de desenvolvimento com humanos e outros primatas mostram que os infantes trazem consigo uma série de características físicas e comportamentais que os predispõem à interação social com os adultos e à formação de vínculos afetivos desde os primeiros dias de vida (Connellan et al., , 2000; Hardy, 1999/2001; Fantz, 1963; Rodrigues, 1998).

De acordo com a teoria da seleção por parentesco (Hamilton, 1964), os indivíduos obtêm maior sucesso reprodutivo quando cooperam com membros aparentados. Isto acontece porque os sacrifícios da cooperação são sobrepostos pelos benefícios de ter incluso na sua aptidão os parentes indiretos, como sobrinhos e primos, por exemplo. Dessa forma, a seleção moldou características nos indivíduos que são capazes de discriminar os parentes dentre outros indivíduos, e proporcionou condições para a convivência entre eles, na qual a cooperação pôde atuar. Estudos empíricos têm mostrado que esse padrão parece ser geral nas espécies animais, podendo ser encontrado desde bactérias (Crespi, 2001) e heminópteras (Hamilton, 1964) até seres humanos (Foster et al., 2006; Gints et al., 2003; Stewart-Williams, 2007; West et al., 2007; Williams, 2005).

Estudos sobre redes sociais confirmam as predisposições humanas em se relacionar preferencialmente com parentes. Exemplo disso pode ser visto no trabalho de Bastani (2007). Realizando entrevistas, a autora usou o suporte emocional e financeiro como medida para estimar o tamanho das redes sociais de casais iranianos. Nesta pesquisa a autora encontrou uma média de 9,8 pessoas por rede social de mulheres e 9,4 nas redes de homens. Ambos relataram se relacionar predominantemente com parentes diretos, como pais e irmãos, os quais na sua grande maioria são de ambos os sexos. Quando se consideram o grupo de amigos, as relações mais comuns são entre pessoas do mesmo sexo. Esta autora também encontrou que o nível de renda correlacionou-se com maior rede social entre os homens, já entre as mulheres os melhores indicadores de redes sociais maiores foram lugar de nascimento, número de filhos e nível educacional. Este último se correlacionou negativamente com o número de parentes na rede social das respondentes.

Estudos recentes mostram que a família é a principal fonte de suporte social encontrada pelas pessoas (Chan e Lee, 2006; Lee et al., 2005; Wu e Hart, 2002). Um estudo realizado na China mostrou que 46,6% e 39,4% dos cidadãos de Hong Kong e Pequim, respectivamente, afirmaram receber auxilio de seus parceiros(as) ou esposos(as) quando estão em período de crise. Os parceiros amorosos forneceram suporte material e emocional indiferentemente; porém, pais, filhos e irmãos foram aqueles que forneceram mais suporte material que emocional. Além disso, os parentes genéticos foram mais citados que os parentes pelo casamento; e em ambas as cidades, as mães forneceram mais suporte material e emocional que os pais; e de maneira geral, as mulheres forneceram mais suporte emocional que os homens. Os parentes puderam contar mais com o suporte feminino quando estas foram casadas, mais velhas, mais ricas, ou menos educadas (Lee et al., 2005).

Na França, Grossetti (2007) realizou um estudo com pessoas que transitavam pelas ruas da região metropolitana de Toulouse. O autor também buscou estimar o tamanho das redes a partir do suporte emocional e financeiro, realizando perguntas do tipo: "se você viajasse você pediria a alguém para tomar conta da sua casa por um período de tempo?", "nos últimos três meses, seus amigos o ajudaram a realizar algum serviço de reforma ou manutenção na sua casa?" ou "se você precisasse de uma grande quantia de dinheiro, existe alguém a quem você pediria parte ou todo dinheiro de que você precisa?". Ele identificou que a média de pessoas por rede social foi de 11 pessoas aproximadamente. Os parentes foram ligeiramente mais citados que os amigos nas redes sociais, 36% e 28% das vezes, respectivamente, seguidos de colegas de trabalho, 14% e vizinhos 5% das vezes. 62% dos homens relataram possuir mais relacionamentos com outros homens que com mulheres. As mulheres, em oposição, apresentaram desproporção menor entre os membros de diferentes sexos. 28% dos respondentes disseram morar de 0 a 5 minutos dos membros de sua rede social, 55% de seis minutos à uma hora, e 17% mais de uma hora.

Quando se considerou o tipo de relacionamento, os parentes imediatos (pais, filhos, irmãos) foram quase a metade da rede social, apesar da frequência de contato face-a-face com eles ter sido a mais sensível à distância. Os parentes estendidos (demais tipos de parentes) tiveram a menor média de contato, 31 dias por ano, e foi a segunda mais sensível à distância.

Um estudo canadense mostrou que metade da rede social dos entrevistados foi constituída de parentes, quase igualmente divididos em parentes imediatos (e.g. pais, irmão e filhos) e estendidos - tios, primos e avós (Mok et al., 2007). Com os parentes imediatos a frequência de contato foi 87 dias ao ano, embora tenha sofrido quedas com o aumento na distância entre residências. Quando os autores consideraram parentes íntimos e não íntimos, a frequência de contato caiu com o aumento na distância entre as residências para os parentes próximos, no entanto, para os parentes estendidos não houve mudanças relevantes. Parentes íntimos e imediatos se encontram mais freqüentemente, 92 dias por ano; os parentes imediatos não íntimos se encontram a metade das vezes que aqueles o fizeram. Parentes estendidos não íntimos apresentaram a menor frequência de contato, 29 dias no ano (Mok et al., 2007).

Podemos encontrar também, algumas diferenças sexuais na composição das redes sociais de humanos. Bastani (2007) revelou que as mulheres tiveram maior quantidade de parentes em sua rede social que os homens. As razões sugeridas por e Mok e colaboradores (2007) para as mulheres possuírem redes sociais maiores que as dos homens é a responsabilidade destas em manter a família unida e os laços parentais com amigos e vizinhos. Elas também, preferentemente se tornam amigas das mulheres dos amigos dos seus maridos fortalecendo a redes entre eles.

Por outro lado, Taylor e colaboradores (2000) afirmam que devido a diferentes formas de responderem ao estresse, os homens tenderiam a manter redes sociais maiores que mulheres. Elas, contudo teriam mais parentes e vizinhos em suas redes sociais que os homens. Isso se deve ao fato de homens reagirem ao estresse com sistema luta ou fuga ("fight or flight"), no qual redes maiores aumentam suas chances de inibir possíveis ameaças físicas ou ao território. Diferentemente, mulheres reagem ao estresse com a proximidade física e contato com os seus Parentes (sistema "tend and befriend"). Para as mulheres, uma rede menor, porém composta por parentes e conhecidos receptivos às suas necessidades, tornaria menos provável sua exposição a conflitos grupais, bem como protegeria sua prole. No entanto, ao analisar algumas espécies de primatas, Kudo e Dunbar (2001) verificaram que os machos possuem redes sociais maiores que as das fêmeas. Segundo os autores isso acontece pelas possibilidades de obter maior número de parceiras sexuais quando formam grandes coalizões.

A despeito da tendência das ciências sociais demonstrarem que a família vem perdendo influência na vida dos indivíduos, observa-se um grande número de estudos sobre redes sociais revelando a predominância dos parentes nas redes sociais das pessoas. Essa discrepância pode ser resultado da complexidade das relações sociais vivenciadas na atualidade e a necessidade de investigação desse fenômeno. Além disso, os estudos sobre redes sociais têm usado o suporte social como medida para estimar a rede social. Dessa forma, o conceito de rede social pode se tornar limitado àquelas poucas pessoas que trocam ajuda material e emocional entre si.

Por outro lado, outros autores trabalham com uma perspectiva mais ampla de rede social, cujo foco está na habilidade em lidar com a quantidade de indivíduos na rede. Segundo esses autores, a habilidade em lidar com as redes sociais está relacionada com o volume do neocórtex das espécies. Espécies com neocórtex de maior volume possuem redes sociais maiores. Essa relação já foi demonstrada em diversas ordens de mamíferos, tais como primatas, cetáceos, ungulados e carnívoros. Essa proposta vem sendo chamada de Hipótese do Cérebro Social, e encontrou a mesma relação com seres humanos em outros países (Hill e Dunbar, 2003; Stiller e Dunbar, 2007; Zhou et al., 2005).

O objetivo deste trabalho foi investigar as redes sociais de parentesco focado na habilidade das pessoas em administrar suas redes sociais, levando em consideração o tamanho da rede de parentesco. Foram investigadas, também, outras variáveis que pudessem afetar o tamanho da rede, como frequência e tempo de interações, coeficiente de parentesco e proximidade emocional, como propostas por Stiller e Dunbar (2007).

 

Hipóteses

Foi levantado um conjunto de hipóteses que buscamos responder com esta pesquisa. 1a Hipótese: a quantidade de parentes genéticos e não genéticos irá variar nas redes sociais, com maior predominância de parentes genéticos em virtude da ação da seleção por parentesco; 2a Hipótese: a frequência e tempo de contato e proximidade emocional serão maiores entre parentes genéticos que entre outros tipos de parentes; 3a Hipótese: haverá correlações positivas entre o coeficiente de parentesco (a proporção de genes compartilhados com os parentes) e frequência de interações; coeficiente de parentesco e tempo de interações; coeficiente de parentesco e proximidade emocional. E correlações negativas entre frequência e tempo de interações; tamanho da rede e frequência de interações; tamanho da rede e tempo de interações.

 

Materiais e métodos

Participantes

Participaram da pesquisa 80 estudantes universitários de 18 a 50 anos, de ambos os sexos, sendo 47 do sexo feminino e 33 do sexo masculino, matriculados em três Instituições de Ensino Superior da cidade de Belém.

Instrumento

Utilizou-se uma versão traduzida para a língua portuguesa do Social Networks Questionnaire, desenvolvido por Stiller e Dunbar (2007). A versão original passou pelo procedimento de backtranslation que resultou no Questionário de Redes Sociais (Q.R.S.). O Q.R.S. é dividido em quatro seções: a seção A investiga questões sócio-demográficas, as seções B (parentes), C (parentes do(a) parceiro(a)) e D (amigos) foram compostas de nove questões referentes aos parceiros sociais dos respondentes. Nesta pesquisa foram utilizadas apenas as seções A e B.

Procedimento

Os respondentes foram selecionados por conveniência entre três áreas do conhecimento (Ciências Humanas, Ciências Naturais e Educação). Os pesquisadores identificavam turmas em horário vago de aulas e efetuavam o convite para participação da pesquisa. Aos que aceitavam, foi entregue um envelope contendo um Q.R.S., duas cópias do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, o qual deveria ser assinado e devolvido ao pesquisador. Os questionários foram devolvidos de uma a duas semanas após a entrega. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Centro de Ciências da Saúde/UFPA protocolo nº166/08.

Análise de dados

A análise de dados relativa às variáveis investigadas, coeficiente de parentesco (medido por meio da porcentagem de genes compartilhados com os parentes transformados em escores: pais, irmãos e filhos igual a 50% ou 0,5; avós e primos igual a 12,5% ou 0,125), frequência e tempo de contato e proximidade emocional constituiu na obtenção da média dessas variáveis para cada respondente. Tomado este valor médio para cada respondente foram realizados os testes de Friedman para verificar quais dos grupos (parentes genéticos, parentes postiços e parentes pelo casamento de outros parentes genéticos) apresentavam diferenças significativas entre os postos. Testes de Wilcoxon foram utilizados como testes post hoc. O mesmo ocorreu para os cálculos dos testes de correlação de Pearson. Os parentes genéticos foram considerados aqueles com os quais os respondentes possuíam laços consangüíneos; os parentes postiços foram madrastas, padrastos e outros relacionados a esses. Os parentes pelo casamento foram aqueles que casaram com os parentes genéticos dos respondentes.

 

Resultados

Neste estudo, encontramos uma média de 29 parentes nas redes sociais (DP = 20,14), destes a maior parte de parentes genéticos (M = 34,45), parentes postiços (M = 2,55), parentes pelo casamento de parentes (M = 5,35) e parentes adotivos (M = 3,5). Nas análises seguintes, os parentes adotivos foram excluídos devido ao pequeno número de participantes que relataram possuir esse tipo de parentesco.

A quantidade de membros nas redes sociais de parentes diferiu significativamente entre os grupos, com X22 = 31,620, p = 0,001 (N = 20). Diferenças significativas foram encontradas entre parentes genéticos e parentes postiços (T = 0, p = 0,001, r = - 1); parentes Genéticos e parentes pelo casamento (T = 1, p = 0,001, r = - 1). Também foram encontradas diferenças significativas entre parentes postiços e Parentes pelo casamento, T = 36,50, p = 0,016, r = - 0,59.

Realizamos testes de correlação de Pearson a fim de identificar possíveis relacionamentos entre as variáveis: coeficiente de parentesco, frequência de interações, tempo de interações e proximidade emocional (gráfico 1). Como vemos no gráfico 1a e 1b, à medida que aumenta o coeficiente de parentesco aumentam na mesma proporção a frequência de interações com os parentes e a proximidade emocional. No gráfico 1c, à medida que aumenta o número de parentes na rede, diminui a frequência de interações com os mesmos. Interessantemente, com o aumento na frequência de interações aumenta o tempo despendido em interações com parentes, gráfico 1d.

Podemos observar na gráfico 2a que as médias de parentes genéticos, postiços e pelo casamento diferem grandemente no intervalo de 0 a 1,9 vezes por semana. Não obstante, a partir daí ocorre uma diminuição substancial dos parentes genéticos contatados no intervalo de 1 a 2,9 vezes por semana, diminuindo ainda mais até 6,9 vezes por semana. A média de parentes genéticos contatados voltou a aumentar a partir de 7 vezes por semana, onde os demais tipos de parentes têm média muito próxima à zero.

As linhas diagonais indicam a tendência da correlação entre as variáveis.

 

Gráfico 1a

Gráfico 1a - Curva de dispersão e correlação de Pearson entre as variáveis coeficiente de parentesco e frequência de contato.

 

Gráfico 1b

Gráfico 1b - Curva de dispersão e correlação de Pearson entre as variáveis coeficiente de parentesco e proximidade emocional.

 

Gráfico 1c

Gráfico 1c - Curva de dispersão e correlação de Pearson entre as variáveis tamanho da rede de parentesco e frequência de interações.

 

Gráfico 1d

Gráfico 1d - Curva de dispersão e correlação de Pearson entre as variáveis frequência de interações e tempo de interações. * p < 0,05; ** p < 0,01; ***p < 0,001.

 

Gráfico 2a

Gráfico 2a - Média de parentes contatados em cada intervalo de frequência de interações semanais. Os intervalos correspondem de 0 a 0,9 vezes semanais, de 1 a 2,9; de 3 a 4,9, de 5 a 6,9 e 7 ou mais vezes por semana.

 

Gráfico 2b

Gráfico 2b - Médias de parentes contatados na semana em cada intervalos de tempo. Os intervalos correspondem de 0 a 6 horas semanais, de 7 a 48,9 horas, de 49 a 72,9 horas, de 73 a 120,9 horas e de 121 a 168 horas semanais.

 

Gráfico 2c

Gráfico 2c - Média dos tipos de parentes de acordo com o nível de proximidade emocional, onde -3 corresponde a nada próximo, e +3 corresponde a extremamente próximo.

 

Na gráfico 2c, vemos as médias dos tipos de parentes contatados em cada intervalo de horas semanais. Verificamos que há uma tendência semelhante dos dados vistos na Gráfico 1b, com uma grande predominância de parentes genéticos contatados de 0 a 6 horas semanais, com quedas substanciais a partir de 7 horas semanais. As médias de parentes não genéticos, por outro lado, se mantêm constantes ao longo dos intervalos, sempre muito abaixo da média de parentes genéticos.

A média de parentes postiços contatados foram, em todos os intervalos, menores que uma (1) pessoa. A média de parentes pelo casamento, contatadas de 0 a 6 horas na semana foi de 2,02 pessoas, e caiu para menos que uma a partir de 7 horas semanais (gráfico 2b).

Surpreendentemente, vemos na gráfico 2c, que os parentes genéticos apresentam as maiores médias em todos os níveis da escala de proximidade emocional, até mesmo entre aqueles parentes com os quais a proximidade em termos afetivos é a mais baixa, como em -3 (Nada próximo). Porém são muito mais freqüentes a partir do valor zero (ou Neutro), diferentemente dos parentes não genéticos que se mantêm constantes em termos emocionais ao longo da escala.

 

Discussão

Neste estudo, pudemos identificar que as redes sociais de parentesco são compostas por pessoas geneticamente e não geneticamente aparentadas. Os parentes não genéticos foram parentes postiços, adotivos (pais, filhos e irmãos) e parentes através do matrimônio dos próprios parentes genéticos. Embora essa diversidade na natureza dos laços de parentesco encontradas em quase todos os respondentes, a maior parcela das redes de parentesco foi composta por parentes genéticos. Este achado fortalece as suposições da existência de mecanismos psicológicos, selecionados filogeneticamente, pelas conseqüências da formação de redes sociais com os próprios parentes, como sugeriram Tooby e Cosmides (2005). Segundo os autores, ao longo da filogênese humana, nossos antepassados viviam em pequenos bandos familiares de caçadores-coletores, e que apenas eventualmente se encontravam amistosamente com outros grupos.

Essa marca evolutiva está impressa na psicologia humana talvez pelo fato de que são os próprios parentes a principal fonte de suporte e auxilio frente às necessidades, como apontaram Chan e Lee (2006), Lee e colaboradores (2005), e Wu e Hart (2002). Somado a isso, a cooperação entre pessoas geneticamente aparentadas traz vantagens mútuas, como foi indicado por Hamilton (1964) em sua teoria sobre a aptidão inclusiva ou seleção de parentesco.

Nosso estudo identificou que as rede sociais de parentesco foram compostas de 29 pessoas em média (o maior grupo das redes sociais como um todo (Silva Júnior, 2009). A maior parte (75,13%) dos membros desse grupo foi de parentes genéticos, como também encontraram Bastani (2007) e Grossetti (2007), mas que por outro lado, encontraram uma média de parentes bem inferior. Essa diferença, talvez se deva ao modo como Bastani (2007) e Grossetti (2007) mediram as redes sociais. Para esses autores, estimar as redes sociais é medir o suporte social fornecido pelas pessoas, ou seja, o auxilio sob a forma de ajuda material e emocional entre os parentes. Como conseqüência desse raciocínio, o conceito de rede fica atrelado ao conceito de suporte social, que pode ser mais restritivo em termos do número de pessoas que fornecem esse suporte.

Investigamos, também, variáveis que poderiam influenciar o tamanho das redes de parentes. Obtivemos resultados significativos, indicando que a frequência de interações foi uma variável restritiva ao aumento no número de membros nas redes de parentesco, em virtude de que um aumento no número total de indivíduos com os quais se relacionar requer um aumento na frequência de interações no total.

Uma expansão do tamanho das redes sociais requer das pessoas maior habilidade para administraram seus contatos, como lembrar as informações pessoais de cada um e obter tempo para a interação. Ao observar os diferentes níveis de frequência de interação, pudemos concluir que apesar dos decréscimos em contato a partir de 1 vez por semana, existe um grupo de parentes com os quais se reserva maior frequência de interações (igual ou superior a 7 vezes por semana) em torno de 4 pessoas. O mesmo é valido para a variável tempo de interações, com decréscimos a partir de 7 horas por semana, há um pequeno grupo de parentes para os quais se reserva mais de 73 horas de contato semanais, novamente cerca de 4 pessoas.

No caso da proximidade emocional, a média de parentes genéticos foi maior que a média dos demais Parentes em todos os níveis da escala (onde -3 é Nada próximo e +3 é Extremamente próximo). Novamente aqui, os parentes genéticos com os quais se possui nível de proximidade emocional máximo são em torno de 5 pessoas. Possivelmente essas 4 ou 5 pessoas são as mesmas em todos os casos (maior frequência, tempo e proximidade emocional), isso oferece uma pista a respeito da mais intima vinculação interpessoal que pode estar restrita a um pequeno número de pessoas na rede, neste caso aos parentes próximos em termos genéticos, como previram Tooby e Cosmides (2005).

Foi evidente também que o coeficiente de parentesco, proposto inicialmente por Hill e Dunbar (2003) foi determinante, sobre a proximidade emocional e a frequência de contato, resultados semelhantes foram encontrados por Hill e Dunbar (2003) e Mok e colaboradores (2007). O relacionamento entre essas variáveis deixa claro que de algum modo podemos esperar que pessoas mais próximas geneticamente, como pais, irmãos e filhos, são aquelas com quem buscamos mais contato freqüentemente e por quem temos maior envolvimento afetivo. Não podemos afirmar, contudo, se a proximidade genética é o fator determinante de maior contato e maior proximidade, mas podemos afirmar que ela foi um fator indispensável à configuração das redes tais como as encontramos.

Ao contrário do esperado, frequência de contato e tempo despendido em interações se correlacionaram positivamente. Isto não foi previsto uma vez que aumentos na frequência de contatos com o grupo podem diminuir o tempo dedicado a cada pessoa individualmente. Provavelmente, as redes de parentesco não foram grandes o suficiente para impedir que houvesse relacionamentos positivos entre essas variáveis, como ocorreu quando se analisou as redes de amigos e a rede total dos mesmos sujeitos (Silva Júnior, 2009).

Este conjunto de achados permite fortalecer a visão de que mesmo diante de grandes modificações no estilo de vida, as redes sociais de parentesco se mantêm como cerne das relações sociais das pessoas. As razões da sua permanência na modernidade levam à suposição que elas foram determinantes em um tempo no qual o mundo das pessoas se restringia a intenso contato social com parentes e a contatos sociais esporádicos com indivíduos não aparentados. Estes, os parentes, eram a mais relevante referência e fonte de trocas sociais e afetivas durante a evolução da nossa espécie, e dada a sua importância naquele período, os seres humanos modernos ainda preservam essas relações guiados pelos mecanismos psicológicos evoluídos no ambiente de adaptação evolutiva (Tooby e Cosmides, 2005). Isso fica claro quando percebemos que as variáveis frequência, tempo de contato e proximidade emocional são significativamente mais fortes com os parentes genéticos que entre outros tipos de parentes.

No entanto, a abertura para novas formas de parentesco com parentes postiços, adotivos e pelo casamento com outros pode e deve ser investigada mais a fundo. Estudos posteriores podem verificar se existe algum poder preditivo entre tamanho da rede, frequência e tempo de contato, proximidade emocional e coeficiente de parentesco em busca de um modelo que descreva acuradamente como as pessoas formam a administram as relações com seus parentes.

 

Agradecimentos

A presente pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio de bolsa de mestrado do primeiro autor e parcialmente financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do Edital Institutos do Milênio/420038/2005-1. Os autores gostariam de agradecer à Profa. Dra. Patrícia Izar e ao Prof. Dr. Olavo Galvão pelas contribuições à primeira versão do manuscrito sob a forma da dissertação de mestrado do primeiro autor, e à Profa. Dra. Alda Henriques pela leitura e correções com contribuições relevantes.

 

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Notas

M. D. Silva Júnior
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