SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número1Neuroeconomia e neuromarketing:: Imagens cerebrais explicando as decisões humanas de consumoMatemática cotidiana e matemática científica índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.16 no.1 Rio de Janeiro dez. 2011

 

Ensaio

 

A relação entre conhecimento e criatividade: evidências a partir de pesquisas com o Jogo de Xadrez

 

The relationship between knowledge and creativity: evidence from research into the Game of Chess

 

 

Kariston Pereira, Iandra Pavanati e Richard Perassi Luiz de Sousa

Departamento de Engenharia do Conhecimento (DEGC), Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A conexão entre conhecimento e criatividade é um tema estudado pela abordagem cognitiva do processo criativo, destacando-se duas correntes: a "foundation view", que considera o domínio do conhecimento especializado como fator de promoção da criatividade, e a "tension view", que defende que há um limite na quantidade de conhecimento necessário à criatividade. A contradição entre as duas correntes suscita a tradicional questão do "dogmatismo" com relação ao conhecimento constituído. Pois, quando é adotada uma postura dogmática, sob o "efeito Einstellung", não são consideradas alternativas criativas ao conhecimento já instituído como válido. Considera-se, portanto, a hipótese de que o conhecimento não impede a criatividade, e sim a promove, quando não tratado de maneira dogmática. Isso pode ser exemplificado no contexto do jogo de xadrez, que como a ciência e a tecnologia, fundamenta-se num conhecimento objetivado. O xadrez é um fenômeno muito estudado na ciência cognitiva, havendo um amplo acervo de conhecimentos formalizados a seu respeito. É um jogo de conhecimento intensivo que depende da criatividade, apresentando-se como campo de pesquisa sobre a relação cooperativa entre criatividade e conhecimento, o que é interessante também para outros domínios, incluindo o científico. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (1): 112-126.

Palavras-chave: criatividade; conhecimento; inflexibilidade; jogo de xadrez.


Abstract

The connection between knowledge and creativity is a subject studied by the creative process cognitive approach, standing out two currents: the "foundation view", which considers the grasp of specialized knowledge as a factor in promoting creativity, and the "tension view", which defends that there is a limit in the amount of necessary knowledge to the creativity. The contradiction between the two currents raises the traditional question of "dogmatism" in relation to established knowledge. Thus, when a dogmatic posture is adopted, under the "Einstellung effect," creative alternatives are not considered to the knowledge already established as valid. It can be considered, therefore, the hypothesis that the knowledge doesn't impede the creativity, serving, besides, to promote it, since it is not treated in a dogmatic way. This can be exemplified in the context of the game of chess, that as the science and the technology, it is based in an objectified knowledge. The chess is a phenomenon very studied in the cognitive science, having a wide amount of formalized knowledge about it. It is a game of intensive knowledge, in which the success depends on the creativity, presenting itself as research field about the cooperative relationship between creativity and knowledge, what is interesting also for other domains, including the scientific one. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (1): 112-126.

Keywords: creativity; knowledge; inflexibility; chess.


 

 

Introdução

A criatividade tem sido estudada por diferentes áreas do conhecimento (Alencar & Fleith, 2003). É possível encontrar trabalhos sobre o processo criativo na filosofia, nas artes, nas ciências de um modo geral, na psicologia, na inteligência artificial, dentre outras ciências cognitivas, só para citar algumas. Cada área desenvolve uma abordagem diferenciada quanto à origem, conceito e condições para o desencadeamento do processo criativo. Para Sternberg & Lubart (2008), há diferentes paradigmas que orientam a busca por respostas nesse campo, quais sejam: o místico, o psicoanalítico, o pragmático, o psicométrico, o cognitivo e o que envolve questões sociais e de personalidade. Sternberg (2008), por sua vez, destaca os seguintes enfoques: o psicométrico e cognitivo (o quanto se produz e o quanto se conhece), o enfoque na personalidade e motivação (de quem se trata), o enfoque social e histórico (onde o indivíduo se encontra), ou por fim, uma confluência envolvendo alguns ou todos eles.

Tentando sintetizar o que há de comum nos diversos conceitos de criatividade, Eunice de Alencar afirmou o seguinte:

"Pode-se notar que uma das principais dimensões presentes nas mais diversas definições de criatividade propostas até o momento diz respeito ao fato de que criatividade implica emergência de um produto novo, seja uma ideia ou invenção original, seja a reelaboração e aperfeiçoamento de produtos ou ideias já existentes." (Alencar, 1993, p. 15)

Conforme o enfoque dado no estudo da criatividade, a sua conexão com o conhecimento é apresentada seguindo diferentes interpretações. Para boa parte dos teóricos da criatividade, a relação entre conhecimento especializado (expertise) e criatividade pode fazer surgir um fenômeno chamado "efeito Einstellung" (Luchins, 1987), também conhecido como "entrincheiramento" (Sternberg, 1996, 2008) ou inflexibilidade dos experts (Bilalic, Mcleod & Gobet, 2008a, 2008b), em que o especialista, na solução de problemas em um domínio de conhecimento particular, fica preso a um modo ou estratégia familiar de resolução, que funciona bem em um contexto geral, mas que pode não funcionar em um problema específico. De acordo com essa visão, o conhecimento é necessário, mas em excesso pode ser prejudicial à criatividade (Bilalic et al., 2008a). Tal interpretação é também conhecida como "tension view" (Weisberg, 2008). Em contraste, os pesquisadores da área do expertise procuram sustentar uma visão diferente, chamada "foundation view" (Weisberg, 2008), afirmando que o conhecimento especializado pode ser entendido como um fator de promoção para a criatividade.

A contradição entre as duas correntes, sendo que ambas se configuram sobre base experimental, suscita a tradicional questão do "dogmatismo" com relação ao conhecimento constituído. Na filosofia de Kant, por exemplo, esse "dogmatismo" representa uma atitude de conhecimento que "consiste em acreditar estar de posse da certeza ou da verdade antes de fazer a crítica da faculdade de conhecer." (Japiassú & Marcondes, 1996, p. 75). Quando é adotada uma postura dogmática, impede-se que haja ou que sejam consideradas alternativas criativas ao conhecimento já instituído como válido ou verdadeiro.

Pesquisas recentes no jogo de xadrez confirmam a ocorrência do "efeito Einstellung" no desempenho dos experts, mas também atestam que quanto mais expertise um especialista desenvolve, menos propenso ele se torna a esse fenômeno, sustentando a hipótese de que "a inflexibilidade dos experts é tanto mito como realidade, mas quanto maior for o grau de expertise, mais mito ela se torna." (Bilalic et al., 2008a, p. 97, tradução nossa).

Neste ensaio, será dado maior enfoque na interpretação da criatividade dada pela ciência cognitiva, ou seja, o enfoque cognitivo citado por Sternberg (2008). Dentre os temas mais estudados por essa área no que se refere à criatividade, está, pois, a sua conexão com o conhecimento prévio adquirido (o quanto se conhece). É natural, contudo, que alguma relação com outros modos de se pensar a criatividade seja interessante à discussão em alguns momentos. Portanto, a orientação para um viés cognitivo trata-se apenas de uma linha mestra na abordagem desenvolvida.

A estrutura do texto está organizada da seguinte forma: primeiramente desenvolve-se uma discussão atualizada que destaca a importância do conhecimento específico para a criatividade em qualquer que seja a área, seguido da apresentação das duas principais correntes de pensamento sobre essa conexão. Um tópico com discussões provindas de estudos com o jogo de xadrez foi adicionado para enriquecer a pesquisa e dar suporte empírico à hipótese de que o conhecimento especializado não impede a criatividade, servindo, inclusive, para promovê-la, desde que não seja tratado de maneira dogmática. Tal abordagem vale para o jogo de xadrez e para o progresso do conhecimento em geral e, especialmente, dos conhecimentos tecnológico e científico. Por fim, são traçadas algumas considerações finais.

 

A importância do conhecimento específico para a criatividade

Em princípio, há uma contradição entre "conhecimento" e "criatividade", considerando-se o significado de cada termo. "Conhecimento" é um termo que indica um acervo de possibilidades já constituídas e bem aceitas, permitindo a apropriação intelectual de determinado campo empírico ou de ideias (Japiassú & Marcondes, 1996). "Criatividade" prevê invenção ou inovação e, portanto, deve contradizer ou negar o conhecimento já constituído. Afinal, "ser criativo" implica justamente na tentativa do sujeito superar as rotas convencionais de pensamento para se liberar da ativação de associações típicas (Sassenberg & Moskowitz, 2005). Entretanto, são os processos criativos que renovam o conhecimento, promovendo avanços particulares ou desenvolvimento em geral. Em outras palavras, é preciso negar a tradição para ampliar a tradição.

Partindo da perspectiva da ciência cognitiva, Sternberg & Lubart (1995) afirmam que é absolutamente necessário conhecer muito acerca do campo em que se espera ser criativo. Nas palavras de Nickerson (2008, p. 409, tradução nossa), "antes de alguém esperar mudar adequadamente um domínio [...] se faz necessário ser mestre naquilo que já existe em tal domínio." Reilly (2008) destaca que uma característica marcante encontrada na literatura norte-americana sobre criatividade, é justamente a necessidade do indivíduo ser um especialista em sua área antes de vir a ser criativo.

Gardner (1999a, p. 222) salienta que o indivíduo criativo determina quais habilidades são necessárias para suas criações e trabalha incansavelmente para desenvolvê-las e aperfeiçoá-las, pois "para ser capaz de pensar de uma forma original sobre um tópico, a pessoa deve ter o material tão organizado em sua mente a ponto de poder prontamente justapô-lo e combiná-lo em uma variedade de formas inesperadas [...]." A capacidade para criar pode requerer aproximadamente uma década de treinamento especializado, e pode ser necessária uma década a mais de experiência adicional para que alguém seja capaz de realizar feitos criativos realmente extraordinários (Policastro & Gardner, 2008).

Alguns exemplos apontados por pesquisadores podem demonstrar essa relação bastante íntima entre conhecimento e criatividade. Gardner (1999b) apresenta o caso de Mozart, um dos mais reverenciados prodígios na história da música. Apenas aos quinze anos de idade, salienta o autor, depois de mais de uma década de composições, é que suas peças adquiriram qualidade suficiente para garantir lugar em seu repertório permanente. Outro caso clássico é o de Charles Darwin:

"Contrário à visão convencional da criatividade como um processo místico, irracional, Darwin não experimentou qualquer epifania súbita de inspiração e qualquer pensamento ou teorias totalmente novas. Em vez disso, ordenava listas intermináveis de pensamentos, imagens, perguntas, sonhos, esboços, comentários, argumentos e notas para si mesmo, todas as quais ele continuamente organizava e reorganizava. Era tudo parte de um esforço laborioso enorme para entender o modo como os processos vivos produziram a pletora de espécies de plantas e animais no mundo natural." (Gardner, 1999a, p. 297)

O progresso de Darwin demonstra que nem sempre é necessário precocidade para atingir alto nível de criatividade na vida adulta. A despeito de nunca ter sido uma criança prodígio, seu sucesso não tem nada de misterioso, afirma Howe (2008), pois seu progresso foi lento e gradual. Ele desenvolveu um arcabouço de conhecimentos e habilidades durante um período de muitos anos, antes de despontar com suas teorias inovadoras. Para Gardner (1999b), o prodígio adulto é indistinguível de seus pares que nunca foram prodígios, mas que, por meio do esforço e treinamento, também atingiram a maestria em seus campos. Casos de prodígios no xadrez como Bobby Fischer e Judit Polgar, que atingiram o nível de Grande Mestre em torno dos quinze anos de idade, podem parecer intrigantes. Um exame mais criterioso de suas trajetórias, no entanto, confirma a "regra dos dez anos" proposta por Simon & Chase (1973), uma vez que ambos iniciaram por volta dos cinco anos de idade. Contrário à crença popular, quanto mais extremo o caso do prodígio, se descobre que mais importante e ótima foi sua preparação prévia (Feldman, 2008).

Um irônico depoimento de Alfred Brendel, que Gardner (1999b) considera um dos pianistas extraordinários de nosso tempo, pode ser um interessante exemplo no contexto da discussão até aqui apresentada:

"Não sou oriundo de uma família musical ou intelectual. Não sou um europeu oriental. Não sou, até onde eu saiba, judeu. Não fui um menino prodígio. Não possuo memória fotográfica, nem toco mais rápido que outras pessoas. Não sou um bom leitor à primeira vista. Necessito de oito horas de sono. Não cancelo concertos por princípio, só quando estou realmente doente. Minha carreira foi tão lenta e gradual que sinto que ou há alguma coisa errada comigo ou com quase todos na profissão. [...] Literatura - ler e escrever - bem como olhar para uma obra de arte tomam um bocado do meu tempo. Quando e como aprendi todas essas peças que toco, assim como ser um marido e pai imperfeito, eu não sei como explicar." (Alvarez, 19951, apud Gardner, 1999b, p. 147)

É bastante improvável que alguém seja capaz de encontrar um indivíduo que tenha feito significativa contribuição criativa para uma determinada área, antes de ter se submetido a uma profunda imersão inicial em seu campo. O pensamento criativo, afirma Weisberg (2008, p. 248, tradução nossa), é um processo baseado na direta aplicação do conhecimento. Para ele, "pode não ser necessário assumir que indivíduos criativos difiram de outros não-criativos em qualquer maneira que seja significante, exceto pelo conhecimento que possuem." Entretanto, também afirma que o conhecimento é uma condição necessária, mas não suficiente para realizações criativas. Ou, como postula Gardner (1999b: 40): "[...] adquirir especialidade disciplinar (ou erudita) não é o mesmo que adquirir extraordinariedade.'' O papel de fatores não cognitivos no processo de criação não pode ser desconsiderado.

Se realmente o conhecimento é tão importante para o processo criativo como indicam as pesquisas, Weisberg (2008) conjetura que pode não ser necessário o desenvolvimento de teorias especiais que expliquem o pensamento criativo. Ao invés, argumenta, seria necessária "simplesmente" uma teoria completa do pensamento. E Weisberg não está sozinho nessa conclusão. Ward, Smith & Finke (2008) argumentam em favor do que chamaram "Cognição Criativa" (Creative Cognition), uma extensão da psicologia cognitiva que procura avançar na compreensão científica da criatividade. Esses autores defendem que há uma considerável sobreposição entre a cognição criativa e não-criativa.

Marvin Minsky também fez afirmações nesse sentido: "[...] Eu não acredito que haja qualquer diferença substancial entre o pensamento ordinário e o pensamento criativo." (Minsky, 1982, p. 5, tradução nossa). O autor critica a crença estabelecida no senso comum, de que é impossível racionalizar e explicar o processo criativo. E acrescenta que não há nenhum mistério nesse processo, procurando assim explicar sua origem:

"[...] deve-se ter uma intensa preocupação com algum domínio. Deve-se ter uma grande proficiência naquele domínio [...]. E é necessário bastante auto-confiança, imunidade à pressão dos pares [...] mas nada disso parece indicar a demanda de diferenças qualitativas básicas [...]. Eu clamo que 'o ordinário, o senso comum' já inclui as coisas que levam, quando melhor balanceadas e ferozmente motivadas, a construir um gênio. Então o que faz aqueles de primeira categoria serem tão melhores em seus trabalhos? Talvez duas diferenças em grau de profundidade daquilo que já se possui em uma mente ordinária. Uma é o modo de como as pessoas aprendem mais e profundas habilidades. A outra é o modo que elas gerenciam o que aprenderam [...]." (Minsky, 1982, p. 5, tradução nossa)

Ao desenvolver seu expertise, disserta Burleson (2005) sobre a opinião de Minsky, os "gênios" conquistam avançadas habilidades administrativas que provém um melhor framework para a utilização e estruturação de suas habilidades aprendidas. Assim, em uma combinação de processos conscientes e inconscientes e meta-cognição, as pessoas criativas tornam-se melhores aprendizes, sabendo escolher melhor o que e como aprender.

Mas se não parece existir discórdia entre os pesquisadores estudados a respeito da importância do conhecimento específico para se alcançar feitos extraordinariamente criativos, no quesito quantidade ou profundidade desse conhecimento surge uma cisão. Duas correntes principais se desenvolvem: uma que afirma que não é necessário dominar "tudo" de uma determinada área antes de adquirir a capacidade de ser excepcionalmente criativo e que, a partir de certo ponto, ao invés de ajudar, mais conhecimento poderia atrapalhar e outra que assevera que quanto mais especializado o conhecimento, melhor, não impondo limites. A primeira Weisberg (2006, 2008) denominou "tension view", e a segunda, "foundation view".

 

Tension view

Se é universalmente aceito que o conhecimento de um campo específico é necessário para que uma pessoa tenha esperanças de produzir algo novo, disserta Weisberg (2008), também é amplamente assumido pela comunidade científica, que muita experiência pode fazer com que o indivíduo não consiga ir além de respostas estereotipadas. Surge, então, uma relação entre conhecimento e criatividade que pode ser modelada na forma de um U invertido, com a máxima criatividade ocorrendo quando o conhecimento está em seu nível intermediário. O gráfico 1, abaixo, apresenta essa relação:

Gráfico 1

Gráfico 1 - Relação Criatividade X Conhecimento (Tension View). Fonte: dos autores, com base em: Weisberg (2006, 2008).

Tal relação de tensão entre a criatividade e conhecimento tem uma longa história na psicologia, possuindo ainda vários seguidores. Weisberg (2006) menciona, por exemplo, o trabalho dos seguintes autores: Csikszentmihalyi (1996), Simonton (1999), Sternberg (1996).

Mas quais são os motivos que levam esses pesquisadores a argumentar que o excesso de conhecimento pode atrapalhar a criatividade? Weisberg (2006) cita os seguintes:

  • O conceito de expertise envolve uma possível "automatização" de respostas, fazendo com que os indivíduos não pensem acerca do que estão fazendo;
  • Muitos cientistas acreditam que o "talento" (uma constelação de habilidades inatas que tornam uma pessoa especialmente dotada para a excelência em um determinado domínio) tem um papel mais importante que as habilidades desenvolvidas através da experiência e prática;
  • A crença de que a criatividade não se fundamenta em experiências ou conhecimentos adquiridos, mas sim em um tipo de pensamento especial, que poderia ser resumido como pensar "outside of the box" ("fora da caixa"), o que poderia ser interpretado, aproximadamente, como levantar soluções originais procurando fugir do que já se sabe.

Sternberg & Lubart (1995) também apresentam argumentos em favor dessa visão. Algumas vezes, postulam esses autores, quando se sabe muito a respeito de um tópico, o conhecimento pode interferir negativamente, ao frear a possibilidade de se enxergar as coisas de um novo ângulo. Em geral, afirmam eles, experiência e conhecimento prévios de modos-padrão de conceituar e/ou resolver tarefas podem bloquear soluções criativas. Argumentam ainda que, se as pessoas adquirem o hábito de resolver as coisas de certo modo, frequentemente enfrentam problemas em imaginar resolvê-las de outra forma. Além do mais, complementam, não se trata apenas de ser mais difícil enxergar as coisas de uma maneira diferente; muitas vezes as pessoas que já desenvolveram uma base de conhecimento em um campo apresentam resistência em mudar o que já está estabelecido, haja vista que seus conhecimentos formam parte de seu capital humano. Apesar dos experts demonstrarem na prática que podem se adaptar muito bem a novas regras, mudanças estruturais e necessidade de novos conhecimentos, a tendência é de manter o status quo, pois realizaram grande investimento em sua base de conhecimento, passando, em consequência, a protegê-lo. Por outro lado, os mais novatos, que investiram menos em sua base de conhecimento e que desfrutam de menos prestígio, sentem-se livres para arriscar a mudança, pois têm pouco a perder e mais probabilidades de lucrar que seus colegas mais experientes.

Assim, os adeptos da "tension view" defendem que não há necessidade de se tornar um expert pleno no meio escolhido. Basta a aquisição de um repertório suficiente de conhecimento que permita ao indivíduo avançar além do que já foi realizado, para evitar o famigerado "reinvento da roda" (Sternberg & Lubart, 1995).

Embora a teoria da tensão entre criatividade e conhecimento seja mais antiga e ainda permaneça como a corrente dominante (Weisberg, 2008), outra corrente vem ganhando força nas últimas décadas. Trata-se da já mencionada "foundation view", discutida a seguir.

 

Foundation view

Weisberg (2008) destaca que um significativo número de pesquisadores tem argumentado uma proposta contrastante à "tension view". A base dessa nova visão, denominada "foundation view", é oriunda dos seguintes trabalhos (dentre outros): Bailin (1988), Gruber (1981), Hayes (1989), Kulkarni & Simon (1988) e Weisberg (1986, 1988, 1993, 1995). Tais estudos enfatizam a importância do conhecimento especializado, e evidenciam que a aquisição de habilidades em nível de mestre (aproximando-se do máximo passível de ser dominado), sem estacionar em um nível intermediário de conhecimento, torna os indivíduos mais aptos a realizarem feitos realmente criativos do que seus pares menos preparados. O gráfico 2, a seguir, apresenta essa nova relação entre criatividade e conhecimento:

Gráfico 2

Gráfico 2 - Relação Criatividade X Conhecimento (Foundation View). Fonte: dos autores, com base em: Weisberg (2006, 2008).

Pesquisas referentes ao papel fundamental do conhecimento para a criatividade vêm de diversas áreas. Muitos dos estudos envolvem a já citada "regra dos dez anos" aplicada ao desenvolvimento de altas habilidades em áreas que envolvam criatividade. Os resultados dessas pesquisas, diz Weisberg (2008), indicam que, pelo menos indiretamente, a habilidade para desenvolver trabalhos com ênfase criativa depende do profundo conhecimento adquirido no meio escolhido. A "foundation view" vem ganhando ainda mais força devido aos estudos de K. Anders Ericsson, que estabelecem uma relação incondicional entre expertise e criatividade. A proposta básica de Ericsson (1996, 1998, 1999), em relação à criatividade, é de que as inovações criativas são as expressões de mais alto nível que um especialista pode produzir, indo além das fronteiras do domínio ou mesmo redefinindo-o.

Gardner (1999a) demonstra que no caso da criatividade artística, apesar de ser estruturalmente diferente e não ser objetivada ou finalista como no campo científico e tecnológico, a aquisição de amplo conhecimento especializado, assim como acontece na ciência, é também importante. Trata-se de um processo reconhecidamente árduo e prolongado, que pode ser atingido por poucos após muitos anos de treinamento, afirma.

Nickerson (2008) ratifica tal posição enfatizando que se alguém quer ser criativo de um modo substantivo, é preciso estar preparado para trabalhar duro, pois conhecimento altamente elaborado e especializado é necessário, o qual somente se adquire depois de muitos anos de esforço contínuo e deliberado. Kepler, por exemplo, só chegou às suas leis do movimento planetário, diz o autor, depois de mais de vinte anos de incessante trabalho e tentativas frustradas. Goethe, outro caso citado por ele, tomou em torno de vinte anos para escrever Fausto; Charles Babbage gastou quarenta anos tentando aperfeiçoar sua máquina analítica. Enfim, como já destacaram Gardner (1999a, 1999b), Pinker (2007) e Nickerson (2008), não há fórmula mágica, o que separa o "gênio" do indivíduo apenas competente é, principalmente, sua capacidade de trabalho e envolvimento com a tarefa. "[...] O gênio criativo está mais para Salieri do que para Amadeus" (Pinker, 2007, p. 381).

 

A conexão criatividade x conhecimento em um domínio particular: o jogo de xadrez

Primeiras considerações

Simon & Chase (1973) declararam ser o xadrez a drosophila da psicologia cognitiva. Assim como a mosca da fruta é um modelo ideal de laboratório para o estudo da hereditariedade - com uma complexidade genética adequada, uma reprodução rápida e características físicas facilmente manipuláveis nas recomposições genéticas -, também o xadrez o é para o estudo da mente humana (Shenk, 2007), adquirindo para além de sua tradição e importância cultural, uma tradição e importância científica.

Saariluoma (1995) destaca que, do ponto de vista da teoria dos jogos, o xadrez é um jogo finito. Suas regras garantem que nenhuma partida pode ser continuada indefinidamente. A árvore de um jogo de xadrez é profunda, mas não infinita. Embora o número médio de movimentos em uma partida de torneio esteja na casa dos quarenta lances, informa Saariluoma, o tamanho total da árvore de jogo no xadrez é grande o suficiente (em torno de 10120 nós) para prevenir os modernos computadores de encontrarem uma "solução computacional" para o jogo. O xadrez é também um jogo com informação perfeita e sem o uso de instrumentos de sorte. Em termos de psicologia, complementam Gobet e colaboradores (2004), os jogos de tabuleiro apresentam oportunidades para estudar a percepção, memória e o pensamento. O xadrez é, por sua vez, além de ser um jogo de tabuleiro, um jogo rico em conhecimento ou, em outras palavras, é um jogo de conhecimento intensivo (Chi, 2007). Trata-se de um modelo de desenvolvimento do conhecimento objetivado e finalista, pois, assim como o conhecimento tecnológico e científico, o xadrez é objetivado por finalidades previstas.

Xadrez, criatividade e conhecimento

Todas as atividades criativas possuem suas regras. O artista ama os vínculos assim como o jogador ama as regras, afirma De Masi (2000, p. 227). A diferença entre trabalho criativo e trabalho executivo é que "no primeiro caso as regras representam um desafio, no segundo são apenas um limite." O xadrez, talvez por sua expressão notadamente racional e conjunto de regras bem definidas, normalmente não é associado a processos criativos mais do que é entendido como um domínio de conhecimento onde só existe espaço para decisões estritamente lógicas e desprovidas de um elemento mais inovador. O fato é que é necessário conhecimento, tanto quanto capacidade para utilizar esse conhecimento de forma totalmente criativa (Kasparov, 2007).

De Masi (2000, p. 259) inclui o xadrez como uma das atividades que podem se encaixar no que ele chamou de ócio criativo. "É a situação do poeta, do cientista, do estudioso, do amante do xadrez (...)." A criatividade se nutre de milhares de horas de reflexão ou exercício, que podem parecer perda de tempo. Mas, complementa o autor, esse "desperdício" de tempo é na verdade uma perambulação do corpo e da mente que acabará por desembocar-se numa obra de arte, num novo teorema, num romance e, porque não, numa brilhante partida de xadrez.

O jogador que progride, avança no sentido de um jogo mais criativo e de estilo original, normalmente vinculado à sua personalidade. Sua criatividade se expressa na elaboração de um plano geral capaz de orientar o jogo e que seja suficientemente flexível para fazer frente a situações imprevisíveis. À medida que um jogador progride em capacidade de jogo, adquire mais confiança, ganha independência e, armado com maior rigor, tenta responder a cada situação da melhor maneira possível. Dessa forma, aprende a relacionar o que vê no tabuleiro com o que sabe de situações semelhantes, e logo aprende também a combinar de maneira original, em função da situação e dos temas conhecidos, táticos ou estratégicos. Nessas operações intervêm cálculos, memória, capacidade de juízo e imaginação (Larousse, 2000).

O xadrez está entre os domínios de conhecimento mais empregados nos estudos sobre o expertise (Gobet, 2004). A "Expert Performance Approach", por exemplo, abordagem popularizada por Ericsson & Smith (1991), foi fruto de uma adaptação dos trabalhos de Chase e Simon (1973a, 1973b) com o jogo de xadrez (Janelle & Hillman, 2003). A teoria da expertise de Simon & Chase (1973) também foi desenvolvida sobre estudos envolvendo o xadrez. Mas apesar de ter sido utilizado muitas vezes em pesquisas e experimentos dentro da ciência cognitiva, poucos métodos de treinamento específico para o xadrez podem ser encontrados na literatura (Gobet & Charness, 2007).

Como acontece em outros domínios, a aquisição de habilidades no xadrez requer um investimento considerável, afirmam Gobet & Charness (2007). Poucos são os jogadores que atingem o nível de Mestre com menos de 10.000 horas de experiência, demandando muita prática e muito estudo sério e disciplinado (Chase & Simon, 1973a). Gobet, Voogt & Retschitzki (2004), fundamentados nos estudos de Simon e Gilmartin (1973), destacam que o desempenho de um Mestre requer de 10.000 a 100.000 chunks (50.000 chunks como uma primeira aproximação). Eles também propuseram que esse número se generaliza para outros domínios de expertise. A já discutida "regra dos dez anos" proposta por Simon e seus colegas foi deduzida a partir de experimentos com o jogo de xadrez, de forma que, para se atingir a maestria nesse jogo é exigido um trabalho disciplinado por aproximadamente uma década. Só em estudo individual, os Grandes Mestres gastam em torno de 5.000 horas durante sua primeira década de envolvimento sério com o jogo, aproximadamente cinco vezes mais do que o despendido por jogadores que permanecem no nível intermediário (Charness, Tuffiash, Krampe, Reingold & Vasyukova, 2005).

Mas o que é necessário dominar para se tornar um expert no xadrez? Para Gobet (1997) a habilidade de jogar xadrez depende de: a) reconhecimento de chunks (padrões baseados em um conjunto de informações inter-relacionadas) familiares nas posições jogadas e b) explorar possíveis movimentos e avaliar suas consequências. Para esse autor, o expertise depende tanto da disponibilidade em memória de informações sobre um grande número de padrões de peças frequentemente recorrentes, bem como da disponibilidade de estratégias para uma procura altamente seletiva na árvore de busca. Para Horn & Masunaga (2007, p. 599, tradução nossa), ao conceituar um problema, o expert é o indivíduo "que está apto a compreender sua estrutura e representar as relações mais relevantes antes de gerar cursos alternativos de ação, enquanto os noviços geram um grande número de opções que frequentemente não tem grande relevância para a situação." Assim, complementam esses autores, "os experts em xadrez escolhem o próximo lance primeiramente codificando a estrutura da posição corrente, baseando-se em seu vasto conhecimento, e então avaliando lances alternativos e suas consequências." Por outro lado, uma pessoa com pouco expertise seleciona o próximo lance gerando e avaliando as várias possibilidades de movimentos que podem ser vistos na situação imediata.

A criatividade no xadrez manifesta-se, pois, durante a busca por uma solução a um problema apresentado. Normalmente soluções convencionais são conhecidas e detectadas por ambos os jogadores no calor da batalha, de forma que a busca por conexões não evidentes pode transformar-se em vantagens de tempo, espaço e material. O que faz o Mestre subir na tabela de classificação, mais do que o conhecimento de aberturas, padrões de ataque e defesa e técnica de finais, é a capacidade de perceber as exceções ao conhecimento estabelecido, em uma concepção criativa, inesperada, que estabelece uma conexão entre elementos de uma forma não trivial (Kasparov, 2007).

Em pesquisa empírica recente, Bilalic et al. (2008a) comprovaram a ocorrência do "efeito Einstellung" no desempenho dos experts no xadrez. Mais importante, no entanto, foi a constatação de que, embora os experts possam demonstrar inflexibilidade quando os problemas enfrentados estejam acima de suas capacidades atuais de jogo, quando enfrentam situações em que apresentam maior domínio técnico, o "efeito Einstellung" não os impede de selecionar a solução mais criativa. Em outras palavras, quanto maior for o nível de expertise, maior o potencial criativo. Para chegar a tal conclusão, esses pesquisadores realizaram uma série de experimentos onde vários jogadores de xadrez classificados de acordo com suas forças de jogo, tinham que passar por dois problemas. Em um dos experimentos, o primeiro problema apresentava duas soluções possíveis, uma delas bastante conhecida, com a possibilidade de dar xeque-mate em cinco lances e outra, não familiar, que possibilitava dar xeque-mate em apenas três lances. O segundo problema possuía apenas uma solução, igual ao xeque-mate de três lances do problema anterior. Jogadores fortes (Candidatos a Mestre, Mestres e Mestres Internacionais) enfrentaram o primeiro problema e a maioria viu apenas a solução familiar, mais longa. Quando enfrentaram o segundo problema, conseguiram encontrar, sem dificuldades, a solução mais curta, única opção na ocasião. Contudo, todos os jogadores mais fortes (Grandes Mestres) enfrentaram o primeiro problema e conseguiram enxergar ambas as soluções. Ou seja, os experts plenos não ficaram "entrincheirados" e mostraram flexibilidade para encontrar a melhor solução. Quando da apresentação de problemas com menor complexidade, os jogadores de menor força também conseguiram superar o "efeito Einstellung". Portanto, o conhecimento objetivado ou finalista em maior nível de especialização e sofisticação, segundo essa pesquisa, propicia mais flexibilidade na solução criativa de problemas estruturados, levando a uma postura menos dogmática do que a encontrada em experts de menor qualificação.

Por fim, é interessante destacar a opinião de um dos melhores jogadores da história do xadrez, que pode ser tomada como uma ratificação da conclusão da pesquisa descrita. Para Garry Kasparov, pode-se assumir o controle da criatividade por meio do trabalho e de uma finalidade definida. "Nossa receita básica, portanto, é fazer uma imersão em todos os aspectos do problema, e depois identificar as questões que têm de ser respondidas. As mentes mais criativas têm maiores conhecimentos sobre o assunto à mão" (Kasparov, 2007, p. 135). E finaliza:

"Quando tivermos absorvido completamente o conhecimento, podemos nos afastar dele com segurança, o suficiente para ter um quadro global. Partindo dele, podemos ver novos caminhos e fazer novas conexões. Surgem novas relevâncias, informações antigas parecem novas, e a inovação torna-se a regra em vez da exceção." (Kasparov, 2007, p. 151)

 

Considerações finais

A hipótese da "tension view" afirma que características inerentes à obtenção de conhecimento especializado podem, pelo menos indiretamente, atrapalhar a criatividade. A "foundation view", por outro lado, tem como pressuposto de pesquisa que o conhecimento, em qualquer profundidade, não pode ser indesejado. De qualquer modo, afirma Nickerson (2008), há evidências de que pouco conhecimento seja, de longe, pior do que muito.

Hutson (2008, p. 27) diz que no senso comum é corriqueiro ouvir o ditado introduzido por Voltaire de que "o perfeito é inimigo do bom." O ser humano, por ser uma criatura de hábitos, desenvolve mecanismos cognitivos para não "reinventar a roda" a cada tentativa de resolver um problema. Mas, talvez a roda inventada não seja ideal para todas as ocasiões. Assim, complementa, "o bom torna-se inimigo do perfeito."

Uma questão muito importante que precisa ser enfatizada é que há diferenças nos tipos de conhecimentos adquiridos. Sternberg & Lubart (1995) destacam que o conhecimento pode ser dividido em dois tipos: formal e informal - também conhecidos como explícito e tácito, respectivamente (Nonaka, Toyama & Konno, 2000). Embora ambos sejam importantes para a criatividade, há distinções:

"O conhecimento formal é o conhecimento de uma disciplina ou trabalho que você aprende em livros, aulas, e outros meios diretos de instrução. Esse conhecimento pode consistir de fatos, princípios, valores estéticos, opiniões sobre uma questão, ou conhecimento de técnicas e paradigmas gerais. [...] Conhecimento informal é o conhecimento que você capta de uma disciplina ou trabalho durante o tempo gasto naquela arena. Conhecimento informal é raramente ensinado de modo explícito e frequentemente não é nem mesmo verbalizado. Além do mais, sua natureza informal rende a ele dificuldades para ser sumarizado." (Sternberg & Lubart, 1995, p. 150, tradução nossa)

Normalmente, as pesquisas que indicam uma relação progressivamente negativa entre criatividade e conhecimento, estudam apenas a relação da criatividade com o conhecimento formal. O trabalho de Simonton (1984) é um exemplo, uma vez que seu estudo, ao prover forte suporte à "tension view", enfocou apenas a relação entre educação formal e criatividade, afirma Weisberg (2008). Sternberg & Lubart (1995) também apresentam os custos para a criatividade advindos apenas do conhecimento formal. Por outro lado, é vasto o número de casos onde um indivíduo reconhecidamente criativo não tenha adquirido um grau acadêmico avançado mas, em contrapartida, tenha adquirido uma imensa base de conhecimento por outros meios. Weisberg (2008) exemplifica, entre outros, o caso de Darwin, que não passou do grau de bacharel, e o de Faraday, que abandonou a escola aos quatorze anos de idade. No xadrez muitos são os exemplos de jogadores que abandonaram os bancos escolares para dedicarem-se exclusivamente ao estudo e prática do jogo. Um dos mais citados é o do norte-americano Robert James Fischer (Bobby Fischer), campeão mundial em 1972, que abandonou a escola aos 16 anos de idade (Brady, 1989). Bobby Fischer também não se "graduou" formalmente em nenhuma escola de xadrez. Simplesmente estava sempre estudando, jogando ou pensando em xadrez. Brady (1989) conta que, durante as aulas na escola, quando a professora "confiscava" seu jogo de xadrez de bolso, ele passava a estudar posições enxadrísticas mentalmente, sem o auxílio do tabuleiro. No xadrez, como já salientado, o que mais importa é o conhecimento especializado conquistado pelo estudo solitário e pela experiência prática adquirida em torneios. O conhecimento informal é, pois, o que mais conta. Weisberg (2008) conclui que, não obstante as pesquisas pareçam estar corretas ao relacionar educação formal com criatividade na forma de um U invertido, isso não necessariamente contradiz a visão de que a relação entre conhecimento e criatividade possa ser positiva.

Outro ponto importante é que o conhecimento informal cresce com os anos de experiência, mas não é a experiência em si que importa e sim, como se tira vantagem dela, declaram Sternberg & Lubart (1995). Além do mais, complementam esses autores, as pessoas criativas estão sempre em busca de novos conhecimentos, sejam eles formais ou informais, nunca se satisfazendo com o que já sabem, sempre querendo aprender mais. De Masi diz que: "[...] Quanto mais educado você for, um maior número de significados as coisas suscitam em você e mais significados você dá às coisas" (2000, p. 327). Os excepcionalmente brilhantes têm ânsia de aprender, adiciona Gardner (1999b).

Considera-se por fim, como possibilidade de trabalho futuro, investigar alternativas para a superação dos limites da "tension view" em prol da "foundation view", colaborando para caracterizar o conhecimento já reconhecidamente fundamental para a criatividade, como capaz de exercer uma função sempre positiva ou, pelo menos, não negativa.

 

Referências bibliográficas

Alencar, E.M.L.S. (1993). Criatividade. Brasília: Edunb.         [ Links ]

Alencar, E.M.L.S. & Fleith, D.S. (2003). Contribuições teóricas recentes ao estudo da criatividade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 19 (1), 1-8.         [ Links ]

Bailin, S. (1988). Achieving extraordinary ends: an essay on creativity. Dordrecht, Nederland: Kluwer Academic.         [ Links ]

Bilalic, M.; Mcleod, P. & Gobet, F. (2008a). Inflexibility of experts-reality or myth? quantifying the Einstellung effect in chess masters. Cognitive Psychology, 56, 73-102.         [ Links ]

Bilalic, M.; Mcleod, P. & Gobet, F. (2008b). Why good thoughts block better ones: the mechanism of the pernicious Einstellung (set) effect. Cognition, 108, 652-661.         [ Links ]

Brady, F. (1989). Bobby Fischer: profile of a prodigy. New York: Dover Publications.         [ Links ]

Burleson, W. (2005). Developing creativity, motivation, and self-actualization with learning systems. International Journal of Human-Computer Studies, 63, 436-451.         [ Links ]

Charness, N.; Tuffiash M.; Krampe, R.; Reingold, E. & Vasyukova, E. (2005). The role of deliberate practice in chess expertise. Applied Cognitive Psychology, 19, 151-165.         [ Links ]

Chase, W.G. & Simon, H.A. (1973a). Perception in chess. Cognitive Psychology, 4, 55-81.         [ Links ]

Chase, W.G. & Simon, H.A. (1973b). The mind's eye in chess. In: Chase, W.G. (Ed.). Visual information processing (pp. 215-281). New York: Academic Press.         [ Links ]

Chi, M.T.H. (2007). Laboratory methods for assessing experts' and novices' knowledge. In: Ericsson, K.A.; Charness, N.; Feltovich, P.J. & Hoffman, R.R. (Ed.). The Cambridge handbook of expertise and expert performance (pp. 167-184). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 2006).         [ Links ]

Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity: Flow and the Psychology of Discovery and Invention. Nova York: Harper Collins.         [ Links ]

De Masi, D. (2000). O ócio criativo. (Manzin, L., Trad.). Rio de Janeiro: Sextante.

Ericsson, K.A. (1996). The acquisition of expert performance: an introduction to some of the issues. In: Ericsson, K.A. (Ed.). The road to excellence. The acquisition of expert performance in the arts and sciences, sports, and games (pp. 1-150). Mahwah, NJ, USA: Erbaum.         [ Links ]

Ericsson, K.A. (1998). The scientific study of expert levels of performance: general implications for optimal learning and creativity. High Ability Studies, 9, 75-100.         [ Links ]

Ericsson, K.A. (1999). Creative expertise as superior reproducible performance: innovative and flexible aspects of expert performance. Psychological Inquiry, 10, 329-333.         [ Links ]

Ericsson, K.A. & Smith, J. (1991). Prospects and limits in the empirical study of expertise: an introduction. In: Ericsson, K.A. & Smith, J. (Ed.). Toward a general theory of expertise: prospect and limits (1-38). Cambridge, MA, USA: Cambridge University Press.

Feldman, D.H. (2008). The development of creativity. In: Sternberg, R.J. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 169-186). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 1999).         [ Links ]

Gardner, H. (1999a). Arte, mente e cérebro: uma abordagem cognitiva da criatividade. (Costa, S., Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

Gardner, H. (1999b). Mentes extraordinárias: perfis de quatro pessoas excepcionais e um estudo sobre o extraordinário em cada um de nós. (Soares, G.B., Trad.). Rio de Janeiro: Rocco.

Gobet, F. (1997). A pattern-recognition theory of search in expert problem solving. Thinking and Reasoning, 3 (4), 291-313.         [ Links ]

Gobet, F. (2004). Chess expertise, cognitive psychology of. In: Smelser, N.J. & Baltes, P.B. (Ed). International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences (pp. 1663-1667). Oxford: Pergamon.

Gobet, F. & Charness, N. (2007). Expertise in chess. In: Ericsson, K.A.; Charness, N.; Feltovich, P.J. & Hoffman, R.R. (Ed.). The Cambridge handbook of expertise and expert performance (pp. 523-538). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 2006).         [ Links ]

Gobet, F.; Voogt, A. & Retschitzki, J. (2004). Moves in mind: the psychology of board games. New York: Psychology Press.         [ Links ]

Gruber, H.E. (1981). Darwin on man: a psychological study of scientific creativity (2a Ed.). Chicago: University of Chicago Press.         [ Links ]

Hayes, J.R. (1989). Cognitive process in creativity. In: Glover, J.A.; Ronning, R.R. & Reynolds, C.R. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 135-145). New York: Plenum.         [ Links ]

Horn, J. & Masunaga, H. (2007). A merging theory of expertise and intelligence. In: Ericsson, K.A.; Charness, N.; Feltovich, P.J. & Hoffman, R.R. (Ed.). The Cambridge handbook of expertise and expert performance (pp. 587-611). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 2006).         [ Links ]

Howe, M.J.A. (2008). Prodigies and Creativity. In: Sternberg, R.J. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 431-446). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 1999).         [ Links ]

Hutson, M. (2008). Creatures of habit: know-how gets you in-and out-of ruts. Psychology Today, 41 (6), 27.         [ Links ]

Janelle, C.M. & Hillman, C.H. (2003). Expert performance in sports: current perspectives and critical issues. In: Starkes, J.L. & Ericsson, K.A. (Ed.). Expert performance in sports: advances in research on sport expertise (pp. 19-47). Champaign, IL, USA: Human Knetics.

Japiassú, H. & Marcondes, D. (1996). Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Original publicado em 1989).         [ Links ]

Kasparov, G.K. (2007). Xeque-mate: como a vida e os negócios são um jogo de xadrez. (Fonseca, T.F., Trad.). Rio de Janeiro: Elsevier.         [ Links ]

Kulkarni, D. & Simon, H.A. (1988). The process of scientific discovery: the strategy of experimentation. Cognition Science, 12, 139-175.         [ Links ]

Larousse Del Ajedrez. (2000). Barcelona: Larousse Editorial.

Luchins, A.S. (1987). Einstellung effects. Science, 238 (4827), 598.         [ Links ]

Minsky, M. (1982). Why people think computers can't. AI Magazine, 3 (4), 3-15. Retirado em 23/06/2009, no World Wide Web: http://www.         [ Links ]aaai.org/ojs/index.php/aimagazine/article/ view/376/312.

Nickerson, R.S. (2008). Enhancing Creativity. In: Sternberg, R.J. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 392-430). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 1999).         [ Links ]

Nonaka, I.; Toyama, R. & Konno, N. (2000). SECI, ba and leadership: a unified model of dynamic knowledge creation. Long Range Planning, 33, 5-34.         [ Links ]

Pinker, S. (2007). Como a mente funciona. (Motta, L.T., Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. (Original publicado em 1998).

Policastro, E. & Gardner, H. (2008). From case studies to robust generalizations: an approach to the study of creativity. In: Sternberg, R.J. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 213-225). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 1999).         [ Links ]

Reilly, R.C. (2008). Is expertise a necessary precondition for creativity? A case of four novice learning group facilitators. Thinking Skills and Creativity, 3, 59-76.         [ Links ]

Saariluoma, P. (1995). Chess player's thinking: a cognitive psychological approach. New York: Routledge.         [ Links ]

Sassenberg, K. & Moskowitz, G. (2005). B.Don't stereotype, think different! Overcoming automatic stereotype activation by mindset priming. Journal of Experimental Social Psychology, 41, 506-514.

Shenk, D. (2007). O jogo imortal: o que o xadrez nos revela sobre a guerra, a arte, a ciência e o cérebro humano. (Valente, R.F., Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Simon, H.A. & Chase, W. (1973). Skill in chess. American Scientist, 61, 364-403.         [ Links ]

Simon, H.A. & Gilmartin, K.J. (1973). A simulation of memory for chess positions. Cognitive Psychology, 5, 29-46.         [ Links ]

Simonton, D.K. (1984). Genius, creativity, and leadership. New York: Cambridge University Press.         [ Links ]

Simonton, D.K. (1999). Origins of genius. Darwinian perspectives on creativity. New York: Oxford.         [ Links ]

Sternberg, R.J. (1996). Costs of expertise. In: Ericsson, K.A. (Ed.). The road to excellence. The acquisition of expert performance in the arts and sciences, sports, and games (pp. 347-354). Mahwah, NJ, USA: Erbaum.         [ Links ]

Sternberg, R.J. (2008). Psicologia Cognitiva. (Costa, R.C., Trad.). Porto Alegre: Artmed. (Original publicado em 2006).

Sternberg, R.J. & Lubart, T.I. (1995). Defying the crowd. Cultivating creativity in a culture of conformity. New York: The Free Press.         [ Links ]

Sternberg, R.J. & Lubart, T.I. (2008). The concept of creativity: prospects and paradigms. In: Sternberg, R.J. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 3-15). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 1999).         [ Links ]

Ward, T.B.; Smith, S.M. & Finke, R.A. (2008). Creativity Cognition. In: Sternberg, R.J. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 189-212). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 1999).         [ Links ]

Weisberg, R.W. (1986). Creativity: genius and other myths. New York: Freeman.         [ Links ]

Weisberg, R.W. (1988). Problem solving and creativity. In: Sternberg, R.J. (Ed.). The nature of creativity: contemporary psychological perspectives (pp. 148-176). Cambridge, MA, USA: MIT Press.

Weisberg, R.W. (1993). Creativity: beyond the myth of genius. New York: Freeman.         [ Links ]

Weisberg, R.W. (1995). Case studies of creative thinking: reproduction versus restructuring in the real world. In: Smith, S.M.; Ward, R.A. & Finke, R.A. (Ed.). The creative cognition approach (pp. 53-72). Cambridge, MA, USA: MIT Press.

Weisberg, R.W. (2006). Modes of expertise in creative thinking: evidence from case studies. In: Ericsson, K.A.; Charness, N.; Feltovich, P.J. & Hoffman, R.R. (Ed.). The Cambridge handbook of expertise and expert performance (pp. 761-787). New York, NY: Cambridge University Press.         [ Links ]

Weisberg, R.W. (2008). Creativity and knowledge: a challenge to theories. In: Sternberg, R.J. (Ed.). Handbook of creativity (pp. 226-250). New York: Cambridge University Press. (Original publicado em 1999).         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

K. Pereira
Rua Piratuba, 1143, Joinville, SC, 89222-365.
E-mail para correspondência: karistonpereira@gmail.com

I. Pavanati
E-mail para correspondência: iandrapavanati@hotmail.com

R.P.L. Sousa
E-mail para correspondência: perassi@cce.ufsc.br.

 

 

(1) Alvarez, A. (1995, 01 de abril). The playful pianist. The New Yorker, 49-55.