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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.16 no.1 Rio de Janeiro Dec. 2011

 

Resenha

 

A mente pós-evolutiva: A filosofia da mente no universo do silício

 

The post-evolutionary mind: The philosophy of mind in the silicon universe

 

 

Eduardo Benkendorf, Nivaldo Machado e Egon Sewald Junior

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Resenha do livro "A Mente Pós-Evolutiva: A Filosofia da Mente no Universo do Silício", de João de Fernandes Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2010, 159 pp. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (1): xxx-xxx.

Neste excelente livro somos levados pelo autor a repensar os vários aspectos vinculados ao chamado mundo pós-humano. Este nada mais é do que o cenário futuro (futuro?) da terra, onde fica cada vez mais difícil de perceber a linha divisória entre homem e máquina. Longe de ser uma caracterização exagerada ou uma recusa em aceitar que a fusão homem-máquina irá acontecer, o autor engendra com originalidade uma análise filosófica deste mundo futuro a partir da Filosofia da Mente.

São abordados no livro tanto temas clássicos como qualia, mente, consciência, zumbis filosóficos, psicologia, neurociência, quanto temas emergentes como os ciborgues, e a parabiose. Em relação a estes dois últimos, a tarefa do autor é a de trazer para a discussão as questões suscitadas pela crescente fusão entre homem e máquina. Terão estes novos seres sensações da mesma maneira que nós humanos temos? Serão eles conscientes? Quanto aos problemas filosóficos, terão eles o mesmo status que tem atualmente, ou deveríamos pensar novas maneiras de encará-los a partir dessa fusão? Será possível traçar uma diferença entre seres humanos e os ciborgues/andróides?

No primeiro capítulo o autor nos leva a uma reflexão acerca de uma das correntes mais fortes em psicologia, o behaviorismo radical de Skinner. Haveriam problemas com a noção Skinneriana de caixa-preta, a qual postula que o cérebro não deve ter poder causal na explicação do comportamento humano. Ele seria uma caixa preta. Toda explicação comportamental deveria ser buscada no ambiente, e toda tentativa de buscar explicações baseadas em algo interno (under the skin) implicaria em um dualismo cartesiano.

O autor vai atentar para o fato de que esta não é a única caixa preta que a psicologia de Skinner apresenta. Para ele, a noção de história de vida é uma questão central no behaviorismo. A crítica que o autor faz incide no ponto em que para ele, a "história de vida" implica em uma representação. Toda representação é algo interno, ou mental, e disto decorre haver uma falha no projeto anticartesiano de Skinner. Nas bases do behaviorismo estaria a noção de história de vida, e esta estaria comprometida com o mentalismo. Sem perceber Skinner teria introduzido um dualismo pela porta dos fundos, como escreve Teixeira.

No segundo capítulo, o autor nos apresenta uma posição original em relação a ontologia do mental, o que ele chama de fisicalismo minimalista. Para isso ele percorre várias questões relevantes acerca dos limites do fisicalismo tradicional que justificam sua defesa desta posição.

Uma das questões centrais nesse sentido é o Princípio de Heisenberg. Segundo este, seria impossível determinar com precisão a posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo. Isso, segundo o autor, nos leva a uma impossibilidade de defender posições como o materialismo eliminativista, o reducionismo, o identitarismo, e qualquer outro tipo de tentativa de estabelecer uma relação precisa entre mental e material. Haveria uma razão não apenas filosófica, mas também científica para não sermos fisicalistas no sentido tradicional de como o termo é usado. O fisicalismo seria, no limite, uma hipótese heurística bem vinda para alguns contextos específicos como o caso da neurociência.

Além disso, o autor lança luz sobre um erro comumente cometido em relação a nossa noção de físico de e material. Para ele, há uma diferença básica entre fisicalismo e materialismo. O primeiro é derivado da palavra grega Physis e diz respeito a muito mais do que o conceito de matéria. Já o materialismo diria respeito apenas às coisas possíveis de encontrarmos correlatos materiais no mundo. Não seria possível utilizar os dois termos como sinônimos. Cérebros seriam algo material, mas estados mentais não. Não seria possível determinar os correspondentes materiais dos estados mentais. No entanto, isso não implicaria um dualismo, porque eles não deixariam de fazer parte do mundo físico.

Para ilustrar essa situação o autor utiliza-se de exemplos como o dos buracos. Não podemos negar que os buracos fazem parte do mundo físico - podemos de fato cair em um deles - todavia, sua existência depende da posição de seres materiais no mundo. Não haveria buracos sem os intervalos entre coisas materiais no mundo. Os buracos, assim como as sombras e as imagens refletidas em um espelho tem o que o autor chama de ontologia parasitária. Mesmo assim, o fato de eles só existirem em relação a algo material não lhes tira o poder causal. Um buraco na pista de pouso pode causar um grave acidente.

Outro exemplo explorado pelo autor são as bordas. Estas geram um grande problema para nós. Mesmo podendo ser localizadas no espaço (são físicas), não podemos afirmar que sejam materiais. Elas, assim como o mental seriam seres virtuais. Estes por sua vez caracterizam-se por sua materialidade, mesmo sendo impalpáveis. Seres virtuais não são redutíveis à matéria, e mesmo assim tem poderes causais tanto quanto buracos e bordas.

Outro aspecto abordado pelo autor é o das relações entre psicologia e neurociência. Neste sentido, busca-se esclarecer alguns equívocos no que diz respeito a estas relações.

Um dos pontos principais é a questão da redução inter-teórica entre psicologia e neurociência, onde a primeira se reduziria à segunda. Isto se daria com o avanço nas técnicas de neuroimagem, a medida que (como quer a neurociência) mais e mais estados mentais sejam reduzidos a estados cerebrais. O problema disso é que podem haver casos em que alguns estados mentais não possuam correlatos cerebrais, sendo assim impossível sua redução. A psicologia, por ser inundada com estes termos irredutíveis, não poderia ser reduzida à neurociência, pois a tradução inter-teórica não seria possível neste caso.

Mais adiante, o autor dedica três capítulos para falar mais detalhadamente dos ciborgues. Estes seriam criaturas meio humanas meio artificiais, onde a parabiose -a mistura entre homem e máquina- estaria atuando plenamente. É feita a distinção entre andróides, ciborgues e robôs. Os primeiros seriam humanos com próteses e chips implantados em seu corpo, onde predominaria o corpo humano. Os segundos seriam os seres onde não fosse possível discernir entre carne e silício, pois ambos se encontrariam quase proporcionalmente, estaria acontecendo a parabiose (mistura de homens e máquinas). Os últimos seriam máquinas com apenas chips de silício, como podemos encontrar em montadoras de carros, ou nos laboratórios de robótica do MIT.

Nos capítulos finais do livro o autor aborda ainda os problemas da mente, da consciência e da vida e dedica algumas páginas a discutir os zumbis filosóficos de Chalmers e alguns tópicos em linguagem.

O livro como um todo é inédito neste assunto no Brasil. A visão do mundo pós-moderno a partir da filosofia da mente leva-nos a vários questionamentos e pontos importantes sobre o estatuto desta disciplina no futuro. Várias de suas questões podem receber enfim uma resposta, mas algumas permanecerão insolúveis por mais que a tecnologia avance.

 

 

Endereço para correspondência
E. Benkendorf
Rua Capitão Romualdo de Barros, 776, apt. 301, bloco C, Bairro Carvoeira, Florianópolis, SC 88.040-600.
E-mail para correspondência: benkendorf.e@gmail.com.