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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.16 no.3 Rio de Janeiro dic. 2011

 

Revisão

 

Autoeficácia entre estudantes universitários ingressantes e veteranos de dois cursos

 

Cognitive impairments and communicational accessibility in schools: contributions from Vygotsky's theory

 

 

Tícia Cassiany Ferro Cavalcante; Sandra Patrícia Ataíde Ferreira

Centro de Educação, Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Pernambuco, Brasil

 

 


Resumo

As pessoas que fazem parte do grupo com impedimentos cognitivos são aquelas que apresentam deficiência intelectual ou outras deficiências que tem como fator secundário a deficiência intelectual, podendo apresentar dificuldades na comunicação oral. Nesta revisão de literatura, que tem por objetivo refletir sobre as contribuições da teoria sócio-histórica de Vygotsky para a aprendizagem de pessoas com deficiência e com impedimentos cognitivos, destacam-se os processos de compensação como uma possibilidade de ampliação das potencialidades dessas pessoas a partir do uso dos sistemas/artefatos culturais de comunicação nas/pelas interações sociais, sobretudo na escola. Tais processos podem contribuir para a diminuição das barreiras impostas pela sociedade ao não segregar as pessoas com deficiência, que é o que caracteriza a deficiência secundária. A escola tem o papel de diminuir as barreiras e garantir a acessibilidade de todos os alunos, com a utilização de recursos de tecnologia assistiva, que no caso dos impedimentos comunicacionais, referem-se a formas alternativas de comunicação. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (3): 043-056.

Palavras-chave: deficiência; impedimentos cognitivos; acessibilidade; comunicação; Vygotsky.


Abstract

People with cognitive impairments are those who present intellectual deficiency or other deficiencies, which have intellectual deficiency as the secondary hindrance. These impairments can possibly cause complications in oral communication. The revision of the literature aims to reflect on the contributions of the socio-historical theory of Vygotsky over the learning process of people with deficiencies and with cognitive impairments. Here, we emphasize compensation processes as a possible way of widening the potential of these people through the use of cultural systems/artifacts of communication in social interactions, especially at schools. Such processes can contribute to the reduction of barriers imposed by society when people with deficiencies are not segregated, which characterizes a secondary deficiency. The school has the role of reducing barriers and guaranteeing the accessibility of all students, using assistive technological resources, which in the case of communicational impairments it refers to alternative ways of communication. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (3): 043-056.

Keywords: deficiency; cognitive impairments; accessibility; communication; Vygotsky.


 

 

Introdução

O texto apresentado nesse artigo constitui-se de uma análise teórica que tem como objetivo refletir sobre as contribuições da teoria sócio-histórica para a aprendizagem de pessoas com impedimentos cognitivos. Mais especificamente, destaca-se que os impedimentos cognitivos1 levam, em muitos casos, a dificuldades na comunicação oral e, em consequência, na participação sócio-cultural dos indivíduos.

Enfatiza-se que a linguagem enquanto constitutiva do sujeito e do conhecimento é usada aqui como sinônimo de qualquer forma de comunicação humana, não atribuindo um status a linguagem/comunicação oral em detrimento de outras formas de semiose, como gestos, língua de sinais, dentre outros. Em decorrência dos impedimentos no uso da comunicação oral, ocorre a segregação das pessoas com impedimentos cognitivos, sobretudo, por ser a verbalização a forma prioritariamente valorizada de comunicação - contempla a maioria linguística. Com implicações para educação, pensa-se que o professor precisa manter a comunicação com todos os seus alunos (com e sem deficiência) e, muitas vezes, ele se vê impossibilitado porque nem todos os alunos têm uma comunicação oral fluente. Diante da realidade e história social, os professores acabam por valorizar apenas a comunicação oral, principalmente pelo desconhecimento de que existem outros artefatos comunicacionais que podem contribuir para que o processo de ensino e aprendizagem se estabeleça.

O manuscrito aqui reportado constitui-se de três blocos de discussão: (a) reflexões sobre a teoria sócio-histórica na educação da pessoa com impedimentos cognitivos, destacando-se a noção de desenvolvimento/aprendizagem e suas relações com a cultura; (b) discussão sobre como se caracteriza a pessoa com impedimentos cognitivos - uma discussão sobre a deficiência em si; (c) discussão do conceito de inclusão escolar, suas bases epistemológicas e o que propõe a legislação atual sobre a acessibilidade comunicacional no caso de pessoas com impedimentos cognitivos. Por fim, serão apresentadas as considerações finais que tem como propósito realizar uma síntese, correlacionando os três blocos de discussão.

 

A teoria sócio histórica de Vygotsky: reflexões sobre a pessoa com deficiência

Antes de qualquer abordagem sobre a teoria sócio-histórica, deixa-se claro que existem terminologias e conceituações nas obras de Vygotsky que acabam por reforçar uma visão segregadora da deficiência, a exemplo dos termos normal, anormal, doença, bem como da concepção de que a linguagem não-verbal é menos complexa do ponto de vista psicológico - desenvolvimento da consciência (Vygotsky, sd/1994; sd/2004; Vygotsky, sd/1997). Isto, especialmente, quando se toma a sua teoria sem considerar o momento histórico de produção da ciência psicológica em que discutiu a deficiência e que tinha como modelo a terminologia médica-psiquiátrica de normalidade/anormalidade e comportamento patológico. Apesar disto, ao definir normalidade na sua relação intrínseca com a anormalidade, Vygotsky supera a definição clássica desses termos ao propor uma teoria geral do desenvolvimento humano.

Ao analisar o momento histórico da produção vygotskyana, Nuernberg (2008) menciona que além da proposta central de compreender os aspectos da gênese social do funcionamento psicológico superior, Vygotsky tinha motivo de ordem prática para se dedicar ao estudo da educação da pessoa com deficiência: "o período de pós-revolução de 1917 trouxe consigo a situação de milhares de crianças em condição de vulnerabilidade, muitas delas com deficiência" (p. 308).

Desta forma, Vygotsky avança na compreensão dos sentidos e significados do que é ser humano, compreendendo-o para além da categorização e padronização dos conceitos de anormalidade e deficiência (Lima & Cupolillo, 2006), tomando-o como um processo dinâmico, contextual e social.

Para o presente estudo interessa, em especial, discutir os pressupostos da teoria acerca do processo de ensino-aprendizagem e do desenvolvimento da pessoa com deficiência, especificamente, da pessoa com impedimentos cognitivos, as quais apresentam deficiência intelectual2. Este interesse ocorre, sobretudo, pelo grande estigma social e educacional existente em torno desses sujeitos devido à ênfase nas inteligências lógico-matemática e linguística encontrada nos currículos escolares e nos mais variados contextos de trabalho, na sociedade moderna.

Um primeiro pressuposto que se destaca é a concepção de desenvolvimento/aprendizagem e sua relação com a cultura. Esse pressuposto propõe que as leis de desenvolvimento são iguais para todas as pessoas (com deficiência ou não) e que a diferenciação do padrão biológico típico do homem implica uma alteração da forma de enraizamento do sujeito na cultura (influências sócio-culturais). Isto sugere que, a depender dos impedimentos dos indivíduos (ou das particularidades), há um redirecionamento das suas ações individuais e sociais no curso de desenvolvimento e, consequente aprendizado.

Ao criticar a abordagem biológica, Vygotsky (1997) ressalta que a concepção de criança com deficiência reduz-se a ideias puramente quantitativas do desenvolvimento infantil anormal. No caso da deficiência intelectual, com a ajuda de métodos quantitativos (psicometria), determinava-se o grau de insuficiência do intelecto - sendo este também o princípio que caracterizava a escola especial. Contrário a essa ideia, para ele, as crianças com deficiência, que seguem as mesmas leis das sem deficiência, desenvolvem-se de outro modo, ou seja, traçam outro percurso para superar seus impedimentos; apresentam um tipo de desenvolvimento qualitativamente distinto, peculiar, que se diferencia conforme um conjunto de condições (Carlo, 2001).

Na tentativa de explicar o percurso qualitativamente diferenciado de desenvolvimento das crianças com deficiência, Vygotsky (1997) formula os conceitos de deficiência primária (biológica - problemas de ordem orgânica) e secundária (social - consequências psicossociais da deficiência), ao considerar que de fato o que existem são dificuldades para o desenvolvimento cultural da pessoa com deficiência. Esse autor distingue esses dois conceitos por acreditar que a cultura é construída em função de um padrão de normalidade que acaba por criar barreiras físicas, atitudinais e educacionais para participação social e cultural da pessoa com deficiência (Nuernberg, 2008).

Para superar os impedimentos, precisam ser construídos sistemas/artefatos culturais auxiliares que atendam às peculiaridades de desenvolvimento das pessoas com deficiência. Nessa ótica, a deficiência não é apenas constituída de um substrato biológico específico, mas é, sobretudo, o resultado de condições sociais adversas.

Nessa direção, Tuleski e Eidt (2007) consideram que mediações adequadas e consistentes podem ter caráter revolucionário para a aprendizagem, ao se destacar os aspectos culturais, enquanto o biológico não se revela como esperado. Os autores, ao mencionarem o conceito de inteligência no meio educacional, abordam um aspecto muito recorrente: o argumento de que os alunos seriam dotados de muita ou pouca inteligência e que já carregariam, ao nascer, um conjunto de habilidades ou inabilidades que teriam quando se tornassem adultos. Nesta perspectiva, a função da escola ficaria limitada a um meio de acelerar ou retardar a maturação natural.

Contrariando essa perspectiva biologizante, Vygotsky (1997) propõe que existe uma força motriz nas áreas psicológica e pedagógica relacionadas ao desenvolvimento da criança com deficiência: os processos de compensação. Sobre isto afirma ainda que "O milagre da educação social consiste em que ela ensina o deficiente a trabalhar, o mudo a falar e o cego a ler. Mas esse milagre deve ser entendido como um processo absolutamente natural de compensação educativa das deficiências" (Vygotsky, 2004, p. 381). Com isto, o autor ressalta o papel da intervenção educacional e, portanto, o seu caráter intencional, o qual resulta em transformação: das pessoas e do contexto.

Portanto, as dificuldades enfrentadas pela pessoa com deficiência são entendidas como estímulos para o surgimento de processos de compensação, os quais promovem uma reorganização da estrutura psíquica (Evans, 1995; Carlo, 2001; Nuernberg, 2008; Kapitaniuk, 2011). Deste modo, o estudo do desenvolvimento da criança com deficiência não pode ficar limitado a determinar o nível e a gravidade da insuficiência, mas sim, incluir, obrigatoriamente, a consideração dos processos compensatórios, que são capazes de alavancar o desenvolvimento. Nessa direção, Mantoan (2006) propõe a desigualdade de tratamento como forma de restituir uma igualdade rompida por formas segregadoras de ensino especial e regular.

A compensação dará início a novos processos indiretos de desenvolvimento, já que existem impedimentos em decorrência da deficiência. Contudo, a cultura, na forma em que é organizada, não permite que as adaptações necessárias aconteçam, pois as pressões sociais são idênticas para as pessoas com e sem deficiência (Vygotsky, 1997). Nessa relação, a deficiência realiza-se, então, como um desvio social, fazendo com que os processos de compensação não fluam livremente. Dessa forma, para a teoria sócio-histórica a deficiência torna-se um fenômeno sociogenético ou psicogenético, muito mais do que biológico. A compensação emerge da inserção na cultura, que permite que os processos psicológicos superiores unicamente humanos ganhem força e sejam desenvolvidos.

Ressalta-se, como defende Nuernberg (2008, p. 309), que "não se trata de afirmar que uma função psicológica compense outra prejudicada ou que a limitação numa parte do organismo resulte na hipertrofia de outra". O que existe é um uso de vias e mediações simbólicas alternativas que atribui novas funções a determinados órgãos e organiza o comportamento de modo diferente ao identificado nas pessoas sem deficiência (Vygotsky, 2004).

Portanto, o que Vygotsky quis enfatizar com o conceito de compensação é que o defeito orgânico não deve ser preponderante e determinante do desenvolvimento histórico-cultural do indivíduo; não se pode limitar e subestimar as condições de desenvolvimento dos seres humanos. No caso da pessoa com deficiência, é preciso fornecer condições de desenvolvimento para que haja compensação.

Para Carlo (2001), o treinamento voltado para o aperfeiçoamento dos processos elementares, a exemplo de exercitações e educação sensório-motora, tem resultados muito limitados do ponto de vista prático e poderia ser substituído pelo desenvolvimento cultural dos processos psicológicos superiores. Isto é possível ao se realizar adaptações na estrutura física e psicológica para entender as especificidades do indivíduo com deficiência.

No caso da pessoa com deficiência intelectual, uma das consequências da concepção de desenvolvimento quantificadora é que a prática educacional se reduz ao treinamento sensório-motor, que apresenta resultados mais elementares. Não há a preocupação com a construção de conhecimento e produção de sentidos, pois se acredita que as funções psicológicas superiores são inacessíveis (Carlo, 2001). Nessa perspectiva, a pessoa com deficiência intelectual é tida pouco apta para o desenvolvimento do pensamento abstrato.

A pessoa com deficiência, cujo funcionamento se encontra com impedimentos, entra em conflito com o mundo exterior, para realizar as adaptações funcionais e construção de sentidos diversos. Surgem, para Vygotsky (1997), outras perspectivas na prática pedagógica quando se sabe que a deficiência não se resume à debilidade, mas que há uma força (motriz) que favorece a busca por possibilidades compensatórias.

Para romper com a concepção mecanicista de repetição, tão criticada por Vygotsky (1994), uma possibilidade seria a escola dirigir seus esforços à criação positiva de formas de trabalho que levassem o sujeito a vencer as dificuldades criadas pela deficiência - compensação e desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Quanto à pessoa com impedimentos de ordem cognitiva, foco do presente texto, esta apresenta um descompasso entre o desenvolvimento das funções psicológicas elementares e superiores: as funções elementares apresentam-se mais desenvolvidas quando comparadas as funções psicológicas superiores (Carlo, 2001). O desenvolvimento precário das funções superiores está relacionado ao insuficiente desenvolvimento cultural do indivíduo. Entretanto, são as funções superiores que têm maiores possibilidades de desenvolvimento pela compensação, inserção cultural e participação em atividades coletivas. Como menciona Carlo (2001), afastar a pessoa do meio social e restringir as suas interações e vínculos sociais, privilegiando os procedimentos individualistas, faz com que ela deixe de receber a "alimentação" cultural necessária para seu desenvolvimento.

Além disso, esse autor menciona que o coletivo é um fator fundamental no processo de compensação e é através das interações sociais e pela mediação semiótica que se dá a reorganização do funcionamento psíquico de pessoas com deficiência, o que cria possibilidades para que elas alcancem um nível superior de desenvolvimento. Pela ampliação do sistema de atividade das funções psíquicas, ocorre uma reestruturação radical de toda a operação psicológica.

Quanto à importância da cultura na constituição dos sujeitos - o segundo dos pressupostos sócio-históricos destacado neste ensaio, a teoria vygotskyana considera que a cultura/mediação insere-se no momento em que a criança começa a reconhecer o 'outro' como agente intencional semelhante a ela própria, passando a imitar o uso dos meios e instrumentos culturais disponíveis em seu ambiente (Vygotsky, 1994; Hazin & Meira, 2004). Para isso, a sociedade precisa permitir que todas as pessoas possam ter acesso ao meio cultural e a processos de construção dialógica.

Isso também implica dizer que o desenvolvimento do sujeito não está determinado a priori, mas que são várias as possibilidades de trajetória de desenvolvimento para indivíduos e grupos. No entanto, ao afirmar que a cultura é constitutiva do sujeito, a abordagem sócio-histórica não impõe a este um papel passivo, mas pelo contrário, defende que a ação individual, através da singularidade do processo de desenvolvimento de cada sujeito, favorece processos de recriação da cultura e de negociação interpessoal (Oliveira, 1997, apud Oliveira, 1999). Disto também decorre a ideia de que, embora sejam amplas as possibilidades de rotas de desenvolvimento, a cultura também impõe limites na produção e negociação de sentidos que produzem as diferentes subjetividades, em um jogo entre transgressões e restrições.

Na produção das singularidades, a aprendizagem mostra-se como um elemento fundamental no desenvolvimento das características humanas, historicamente formadas (Vygotsky, 1994), o que remete ao terceiro pressuposto enfatizado aqui, ou seja, a relação intrínseca entre aprendizado e desenvolvimento. Para Vygotsky (1994), o conceito de desenvolvimento está completamente atrelado ao processo de aprendizado dos indivíduos, de modo que o aprendizado da criança começa muito antes dela freqüentar a escola e estende-se às práticas sociais nas quais toma parte. Aprendizado e desenvolvimento estão, pois, inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança. A participação de todas as pessoas na cultura local compartilhando de todas as atividades é importante para que haja o seu desenvolvimento, pois somente assim elas poderão construir dialogicamente o mundo, em contato com o outro, que não precisa ser apenas o "outro" com a mesma deficiência, em ambientes segregadores, como ocorreu tradicionalmente nas instituições especializadas por deficiência.

Além disso, a relação com diferentes "outros" permite a vivência e a experiência da vida social e cultural e, consequentemente, a formulação da síntese singular e individual que caracteriza a subjetividade de cada pessoa (Bock, Furtado & Teixeira, 1996), na qual estão implicados indivíduos, acontecimentos, situações e configurações sociais, produzidos por instâncias individuais, coletivas e institucionais. No que se refere especificamente à pessoa com deficiência, como afirmam Moura, Alves e Ferreira (2011, p. 6):

"A compreensão da subjetividade vem a desafiar o estudo do processo de inclusão, pois, como se sabe, esses sujeitos são, há muito, reféns de atribuições e configurações sociais que os desconsideram como sujeitos ativos e construtores [...] não há necessariamente identidade de interesses entre pessoas com deficiência, cada pessoa é única no seu modo de pensar, querer, sentir, portanto, não se deve igualar as pessoas por suas características, mas respeitar seu direito de ser diferente."

Deste modo, faz-se relevante que se reflita sobre as necessidades particulares das pessoas com deficiência, considerando-as em suas singularidades apesar das similaridades que possam aproximá-las em decorrência das especificidades de suas deficiências.

Ainda sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizado, um conceito muito caro na teoria sócio-histórica, diz respeito à Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP3), a partir do qual Vygotsky critica o uso de testes para medir a inteligência4. Para ele, esse procedimento orienta o aprendizado em direção ao desenvolvimento de ontem; dos estágios de desenvolvimento já completados, quando, na verdade, o aprendizado deveria orientar para o desenvolvimento de aspectos ainda em processo de desenvolvimento, ou seja, para possibilitar o desabrochar do que ainda se encontra em forma de brotos (Oliveira, 1995). A noção de ZDP cria, pois, a proposta de uma nova fórmula: bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. Essa noção permite, então, indicar os pontos em que a aprendizagem necessita de apoio, ao favorecer um planejamento de intervenção pedagógica apropriada às necessidades dos sujeitos em processo de aprendizagem, evitando-se, por outro lado, a ideia de que alguns são impossibilitados de aprender, como, em geral, se pensa das pessoas com deficiência.

A ZDP, definida como um estágio do processo de aprendizagem em que o sujeito é capaz de realizar sozinho ou com a colaboração de colegas mais capazes o que fazia com o auxílio de um adulto ou do professor (Bezerra, 2001), faz do processo de ensino e aprendizagem um fenômeno que ocorre a partir da mediação e relação dialógica com outros que compartilham desse processo, em especial, o professor. Assim, como afirmam Lima e Cupolillo (2006, p. 276), a "[...] interação e a mediação têm papel fundamental nas relações que se estabelecem na escola, [sendo] o processo de inclusão/exclusão [...] dialético e, portanto, contraditório."

Sobre o processo de ensino e aprendizagem de sujeitos com deficiência, a pedagogia da escola especial teria tirado a conclusão, aparentemente correta, de que todo ensino dessas crianças deveria basear-se no uso de métodos concretos do tipo observar-e-fazer (uso do concreto e eliminação de tudo que se refere ao pensamento abstrato). Contudo, Vygotsky (1994) demonstrou que usar apenas o concreto não traz resultados no ensino de indivíduos com deficiência intelectual, pois além de falhar, reforça a deficiência. Para ele, a escola deveria fazer o esforço de empurrar as crianças com deficiência (ou não) em direção ao desenvolvimento, ou seja, ao que está intrinsecamente faltando no seu desenvolvimento. O aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é, portanto, ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança, porque não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas, ao invés disso, vai a reboque do mesmo.

Sobre as relações entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento da pessoa com deficiência, busca-se no próximo tópico abordar a deficiência de ordem cognitiva, destacando-se, sobretudo, a dificuldade conceitual e os limites implicados na avaliação dessa deficiência.

 

Entendendo a deficiência intelectual e seus impedimentos

A deficiência intelectual é caracterizada como redução da capacidade de aprendizagem e participação social, bem como o fato dessas condições se revelarem muito cedo. Não há um consenso na utilização desse termo, podendo assim originar interpretações controversas quanto à classificação. É também habitual fazer-se a distinção entre diferentes níveis de deficiência intelectual, com base nos resultados que se obtém em testes de inteligência.

Atualmente, existem muitas críticas acerca dos procedimentos de avaliação das pessoas com deficiência intelectual. Nessa direção, Padilha (2000) enfatiza que tais procedimentos negligenciam alguns aspectos que marcam a história de vida da pessoa com deficiência, que não se resume apenas as determinações biológicas da deficiência, que acaba sendo coerente com o modelo médico de deficiência.

A referida autora, em crítica ao reducionismo da perspectiva de quantificação, menciona que a avaliação clínica institucional da pessoa com deficiência intelectual tem levado à simples constatação de que existem faltas: sensoriais, motoras, verbais e cognitivas.

No entanto, é importante não esquecer que os testes de inteligência dizem muito pouco sobre o desenvolvimento de uma pessoa, ao se concluir (e padronizar) que uma pessoa com QI abaixo de 20 tem deficiência intelectual profunda, e tem em consequência poucas possibilidades de desenvolvimento cognitivo.

Nessa direção, Padilha (2000) defende que as avaliações para medir a inteligência não consideram, na maioria das vezes, a reconstrução da linguagem pelos sujeitos com impedimentos na comunicação. Desconsidera-se, assim, a elaboração (ou a reelaboração) do discurso e, consequentemente as esferas do simbólico.

No grupo de pessoas com deficiência intelectual há pessoas muito diferentes com histórias de desenvolvimento diversas. Assim, Tetzchner e Martinsen (2000), ao trabalhar com sistemas de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), mencionam que os resultados dos testes constatam a existência de diferenças, mas dizem pouco sobre elas, sendo, por exemplo, particularmente difícil prever as competências linguísticas com base nos resultados obtidos em testes de inteligência.

Para os referidos autores, existem várias especificidades no grupo de pessoas com deficiência intelectual, sugerindo-se que todas as formas de comunicação alternativa podem ser relevantes para essas pessoas. Para ilustrar essa diversidade de pessoas com impedimentos cognitivos (deficiência intelectual), os indivíduos com síndrome de Down constituem o subgrupo maior e mais documentado de pessoas com deficiência intelectual. As crianças com síndrome de Down necessitam frequentemente de uma forma de comunicação de apoio, pois é comum a utilização de muitos gestos (Porto-Cunha & Limongi, 2008) e de frases de uma só palavra (Tetzchner & Martinsen, 2000).

Cavalcante (2011) realizou estudos de caso, com duas crianças com síndrome de Down, do ensino fundamental I, matriculadas em salas de aula regulares. As crianças tinham idade de 8 e 9 anos, e foram convidadas a participar de uma atividade individual em que deveriam, a partir de uma prancha de CAA construída pela pesquisadora, argumentar em torno de temáticas que faziam parte do cotidiano escolar e familiar: merenda escolar (o que deveria conter na merenda) e programas de televisão (o que deveria ser uma programação para crianças). A autora, ao investigar o perfil argumentativo das crianças com síndrome de Down, constatou que a deficiência intelectual não é impeditiva do desenvolvimento do discurso argumentativo por alunos com síndrome de Down. Também observou especificidades discursivas na forma de argumentar (gestos e construções de enunciados com uma só palavra), o que converge para a ideia central de Vygotsky (1997): não existem leis de desenvolvimento diferentes para as pessoas com deficiência e sim percursos distintos.

Para Vygotsky (1997), o conceito retardo mental (denominada aqui de deficiência intelectual) é o mais indefinido e difícil na educação da pessoa com deficiência. Ele considera que o conceito de deficiência intelectual abarca um grupo heterogêneo (qualitativamente distintos) de pessoas. Para ele, as funções intelectuais não estão igualmente afetadas para os diferentes sujeitos desse grupo. O que, por sua vez, requer a utilização de ferramentas comunicacionais diversificadas com o intuito de promover o desenvolvimento das potencialidades cognitivas e a inclusão escolar e social desses sujeitos, como se abordará no tópico seguinte.

 

Inclusão escolar e acessibilidade comunicativa

A configuração da escola atual, influenciada pela ênfase na eficiência, rapidez e produtividade, um legado do modelo taylorista apoiado por muito tempo pela ciência psicológica, ainda privilegia a homogeneização, acreditando na existência de um sujeito ideal a ser buscado e contemplado nas instituições educacionais, e que inclui aqueles que são bem sucedidos e exclui aqueles que fracassam (Lima & Cupolillo, 2006). Entende-se aqui como fracassado aquele que não se adéqua a esse ideal de sujeito pensado dentro dos padrões da classe dominante.

Para Kassar (2000), as bases epistemológicas da educação especial remetem ao pensamento liberal e ao positivismo ao favorecerem a difusão da ideia de movimento natural da sociedade, dentro de uma concepção de cientificidade e modernidade. Ela menciona a contribuição da visão liberal de organização social na estruturação dos serviços de educação especial, ao encontrar, no Brasil, um grande poder do setor privado nas decisões sobre as políticas de atendimento. Nessa conjuntura, as instituições especializadas propõem-se a oferecer seus serviços à população mais comprometida, enquanto que o setor público se ocupava com os serviços ligados à rede regular de ensino, a exemplo das classes especiais e salas de recursos, geralmente destinados a uma clientela com menos comprometimento.

A incorporação dos conhecimentos das ciências naturais pelas ciências humanas deixa marcas, também, nas explicações sobre a deficiência intelectual e na concepção de atendimento a essa população (Kassar, 2000). Há uma necessidade científica de separação dos alunos normais e anormais, com a pretensão de organização de salas de aula homogêneas, havendo a perpetuação do mito das turmas homogêneas (Cruz, 2010).

Outro fator é a ênfase nos fatores biológicos em detrimento da influência e desenvolvimento sócio-culturais. Nesse contexto, o sucesso ou o fracasso escolar são explicados como decorrentes do desenvolvimento de habilidades naturais do aluno, bem como pela valorização do mérito individual. Ainda hoje, segundo Kassar (2000), prevalece a visão da própria deficiência como um problema individual/familiar - de não-adaptação/não-adequação à sociedade. Ela menciona que na base da crença no movimento natural da sociedade está o pensamento de que, como na natureza, devem triunfar os mais capazes, com o desenvolvimento de suas potencialidades naturais, que acaba por reforçar a segregação.

No caso dos indivíduos que carregam o estigma da deficiência intelectual, sabe-se que existe uma forte segregação, mesmo que haja atualmente um grande número de alunos com essa deficiência inseridos nas escolas.

Em contrapartida, a questão de um ideal de sujeito vivenciado pela escola é uma problemática que gira em torno da discussão do paradigma de inclusão das pessoas com deficiência nessa instituição social e permeia a proposta Legal de acessibilidade, incluindo-se a comunicacional. Afinal, ao se ressaltar os padrões da classe dominante, desconsideram-se todas as outras maneiras de ser e estar no mundo e, portanto, as diferenças que constituem os sujeitos, as quais necessitam ser problematizadas quando se discute a inclusão de pessoas com deficiência.

De acordo com Prioste, Raiça e Machado (2006), a educação inclusiva tomada como modificação do ambiente escolar, nos aspectos arquitetônicos, organizacionais, curriculares e de atitudes, ainda está em processo de amadurecimento. Verifica-se que o acesso de crianças com deficiência no ensino regular tem sido progressivamente expandido, o que já constitui grande avanço. Dessa forma, a Legislação contribuiu para que as medidas iniciais fossem tomadas.

A Lei n. 10.098 de 2000 estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade, quando a espaços físicos educacionais, culturais e, conseqüentemente, aos diferentes espaços sociais onde estão as pessoas com necessidades especiais - garantindo o direito de ir e vir (o qual é bastante reduzido) e dá outras providências. No seu artigo 17 estabelece que

"o Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldades de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer."

No cenário educacional, defende-se aqui que, no caso das pessoas com dificuldades na comunicação, é importante que esse respeito à diversidade configure-se, principalmente, com uma prática pedagógica que possibilite o processo de aprendizagem e desenvolvimento para todos (com dificuldades de comunicação ou não).

Ao discutir a acessibilidade comunicacional, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, realizada em Nova Iorque 2006 e promulgada pelo Decreto Legislativo n. 197 de 2009, amplia a noção de comunicação, afirmando que esta abrange

"[...] as línguas, a visualização de textos, o braile, a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação (art. 2. Definições)."

Como se percebe, a Convenção de Nova Iorque coloca no mesmo patamar da linguagem oral, outras formas de comunicação. O que, aliás, mostra-se em consonância com a ideia de letramento multissemiótico que aponta para outras semioses além da escrita, como é o caso da imagem e da música, ampliando a noção de letramento tradicional no sentido de contemplar o avanço da tecnologia que favorece a circulação de textos de variados gêneros, de diferentes modalidades de linguagem (verbal, visual e sonora) e multimodais (relação entre linguagem verbal e outras manifestações de linguagem) (Rojo, Rocha, Gribl & Garcia, no prelo). Fato este que impõe novas demandas à escola e ao ensino da língua para pessoas com ou sem deficiência.

Nesse âmbito, e no que se refere especificamente às pessoas com deficiência, para permitir a diminuição das barreiras comunicacionais, pode-se utilizar de vários meios de acessibilidade, como os sistemas de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA).

A CAA tem sido comumente caracterizada como uma área da clínica que visa compensar, temporária ou permanentemente desordens na comunicação expressiva (Paula & Enumo, 2007), enquadrando-se perfeitamente como proposta de acessibilidade comunicacional em pessoas com deficiência intelectual. Para as autoras, diferentes meios de comunicação derivados do uso de gestos, linguagem de sinais e expressões faciais, figuras, símbolos, além de sofisticados sistemas computadorizados podem ser empregados de forma substitutiva ou suplementar de apoio à fala, ajudando a desenvolver, quando possível, a linguagem oral.

Oportunizar a comunicação da pessoa com impedimentos na comunicação e estabelecer o status dos sistemas de CAA no processo dialógico entre pessoas com impedimentos comunicativos e falantes é crucial, sendo a escola um espaço obrigatório para o uso de CAA. Os alunos com deficiência intelectual, incluindo a síndrome de Down, são um público a ser beneficiado com esses sistemas de comunicação, o que permitirá um melhor aprendizado, já que a CAA possibilitará a compensação da deficiência por tais indivíduos.

No caso das contribuições de Vygotsky para a educação da pessoa com deficiência intelectual, como aborda Nuernberg (2008), é importante ressaltar que para que haja compensação é preciso oferecer oportunidades para que o sujeito alcance os mesmos fins educacionais que os alunos sem deficiência. Dessa forma, é relevante que se criem caminhos alternativos para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, sendo as interações sociais e linguísticas uma passagem necessária, o que possibilitará a produção/construção de sentido na relação com o outro - real, o professor; e virtual, os vários textos e linguagens.

Nesse caso, a comunicação entre professor e aluno (com deficiência ou não), apresenta-se como fundamental no processo de ensino e aprendizagem, considerando que as trocas com o outro favorece a produção de sentidos subjetivos sobre quem somos e como aprendemos, os quais não se situam apenas na esfera consciente, mas no âmbito do consciente-inconsciente, visto que a mente é constituída dialeticamente desses dois componentes, os quais constituem o sujeito uno e indivisível.

No caso da deficiência intelectual, a acessibilidade cognitiva remete, sobretudo, a comunicacional. Neste ponto, o importante é permitir uma forma (alternativa ou suplementar) de comunicação que diminua o descompasso entre a sua linguagem expressiva (produtiva) e a linguagem compreensiva, bem como suas conseqüências no desenvolvimento global da pessoa com dificuldade de expressão tanto no aprendizado, como no nível de autonomia e socialização, conforme defende Souza (2003). No caso da deficiência intelectual, um dos aspectos abordados é presença de prejuízos nas habilidades adaptativas, dentro elas a comunicacional (Prioste et. al., 2006). Na pessoa com síndrome de Down também acontece essa distância entre linguagem expressiva e compreensiva. Nessa direção, alguns autores colocam tal impedimento comunicacional como sendo central no desenvolvimento de tais indivíduos (Limongi, 2004; Voivodic, 2004; Pueschel, 2006; Stray-Gundersein, 2007).

Assim, cabe à escola fazer as adaptações necessárias para incluir os alunos com impedimentos de ordem cognitiva pela acessibilidade comunicacional, ou seja, pela possibilidade de existir adaptações que favoreçam outras formas de comunicação.

Nessa direção, Cavalcante e De Chiaro (2011) realizaram um estudo em uma sala de aula regular com o intuito de investigar como a emergência do discurso argumentativo, a partir das ações discursivas da professora, poderia favorecer o processo de inclusão escolar e de produção de sentidos e comunicação de uma criança com síndrome de Down. A hipótese das autoras era a de que o discurso argumentativo poderia ser uma prática pedagógica facilitadora da acessibilidade cognitiva de pessoas com impedimentos comunicativos, pois assim todos os alunos poderiam ser convidados a participar do debate/polemização, cabendo a(o) professora(o) contribuir para a aprendizagem a partir de suas ações discursivas (mediações verbais).

O estudo foi realizado em uma escola municipal da cidade do Recife, com a professora e seus alunos de uma sala de aula regular do 3º ano do 1º ciclo do ensino fundamental, incluindo uma aluna com síndrome de Down. Após capacitação da professora acerca da importância do discurso argumentativo em ambiente educacional e escolha da temática da aula a ser trabalhada, "modelo ideal de família, a professora ministrou sua aula, constituindo-se principalmente de um debate que incluía as opiniões da aluna com síndrome de Down. Os resultados da pesquisa sugeriram que a argumentação pode ser favorecedora da construção de conhecimento e produção de sentido de todos os alunos e que a professora exerceu um papel essencial na debatibilidade e participação da aluna com deficiência. Parecia haver um cuidado maior no convite a participação na comunicação, que nem sempre é enfatizado no ambiente educacional. Na maioria das salas de aula, aqueles que não se destacam na comunicação oral parecem ficar relegados a um segundo plano, ou melhor, não são contemplados quanto à aprendizagem.

A referência ao estudo de Cavalcante e De Chiaro (2011) permite a reflexão de que é possível realizar mudanças na prática pedagógica e torná-la acessível. Para isto, nem sempre se precisa utilizar de tecnologias assistivas de alto custo, como os softwares de CAA. Os sistemas de CAA são importantes, mas se não for aliado a mudanças de postura e concepção dos professores não será possível permitir a acessibilidade comunicacional dos alunos com deficiência de ordem cognitiva. Essas mudanças podem acontecer com o desenvolvimento de atividades coletivas e discursivas, que permitam a participação de todos, indo em direção aos pressupostos de Vygotsky abordados no decorrer deste ensaio.

 

Considerações finais

A partir das contribuições teóricas de Vygotsky (1994, 1997), passou-se a contemplar na discussão sobre o fenômeno do desenvolvimento humano, os múltiplos percursos trilhados por diferentes sujeitos, na relação com a cultura. O que, por sua vez, tem uma repercussão positiva sobre o entendimento da pessoa com deficiência, contribuindo para ressaltar a singularidade em detrimento da semelhança entre sujeitos de um mesmo grupo de deficiência.

Nesta perspectiva, a inserção cultural da pessoa com deficiência e, consequentemente, a mediação com o outro social é privilegiada, no sentido de promover a potencialização dos processos psicológicos superiores a partir da relação com os signos da cultura. Assim, Vygotsky (1997) questiona a ideia de deficiência biológica como fator limitador/determinante do desenvolvimento do sujeito, trazendo, em contrapartida, a noção de deficiência secundária como aquela que pode causar impedimentos ao desenvolvimento, desde que não seja possibilitado ao sujeito o acesso às interações sociais e à mediação semiótica.

Dentro deste quadro teórico, contempla o papel dos processos de compensação como uma possibilidade de superação das limitações da pessoa com deficiência, enfatizando o papel da educação social e, portanto, a intervenção planejada e intencional, resgatando o papel de agente do professor na relação com seu aluno - também um sujeito ativo desse processo.

No caso das pessoas com impedimentos cognitivos e, em geral, com dificuldades na comunicação oral, os processos de compensação devem considerar e valorizar todas as formas de comunicação possíveis, pois se há um descompasso entre produção/expressão e compreensão, será necessário compensar o impedimento na produção oral com outras formas de comunicação que permitam o desenvolvimento dos alunos. Um exemplo de Comunicação Alternativa e Aumentativa seria a constituição, também em ambiente de sala de aula, de pranchas de comunicação que permitam ao aluno com impedimentos se comunicar com os demais pares e professores. Tais pranchas possibilitam ao aluno informar eventos/situações do seu cotidiano para que os outros saibam acerca dos seus gostos, vontades, dentre outros. Além disso, pode se estabelecer a comunicação de conteúdos escolares trabalhados em sala, podendo ser vinculados nas pranchas de comunicação.

Não se deve esquecer o respeito à diversidade e ao ritmo de cada aluno, mas esse respeito precisa estar atrelado à responsabilidade que cada escola tem com seus alunos com ou sem deficiência. A escola tem como papel, também, favorecer o desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos seus alunos, dando-lhes a "alimentação" cultural necessária. No dia em que a escola conseguir contemplar toda a sua diversidade e considerar, assim, a heterogeneidade de seus alunos, diminuirá os danos da deficiência secundária e a deficiência de ordem primária não será impeditiva do desenvolvimento e aprendizado dos alunos, pois haverá acessibilidade - cognitiva, sensorial e motora.

 

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Notas

T.C.F. Cavalcante
Endereço para correspondência: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Educação, Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais. Avenida da Arquitetura, S/N., Cidade Universitária, Recife, PE 50.740-550.
E-mail para correspondência: ticiaferro@hotmail.com.

S.P.A. Ferreira
Endereço para correspondência: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Educação, Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais. Avenida da Arquitetura, S/N., Cidade Universitária, Recife, PE. CEP: 50740-550.
E-mail para correspondência: tandaa@terra.com.br.

(1) Enquadra-se no rol das pessoas com impedimentos cognitivos aquelas que têm deficiência intelectual e outras deficiências que podem ter como fator secundário a deficiência intelectual, a exemplo da síndrome de Down.
(2) Para designar este grupo têm sido utilizados vários termos: atraso mental, deficiência intelectual, déficit cognitivo e mais recentemente dificuldades de aprendizagem. Adota-se aqui o termo deficiência intelectual de acordo com a orientação da Declaração sobre Deficiência Intelectual, elaborada em Montreal, Canadá, em outubro de 2004.
(3) Segundo Paulo Bezerra (2001), tradutor do texto russo Pensamento e Linguagem, A ZDP, como é conhecida no Brasil, foi definida por Vygotsky como Zona de Desenvolvimento Imediato. No entanto, nesse artigo, mantém-se o termo como ficou conhecido em nosso país. Para saber mais, ler o Prólogo do Tradutor na obra, "A construção do Pensamento e da Linguagem, de L.S. Vygotsky, 2001".
(4) Vários autores enfatizam que Vygotsky, ao desenvolver o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), tinha como foco inicial as pessoas com deficiência, sobretudo, como crítica aos testes de inteligência (Hazin e Meira, 2004). Uma interpretação de como Vygotsky inicialmente influenciou as mudanças na proposta de entendimento da educação da pessoa com deficiência é importante para que se possa debruçar sobre as atuais implicações educacionais.