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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.16 no.3 Rio de Janeiro dic. 2011

 

Artigo Científico

 

As competências emocionais na formação do Fisioterapeuta: Estudo com um grupo de alunos de Fisioterapia

 

The emotional skills in the training of the physiotherapist: Study with a group of students of Physiotherapy

 

 

Ana Paula Couceiro Figueira e Sandra Carvalho

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

 

 


Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma investigação sobre as concepções e percepções dos alunos de Fisioterapia em torno das competências emocionais. Os participantes, em número de 26, são alunos que frequentam o 4º ano da Licenciatura em Fisioterapia numa Escola Pública, tendo sido utilizado como instrumento de pesquisa um guião de narrativa semi-estruturado. Os resultados permitem-nos concluir que mesmo perante a ausência de formação dirigida às competências emocionais, os alunos conseguem destacá-las, com maior ou menor predominância, e reconhecem não só a importância dessas competências, como a importância de adquirirem conhecimentos nesta área. Acresce que a análise dos resultados permitiu uma reflexão sobre as práticas de cuidados, sublinhando-se a importância do paradigma do cuidar, em vez do paradigma do tratar. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (3): 132-150.

Palavras-chave: fisioterapia; concepções; competências emocionais.


Abstract

This article presents the results of an investigation into the conceptions and perceptions of students of Physiotherapy around emotional skills. Participants in number 26, are students attending the 4th year of Bachelor of Physiotherapy in Public School was used as a research tool, a script of semi-structured narrative. The results allow us to conclude that even in the absence of emotional skills training directed at the students to highlight them, more or less predominant, and recognize not only the importance of these skills, such as the importance of acquiring knowledge in this area. Moreover, the analysis of results showed a reflection on the practices of care, emphasizing the importance of the paradigm of care, rather than the paradigm of the deal. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (3): 132-150.

Keywords: physiotherapy; conceptions; emotional skills.


 

 

Introdução

A nossa experiência da prática de cuidados, leituras e reflexões levou-nos a compreender que as emoções, e tudo aquilo que sentimos, têm uma importância capital na interação humana de cuidar. Mayer, Salovey e Caruso (2000) enquadram as emoções na tríade das operações mentais fundamentais, a par com as motivações e com a cognição. Concretamente, estamos a falar de elementos cruciais como a forma como o indivíduo percepciona, entende, relaciona-se com os outros e as interpretações que faz das suas vivências (Mischel, Shoda & Smith, 2004), os quais influenciam diretamente os seus comportamentos e a sua interação com o mundo, pelo que é fundamental uma reflexão constante em torno de si mesmo. Apesar de se tratar de uma realidade pouco debatida e pouco ou nada analisada entre os fisioterapeutas, pelo menos, de um modo tão intencional, ela existe e está tão presente como a sua subjetividade, pelo simples fato, mas ao mesmo tempo complexo, de o fisioterapeuta ser uma pessoa com sentimentos e emoções.

Neste sentido, vamos ao encontro de um conceito que se tem disseminado, pelo seu potencial inovador, em diversas esferas de atuação, o de Inteligência Emocional (IE). Segundo Mayer e Salovey (1997, apud Caruso, 1999, p.2), a IE é conceitualizada como "... the ability to perceive emotions, to access and generate emotions so as to assist thought, to understand emotions and emotional knowledge, and to reflectively regulate emotions so as to promote emotional and intellectual growth".

O tema deste estudo emerge assim das teorias que sustentam que há uma relação vantajosa entre razão e emoção (Damásio, 1995), servindo a última como barômetro interno para a mente racional tomar uma decisão eficaz e construtiva. Esta noção de eficácia concretiza-se melhor quanto mais e melhor forem desenvolvidas as capacidades inerentes à IE, que em contextos laborais se assumem como competências emocionais. Uma vez identificadas essas capacidades, o que Damásio (1995) clarifica e Goleman (1995, 1999, 2000, apud Branco, 2007) defende, é que as pessoas emocionalmente competentes apresentam, nos contextos de vida prática, uma relação consigo e com os outros francamente mais positiva do que aqueles que apresentam sinais de iliteracia emocional.

O desenvolvimento deste estudo surge, então, da motivação em relacionar a Fisioterapia com esta temática e com as suas diretrizes teóricas, salientado a ausência de suporte literário neste contexto e a necessidade real em sublinhar a importância das competências emocionais na relação com o utente e na realização dos cuidados. Surpreendentemente, pelo menos para nós, ao contrário de outras áreas de saúde, a aplicabilidade da IE e das habilidades emocionais à área de Fisioterapia parecem ainda não ter constituído fundamento de outras investigações em Portugal, nem ao nível dos profissionais nem ao nível dos alunos. Parece-nos então legítimo abordar as concepções e percepções dos alunos, em relação às suas próprias competências emocionais e àquelas que eventualmente lhe são transmitidas na sua formação base, como elementos fundamentais no processo relacional de cuidados.

Embora o termo Fisioterapia tivesse sido utilizado pela primeira vez em 1905, no British Medical Journal (Gil, 1990) e o primeiro Congresso Internacional de Fisioterapia se tivesse realizado também nesse mesmo ano (Liége, 13 a 15 de Agosto), em Portugal, só em 1957 deu-se início à formação de fisioterapeutas, por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão.

Atualmente, os fisioterapeutas representam a terceira maior profissão de saúde da Europa (Guerra, 2005) e existem mais de uma dezena de escolas a ministrar este curso, resultando num crescimento exponencial do número de profissionais habilitados a exercer Fisioterapia, que segundo o registo do seu percurso evolutivo, procurou distinguir-se como profissão e adquirir uma identidade própria, bem como tornar os seus profissionais dotados de saberes e competências válidas.

Os fisioterapeutas têm hoje um perfil profissional que prevê a prestação de cuidados primários, secundários e terciários, de acordo com a evolução dos conceitos e modelos que servem de base à saúde (e que acompanham as necessidades dos cidadãos), de onde "emerge uma tendência clara da definição de saúde preconizada pela OMS desde 1946, como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas na ausência de doença ou de enfermidade" (Araújo, 2004). Através da sua intervenção, têm como objetivo contribuir para o bem-estar e qualidade de vida ao utente através de uma intervenção dirigida, da prevenção, aconselhamento, orientação e educação para a saúde, tendo em vista os seus valores e expectativas, objetivos a curto, médio e longo prazo, tendo como meta alcançar a máxima funcionalidade dos utentes (Guerra, 2008). Consequentemente, a proposta da Fisioterapia terá que valorizar a visão holística do utente, no sentido de um ganho efetivo de qualidade de vida.

Vieira, Baggio e Maraschim (2007) consideram que as competências profissionais que têm sido desenvolvidas com maior frequência e ênfase nos cursos de formação base na área da saúde referem-se às relacionadas com os aspectos técnico-científicos, e, assim, as competências que envolvem conhecimentos sobre o utente e toda a sua complexidade contextual tendem a ser relegadas para um plano secundário. Esta possível valorização exclusiva dos aspectos técnico-científicos, direcionada para a patologia/disfunção durante a formação, que incidirá posteriormente no exercício profissional, poderá dificultar o processo de adaptação com que o utente tem que se deparar nos vários estádios do seu percurso terapêutico.

Acontece que, a competência do saber-ser, que exige qualidades do domínio interpessoal e de relacionamento humano (Jordão, 1997), tem sido objeto de análise e investigação, uma vez que pode funcionar como um elemento facilitador na relação terapêutica (Lourenço, 2005). Ou seja, estamos perante um cenário onde para além da competência do saber (mais de ordem intelectual, com um forte apelo ao raciocínio) e da competência do fazer (com recurso a qualidades de execução), valoriza-se a competência do saber ser, pelo recurso à relação de ajuda com o utente como estratégia para o desempenho do cuidar (Madeira, 2007). Para tal, deve-se procurar, durante a formação do fisioterapeuta, estimular a prática reflexiva das ações com base em conhecimentos sólidos, pelo recurso a estratégias de ensino centradas no aluno que promovam o desenvolvimento de competências pedagógicas, profissionais, pessoais e, também, relacionais.

Em suma, todo o contexto laboral inerente à profissão de fisioterapeuta espelha a necessidade dos seus profissionais gerirem as emoções implícitas, de promoverem bons relacionamentos interpessoais, bem como a necessidade imperiosa de compreenderem os outros e os seus sentimentos, o que pressupõe o seu desenvolvimento emocional e a existência de Inteligência Emocional (IE).

Os estudos têm demonstrado que a IE deverá ser mais um aspecto a ter em linha de conta na explicação da teia complexa que são os comportamentos humanos (Franco, 2007), dado que apesar da teoria da IE ser muito recente e algo controversa, ela já encontrou expressão em muitas áreas onde a psicologia tem aplicação, nomeadamente as organizações, a saúde e a educação (Madeira, 2007).

Uma consideração comum na abordagem da IE nestes diferentes contextos tem a ver com o desenvolvimento das competências emocionais, ou seja do desenvolvimento das capacidades ou domínios que envolvem o próprio conceito, afim de garantir aos seus intervenientes um desenvolvimento harmonioso e uma maturação pessoal e profissional, perspectivando sempre a excelência (Roda, 2002). Tal realidade, considera Madeira (2007), evidencia-se claramente no setor da saúde, onde os múltiplos papéis a desempenhar pelos profissionais de saúde os obriga ao desenvolvimento destas competências, garantindo relações terapêuticas promissoras e eficazes.

Segundo Goleman (2001, apud Rocha, Melo, Santos & Candeias, 2007), as competências emocionais são capacidades aprendidas. Assim, embora a IE determine o potencial para aprender skills subjacentes aos seus clusters, a competência emocional mostra quanto desse potencial é concretizado pela aprendizagem e domínio de competências e de transferência para competências de trabalho.

É importante, assim, que o fisioterapeuta, seja capaz de percepcionar as suas emoções à medida que elas vão aparecendo e desaparecendo, com a finalidade de otimizar o seu raciocínio, a eficácia das suas opções e a pertinência das suas atitudes face aos outros (profissionais ou utentes) e face às situações clínicas, pelo que as competências que lhe são exigidas vão além das científicas e das técnicas, abarcando também as próprias competências emocionais.

Assim, o principal objetivo inerente à realização deste estudo é fomentar uma reflexão em torno da importância do desenvolvimento das capacidades inerentes à IE, que, como já referimos, em contexto laboral se assumem como competências emocionais, como umas das determinantes do comportamento individual e profissional dos alunos e futuros fisioterapeutas.

 

Metodologia

Design

O presente trabalho é assumido como um estudo empírico, basicamente descritivo, analítico, interpretativo e qualitativo, através de uma abordagem autobiográfica das concepções e percepções pessoais, sistematizada pela análise semântica dos conteúdos das narrativas dos alunos, categorizadas num sistema misto - a priori e a posteriori.

Apesar do presente estudo não partir de hipóteses já estabelecidas, como pretendemos reiterar a importância das competências emocionais no seio da Fisioterapia, decorrem alguns objetivos mais específicos inerentes a esta investigação:

  • Identificar as competências referidas pelos alunos para o exercício da profissão de fisioterapeuta;
  • Identificar e caracterizar as concepções dos alunos sobre as competências emocionais;
  • Analisar a percepção dos alunos sobre o grau de importância atribuído às competências emocionais para o exercício da profissão de fisioterapeuta;
  • Analisar e caracterizar a percepção dos alunos sobre a formação, que é providenciada pela escola de formação base, no âmbito das competências emocionais.

Participantes

A amostra é constituída por um grupo de 26 alunos voluntários e disponíveis para participarem no presente estudo. A escolha deste universo prendeu-se com as próprias especificidades do estudo, uma vez que se pretendia uma amostra que cumprisse vários requisitos:

  • já tivesse cumprido a totalidade ou grande parte do seu percurso formativo;
  • já tivesse experienciado situações de exercício profissional, através do estágio clínico (o que acontece, durante o 2º e, principalmente durante o 3º ano deste curso).

Pela recolha e análise dos dados pode avançar-se que a amostra em estudo é constituída por 20 elementos do sexo feminino, correspondente a cerca de 76% da totalidade da amostra e por 6 elementos do sexo masculino (24%). Relativamente à caracterização da amostra, no que diz respeito à idade, encontramos uma predominância de alunos com 21 anos, correspondente a 14 sujeitos, ou seja, 54% da amostra. Em seguida, destacam-se os 20 e os 22 anos, nos quais se enquadram, em cada escalão etário, 5 alunos (19%). Os restantes 2 sujeitos distribuem-se, também, de uma forma equitativa, pelos 23 e 32 anos, correspondendo, cada um, a 4% da amostra.

Instrumento

O instrumento de pesquisa utilizado no presente estudo foi a narrativa escrita de acordo com um guião semi-estruturado, um método independente verbal de auto-registo. Neste sentido, foi solicitado aos elementos da amostra que procurassem expressar as suas significações em torno das questões propostas e partilhassem as suas experiências, elucidativas das suas concepções e percepções. O guião semi-estruturado da narrativa utilizada é constituído por questões, inseridas em dois grupos maiores:

  • Elementos de identificação: integra os elementos caracterizadores da amostra em estudo, tais como idade, género, ano letivo da 1ª inscrição no curso, e
  • Guião da narrativa: contém as questões que justificam o próprio estudo, uma vez que abordam as bases teóricas da investigação, onde se pretende conhecer algumas concepções e percepções, por parte dos elementos da amostra, no que diz respeito a:

1. Fisioterapia

Questão a) O que é para si a Fisioterapia? Foi o curso que colocou como sua primeira escolha?

Nesta dimensão pretende obter-se as definições dos alunos sobre a profissão que irão exercer - a Fisioterapia, assim como saber da sua opção prioritária por esta mesma profissão.

2. Competências do fisioterapeuta

Questão b) Ser Fisioterapeuta implica ter competências? Explicite o tipo de competências. Quais é que acha mais importantes? Porquê?

Esta dimensão remete para as competências mencionadas como necessárias para o desempenho como fisioterapeutas, assim como para a análise da importância que os alunos reconhecem a essas competências para o exercício das suas futuras funções.

3. Competências emocionais

Questão c) O que entende por competências emocionais? Qual será a importância dessas competências emocionais no desempenho das suas funções como Fisioterapeuta?

Questão d) Que grau de competência emocional considera ter? Dê exemplos de competências emocionais que possui e de competências emocionais que gostaria de possuir.

Através da análise desta dimensão, pretende-se conhecer qual a concepção que os alunos têm sobre as competências emocionais, qual a importância que lhe atribuem na perspectiva de profissional e ainda a sua percepção sobre o seu grau de competência emocional em geral e, propriedade presente ou futura de competências emocionais, em particular, de modo a tentar obter um perfil auto-perceptivo. Estes dados correspondem às competências emocionais classificadas de acordo com o primeiro modelo de Bar-On (modelo de Inteligência Emocional e Social).

4. Formação em competências emocionais

Questão e) Acha que a sua escola promove algum tipo de formação no campo das competências emocionais? Se sim, em que ano e em que disciplina a recebeu? Como é que foi abordado o assunto? Quantas aulas é que lhe foram dedicadas e que temas foram apresentados? E como experienciou essa formação?

Questão f) Considera importante a aquisição de conhecimentos formais (numa disciplina, unidade, etc.) nesta área?

Questão g) Tem alguma formação, fora da escola, na área das competências emocionais? Se sim, quando e onde a recebeu? Como experienciou essa formação?

Nesta dimensão, procura-se fazer o levantamento segundo a concepção dos alunos, da existência ou não de conteúdos educativos na área das competências emocionais, durante a frequência do curso de formação base, assim como a sua percepção qualitativa e quantitativa desses mesmos conteúdos, em caso afirmativo; procura-se também conhecer o grau de importância atribuído à aquisição desses conteúdos educativos, durante a frequência do curso de formação base; através da análise desta dimensão pretende-se ainda fazer o levantamento da existência ou não de formação por parte dos alunos, na área das competências emocionais, fora das suas atividades curriculares, e a sua percepção qualitativa em caso afirmativo.

5. Atualização/treino das competências emocionais

Questão h) Considera que, nos estágios, os orientadores transmitem e/ou aplicam esse tipo de competência no seu relacionamento com os utentes e pares? Em que moldes o fazem?

Questão i) Considera que na sua avaliação curricular (teórica e prática) são consideradas e/ou exigidas competências emocionais? Explicite.

Através da análise desta dimensão, pretende-se recolher as verbalizações relativas às práticas e metodologias de ação dos orientadores de estágio clínico, no âmbito das competências emocionais e, ainda, recolher as percepções dos alunos sobre a atitude avaliativa dos professores e orientadores de estágio em relação às competências emocionais.

Procedimento

Para o processo de categorização e, após a leitura das narrativas escritas pelos alunos, as respostas foram transcritas e agrupadas em grelhas correspondente a cada item. As respostas dos alunos às questões referentes aos elementos do guião da narrativa podem ser enquadradas em critérios descritivos.

O desenvolvimento do processo de categorização permitiu a operacionalização das categorias definidas, assim como a definição dos níveis, facilitando o posterior tratamento e codificação dos dados. Neste sentido, apresentamos a seguinte matriz de codificação dos dados (quadro 1).

Concluída a análise de conteúdo, seguiu-se a análise de índole quantitativa a que foram submetidos os dados em análise.

Procedimento HOMALS

Uma vez que pretendíamos analisar quais as tendências dos elementos da amostra em relação a determinadas categorias ou dados em estudo e tratando-se de dados nominais, optou-se pelo recurso às técnicas Optimal Scaling1, pois permitem a relação ou a associação de dimensões, tendo em conta os seus níveis de complexidade de análise (Figueira, 2001).

Tendo em conta o presente estudo e o propósito de analisar as possíveis correspondências, na presença de mais do que duas variáveis, com diferentes níveis, o procedimento HOMALS (Homogeneity Analysis via Alternating Least Squares - ou análise de correspondência múltipla) foi adotado para a análise estatística dos dados. Considera-se que a HOMALS "...é uma técnica de redução dos dados, que permite representar a relação entre três ou mais variáveis nominais em poucas dimensões (...) e considera-se uma análise das componentes principais para dados nominais, procedendo a uma partição dos objetos ou casos em grupos homogéneos" (Pestana & Gageiro, 1998, apud Janela, 2003, p. 132). Deste modo, as variáveis são consideradas homogéneas quando classificam os objetos nos mesmos subgrupos. Em suma, o grande objetivo deste procedimento é permitir a análise quantificada da distância entre variáveis, ou seja, a medida em que as categorias, e os objetos que lhes pertencem, estão próximas ou distantes umas das outras (Figueira, 2001).

Resumindo, o procedimento HOMALS entrou, na sua análise, com todas as variáveis categoriais em estudo, efetuadas para os elementos de identificação da amostra, com 2 variáveis (gênero, idade) e 7 níveis (masculino, feminino e 20, 21, 22, 23, e 32 anos) e para os elementos do guião da narrativa, com 15 variáveis (quadro 1, operacionalização) e 73 níveis (quadro 1, níveis).

Categorias

Operacionalização

Níveis

1.Fisioterapia

- definição de fisioterapia (a)

1a1 - concepção técnica

1a2 - concepção social

1a3 - neutra

- escolha do curso (b)

1b1 - sim

1b2 - não

2. Competências do fisioterapeuta

- competências referidas (a)

2a1 - científicas

2a2 - técnicas

2a3 - emocionais e relacionais

2a4 - mista 1 (científicas, emocionais e relacionais)

2a5 - mista 2 (técnicas, emocionais e relacionais)

2a6 - mista 3 (cientificas, técnicas, emocionais e relacionais)

- competências destacadas (b)

2b1 - científicas

2b2 - técnicas

2b3 - emocionais e relacionais

2b4 - mista 1 (científicas e técnicas)

2b5 - mista 2 (científicas, emocionais e relacionais)

2b6 - mista 3 (técnicas, emocionais e relacionais)

2b7 - mista 4 (científicas, técnicas, emocionais e relacionais)

3. Competências emocionais

- definição de competências

emocionais (a)

3a1 - capacidade intrapessoal

3a2 - capacidade interpessoal

3a3 - gestão de stress

3a4 - adaptabilidade

3a5 - humor geral

3a6 - neutra

- importância (b)

3b1 - muito importantes

3b2 - importantes

3b3 - não responde/neutra

- nível de auto-percepção (c)

3c1 - baixo

3c2 - médio

3c3 - bom

3c4 - elevado

3c5 - neutro

- auto-percepção de tipos de competências emocionais já adquiridas (d)

3d1 - empatia

3d2 - optimismo

3d3 - resolução problemas

3d4 - independência

3d5 - flexibilidade

3d6 - mista 1 (tolerância ao stresse; auto-actualização)

3d7 - mista 2 (independência; optimismo)

3d8 - mista 3 (optimismo; empatia; resolução de problemas)

3d9 - mista 4 (relação interpessoal; auto-consciência emocional; empatia)

3d10 - não responde/neutra

- auto-percepção de tipos de competências emocionais a adquirir futuramente (e)

3e1 - auto-estima

3e2 - independência

3e3 - controlo de impulsividade

3e4 - tolerância ao stresse

3e5 - auto-consciência emocional

3e6 - mista 1 (controlo de impulsividade; flexibilidade)

3e7 - mista 2 (controlo de impulsividade; flexibilidade; optimismo; auto-estima)

3e8 - não responde/neutra

4. Formação em competências

emocionais

- formação em competências emocionais durante o curso (a)

4a1- não

4a2 - sim, ocasionalmente (exemplo ou partilha de experiências)

4a3 - sim, 1º e/ou 2º ano (CDCH I e II, psicologia da saúde, comunicação e ensino, MEIF, introdução à profissão)

4a4 - sim, 2º e 3º ano (estágio)

- vivência/opinião acerca dessa formação (b)

4b1 - relevante

4b2 - pouco relevante

4b3 - informação escassa

4b4 - não respondeu

- importância da aprendizagem em competências emocionais durante o curso (c)

4c1 - muito importante

4c2 - importante

4c3 - pouco ou nada importante

4c4 - não se pode aprender

- aquisição de formação em competências emocionais fora do curso (d)

4d1 - não

4d2 - sim, informal

4d3 - sim

5.Atualização/ treino das competências emocionais

- durante os estágios clínicos (a)

5a1 - sim, transmitem e/ou aplicam

5a2 - em alguns locais de estágio, transmitem e/ou aplicam

5a3 - não

5a4 - neutra

- na avaliação curricular (b)

5b1 - sim

5b2 - sim, nas cadeiras práticas

5b3 - sim, nos estágios

5b4 - não

Quadro 1 - Categorias, suas operacionalizações e níveis das respostas dos elementos do guião da narrativa.

 

Resultados

Primeiramente, foi efetuada a análise descritiva dos dados obtidos a partir das questões do guião da narrativa, da qual se apresentam as principais noções que os elementos da amostra possuem, sobre as concepções e percepções que envolvem o próprio estudo (os dados da análise descritiva na sua totalidade podem ser consultados no apêndice).

No que diz respeito às Competências do fisioterapeuta, podemos constatar que as competências mais destacadas pelos alunos enquadram-se no nível Mista 3 (competências científicas, técnicas, emocionais e relacionais), sendo apresentada por 12 alunos (46% da totalidade da amostra), seguida pela associação das competências técnicas, emocionais e relacionais (designada por Mista 2), referida por 6 alunos (23% da amostra) e da associação das competências científicas, emocionais e relacionais (designada por Mista 1), apresentada por 3 alunos (11% da amostra).

No que diz respeito às competências destacadas, como sendo as mais importantes para o desempenho das suas funções como fisioterapeutas, constatou-se que a resposta mais dada, por 23% dos sujeitos, correspondentes a 6 alunos, foi aquela que aglutinou as competências técnicas e as emocionais e relacionais (Mista 3), logo seguida da resposta que uniu as três áreas de competências referidas - científicas, técnicas e, emocionais e relacionais - nível designado por Mista 4 e da resposta que aponta apenas as competências emocionais e relacionais, ambas aludidas por 5 alunos, ou seja, 19% em cada nível.

No que diz respeito ao conceito de competências emocionais, e atendendo à definição apresentada pelos elementos da amostra, segundo a designação dos fatores ou capacidades gerais de Bar-On (2007), a maior parte dos alunos concebe estas competências enquadradas no nível "adaptabilidade", correspondendo a 35% da amostra, ou seja, 9 sujeitos.

Relativamente à importância que os elementos da amostra atribuem às competências emocionais no desempenho das suas funções como alunos e futuros profissionais de Fisioterapia, 9 sujeitos (35%) consideram-nas "muito importantes" e 6 sujeitos (23%) "importantes", ou seja, um total de15 alunos, o que representa a maioria da amostra, com 58%. Regista-se ainda 11 elementos (42%) que ou não responderam a esta questão ou apresentaram uma resposta neutra.

No que diz respeito à percepção que os alunos têm, relativamente ao seu grau de competência emocional, grande parte deles, ou seja, 11 sujeitos (42%) colocam-se num nível "médio". Temos 9 sujeitos (35%) que apresentam uma resposta "neutra". Dos restantes 6 elementos da amostra, 3 (11%) apontam para o nível "bom", 2 (8%) para o nível "baixo" e 1 elemento (4%) para o nível "elevado".

Ao pedirmos aos elementos da amostra quais as competências emocionais que eles percepcionam ter, a resposta que mais se destaca é a "empatia", correspondendo a 8 alunos, ou seja, 31% da amostra.

No que diz respeito às competências emocionais que os alunos percepcionam como sendo desejável vir a adquirir, a maior parte dos sujeitos não responde ou tem uma resposta vaga, portanto neutra, correspondendo a 31% da amostra, ou seja, 8 alunos.

Relativamente à aquisição de formação em competências emocionais, no contexto do curso base em Fisioterapia, podemos verificar que a maior parte dos alunos, representando 42% da amostra (11 sujeitos), refere ter recebido formação nesta área durante o 1º e/ou 2º ano em disciplinas como Ciências do Desenvolvimento e Comportamento Humano (CDCH I e II), Psicologia da Saúde, Comunicação e Ensino, Métodos e Estratégias de Intervenção em Fisioterapia (MEIF) ou Introdução à Profissão.

No que diz respeito à percepção qualitativa dos alunos sobre os conteúdos educativos na área das competências emocionais, durante a frequência do curso de formação base, podemos verificar que a maior parte dos alunos não responde a esta questão, ou seja, 14 sujeitos, que representam 54% da amostra. Em relação aos alunos que respondem, 19% da amostra (5 elementos) considera que a formação que receberam foi "relevante", 4 elementos (15%) acham que a informação que foi fornecida não foi a suficiente e, 12% (3 elementos) considera que a formação que recebeu foi "pouco relevante".

É ainda de realçar que relativamente à importância que os alunos atribuem à aquisição de formação em competências emocionais, durante o curso base, 18 elementos da amostra (69%) a menciona como "importante" e 15 elementos (15%) como "muito importante". Registam-se ainda 2 sujeitos (8%) que consideram "pouco ou nada importante" este tipo de formação e também 2 elementos (8%) que afirmam que este tipo de competências não pode ser objecto de aprendizagem no formato mencionado.

No que diz respeito à transmissão de conhecimentos aos alunos na área das competências emocionais e/ou à aplicação de competências emocionais no contexto laboral, por parte dos orientadores de estágio, de acordo com a totalidade da amostra, 14 sujeitos (54%) referem que em alguns locais de estágio tal acontece, 9 sujeitos (34%) dizem que acontece na totalidade dos locais de estágio e, 1 sujeito (4%) refere que tais procedimentos não acontecem em nenhum local de estágio.

Quando os alunos constituintes da amostra são questionados sobre a apreciação ou exigência de competências emocionais pelos docentes no decorrer da avaliação curricular, 50% dos sujeitos (13 alunos) considera que tal não acontece. Dos restantes 50%, 7 (27%) pensa que as competências emocionais são tidas em linha de conta, mas apenas pelos orientadores dos estágios, 4 alunos (15%) confirmam esta situação apenas nas disciplinas que integram uma componente prática e 2 alunos (8%) referem que as competências emocionais são consideradas e/ou exigidas pelos docentes, no decorrer da avaliação curricular.

Foi também realizada a análise inferencial (por via da análise HOMALS), e pela leitura dos outputs obtidos para as diferentes variáveis, onde se distribuem os resultados por duas dimensões (cf. Anexo das dimensões), é possível a leitura de 4 subgrupos ou perfis distintos e diferenciáveis, na amostra em estudo:

Um Subgrupo 1, em que os alunos que se situam majoritariamente no escalão etário dos 21 anos de idade optam por definir a Fisioterapia, preferencialmente, com uma Concepção Técnica, não sendo este curso a sua primeira opção para o seu futuro profissional. Este grupo aponta as Competências Técnicas não só como sendo necessárias ao exercício do fisioterapeuta, como considera também que estas mesmas competências serão as mais importantes para esse mesmo exercício. A sua definição de Competências Emocionais aproxima-se tendencialmente do fator Capacidade Interpessoal, embora não respondam ou respondam de forma Neutra quanto à Importância das competências emocionais no desempenho das suas funções como fisioterapeutas. Também a sua auto-percepção sobre o seu grau de competência emocional é tendencialmente Neutra, assim como não respondem ou respondem de forma vaga ou sem enquadramento (Neutra) à nomeação de competências emocionais que gostariam de vir a possuir, ainda que declarem a Empatia como uma competência emocional já obtida. Este grupo considera que a escola promove algum tipo de formação neste campo, ocasionalmente, através de exemplos ou partilha de experiências por parte dos docentes, admitindo que a quantidade de informação é escassa, pois consideram Importante a aquisição de conhecimentos formais nesta área. Quiçá por estas considerações, este grupo de alunos apresenta uma orientação de procura de formação em competências emocionais fora da escola. Posicionam-se de forma Neutra quanto à transmissão ou aplicação destas competências pelos orientadores de estágio clínico, embora considerem que só nos estágios estas competências são consideradas ou exigidas no momento da avaliação ou não o serão de todo na avaliação curricular.

Um Subgrupo 2, constituído tendencialmente por alunos do Gênero Feminino, nos escalões etários dos 22 e 23 anos, registando uma propensão por definir a Fisioterapia com uma Concepção social. Como Competências necessárias ao exercício do fisioterapeuta apresentam uma orientação para as Competências emocionais e relacionais, Mista 1 (científicas, emocionais e relacionais) e Mista 3 (científicas, técnicas, emocionais e relacionais), destacando a importância para o exercício da profissão das Competências emocionais e relacionais, da Mista 1 (científicas e técnicas), Mista 2 (científicas, emocionais e relacionais) e Mista 4 (científicas, técnicas, emocionais e relacionais). Relativamente à definição de Competências Emocionais optam preferencialmente pelos fatores Capacidade Intrapessoal e Gestão de estresse mas também por uma perspectiva Neutra, considerando Importantes estas competências no desempenho das suas funções. Colocam-se tendencialmente num grau Médio de competência emocional, apresentando como exemplos de competências já adquiridas o Optimismo, a Independência, a Mista 1 (tolerância ao estresse e auto-atualização) e Mista 2 (independência e otimismo) ou ainda uma orientação Neutra, pela natureza vaga das respostas obtidas. Já como exemplos de competências emocionais que gostariam de vir a adquirir, este grupo dá primazia à Tolerância ao estresse, à Autoconsciência emocional e à Mista 1 (controle de impulsividade e flexibilidade). Na formação promovida pela escola no âmbito destas competências, este grupo evidencia concordância apenas durante os estágios clínicos, do 2º e 3º ano, expondo-a como Relevante, pelo que consideram Pouco ou nada importante a aquisição de conhecimentos formais (por exemplo, numa disciplina ou unidade curricular) nesta área. Também Não apresentam preocupação na procura de formação em competências emocionais fora da escola. Quanto à transmissão ou aplicação destas competências pelos orientadores de estágio clínico, decidem-se preferencialmente pelo Não ou pela afirmativa, mas apenas Em alguns locais de estágio.

Um Subgrupo 3, em que os alunos que formam este grupo situam-se majoritariamente nos escalões etários dos 20 anos e dos 32 anos, e assumem tendencialmente a escolha do curso de Fisioterapia como sua primeira opção. Apontam, preferencialmente, as Competências Científicas como sendo necessárias ao exercício do fisioterapeuta e também como as mais importantes para esse mesmo exercício. Apresentam tendencialmente uma definição de Competências Emocionais que aponta para o fator Humor geral, com uma orientação para um grau de auto-percepção Baixo ou Bom de competência emocional. No que diz respeito a competências emocionais que percepcionam possuir, têm preferência pela Resolução de problemas e Mista 4 (relação interpessoal, autoconsciência emocional e empatia), enquanto mostram um pendor para a Auto-estima e Mista 2 (controle de impulsividade, flexibilidade, otimismo e autoestima) como competências emocionais que gostariam de ter. Este grupo, ainda que considere que a escola promove algum tipo de formação neste campo, no 1º e/ou 2º ano do curso, inserida nalgumas disciplinas como Psicologia da Saúde, Comunicação e Ensino, etc., admite que a formação é Pouco relevante. No entanto, encaram tendencialmente como Muito Importante a aquisição de conhecimentos formais nesta área de competências, considerando que os orientadores dos estágios clínicos transmitem e/ou aplicam estas competências nos seus relacionamentos e que estas mesmas competências são consideradas e/ou exigidas na avaliação curricular das cadeiras com componente prática ou mesmo em todas as avaliações.

Por fim, um quarto subgrupo, Subgrupo 4, constituído tendencialmente por alunos do Gênero Masculino, registando uma orientação Neutra na definição de Fisioterapia, com tendência para a Mista 2 (técnicas, emocionais e relacionais) e Mista 3 (técnicas, emocionais e relacionais), como competências referidas e destacadas, respectivamente, para o exercício profissional. Optam, preferencialmente, pelo fator Adaptabilidade para definirem as competências emocionais, que consideram Muito importantes para o desempenho das suas funções. Atribuem tendencialmente um grau Elevado às suas competências emocionais, apontando a Flexibilidade e a Mista 3 (otimismo, empatia e resolução de problemas) como exemplos de competências já adquiridas e, a Independência e o Controle de impulsividade como exemplos de competências que ambicionam vir a possuir. Ao abordarem a formação por parte da Escola, orientam-se para o Não, pelo que Não respondem quanto à vivência/opinião sobre esta suposta formação e apresentam uma disposição no sentido de considerarem que estas competências Não se podem aprender numa disciplina, unidade, etc. Confirmam tendencialmente a formação, por via informal, fora da Escola, no âmbito das competências emocionais.

 

Síntese e discussão dos resultados

Conseguimos sumariar, de uma forma geral, apoiando-nos nas respostas mais frequentes, que os alunos concebem a Fisioterapia como uma ciência ligada à saúde, apontando para uma concepção técnica, em que sendo necessárias competências científicas, técnicas, emocionais e relacionais, destacam como mais importantes para o exercício desta profissão as competências técnicas, emocionais e relacionais, ou seja, têm a percepção das emoções como competências no ato de cuidar e reconhecem a sua importância para o desenvolvimento de uma relação terapêutica promissora. Denota-se alguma predominância do fator Adaptabilidade que, para Bar-On (2000), corresponde à capacidade para verificar as emoções através de pistas externas objetivas e avaliar com precisão a situação imediata. Implica ainda ser flexível, de forma a alterar os sentimentos e pensamentos à medida que mudam as situações, e resolver problemas pessoais e interpessoais, pelo que o aluno conhece e está desperto às suas emoções e aos seus sentimentos, bem como está sensível às emoções dos outros. A competência emocional que os alunos mais referem, como estando já presente nas suas aptidões, é a empatia, que ao definir-se pela capacidade de compreender e ter em conta os sentimentos, necessidades e emoções dos outros, revela-nos que a expressão emocional é permitida, privilegiando um cuidar personalizado e centrado no bem-estar da pessoa cuidada. Relativamente à sua formação nesta área, enquanto alunos do curso de Fisioterapia na Escola Superior de Tecnologias da Saúde auscultada, revelam ter tido no 1º e/ou 2º ano, em algumas disciplinas, conteúdos educativos dentro deste âmbito, o que eles consideram importante, visto que a esmagadora maioria não tem ou teve qualquer outro tipo de formação em competências emocionais. Acrescentam que, também em alguns locais de estágio a transmissão e/ou a aplicação das competências emocionais está presente, mas consideram que não são avaliadas no contexto curricular.

Neste sentido, e pela leitura efetuada anteriormente, podemos dizer que apesar de todo o conceito de competências emocionais não se encontrar muito bem definido, pelos elementos da amostra, a totalidade dos alunos refletiu sobre as competências emocionais, valorizando a sua importância para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. A reflexão feita pelos alunos permitiu-lhes uma tomada de consciência de si e das suas práticas atuais e futuras, o que vai ao encontro da perspectiva apresentada por Joyce-Moniz, na medida em que defende que este exercício metacognitivo promove uma introspecção auto-reactiva "... isto é, quando o indivíduo se auto-observa, age sobre o conteúdo do pensamento, modificando-o, ou mantendo-o ou substituindo-o" (Joyce-Moniz, 1988, apud Figueira, 2001, p.118). Tais percepções aproximaram-nos da sua realidade, das suas dúvidas e das suas emoções.

Sem dúvida que esta premissa envolveu o desenvolvimento desta investigação, na medida em que permitiu aos alunos desenvolverem uma autoreflexão das suas percepções relativamente às competências emocionais. Compreensivelmente, esta reflexão foi mais longe e envolveu uma análise pessoal das próprias concepções e práticas de cuidar (ainda que inserida no estágio clínico, mas já em contexto real de trabalho). Assumimos a auto-reflexão como um instrumento importante para a Fisioterapia, pois

"...como profissão em constante evolução, (...) encontra-se permanentemente frente a novos desafios face a um corpo de conhecimentos também em permanente expansão (...). É a capacidade de demonstrar competência que nos torna ou não profissionais de excelência e não apenas a aquisição de um diploma ou certificado." (Guerra, 2008, p.7)

Aceita-se que a combinação entre a reflexão e as percepções, na medida que o estudo incidia exatamente na reflexão feita pelos alunos sobre as suas concepções e percepções em relação às competências emocionais (em si e na sua formação), é uma associação promissora para o próprio desenvolvimento pessoal e profissional.

 

Conclusões finais

Consideramos, pois, que a realização deste estudo contribui para sensibilizar esta população - alunos e docentes de Fisioterapia, para a questão das competências emocionais. Em última análise, o presente estudo pretende, não só no decorrer da recolha dos dados, mas fundamentalmente com a partilha dos resultados, transformar-se num instrumento relevante para a valorização do processo de formação dos futuros profissionais de Fisioterapia, com reflexos na melhoria dos cuidados e consequentemente na optimização dos recursos humanos em torno de uma maior humanização do cuidar do utente, permitindo uma maior homogeneidade de percepções e maximizando estas no sentido de formar profissionais emocionalmente inteligentes.

É um fato que a cultura institucional é muito forte e as condições de trabalho podem não favorecer a expressividade humana do sentimento, no entanto, a sua compreensão e reconhecimento, pela importância que tem para os cuidados, pode projetar-se à medida que for sendo protagonizada com intencionalidade e convicção (Diogo, 2006). Daí que a necessidade de formação ao nível da compreensão e gestão das situações emotivas de cuidados sugira uma temática dos planos de estudos. As aulas teóricas ficariam enriquecidas se incluíssem análise de situações de cuidados em ensino clínico e também técnicas de autoconhecimento, para além dos relatos das experiências emocionais dos fisioterapeutas na sua prática, que os alunos mencionaram acontecer ocasionalmente. Estes devem aprender a nomear e compreender as emoções/sentimentos e o processo emotivo, assim como devem ter contacto com investigações nesta área (APF, 2005).

Na concepção de Defalco (1997, apud Ferreira, 2006), e transpondo para o ensino de fisioterapia, o contexto de estágio clínico poderá ser a forma de lhes proporcionar experiências com vista ao reforço da identidade profissional e da sua capacidade crítica, através da análise e reflexão das suas vivências individuais e dos contextos onde desenvolvem a sua atividade de formação, podendo ser uma forma eficaz no desenvolvimento das capacidades emocionais do aluno. É ainda importante que se debatam as experiências emocionalmente significativas, para que as emoções sejam entendidas como competências de ação e interação e se ultrapasse as situações com êxito (Madeira, 2007), uma vez que para além de Adaptabilidade têm de desenvolver capacidades Intra e Interpessoais e de Gestão de estresse, sem esquecer a valorização do Humor geral expresso na sua conduta. Acreditamos na validade das atitudes formativas, que permitam uma autoreflexão e uma atualização de conhecimentos sobre o desenvolvimento emocional, para a certificação das emoções em competências emocionais e estas numa verdadeira forma de inteligência: a Inteligência Emocional.

Embora tratando-se de um estudo com algumas fragilidades e limitações, que se prendem, fundamentalmente, com a representatividade da amostra e o número limitado de elementos, os dados obtidos reforçam a nossa vontade e necessidade de lhe dar continuidade, alargando o espectro de análise, extensível aos currículos e docentes das instituições de formação.

 

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Notas

- A.P.C.F. Figueira
E-mail para correspondência: apcouceirofigueira@gmail.com.

(1) As técnicas Optimal Scaling recorrem a diferentes procedimentos de acordo com as possibilidades de associação, sendo estes a ANACOR, a HOMALS, a PRINCALS e a OVERALS", tendo em comum "...a análise da homogeneidade dos dados, tendo subjacente como pressuposto a redução de dimensões (análise multivariada)" (SPSS, 1990, apud Figueira, 2001, p. 244).

 

Anexo

Resultados obtidos na análise HOMALS (níveis da variáveis e resultados pelas duas dimensões)

 

Tabela 1 - Elementos de identificação da amostra

 

Tabela 2 - Elementos do guião da narrativa