SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 número1Características psicométricas do "Portable Tactual Performance Test" (P-TPT) em indivíduos cegosProcessos implícitos não-conscientes na tomada de decisão: a hipótese dos marcadores somáticos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.17 no.1 Rio de Janeiro abr. 2012

 

Artigo Científico

 

Tomada de decisão e outras funções executivas: um estudo correlacional

 

Decision-making and other executive functions: A correlational study

 

 

Janaína Castro Núñez CarvalhoI; Caroline de Oliveira CardosoI; Charles CotrenaI; Daniela Di Giorgio Schneider BakosII, III; Christian Haag KristensenIV; Rochele Paz FonsecaIV

IGrupo Neuropsicologia Clinica Experimental (GNCE), Programa de Pós-Graduação em Psicologia Ênfase em Cognição Humana, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
IIUniversidade Luterana do Brasil (ULBRA), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
IIICurso de Psicologia e Pós-Graduação em Neuropsicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
IVCurso de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

 

 


Resumo

O construto Funções Executivas (FE) é um grupo de processos composto por múltiplos componentes, porém ainda é insuficiente definido e operacionalizado. Podem ser considerados, pela participação de processamentos emocionais, "frios" e "quentes". O objetivo deste estudo foi correlacionar o construto Tomada de Decisão (TD), considerado uma FE "quente", avaliado pelo Iowa Gambling Task (IGT), com outros componentes executivos avaliados pelos Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WSCT), do Trail Making Test (TMT) e do Hayling Test. Em relação ao desempenho global do IGT, somente foi encontrada relação inversa com o tempo da parte B do Hayling Test, sugerindo que a velocidade de inibição pode se relacionar diretamente com uma TD vantajosa. Foram encontradas correlações inversas entre o desempenho no primeiro bloco do IGT e outros escores dos três instrumentos de FE, indicando um processamento distinto no início deste paradigma. Uma possível hipótese é que mecanismos explícitos mais necessários nas outras tarefas executivas poderiam ter uma associação negativa com o desempenho no início do IGT, em que um processamento implícito e emocional é privilegiado. Sugerem-se estudos sobre a relação do construto mensurado pelo IGT com outras FE consideradas "quentes". © Cien. Cogn. 2012; Vol. 17 (1): 094-104.

Palavras-chave: funções executivas; Iowa Gambling Task; tomada de decisão; flexibilidade cognitiva; inibição.


Abstract

The "executive functions" (EF) construct is a set of processes with many components, still insufficiently defined and operationalized. They can be considered, for the participation of emotional processing, "cold" and "hot"components. This study aimed to correlate the construct decision-making (DM), taken as a "hot" EF, as assessed by the Iowa Gambling Task (IGT), together with other executive components, assessed by Wisconsin Card Sorting Test (WSCT),Trail Making Test (TMT) and Hayling Test. Regarding to the total performance in IGT, the only finding was an inverse correlation with the time score of Hayling's part B. It suggests that speed processing of inhibition can be directly related to an advantageous DM. Inverse correlations were found between the performance on the first block of IGT and the scores of other three EF tests, indicating a different processing in the beginning of this paradigm. It is possible that explicit mechanisms more necessary in other executive tasks might have a negative association with the performance in the earlier sections of the IGT, in which implicit and emotional processing is privileged. Studies about the relationship between the IGT's main construct and other "hot" EF should be conducted. © Cien. Cogn. 2012; Vol. 17 (1): 094-104.

Keywords: executive functions; Iowa Gambling Task; decision making; cognitive flexibility; inhibition.


 

 

Introdução

Com o avanço da neuropsicologia clínica, os estudos das funções cognitivas vêm aumentando de forma considerável nos últimos anos. Entre os processos mentais mais investigados e discutidos atualmente na literatura estão às funções executivas (FE). O termo FE se refere a uma série de processos cognitivos que incluem iniciação e inibição de comportamentos, raciocínio verbal, resolução de problemas, planejamento de ações, sequenciamento, auto-monitoramento, flexibilidade cognitiva e tomada da decisão, entre outros processos. Estas funções organizam e controlam o comportamento em prol de um objetivo específico (Gilbert & Burgess, 2008; Lezak, Howieson & Loring, 2004). A expressão "funções executivas" surge como uma analogia ao papel do executivo de uma empresa, sendo essas capazes de gerenciar todo o comportamento para que um determinado objetivo futuro seja alcançado (Goldberg, 2002). Por ter um papel fundamental nos processos cognitivos mais complexos e na produção e controle do comportamento, o lobo pré-frontal é considerado o substrato neurológico mais envolvido nessas funções e diversos estudos de neuroimagem comprovam esta relação (Miller & Wallis, 2009; Roca et al., 2010).

Devido ao objetivo comum que é gerenciar o comportamento em prol de uma meta, as FE englobam diferentes componentes cognitivos. Uma das dificuldades de se entender as funções executivas como um construto único advém do fato de que o desempenho em uma dada tarefa pode não ter nenhum valor preditivo em outra tarefa que teoricamente avalia este mesmo construto. Ou, ainda, algumas tarefas são tão complexas e avaliam tantos domínios concomitantemente que impossibilitam a diferenciação dos processos que estão prejudicando o seu desempenho, caracterizando uma limitada especificidade. Neste panorama, há algumas propostas de categorização dos componentes executivos, nenhuma sendo considerada e valorizada na literatura como suficiente. No entanto, uma das teorias vigentes vem ao encontro das hipóteses teóricas que embasam o presente estudo. Alguns autores propõem uma divisão dos componentes executivos em "frios" e "quentes" (Buelow & Suhr, 2009; Chan, Shum, Toulopoulou & Chen, 2008; Séguin, Arseneault, & Tremblay, 2007). Os componentes "frios" estão mais baseados na lógica e não dependem muito de ativação emocional para seu desempenho efetivo. São exemplos deste tipo planejamento, sequenciamento, inibição e flexibilidade cognitiva, entre outros. Já os componentes "quentes" envolvem diretamente a regulação de comportamentos sociais, resoluções de conflitos que envolvem fatores emocionais e interpessoais e comportamentos em que reforços e punições estão claramente em jogo (Chan et al., 2008). Estes processos muitas vezes estão dissociados em pacientes com lesão frontal, como no famoso caso de Phineas Gage, um operário de construção civil que sofre um acidente em que grande parte do seu lobo frontal foi atingido por uma barra de ferro. Após este evento, Gage não parecia ter problemas em situações que demandavam lógica e raciocínios puros, mas era incapaz de manter comportamentos socialmente aceitáveis (Damásio, 1996), demonstrando um prejuízo predominante em seu repertório de habilidades sociais (FE quentes), com preservação das FE frias.

O exemplo clássico de FE quente é a tomada de decisão avaliada através do Iowa Gambling Task (IGT), que é o principal objeto de interesse deste estudo. O IGT é uma tarefa computadorizada em forma de um jogo de cartas que foi construída com o objetivo de corroborar a hipótese do marcador somático, proposta por Damásio em 1996. Em sua clássica obra "O Erro de Descartes", Damásio propõe a participação de processos emocionais, não conscientes, na tomada de decisão, o que ele denominou a "hipótese do marcador somático" (Damásio, 1996). A partir desta hipótese teórica, o IGT foi criado com o objetivo de avaliar a capacidade de tomada de decisão através de uma situação que simule o mundo real, como um jogo de cartas (Bechara, Damásio & Damásio, 2000).

Nas instruções da tarefa é informado ao indivíduo que o objetivo do jogo é ganhar o máximo possível de dinheiro e evitar perder o máximo possível. Além disso, explica-se ao avaliando que existem baralhos melhores e baralhos piores e que para ganhar o jogo ele deve evitar os baralhos ruins. No início da avaliação o participante recebe um "empréstimo" de 2000 reais em dinheiro. Em cada "jogada", quando o participante escolhe cartas do baralho A ou B ele ganha em média 100 reais; na escolha dos baralhos C ou D, ganha ao redor de 50 reais. No entanto, a cada 10 escolhas dos baralhos A e B (20 jogadas) o participante perde em média 250 reais, enquanto se escolher 10 vezes os baralhos C e D (20 jogadas) iria ganhar em média 250 reais. Assim, os baralhos A e B são considerados desvantajosos e as escolhas destes baralhos são consideradas de risco. Os baralhos C e D são considerados vantajosos, demonstrando um comportamento mais conservador do participante (Buelow & Suhr, 2009).

Este instrumento vem sendo utilizado na avaliação de diversos quadros psicopatológicos, observando-se que dependentes químicos (Bechara & Damásio, 2002; Woicik et al., 2009), jogadores compulsivos (Goudriaan, Oosterlaan, De Beurs & Van Den Brink, 2005), pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (Lawrence et al., 2006) e esquizofrênicos (Sevy et al., 2007), entre outras populações clínicas que apresentam disfunções pré-frontais, optam pelos baralhos de risco, tendo um comportamento considerado prejudicado na tarefa. As principais pontuações geradas pelo IGT são o cálculo total e o cálculo por blocos.

Apesar de diversos estudos com populações clínicas demonstrarem a validade do IGT como uma tarefa ecológica, que evidencia falhas em comportamentos de tomada de decisão semelhantes às dificuldades apresentadas pelo paciente na vida real, poucos são os estudos que avaliam a correlação do IGT com outros instrumentos de funções executivas (Buelow & Suhr, 2009).

Um dos testes mais utilizados internacionalmente na avaliação das FE é o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WSCT). Dos poucos estudos realizados até o momento que estudaram possíveis correlações entre o IGT e o WSCT, Overmann e cols. (2004), ao examinar populações saudáveis, não constataram nenhuma correlação entre os principais escores dos dois instrumentos. Já Brand, Recknor, Grabenhors e Bechara (2007), analisando os blocos do IGT, não encontraram qualquer associação entre o primeiro bloco e os escores do WSCT; identificaram, porém, uma associação inversa entre um melhor desempenho nos blocos 2, 4 e 5 e os erros perseverativos do WSCT.

Na investigação com populações clínicas, Bechara e cols. (2001) também não encontraram correlações entre o IGT e o WCST em dependentes químicos e, interessantemente, Lee, Lee, Kweon, Lee e Lee (2009), estudando pacientes com esquizofrenia, notaram que uma melhor performance no cálculo total do IGT nestes participantes estava correlacionada com um pior desempenho no WCST. Os autores apontaram, como possível explicação, que os participantes com melhor performance no WCST utilizavam evidências tanto cognitivas quanto emocionais, enquanto aqueles com pior performance no WCST utilizavam apenas evidências emocionais, que lhes daria alguma vantagem no IGT.

Assim, não existem muitos estudos que correlacionem o IGT com outras medidas que avaliam FE e, nos poucos encontrados, não há um consenso sobre esta relação. O objetivo deste estudo é correlacionar o desempenho mensurado no IGT com aqueles avaliados por outros três instrumentos clássicos de avaliação de FE, o Trail Making Task (TMT), o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WCST) e o Hayling Test.

 

Método

Amostra

O estudo de correlação entre o IGT e os instrumentos Hayling Test e o TMT contou com 60 participantes. Já o estudo de correlação entre o WCST e o IGT incluiu 29 participantes. Os participantes foram selecionados em ambientes universitários e de trabalho, sendo a amostragem por conveniência. Ingressaram na amostra somente participantes que cumpriram os seguintes critérios de inclusão: ausência de: quaisquer distúrbios sensoriais (auditivos ou visuais) não-corrigidos; de sinais sugestivos de depressão (mensurados pelo Inventário Beck de Depressão II (BDI-II) (Beck, Steer & Brown, 1996, adaptado ao português brasileiro por Finger e Argimon, 2008, com escore > 19)); demência (triagem feita pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM - adaptado para a população local por Chaves & Izquierdo, 1992, com escore ≥ 24)); histórico de alcoolismo (triagem com a escala CAGE, utilizada na pesquisa de Amaral & Malbergier (2004), com escore ≥ 2); uso atual ou abuso prévio de drogas ilícitas ou de benzodiazepínicos (avaliado por autorrelato em um questionário sociocultural). A amostra foi composta apenas por participantes brasileiros natos e falantes do português brasileiro. Os dados sócio-demográficos e clínicos dos participantes podem ser observados na tabela 1.

Como pode ser verificado na Tabela 1, a maioria dos participantes em ambas amostras possuíam médias de idades entre 25 e 39 anos. Apesar da maioria ser do sexo feminino, as amostras foram bastante representativas para ambos os sexos. Os participantes apresentaram escore sócio-econômico médio entre 25 e 28 pontos o que os classifica como classe B1 no Brasil. Verificam-se pelas variáveis clínicas que os participantes não apresentavam sinais sugestivos de quadro depressivo nem de demência e através dos escores ponderados dos subtestes Vocabulário e Cubos do WAIS-III todos participantes apresentaram pontuação acima de 7.

Variáveis de caracterização da Amostra

Estudo de Correlação entre os Instrumentos IGT, Hayling Test e TMT (N=60)

Estudo de Correlação entre o Instrumento IGT e o WCST (N=29)

Variáveis Sócio-demográficas

M (dp)

M (dp)

Idade (anos)

38,55 (19,84)

25,38 (5,15)

Escolaridade (anos)

12,83 (4,42)

12,76 (4,98)

Sexo (%F/M)

56,7 %/ 43,3%

51,7%/48,3%

Escore socioeconômico

27,28 (6,92)

25,93 (7,79)

Variáveis Clínicas

Escore MEEM

28,30 (1,84)

28,52 (1,52)

Vocabulário- WAIS (escore ponderado)

10,14 (2,02)

9,86 (1,84)

Cubos- WAIS (escore ponderado)

13,22 (2,65)

13 (2,72)

Escore BDI-II

6,33 (3,99)

6,28 (4,07)

Tabela 1 - Caracterização da amostra. M= média; dp= desvio-padrão

Procedimentos e instrumentos

Os participantes foram examinados em uma sessão com duração em média de 1 hora e meia, em ambiente apropriado. Respeitaram-se todos os parâmetros éticos em investigações com seres humanos. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (ofício número 042/2009-SGL). Além dos instrumentos utilizados na análise dos critérios de inclusão, foram administrados os seguintes instrumentos para a avaliação das variáveis dependentes do estudo:

- Teste das trilhas (Trail Making Test - TMT) (Ait, 1944): é um teste que avalia rapidez de processamento, flexibilidade cognitiva, busca visual, performance motora e funções executivas (Perianez, et al., 2007). A parte A do TMT (TMT-A) é administrada no primeiro momento. O participante é instruído a ligar em ordem crescente uma sequência de números (de 1 a 25) distribuídos em círculos aleatoriamente, em uma folha de papel, o mais rápido que puder, sem levantar o lápis do papel e sem errar (caso erre, o examinador lhe avisa e pede que recomece o teste a partir de onde errou). O tempo utilizado para realizar a tarefa deve ser cronometrado e o teste é interrompido se o participante passar de 300 segundos (5 minutos). Já no TMT-B, são dadas ao participante as mesmas instruções, entretanto agora ele deve ligar números (1-13) e letras (A-L) que estão dispostos aleatoriamente em ordem crescente alternadamente (1-A, A-2, 2-B, B-3, 3-C, etc). Em relação ao tempo, são executados os mesmos procedimentos que no TMT-A. Antes de cada teste, há exemplos que treinam o participante para realizar a tarefa. A pontuação do TMT A e B envolve a contabilização do tempo total utilizado para execução de cada teste, número de acertos e de erros.

- Hayling Test: O Hayling Test foi adaptado ao português brasileiro a partir da versão original de Burguess e Shallice (1997). As principais funções avaliadas por esse teste são a velocidade de iniciação e o processo de inibição. O teste consiste de duas partes (A e B), cada uma composta de 15 frases nas quais está omitida a última palavra. As variáveis mensuradas nesse teste são o tempo de latência até a produção da resposta (palavra a ser dita pelo participante), que inicia no instante em que o examinador termina de ler a frase e termina no momento em que o participante começa a dar sua resposta; o número de acertos e o número de erros.

-Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (Wisconsin Card Sorting Test - WCST). Foi originalmente proposto por Berg (1948) como uma medida para avaliar raciocínio abstrato e flexibilidade de pensamento, evidenciada como a capacidade de mudar de estratégia cognitiva em resposta a eventuais mudanças ambientais. O sujeito recebe um baralho de 128 cartas viradas e deve emparelhar cada uma delas com uma das 4 cartas que se encontram numa mesa conforme uma certa regra (cor, forma ou número) que não lhe é ensinada e deve ter a capacidade de mudar a forma de emparelhar quando a regra já não é válida (Trentini, Argimon, Oliveira & Werlang, 2006). As variáveis mensuradas no WCST são as categorias completadas (cor, forma e número), o número de ensaios administrados, o número de acertos e de erros, os erros perseverativos e os erros não perseverativos.

- Iowa Gambling Task: foi aplicada uma versão computadorizada do IGT, a partir da versão atualmente utilizada pelo autor do instrumento e que foi adaptada para o Português Brasileiro por Schneider e Parente (2006). A tarefa envolve um jogo de cartas e avalia o processo de tomada de decisão do indivíduo em termo de busca ou aversão ao risco. Esse instrumento contempla uma situação de tomada de decisão sob incerteza, que envolve escolhas monetárias em curto e longo prazo, permitindo classificar o comportamento de decisão do indivíduo em termos de uma habilidade de decisão adaptativa ou prejudicada. As variáveis analisadas são o cálculo total e o cálculo por blocos, já explicadas anteriormente.

Análise dos dados

Os dados foram analisados com o pacote estatístico SPSS, na versão 13.0, com um nível de significância de p <0,05. Todas as correlações foram realizadas através do Coeficiente de Correlação de Pearson.

 

Resultados

Inicialmente foram analisadas as possíveis correlações entre o cálculo total do IGT e o cálculo para cada um dos 5 blocos de 20 jogadas que compõem a tarefa, como pode ser observado na Tabela 2.

Cálculo total

Cálculo
bloco 1

Cálculo
bloco 2

Cálculo
bloco 3

Cálculo
Bloco 4

Cálculo
bloco 5

0,124

0,554**

0,812**

0,815**

0,729**

Tabela 2 - Correlações entre os principais escores do IGT. ** correlação significativa (p< 0,01)

Percebe-se através da tabela 2 que o cálculo total do IGT, que mostra o rendimento global na tarefa, apresenta uma correlação de moderada a forte com os blocos 2, 3, 4 e 5 do IGT, porém não apresenta correlação significativa com o primeiro bloco da tarefa.

Na tabela 3 podem ser observadas as relações entre os principais escores do IGT e do Hayling Test.

Cálculo total IGT

Cálculo bloco 1

Cálculo bloco 2

Cálculo bloco 3

Cálculo bloco 4

Cálculo bloco 5

Hayling A
Acertos

-0,147

- 0,12

-0,196

-0,053

-0,156

0,013

Hayling A
Erros

0,147

0,94

0,196

0,053

0,156

-0,13

Hayling A
Tempo total

-0,092

0,316*

-0,011

-0,135

-0,186

-0,135

Hayling B
Acertos
(frases inibidas)

-0,219

-0,012

-0,186

-0,199

-0,235

-0,043

Hayling B
Erros
(frases não inibidas)

0,219

0,012

0,186

0,199

0,235

0,43

Hayling B
Tempo total

-0,258*

0,131

-0,126

-0,196

-0,249

-0,254

Hayling-Tempo B
tempo A

-0,263*

0,074

-0,137

-0,186

-0,233

-0,249

Tabela 3 - Correlações entre o IGT e Hayling Test. * correlação significativa (p<0,05).

Como a tabela 3 demonstra, o cálculo total do IGT se correlaciona inversamente com o total de tempo na parte B do Hayling Test, bem como com a análise do tempo da parte B menos o tempo da parte A. Já, o cálculo no primeiro bloco do IGT, que é o bloco inicial e mais implícito, se correlaciona diretamente com o tempo total da parte A do Hayling Test. Os demais blocos do IGT não se correlacionam significativamente com nenhum dos escores do Hayling Test.

A Tabela 4 expõe os coeficientes de correlação entre os principais escores do IGT e do Trail Making Test.

Cálculo total IGT

Cálculo bloco 1

Cálculo bloco 2

Cálculo bloco 3

Cálculo bloco 4

Cálculo bloco 5

TMT
tempo A

-0,104

0,414**

-0,094

-0,134

-0.176

-0,213

TMT
tempo B

0,013

0,218

0,022

-0,051

0,063

-0,154

TMT
tempoB-tempoA

0,027

0,103

0,064

-0,028

0,115

-0,137

Tabela 4 - Correlações entre o IGT e o Trail Making Test. ** correlação significativa (p< 0,01)

Nota-se pela tabela 4 que a única correlação significativa entre o IGT e o Trail Making Test foi observada no cálculo do bloco 1 que se correlacionou diretamente com o total de tempo na parte A. Na tabela 5 podem ser verificadas as relações entre os escores do IGT e do WCST.

Cálculo total IGT

Cálculo bloco 1

Cálculo bloco 2

Cálculo bloco 3

Cálculo bloco 4

Cálculo bloco 5

WCST-128
Acertos

0,264

0,291

0,294

0,101

0,062

0,168

WCST-128
Erros

0,192

0,544**

-0,160

0,244

-0,015

0,029

WCST-128
Erros perseverativos

0,070

0,471**

-0,243

0,167

-0,124

-0,030

WCST-128
Categorias completadas

-0,151

-0,483**

0,243

-0,173

0,000

-0,052

WCST-128
"Aprendendo a aprender"

-0,269

-0,327

-0,221

-0,156

-0,032

-0,180

Tabela 5 - Correlações entre o IGT e o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (128 cartas)- WCST-128. ** correlação significativa (p< 0,01).

Como pode-se perceber através da tabela 5, não houve nenhuma correlação entre o desempenho avaliado no WSCT e o desempenho global no IGT (cálculo total). No entanto, o primeiro bloco do IGT (primeiras 20 jogadas) correlacionou-se positivamente com o total de erros no WCST, bem como com os erros perseverativos e inversamente com o número total de categorias completadas.

 

Discussão

Conforme hipótese inicial, não foram encontradas muitas correlações entre testes de processamento mais explícito das FE e o IGT. Em relação ao cálculo total do IGT, que demonstra um desempenho global ao longo da tarefa, foram encontradas correlações significativas apenas com o tempo total da parte B do Hayling Test e com a subtração do tempo total da parte B e da parte A. O tempo B bem como a subtração entre os dois tempos do teste indicam o quanto o participante apresenta de velocidade de processamento para inibir respostas quando é necessário ao contexto. Portanto, estas correlações inversas entre o tempo utilizado na parte B do Hayling Test e o cálculo total do IGT evidenciam uma relação entre a capacidade de inibição do participante e seu desempenho na tomada de decisão avaliada através do IGT.

Não foram encontradas correlações significativas entre o cálculo total do IGT e a performance avaliada nos instrumentos TMT e WCST. Este achado vai ao encontro dos resultados de Overmann e cols. (2004) de ausência de correlações significativas entre escores do IGT e do WCST. Esta falta de associação entre os instrumentos que supostamente avaliam o mesmo construto FE reforça o debate sobre a multidimensionalidade do construto, que pode envolver processos cognitivos que não estejam necessariamente associados, com algum grau de interdependência. A separação entre FE quentes e frias poderia ainda explicar esta dissociação entre os processos baseados na emoção, como é o caso da tomada de decisão avaliada através do IGT, e processos cognitivos que utilizam um processamento mais lógico, como é o caso do WCST.

O presente estudo mostrou correlações aparentemente contra-intuitivas entre as primeiras jogadas do IGT (bloco 1) e os escores dos instrumentos Hayling Test (tempo total da parte A), Trail Making Test (tempo total da parte A) e WCST (total de erros, erros perseverativos e categorias completadas). Estas correlações sugerem que quanto mais tempo o participante necessita para processar informações melhor seria seu desempenho no início do IGT (correlações com o Hayling Test e com o TMT). Já as correlações com o WCST indicariam que quanto mais erros cometidos (ou menor flexibilidade cognitiva) melhor seria seu desempenho no primeiro bloco do IGT. Esta associação entre um pior desempenho em outras tarefas de FE e um melhor desempenho no primeiro bloco do IGT, que não se demonstra no desempenho global do IGT, indica que o processamento cognitivo realizado no início da tarefa se diferencia do processamento realizado ao longo do jogo, o que se pode perceber pela falta de correlação entre o cálculo do primeiro bloco do IGT e o cálculo total deste instrumento (Tabela 2).

Estes resultados se tornam menos contra-intuitivos quando se analisa o tipo de processamento realizado nas primeiras jogadas do IGT. No princípio do jogo o participante ainda não conhece os baralhos e, portanto, necessita experimentar de forma aleatória na tentativa, muitas vezes, de descobrir estratégias. Esta primeira etapa é completamente guiada por informação implícita (Brand, Recknor, Grabenhors & Bechara, 2007). Já que o participante desconhece completamente os esquemas de reforço e punição ao longo do jogo, ele ainda não criou nenhum tipo de aprendizagem e os baralhos desvantajosos a longo prazo ainda lhe parecem os mais atrativos. Assim, poder ser que os processos cognitivos demandados em outras tarefas executivas, e no próprio IGT de uma forma global, estejam completamente dissociados desta parte inicial da tarefa, em que o processamento é somente guiado pela emoção, de cunho predominantemente implícito.

 

Considerações finais

Este estudo não encontrou correlações de uma forma geral entre a tomada de decisão avaliada através do IGT e outras funções executivas, tais como flexibilidade cognitiva e velocidade psicomotora (TMT e WCST). A única correlação significativa encontrada foi entre o desempenho global do IGT e o tempo da parte B do Hayling Test, demonstrando uma relação entre a capacidade de inibição do participante e seu desempenho na tomada de decisão avaliada através do IGT. A falta de correlação entre o desempenho global no IGT e tarefas como o TMT e o WCST indica uma possível diferenciação entre os componentes executivos quentes e frios, bem como a multidimensionalidade do construto funções executivos, amplamente discutida no momento.

Em face dos achados do presente estudo correlacional, faz-se relevante a promoção de mais pesquisas que investiguem a associação entre diferentes componentes executivos. Mais especificamente, a relação entre componentes quentes deve ser priorizada, tal como entre o desempenho medido pelo IGT e por outros paradigmas emocionais, por exemplo o Stroop emocional. Assim sendo, um longo caminho pode ser estimado para o processo de busca por uma compreensão detalhada da interrelação entre componentes das tão enfocadas FE na literatura da neuropsicologia e da psicopatologia.

 

Referências bibliográficas

AIT- Army Individual Test Battery. (1944). Manual of directions and scoring. Washington, DC: War Department, Adjutant General's Office.         [ Links ]

Amaral, R.; Malbergier, A. (2004). Avaliação de instrumento de detecção de problemas relacionados ao uso do álcool (CAGE) entre trabalhadores da Prefeitura do Campus da Universidade de São Paulo (USP). Revista Brasileira de Psiquiatria, 26, (3), 156-163.         [ Links ]

Bechara, A.; Damasio, H.; Damasio, A. (2000). Emotion, decision making and the orbitofrontal cortex. Cerebral Cortex, 10, 295-307.         [ Links ]

Bechara, A.; Damásio, H. (2002). Decision-making and addiction (partI): impaired activation of somatic states in substance dependent individual when pondering decisions with negative future consequences. Neuropsychologica, 40, 1675-1689.         [ Links ]

Bechara, A.; Dolan, S.; Denburg, N.; Hindes, A.; Anderson, S.; Nathan, P. (2001). Decision-Making deficits, linked to a dysfunctional ventromedial prefrontal cortex, revealed in alcohol and stimulant abusers. Neuropsychologia, 39, 376-389.         [ Links ]

Berg, E.A. (1948). A simple objective technique for measuring flexibility in thinking. The Journal of General Psychology, 39, 15-22.         [ Links ]

Brand, M.; Recknor, E.; Grabenhorst, F.; Bechara, A. (2007). Decisions under ambiguity and decisions under risk: Correlations with executive functions and comparisons of two different gambling tasks with implicit and explicit rules. Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology, 29 (1), 86-99.         [ Links ]

Buelow, M.T.; Suhr, J.A. (2009). The construct validity of the Iowa gambling task. Neuropsychology Review, 19, 102-114.         [ Links ]

Burguess, P.W.; Shallice, T. (1997). The Hayling and Brixton Tests. Bury St. Edmunds, UK: Thames Valley Test Company.         [ Links ]

Chan, R.C.K.; Shum, D.; Toulopoulou, T.; Chen, E.Y.H. (2008). Assessment of executive functions: Review of instruments and identification of critical issues. Archives of Clinical Neuropsychology, 23(2), 201-216.         [ Links ]

Chaves, M.; Izquierdo, Y. (1992). Diferential diagnosis between dementia and depression: A study of efficiency increment. Acta Neurologica Scandinavia, 85, 378-382.         [ Links ]

Damásio, A. (1996). O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano. Companhia das Letras. São Paulo.         [ Links ]

Finger, I.; Argimon, I. (2008). Validação de constructo do Inventário de depressão de Beck - II (BDI-II) em uma população universitária. In: III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação PUCRS. Porto Alegre, Brasil.

Gilbert S.J.; Burgess P.W. (2008). Executive function. Current Biology, 18 (3), 110-114.         [ Links ]

Goldberg, E. (2002). O cérebro executivo: lobos frontais e a mente civilizada. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Goudriaan, A.E.; Oosterlaan, J.; De Beurs, E.; Van Den Brink, W. (2005). Decision making in pathological gambling: A comparison between pathological gamblers, alcohol dependents, persons with Tourette syndrome, and normal controls. Cognitive Brain Research, 23 (1), 137-151.         [ Links ]

Lawrence, N.S.; Wooderson, S.; Mataix-Cols, D.; David, R.; Speckens, A.; Phillips, M.L. (2006). Decision making and set shifting impairments are associated with distinct symptom dimensions in obsessive-compulsive disorder. Neuropsychology, 20(4), 409-419.         [ Links ]

Lee, S.; Lee, H.; Kweon, Y.; Lee, C.; Lee, K. (2009). The Impact of Executive Functions on EmotionExperience in Patientes with Schizophrenia. Psychiatry Investigation, 6 (3), 151-162.         [ Links ]

Lezak, M.D.; Howieson, D.B.; Loring, D.W. (2004). Memory test, In Neuropsychological Assessment. Oxford University Press. p. 414-479.         [ Links ]

Miller, K.; Wallis, J. (2009). Executive Functions and Higher-Order Cognition: Definition and Neural Substrates. In: L. Squire. Encyclopedia of Neuroscience, 4, 99-104.         [ Links ]

Overman, W.; Frassrand, K.; Ansel, S.; Trawalter, S.; Bies, B.; Redmond, A. (2004). Performance on the Iowa card task by adolescents and adults. Neuropsychologia, 42, 1832-1851.         [ Links ]

Perianez, J.; Rios-Lago, M.; Rodriguez-Sanchez, J.; Adrover-Roig, D.; Sanchez-Cubillo, I.; Crespo-Farorro, B.; Quemada, J.; Barcelo, F. (2007). Trail Making Test in traumatic brain injury, schizophrenia, and normal aging: Sample comparisons and normative data. Archives Clinical Neuropsychoogyl: in press.         [ Links ]

Roca, M.; Parr, A.; Thompson, R.; Woolgar, A.; Torralva, T.; Antoun, N.; Manes, F.; Duncan, J. (2010). Executive function and fluid intelligence after frontal lobe lesions. Brain Advance Access, 133(1), 234-247.         [ Links ]

Séguin, J. ; Arseneault, L. ; Tremblay, R. (2007). The contribution of "cool" and "hot" components of decision-making in adolescence: Implications for development psychopathology. Cognitive Development, 22 (4), 530-543.         [ Links ]

Schneider, D.; Parente, M.A. (2006). O desempenho de adultos jovens e idosos na Iowa Gambling Task (IGT): um estudo sobre a tomada de decisão. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19, (3), 442-450.         [ Links ]

Sevy, S.; Burdick, K.E.; Visweswaraiah, H.; Abdelmessih, S.; Lukin, M.; Yechiam, E.; Bechara, A. (2007). Iowa Gambling Task in Schizophrenia: A Review and New Data in Patients with Schizophrenia and Co-Occurring Cannabis Use Disorders. Schizophr Research, 92(1-3), 74-84.         [ Links ]

Trentini, C.M.; Argimon, I.L.; Oliveira, M.S.; Werlang, B.G. (2006). O desenvolvimento de normas para o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas: Pesquisa em andamento. Avaliação Psicológica, 5, 247-250.         [ Links ]

Woicik, A.; Moeller, J.; Alia-Klein, N.; Maloney, T.; Lukasik, M.; Yeliosof, O.; Wang, J.; Volkow, D.; Goldstein, Z. (2009). The neuropsychology of cocaine addiction: recent cocaine use masks impairment. Neuropsychopharmacology, 34(5), 1112-22.         [ Links ]

 

Notas

J.C.N. Carvalho
Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 932, Partenon, Porto Alegre, RS 90.619-900.
E-mail para correspondência: janainanunez@gmail.com;

C. Cardoso
Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 932, Partenon, Porto Alegre, RS 90.619-900.
E-mail para correspondência: carolineocardoso@yahoo.com.br;

C. Cotrena
Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 932, Partenon, Porto Alegre, RS 90.619-900.
E-mail para correspondência: charlescotrena@brturbo.com.br;

D.G.S. Bakos
Endereço para correspondência: Rua Mostardeiro, 5, sala 605. Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS.
E-mail para correspondência: danigiorgio@hotmail.com;

C.H. Kristensen
Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 932, Partenon, Porto Alegre, RS 90.619-900.
E-mail para correspondência: christian.kristensen@pucrs.br;

R.P. Fonseca
Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 932, Partenon, Porto Alegre, RS 90.619-900.
E-mail para correspondência: rochele.fonseca@gmail.com.

Creative Commons License