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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.1 n.1 Ribeirão Preto fev. 2005

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Ética e pesquisa em álcool e drogas: uma abordagem bioética

 

Ética e investigación en alcohol y drogas: un abordaje bioético

 

Ethics and research in alcohol and drugs: a bioethics approach

 

 

Cléa Regina de Oliveira RibeiroI

I Filósofa, Prof. Dr. do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo pretende apresentar as características peculiares dos usuários de drogas de abuso, enquanto sujeitos de pesquisa e os limites éticos da pesquisa com essa população. Parte-se das idéias de vulnerabilidade e de autonomia restringida do cliente/paciente com problemas emocionais e/ou psiquiátricos. O Principialismo e as Normas Éticas Brasileiras para Pesquisa com Seres Humanos (Resolução 196/96 - CNS/MS/BR) constituem os pressupostos ético-teóricos dessa reflexão. A proposta final aponta para a prática da cidadania e da inclusão.

Palavras-chave: Ética, Bioética, Pesquisa, Drogas de abuso.


RESUMEN

Este artículo intenta presentar las características peculiares de los usuarios de drogas de abuso como sujetos de investigación, además de los límites éticos de la investigación con esta población. Se parte de las ideas de vulnerabilidad y de autonomía restringida del cliente/paciente con problemas emocionales y/o psiquiátricos. El principialismo y las Normas Éticas Brasileñas para Investigación con Seres Humanos (Resolución 196/96 - CNS/MS/BR) constituyen los presupuestos ético-teóricos de esta reflexión. La propuesta final apunta a la práctica de la ciudadanía y de la inclusión.

Palabras clave: Ética, Bioética, Investigación, Drogas de abuso.


ABSTRACT

This article aims to present the peculiar characteristics of street drugs users as research subjects, besides the ethical limits of research in this population. We start from the ideas of vulnerability and restricted autonomy of clients/patients with emotional and/or psychiatric problems. The ethical-theoretical premises of this reflection are Principialism and Brazilian Ethical Rules for Research involving Human Beings (Resolution 196/96 - CNS/MS/BR). The final proposal points towards the practice of citizenship and inclusion.

Keywords: Ethics, Bioethics, Research, Street drugs.


 

 

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende apresentar as características peculiares dos usuários de drogas de abuso, enquanto sujeitos, de pesquisa e os limites éticos da pesquisa com essa população. Constituem pontos de partida as idéias de vulnerabilidade e de autonomia restringida do paciente/cliente com problemas emocionais e/ou psiquiátricos nessa caracterização. O modelo principialista(1) em bioética e as Normas Éticas Brasileiras para Pesquisa com Seres Humanos (Resolução 196/96 CNS/MS/BR) compõem os pressupostos ético-teóricos do estudo. Metodologicamente, como estudo teórico, a reflexão é a forma de desenvolvimento da proposta apresentada.

 

ÉTICA, BIOÉTICA E PESQUISA

Realizar pesquisa envolvendo seres humanos, atualmente, no Brasil, significa aliar perspectiva científica com a eticidade desses desenvolvimentos.

Internacionalmente, a preocupação com os limites éticos para as pesquisas que envolvem seres humanos tornou-se questão definitiva a partir das conseqüências abusivas de experimentos científicos desenvolvidos com prisioneiros judeus nos campos de concentração durante a II Guerra Mundial, motivando a instituição do Tribunal de Nuremberg, fato culminante e desencadeador do Código de Nuremberg que, em 1946, elaborou os princípios éticos básicos para experimentação com humanos. Mas é em 1964, na Finlândia, que a Assembléia Geral da Associação Médica Mundial estabelece a Declaração de Helsinque, documento de referência mundial para normas éticas em pesquisas com seres humanos, lançando diretrizes para a preservação da integridade moral e física dos participantes. Tal Declaração consagrou-se em 1975, quando de sua primeira revisão e, desde então, recebeu atualizações em 1983, 1989, 1996 e a última em 2000, sob acirrada discussão a respeito do uso do placebo(2).

No Brasil, a primeira legislação sobre experimentação com seres humanos é a Resolução 01/88, mas tal normatização é substituída pela Resolução 196/96 (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde – CONEP/CNS/MS) que, com base nas diretrizes da Declaração de Helsinque e na teoria principialista, é estabelecida como o fundamento para avaliação e aconselhamento de projetos em Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) até a atualidade. Para a coordenação do grupo de discussão responsável pela elaboração das normas, “a característica fundamental da Resolução 196/96 reside no fato de que a mesma não é um código de moral, nem lei. Ela é uma peça de natureza bioética, entendendo-se, por tal, análise e juízo crítico sobre valores (que podem estar em conflitos), o que exige condições básicas para tanto. Assim, liberdade para proceder às opções, não preconceito, não coação, grandeza para alterar opção, humildade para respeitar a opção do outro, são condições essenciais para o exercício da bioética”(3).

A bioética é definida como uma ética que tem como valor maior a vida e, como tal, preocupa-se em estabelecer limites das atitudes corretas na defesa de tal valor. Surge na década de 70, como área de estudos multidisciplinares e se encontra em franco desenvolvimento e propagação de seu conhecimento. A bioética pode ser vista como estudo da amplitude e das conseqüências morais de questões, incluindo os limites de conduta, de decisão, das normas e das várias perspectivas que envolvem as ciências da vida e a assistência em saúde, utilizando várias abordagens éticas e sempre em um contexto interdisciplinar, para que seja possível perceber - da maneira mais completa possível - as variadas implicações de uma mesma questão(4).

Para a Fundación Panamericana de la Salud y Educación - OPS, a bioética é uma disciplina emergente no contexto da saúde com implicações morais que se estendem áreas muito diferentes. Seus princípios pretendem mediar os rápidos avanços da ciência, da tecnologia e o desenvolvimento global tendo como base a interação e o diálogo entre especialistas e não-especialistas. A bioética se transformou em aspecto de importância crítica nas ciências biomédicas, ciências sociais, ciências da saúde na atenção à saúde em geral.

 

HUMANISMO E DIGNIDADE DA PESSOA

Propor que a ética em pesquisa tenha como pressupostos princípios bioéticos é, entre outros entendimentos, adotar a visão humanista para delimitar as relações entre interesses do pesquisador, sujeitos de pesquisa e problema a ser investigado. A mudança é realmente essa: trocar o paradigma ético objetivista para o subjetivista. Ou seja, a investigação deve levar em conta tanto as hipóteses do trabalho de investigação quanto os sujeitos participantes na abordagem para obtenção de dados e observação – da consideração do participante como objeto de pesquisa para sujeito de pesquisa.

Do ponto de vista ético-filosófico, o modelo humanista propõe o princípio da dignidade da pessoa como base da bioética e da ética em saúde. E, a partir disso, observar limites em ciência e pesquisa, na perspectiva da ética humanista, significa eleger o homem como beneficiário das ações do conhecimento científico, sem violação de sua dignidade.

A idéia de humanismo pode ser pontuada pelo menos em dois momentos da história ocidental: na civilização grega e no Renascimento (o qual nada mais faz que retomar e reforçar a concepção grega). Protágoras de Abdera (450-400 a.C.) afirmava que “o Homem é a medida de todas as coisas; das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”. Erige-se, dessa maneira, a concepção de que é a partir do homem que o mundo é visto e interpretado e, portanto, a legitimidade do conhecimento passa a ser a verdade humana.

Por outro lado, a idéia de dignidade da pessoa encontra sua fundamentação na segunda formulação do imperativo categórico kantiano, no qual o dever moral está assim descrito:

“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.”(5)

Levando em conta o embasamento humanista da ética para pesquisa, desde a Declaração de Helsinque, as normas brasileiras apresentam como fundamento o modelo principialista, através dos seguintes princípios: a beneficência (proporcionar o bem), a autonomia (autodeterminação do sujeito, escolha livre), a não-maleficência (não fazer mal ou não causar prejuízos e danos) e a justiça (igualdade, eqüidade e respeito pelas diferenças), expressos literalmente na Resolução 196/96(6).

É a partir dessa normatização que são instituídos os CEPs que, instrumentalizados por essas normas, aconselham sobre a validade ética de projetos de pesquisa. Em termos práticos, se o projeto apontar para qualquer procedimento que seja considerado como um aviltamento ou risco aos sujeitos de pesquisa, o desenho da pesquisa deve ser revisto na preservação da segurança e integridade desses. Nesse sentido, os CEPs adquirem como funções principais: zelar pelos interesse do sujeito de pesquisa e protegê-lo em relação à privacidade, à integridade e vulnerabilidade.

 

VULNERABILIDADE E AUTONOMIA RESTRINGIDA

Além da “vulnerabilidade intrínseca da existência humana (...) os seres humanos são afetados por vulnerabilidades circunstanciais em decorrência da pobreza, da falta de acesso à educação, das dificuldades geográficas, das doenças crônicas e endêmicas, da discriminação e de outros infortúnios”. A privação e a destituição constituem características da vulnerabilidade; a primeira “impede as pessoas de atender suas necessidades e desejos”; a segunda “restringe a capacidade e a liberdade, requerendo para isso ações terapêuticas que minorem a destituição”(7). O vulnerável sofre de necessidades não atendidas que o torna frágil, predisposto a sofrer danos. A preocupação com esse tipo de desvantagem que afeta muitas pessoas leva a bioética a refletir sobre as condições de humanidade que lhe são proporcionadas. Define ainda o autor: “Ser vulnerável significa estar suscetível a, ou em perigo de, sofrer danos”.

A situação de vulnerabilidade aponta para uma condição (transitória ou não) de desigualdade, inferioridade, fraqueza, limitação, destituição, restrição a que estão submetidos integrantes da sociedade. Desse modo, a pessoa com transtornos mentais e o usuário de drogas de abuso inserem-se na concepção de vulnerabilidade acima descrita, por características próprias e pela maneira como ambos são vistos pela sociedade.

A Resolução 196/96 apresenta particular preocupação com a vulnerabilidade dos participantes, na defesa do respeito pelas peculiaridades dos sujeitos e das comunidades envolvidas. Pode-se considerar incluídas na noção ética de vulnerabilidade as definições de vulnerabilidade e de incapacidade contidas nas normas, que estão definidas da seguinte forma: “Vulnerabilidade – refere-se a estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido”; “Incapacidade – refere-se ao possível sujeito de pesquisa que não tenha capacidade civil para dar o seu consentimento civil para dar o seu consentimento livre e esclarecido, devendo ser assistido ou representado, de acordo com a legislação brasileira vigente”(8). Pela situação de restrição em que se encontram esses indivíduos, a pesquisa com essas populações é desencorajada, a não ser que esta resulte em expressivo benefício à sua condição.

A concepção de autonomia restringida diz respeito à diminuição da capacidade de escolher, por impossibilidade de optar ou pelo contexto ou condições em que tais sujeitos se encontram. A origem conceitual é a noção kantiana de autonomia(9); para os teóricos do principialismo - que interpretam kantianamente - o princípio da autonomia está delimitado pelas idéias de: autodeterminação, independência da vontade, autogoverno, liberdade de direito, privacidade, liberdade de decisão, causar o próprio comportamento, ser a própria pessoa, dar-se as próprias leis. Constitui em espaço de decisão sobre questões relativas ao corpo, à saúde, à doença e à recuperação do paciente/cliente – e extendendo para a ética em pesquisa, a decisão sobre participação.

A idéia de autonomia restringida tem como pressupostos tanto o conceito de autonomia quanto o princípio de autonomia, mas inclui um componente restritivo que é o questionamento acerca da capacidade de alguém em exercer essa autonomia. Dito de outra maneira: se essa condição é duvidosa, intermitente, transitória ou inexistente o sujeito é considerado limitado (ou privado) em suas aptidões de julgar, escolher e, portanto, incapaz de direcionar as ações que lhe dizem respeito de acordo com seu próprio discernimento. As crianças, as pessoas com transtornos mentais e psiquiátricos, problemas psicológicos, em coma, sob efeito de drogas, etc. são exemplos de sujeitos na condição de autonomia reduzida.

A idéia de ‘redução’ da autonomia funda-se na concepção de competência do ponto de vista jurídico e do ponto de vista médico, que tem como interpretação, do ponto de vista da ética, a condição de vulnerabilidade. Tanto para o médico como para o jurista a ausência de competência é manifestada pela falta de capacidade da pessoa em compreender o que lhe é apresentado e em tomar decisões justificáveis e responsáveis, visando benefícios ou resguardando-se de malefícios. Vale ressaltar que essa questão contextualizada no campo do direito e da área médica apresenta alto grau de complexidade e vários entendimentos, mas para a nossa discussão tal elucidação mostra-se suficiente.

A competência, torna-se, dessa forma, o ponto crucial no julgamento do nível e da abrangência da capacidade de pensamento e raciocínio da pessoa com transtornos mentais ou com dificuldades psicológicas. Correntes adeptas de modelos psiquiátricos tradicionais defendem que os doentes mentais (o cliente que atualmente é denominado usuário de drogas de abuso era visto como doente mental também) deveriam permanecer confinados em manicômios ou hospitais psiquiátricos em nome da incapacidade temporária ou crônica em tomar as rédeas das decisões que lhes dizem respeito. A justificativa era que se esses doentes pareciam não ter uma noção sobre si mesmos, ou um controle sobre as atitudes ou discernimento para responder sobre seus atos, eram supostos não terem noção do outro, da comunidade ou até da realidade.

No contexto da pesquisa a idéia de autonomia é o fundamento do consentimento livre e informado, constituindo-se, essa, em condição essencial para a participação do sujeito na pesquisa (conforme já recomendava o Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinque), e como ocorre na maioria dos códigos de ética em pesquisas internacionais. Dentre os procedimentos protocolares para submissão dos projetos, há uma exigência que é considerada uma das principais peças de exame dos CEPs, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). É exatamente através do TCLE que é problematizado o direito de exercício da autonomia dos clientes em geral e, em especial, dos usuários de drogas de abuso. Do ponto de vista filosófico, TCLE carrega em sua origem o conceito de autonomia. Nesse sentido é possível perceber certa tendência autonomista da Resolução 196/96, isto é, a tendência para respeitar a liberdade do sujeito em opinar na participação (e até desistência) da pesquisa, sendo tal possibilidade de escolha pautada obrigatoriamente por informações e esclarecimentos prévios acerca das situações a que serão submetidos tais participantes.

A autonomia restringida ou reduzida deve ser respeitada no limite das possibilidades de cada paciente/cliente e de seu problema de saúde – quer dizer, as chamadas populações vulneráveis devem ser consultadas mesmo que o consentimento (TCLE) seja de responsabilidade de terceiros, e as informações sobre os procedimentos e a sua anuência deve ser objeto de atenção para os pesquisadores.

Desse modo, a partir da discussão da dignidade da pessoa e do respeito à autonomia do sujeito (sua vontade e seus valores), tratar os sujeitos de pesquisa como simples meios e não como fins em si mesmos constitui violação do princípio de respeito às pessoas, enquanto agentes morais autônomos. Tais princípios têm se revelado, cada vez mais, tanto na assistência quanto na pesquisa, a expressão da ética em saúde na atualidade, substituindo-se gradativamente a postura tradicional do paternalismo beneficente.

 

ÉTICA E PESQUISA E A PROBLEMÁTICA DE ÁLCOOL E DROGAS

A partir das concepções desenvolvidas, é possível inferir com clareza que os usuários de álcool e drogas inserem-se na categoria populações vulneráveis. Não somente sob a perspectiva da sociedade, como sob a perspectiva das normas éticas para pesquisa. Mas várias dificuldades rondam a questão. Tais usuários são caracterizados como contraventores, pois o uso e abuso de drogas é criminalizado; os tratamentos podem ser prescritos a partir de uma visão patológica e/ou psicológica dessa problemática; e a sociedade vê o usuário com grande preconceito e intolerância – um exemplo disso é a forma como a maioria da sociedade avalia, com rejeição, o processo terapêutico de Redução de Danos (o qual é, inclusive, um programa do Ministério da Saúde no Brasil). O uso e abuso do álcool, mesmo tolerado socialmente e não criminalizado, também é visto como problema patológico e psicológico, requerendo tratamento. A desqualificação do usuário de álcool e drogas está centrada socialmente no julgamento moral que desencadeia todas as reações de indignação frente a atitudes e conseqüências dos atos dessas pessoas, dificultando o acesso a esse sujeito. Nesse sentido, na pesquisa com essas populações vulneráveis, alguns procedimentos serão diferenciados; por exemplo, como colocar como condição a aplicação e assinatura do TCLE e, ao mesmo tempo, preservar sua privacidade e anonimato, se o sujeito é um contraventor? Com tal condição vulnerável desses sujeitos vulneráveis devem ser protegidos com cuidado maior que outros sujeitos de pesquisa para que a possibilidade de dano seja a menor possível, já que o contexto da coleta de dados pode representar exposição psicológica prejudicial e evidenciar a fragilidade jurídica. Há que se encontrar formas alternativas de proceder ao esclarecimento e ao consentimento destes sujeitos, dado que é reconhecida a relevância científica e social da pesquisa na área de abuso de drogas lícitas e ilícitas, o que não torna antiética tal tipo de pesquisa, já que outros princípios éticos são sobrepujados em relação ao da autonomia, como o respeito à dignidade e o sentido de proteção ao sujeito.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS: INCLUSÃO E CIDADANIA

O pressuposto da defesa da vulnerabilidade baseia-se no princípio aristotélico da justiça, no qual, segundo os já citados autores principialistas, a eqüidade é um dos pilares da ética e assistência em saúde. Na Ética a Nicômaco, ser justo significa “tratar os iguais como iguais e os diferentes como diferentes na justa medida de sua desigualdade”.

Também é o princípio que subjaz à ética em saúde pública e coletiva, direcionando a reflexão e a política em saúde para o sentido de justiça e igualdade, o qual prescreve o favorecimento a todos, independente de sua condição. É a idéia de igualdade de direito, que está na raiz da consciência da cidadania. Conceder esse direito à pessoa que necessita de apoio em relação à sua problemática é pretender criar as condições para a emergência dessa cidadania.

O que é ser cidadão? Aristóteles, na Política, diz que cidadão é aquele que participa dos “destinos e da vida da cidade e da sociedade civil”. Fazer parte da vida da cidade é estar integrado, estar inserido no corpo social, nas ações de lazer, no trabalho e no núcleo familiar - só assim seria possível realizar o mesmo fim a que todas as comunidades deveriam almejar, o qual, segundo ele, seria uma “vida boa e feliz”, realizada no interior de um espaço comunal cuja finalidade não é o comércio, a transação de interesses e sim o “viver”.

Ser reconhecido como cidadão implica que as diferenças sejam respeitadas nas peculiaridades de cada um, nesse sentido, as ações de inclusão e de cidadania complementam-se. Cidadania exige o reconhecimento da autonomia restringida, exige que as dificuldades sejam tratadas diferentemente, no direito que o cidadão tem de ser respeitada sua condição, de forma igual a todos os outros cidadãos, mas de maneira diferenciada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Freitas CBD. Atualização da declaração de Helsinque. Cadernos de Ética em Pesquisa 2000 novembro; III(6): 10-13.        [ Links ]

2 Hossne WS. Introdução. Manual Operacional para Comitês de Ética em Pesquisa. Ministério da Saúde (BR)/Conselho Nacional de Saúde/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Brasília: Ministério da Saúde: 2002. p.7-9.        [ Links ]

3 Reich, W.T. Introduction. Encyclopedia of bioethics, 2nd ed. New York (NY): Macmillan Books; 1995, V.I, p. XXI.        [ Links ]

4 Kant I. Fundamentação da Metafísica dos costumes. In: Os Pensadores – Kant II. São Paulo (SP): Abril Cultural; 1980. p.135.        [ Links ]

5 Beauchamps TL & Childress J F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo (SP): Loyola; 2002.        [ Links ]

6 Resolução 196/96 - Normas para Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (BR). (Outubro 1996). III.1.        [ Links ]

7 Kottow MH. Comentários sobre bioética vulnerabilidade e proteção. In: Garrafa V, Pessini L. Bioética: poder e injustiça. São Paulo (SP): Loyola; 2003. p. 71-78.        [ Links ]

8 Ministério da Saúde (BR)/Conselho Nacional de Saúde/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Manual Operacional para Comitês de Ética em Pesquisa. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. II.15, II.16.        [ Links ]

9 Kant I. O que é o esclarecimento? In: Immanuel Kant – Textos Seletos. Ed. Bilingüe. Petrópolis (RJ): Vozes; 1974, p 100-117.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Cléa Regina de Oliveira Ribeiro
E-mail: clearib@eerp.usp.br

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