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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.1 n.1 Ribeirão Preto fev. 2005

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Tentativa de suicídio na adolescência: considerações sobre a dificuldade de realização diagnóstica e a abordagem do profissional de enfermagem

 

Intento de suicidio en la adolescencia: consideraciones acerca de la dificultad de realización diagnóstica y la aproximación del profesional de enfermería

 

Adolescent suicide attempt: diagnosis difficulties and how nursing professionals handle this issue

 

 

Rita de Cássia AvanciI, Luiz Jorge PedrãoII, Moacyr Lobo da Costa JúniorII

I Enfermeira da Urgência Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP e mestre pelo Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP (DEPCH-EERP-USP).
II Prof. Dr. do DEPCH-EERP-USP.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tece considerações sobre Tentativas de Suicídio entre adolescentes relacionado-as com os preconceitos existentes e a atual abordagem dos profissionais de enfermagem frente à questão. Foi embasado na literatura pertinente, principalmente em um estudo epidemiológico da tentativa de suicídio na adolescência, realizado numa Unidade de Emergência, e na experiência prática profissional nesta mesma Unidade, onde se convive com esses adolescentes e seus familiares. Foram abordados temas que tratam da dificuldade da realização do diagnóstico de tentativa de suicídio relacionados ao preconceito da sociedade e do papel do profissional de enfermagem frente a esse paciente.

Palavras-chave: Tentativa de suicídio, Adolescente, Profissional de enfermagem.


RESUMEN

Este estudio reflexiona sobre los intentos de suicidio entre adolescentes, relacionándolos con prejuicios existentes y cómo los profesionales de enfermería se enfrentan esta situación actualmente. La investigación tuvo como base bibliografía relevante del tema, principalmente en un estudio epidemiológico de intento de suicidio en la adolescencia, realizado en una Unidad de Emergencia así como en la experiencia de la práctica profesional de Enfermería en esta misma Unidad, a través de la convivencia con estos adolescentes y sus familiares. Los temas que aborda este artículo fueron la dificultad de efectuar el diagnóstico de intento de suicidio relacionado con los prejuicios sociales, así como el rol del profesional de enfermería en la atención de estos pacientes.

Palabras clave: Intento de suicidio, Adolescente, Profesional de enfermería.


ABSTRACT

This study reflects on adolescent suicide attempts and relates them with existing prejudice and how nursing professionals currently handle this issue. It was based on relevant literature, particularly on an epidemiological research on adolescent suicide attempts, which was carried out at an Emergency Unit, and on professional clinical experience at this Unit, where professionals have contact with adolescents and their family members. This article discusses subjects related to difficulties in diagnosing suicide attempt, with respect to social prejudice and nursing professionals’ role towards this patient.

Keywords: Suicide attempt, Adolescent, Nursing professional.


 

 

Este trabalho teve como objetivo refletir sobre Tentativas de Suicídio entre adolescentes face às dificuldades de realização diagnóstica e a abordagem do profissional de enfermagem.

Tem-se a adolescência, de acordo com o paradigma biomédico, como uma fase do desenvolvimento humano de transição entre a infância e a vida adulta, na segunda década da vida, notada principalmente pelas transformações biológicas da puberdade e relacionadas à maturidade biopsicossocial(1). Vários aspectos influenciam o processo do adolescer, entre eles a família e a sociedade. Esses caminham junto aos processos biológicos, podendo influenciar de forma positiva ou negativa na formação da nova identidade do indivíduo.

Em relação à tentativa de suicídio, essa é definida como qualquer ação autodirigida, empreendida pela própria pessoa e que conduzirá à morte, caso não seja interrompida(2).

Sob a ótica freudiana, a tentativa de suicídio é o resultado da interação de fatores externos com os instintos de vida e de morte internos dos indivíduos, em que os últimos se sobrepõem, culminando com a tentativa(3).

Outro autor referiu-se à tentativa de suicídio sob o ponto de vista social, pois não se trata apenas de um ato individual, existem causas sociais que estão ligadas no nível da integração social dos suicidas no meio em que vivem(4).

Entretanto, adolescentes que tentam suicídio estão presentes na população em geral e devem ser tratados como problema de saúde pública, tentando-se prevenir a Tentativa de Suicídio e principalmente sua reincidência.

Estudo realizado numa Unidade de Emergência em Ribeirão Preto, onde se buscou no Arquivo Médico dados de todos os pacientes entre 10 e 19 anos, admitidos por Tentativa de Suicídio, no ano de 2002, de acordo com a Classificação Internacional das Doenças de 2000, obteve-se o total de 72 adolescentes. Selecionaram-se as seguintes variáveis para análise: sexo, idade, raça, estado civil, profissão, local de moradia, método utilizado na tentativa, dia do mês, da semana, horário da admissão do paciente na Unidade e se foi realizado boletim de ocorrência policial, constando o horário da tentativa de suicídio(5).

Dos 72 adolescentes referidos, 62% são residentes em Ribeirão Preto, na maior parte em bairros periféricos, populosos e de baixo nível socioeconômico, os restantes residem na região. A maioria pertence ao sexo feminino, 77,8%, estão na faixa etária entre 15 e 19 anos de idade, 73,7% são da raça branca, 10% estão amasiados ou separados, o restante são solteiros e apenas 44% são estudantes, os demais pertencem a profissões de baixa qualificação. O método mais utilizado para ambos os sexos foi a ingestões de medicamentos com 65,3%, seguido da ingestão de substâncias químicas com 20,8% e 13,9% a utilização de métodos violentos. Relativo aos medicamentos, os psicotrópicos, com destaque para os neurolépticos, foram os mais utilizados. A maioria das tentativas ocorreu no período diurno. O dia da semana e o mês da tentativa não apresentaram variações significativas.

Ainda relativo aos 72 adolescentes registrados, em apenas 18 dos casos foram realizados boletins de ocorrência policial, que é uma rotina da unidade, mas realizada apenas quando o funcionário que admite o paciente é informado pelo mesmo ou pela família que se trata de uma tentativa de suicídio. Assim, só nessas situações é que se aciona a polícia para que registre a ocorrência.

Salienta-se que esse dado do estudo é um dos que aponta o quanto perpetua o preconceito social sobre o suicídio, que provém de uma herança histórico-cultural, tornando difícil o diagnóstico e a realização de estudos epidemiológicos(6).

A Urgência Psiquiátrica, que é um setor da Unidade de Emergência, onde os pacientes que tentaram suicídio recebem atendimento psiquiátrico, é única de Ribeirão Preto e região e funciona durante 24 horas, para onde é encaminhada a maioria dos casos de Tentativa de Suicídio. No entanto, os dados do estudo epidemiológico referido anteriormente apontam que a maioria dos casos de adolescentes que tentaram suicídio em Ribeirão Preto e região são de baixa classe socioeconômica, residentes em bairros pobres e possuindo profissões de baixa qualificação. Esses dados sugerem um questionamento: e os adolescentes ricos, não tentam se matar?

Assim, é necessário salientar que nos Estados Unidos a Tentativa de Suicídio entre adolescentes é 3ª causa de morte com 11,1:100 000 habitantes e na Austrália é a principal causa de morte com um índice de 16,4:100 000 habitantes. O Brasil apresenta taxa entre 5 e 6:100 000 para o sexo feminino e 1 e 3:100 000 habitantes para o sexo masculino(7). Esses países com índices elevados de Tentativa de Suicídio entre adolescentes são desenvolvidos e ricos, o que demonstra que a população de classe social elevada também tenta se matar.

Percebe-se grande influência histórico-cultural, principalmente entre famílias de classe média a alta, resultando na omissão de casos de Tentativas de Suicídio e até mesmo de suicídios consumados.

Durante o ano de 2002, além desses 72 casos registrados, pode-se ter perdido vários outros e de diversas formas como casos em que o adolescente e sua família tenham procurado serviço particular ou conveniado em outro hospital, casos admitidos na Unidade e que foi omitida a intencionalidade do ato pelo adolescente e sua família, apresentando dados que levam a um diagnóstico de Intoxicação Exógena ao invés de Tentativa de Suicídio, ou ainda casos indiretos de tentativa de suicídio como em acidentes de trânsito em que nem se cogita a possibilidade. E até mesmo Tentativas de Suicídio menos graves, sem risco eminente de vida em que a família ou o paciente não tenha procurado atendimento médico. Esses são alguns aspectos que dificultam a realização do diagnóstico e de estudos epidemiológicos.

Todo paciente que é admitido na Sala de Urgência da Unidade de Emergência citada, inicialmente por intoxicação exógena, intencional ou acidental, é avaliado por uma equipe de profissionais preparados para o atendimento clínico. Posteriormente a equipe de psiquiatria é acionada para avaliação. A mesma avalia o paciente e solicita a família em todos os casos. Se a família ou o paciente referir que houve intencionalidade no ato, o diagnóstico realizado é de Tentativa de Suicídio, caso contrário permanece como Intoxicação Exógena.

No entanto, nos casos das lesões consideradas violentas como, por exemplo: ferimento por arma de fogo, ferimento por arma branca, traumas automobilísticos, quedas e outros, a equipe da psiquiatria somente é solicitada se a família ou o paciente manifestar a intenção no ato durante o primeiro atendimento, caso contrário permanece o diagnóstico realizado pelas outras equipes: clínica médica, cirúrgica e neurológica, sem investigação psiquiátrica. Nesses casos tem-se exceção, nos casos de enforcamento, onde a equipe da psiquiatria sempre é solicitada para avaliação.

Salienta-se, ainda, que a prioridade de atendimento na sala de politraumatismo nessa Unidade de Emergência é a estabilização do paciente, através de intervenções clínicas e cirúrgicas e que não é realizado comumente um inquérito aprofundado nesses casos, buscando-se investigar possíveis Tentativas de Suicídio. Os casos identificados são aqueles que o paciente ou familiar relataram e não apurados através de anamnese.

As observações realizadas acima, sugerem algumas dúvidas em relação à investigação de casos de Tentativa de Suicídio e a possibilidade de subnotificação em lesões violentas, já mencionadas, bem como nas intoxicações caso não seja informada sua intencionalidade.

Esses aspectos foram apontados por Cassorla, citando um estudo realizado num centro de tratamento de envenenamento onde 42% dos casos foram considerados acidentais e 58% Tentativas de Suicídio. Após reavaliação cuidadosa desses casos, os índices foram alterados para 72% Tentativas de Suicídio, 2% Homicídios e o restante Intoxicações Acidentais. Os resultados também apontaram que as subestimações estatísticas serão mais intensas quando se trata de crianças e adolescentes, em que os atos autodestrutivos serão negados ou até escondidos pela família, face a maiores sentimentos de culpa e vergonha pelo ato. Ressaltam também que os serviços de saúde têm dificuldades em associar componentes suicidas a eventos que os solicitam(8).

Essa situação é presenciada durante experiência de campo, pois os profissionais de saúde não estão preparados para detectar componentes suicidas, nem para aceitar o paciente suicida como uma pessoa que necessita de ajuda. Em específico, no profissional de enfermagem ainda permanecem posturas preconceituosas e discriminadoras em relação ao paciente que tentou o suicídio.

Observa-se, através de experiência em campo, que nos locais onde esses pacientes são atendidos são caracterizados principalmente como atendimento de urgência e emergência em que os profissionais são valorizados pela rapidez, dinamismo e objetividade que atendem as pessoas, e isso dificulta maior aproximação e estabelecimento de vínculo. Associado a isso, e de maior relevância, encontra-se o preconceito, muitas vezes explícito verbalmente através da realização de juízos de valor em que são emitidas frases estereotipadas como: “você não quis morrer, agora agüenta as conseqüências”, “vou escolher a sonda mais grossa para ver se ele vai tentar se matar novamente”. Essas e outras condutas mostram que esses profissionais não compreendem esse paciente como alguém pedindo ajuda e, sim, como um afronto à vida, acarretando em trabalho e gastos desnecessários que poderiam ser evitados pelo paciente.

O adolescente que tentou o suicídio, assim como em todas as idades, deve ser acolhido e seu sofrimento deve ser compreendido e respeitado por todos os profissionais de saúde. O profissional de enfermagem é fundamental durante o processo terapêutico. Deve procurar estabelecer um relacionamento terapêutico com o paciente, uma relação de confiança, deve ouvir o paciente sem realizar juízos de valor e permitir que ele próprio realize a reconstrução dos significados dos seus sofrimentos e conflitos.

No entanto, esses profissionais necessitam ser preparados e qualificados para esse tipo de abordagem. Esses aspectos devem ser reforçados principalmente durante o curso graduação de enfermagem. Também devem ser realizados programas intra-hospitalares, onde esse tema possa ser abordado e discutido, a fim de se romper tabus e minimizar a discriminação.

Entretanto, quando se dispõe de profissionais de enfermagem qualificados e que realizam uma abordagem terapêutica com o paciente suspeito de tentativa de suicídio, aumenta-se a chance de diagnosticar corretamente. Esses profissionais têm um contato muito próximo e contínuo com os pacientes, observa-se que os mesmos sentem-se mais à vontade ao lado desse profissional do que ao lado da equipe médica, talvez devido à diferença de status social de ambas as profissões e a “síndrome do jaleco branco”. Dessa forma, o paciente, durante relacionamento interpessoal com o profissional de enfermagem, tende a se desarmar, revelando fatos que não haviam dito a outros profissionais. Isso acontece geralmente durante atividades do cotidiano como: no momento do banho, da alimentação ou de uma atividade de descontração.

Contudo, faz-se importante o preparo desses profissionais, a fim de auxiliar na terapêutica com o paciente, prevenindo reincidências e contribuindo com a equipe multiprofissional na realização do diagnóstico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Peres F & Rosenburg CP. Desvelando a concepção de adolescência / adolescente presente no discurso da saúde pública. Saúde pública. Saúde e Sociedade, São Paulo 1998; 7(1): 53-86.        [ Links ]

2 Stuart GW & Laraia MT. Enfermagem Psiquiátrica. Rio de Janeiro :Reichmann & Affonso ; 2002.        [ Links ]

3 Freud, S. Luto e Melancolia, v.14, 1917; Além do Princípio do Prazer, v.18, 1920. In: Obras Completas:Rio de Janeiro, Imago; 1969.        [ Links ]

4 Durkeim E. O Suicídio Estudo Sociológico. 4 ed. Lisboa: Presença;1996.        [ Links ]

5 Avanci RC. O adolescente que tenta suicídio: Estudo Epidemiológico em uma Unidade de Emergência. [dissertação de Mestrado em Enfermagem]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo: 2004. 182f.        [ Links ]

6 Tota AP, Bastos P, Assis P. História Geral. Grécia Antiga. nova cultural;1994 p.14 -23.        [ Links ]

7 Serfaty E. Suicídio em la adolescência. Rev. Adolescência Latinoamericana, 1998; 1(2):105-110.        [ Links ]

8 Cassorla RMS. Comportamentos suicidas na infância e adolescência. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 1987; 36(3):137-144.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Rita de Cássia Avanci
E-mail: ravanci@bol.com.br

Luiz Jorge Pedrão
E-mail: lujope@eerp.usp.br

Moacyr Lobo da Costa Júnior
E-mail: mlobojr@eerp.usp.br

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