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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.1 n.2 Ribeirão Preto ago. 2005

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A prática de acompanhante terapêutico com o portador de transtorno mental

 

La práctica del acompañante terapéutico con el portador de trastorno mental

 

The practice of the therapeutic companion involving mental patients

 

 

Aline Dadalte CarnielI, Luiz Jorge PedrãoII

I Psicóloga.
II Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A reforma psiquiátrica possibilitou transformações na assistência à saúde mental e o acompanhante terapêutico (AT) faz parte dessas transformações. Assim, o objetivo do presente estudo foi trabalhar essa prática com o portador de transtorno mental em tratamento, realizado por uma equipe multiprofissional e, para isso, foram utilizadas 16 sessões de AT, sendo elas registradas. Os resultados mostraram a contribuição positiva desse tipo de modalidade terapêutica na assistência ao referido portador, possibilitando a ele o resgate de diversas atividades que gostava de fazer e não fazia mais, devido à falta de estímulos, e a influência negativa da instituição na evolução desse transtorno.

Palavras-chave: Acompanhamento, Terapêutica, Assistência.


RESUMEN

La reforma psiquiátrica posibilitó transformaciones en la atención a la salud mental y el acompañante terapéutico (AT) hace parte de esas transformaciones. La finalidad de este estudio fue trabajar esta práctica con el portador de trastorno mental bajo tratamiento realizado por un equipo multiprofesional y, para eso, se utilizaron 16 sesiones de AT, que fueron registradas. Los resultados mostraron la contribución positiva de este tipo de modalidad terapéutica en la atención a este portador, posibilitándole el rescate de diversas cosas que le gustaba hacer y no más hacía, debido a la falta de estímulos, y a la influencia negativa de la institución en la evolución de este trastorno.

Palabras clave: Acompañamiento, Terapéutica, Asistencia.


ABSTRACT

The psychiatric reform allowed for mental health care transformations, which the therapeutic companion (TC) is part of. This study aimed to analyze this practice involving patients with mental disorders who were treated by a multiprofessional team, using 16 recorded therapeutic accompaniment sessions. The results showed the positive contribution of this kind of treatment mode in care for these patients, allowing them to recover various things they liked to do but no longer did due to a lack of stimuli, as well as the institution’s negative influence on the evolution of this disorder.

Keywords: Attendance, Therapeutics, Care.


 

 

INTRODUÇÃO

A história da loucura é centrada em um modelo mítico-teológico onde o homem tem sua alma funcional, denominada thymos, e embora esse homem seja considerado arrojado, ele não tem autonomia, pois é controlado pelos caprichos dos deuses, e assim a loucura é considerada uma intervenção ou obra dos Deuses(1). Hipócrates entendia a loucura a partir de desarranjos orgânicos e apresentou a teoria organicista, onde a loucura resultava de crises no sistema de humores.

Em seguida, Platão dividiu a alma em três partes: cabeça, coração e vísceras, entendendo, nesse momento, a loucura como qualquer doença somática, com sintomas corporais e, secundariamente, mentais.

Na Idade Média apareceram às crenças nas intervenções dos demônios na vida do homem, a loucura foi considerada, enquanto delírio, enquanto descontrole emocional, obra do demônio e para essa loucura demoníaca foram recomendados jejuns, orações, freqüência à igreja, ou até mesmo o exorcismo(1).

No século XVIII, Plater atribui aos delírios a marca registrada da loucura, podendo derivar de causas físicas ou internas. A concepção da loucura passou a ser estudada como fisiológica ao invés de ligar ao esquema teórico dogmático.

Em seguida, no século XIX, Pinel tem o entendimento de que da loucura derivava da lesão do intelecto. O louco compreendido como quem tem maus hábitos, deveria ser repreendido adequadamente. Nesse momento, a loucura teve como causa a imoralidade. As mudanças de comportamento, de hábitos e alterações nas situações cotidianas da vida foram, segundo Pinel, condições predisponentes para desencadear a alienação.

E, para interditar esses loucos, surgiram os chamados manicômios, que é um termo genérico usado para classificar hospícios, asilos, hospitais psiquiátricos e demais lugares de tratamento da doença mental que se valem do princípio do isolamento da pessoa (louca) da sociedade. O ambiente do manicômio configurava-se em um lugar onde os internados perdiam todas as suas referências de vida, eram excluídos do convívio familiar, do trabalho, do local onde moravam, da cidade, entre outros. Perdiam, portanto, a maior garantia que a sociedade moderna pretendia dar a todos: a cidadania(2).

Sem finalidade terapêutica, esses manicômios, a partir da segunda metade do XVIII, passam a ser representantes da alienação estabelecendo assim um critério de distinção do louco ante a ordem social(3). Eram grandes instituições filantrópicas destinadas a abrigar os indivíduos considerados “indesejáveis” à sociedade, como os leprosos, sifilíticos, aleijados, mendigos e loucos, sendo, dessa forma, lugares de exclusão social(4-5).

Foi desse modo que surgiu o hospital psiquiátrico, ou manicômio, como instituição de estudo e tratamento da alienação mental. O tratamento praticado pelos alienistas incluía o afastamento dos doentes do contato com todas as influências da vida social.

Os loucos, até o século XVIII, eram mantidos excluídos junto a todos os outros “desviantes sociais” nos grandes hospitais. Os alienistas realmente pretendiam transformar o hospital num lugar de análise e cura, mas acontece que para isso continuavam mantendo os “alienados” dentro dos manicômios, excluídos da sociedade, pois essa era a condição fundamental do “tratamento moral” pregado por esses primeiros psiquiatras. E, assim, quem chegava a essas instituições, nunca mais saía, e essa situação perdurou em todos os manicômios e hospícios surgidos na Europa. No Brasil, o primeiro hospício foi inaugurado pelo imperador D. Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1852 e, semelhante a outros países, os hospícios cada vez mais se tornavam lugares de enclausuramento e exclusão social(4), o que levava ao entendimento de que os manicômios eram serviços incapazes de cumprir um papel terapêutico, pois tinham como objetivo de tratamento o isolamento.

A reforma psiquiátrica mostrou, e continua mostrando, nova forma de assistir em saúde mental e construir um novo estatuto social para o louco, o de cidadão, igual a qualquer outra pessoa. Não pretende acabar com o tratamento clínico da doença mental, mas sim eliminar a prática do internamento como forma de exclusão social dos indivíduos portadores de transtornos mentais. Para isso, propõe a substituição do modelo manicomial tradicional e fechado de assistência à saúde mental, pela criação de uma rede de serviços abertos e de atenção psicossocial, inclusive comunitária(5).

Nesse novo modelo de cuidado, os usuários dos serviços têm à sua disposição equipes multidisciplinares para a confecção e implementação de todo o seu plano terapêutico, onde ele próprio, o usuário, adquire o status de agente no próprio tratamento, e conquista o direito de se organizar em associações que podem se conveniar a diversos serviços comunitários, promovendo a inserção social de seus membros, incluindo centros de atenção psicossocial, clubes de convivência e de lazer assistidos, cooperativas de trabalho protegido e residências terapêuticas, entre outros.

A reforma psiquiátrica consiste em uma série de transformações na assistência em saúde mental, propostas pela luta antimanicomial, um movimento social que teve seus primeiros momentos no Brasil a partir do final da década de 70 e se intensificou ao longo das décadas de 80, 90 e agora, nesses primeiros anos do século XXI. Esse movimento reúne diversos atores sociais como usuários de serviços de saúde mental, seus familiares e técnicos da área de saúde, incluindo o acompanhante terapêutico (AT)(5), que surgiu na década de 70, em Buenos Aires, e esse tipo de intervenção terapêutica pode ser utilizado tanto para pessoas portadoras de transtornos de ansiedade, quanto para portadores de transtornos de humor, psicóticos e outros.

Dentro dos manicômios, foi-se percebendo a necessidade de um profissional capaz de atender fora dos padrões clínicos, pois a terapia clássica fracassava, não podendo pensar na enfermidade mental de modo isolado. Assim o AT pertence a uma equipe de trabalho que trata do paciente como os outros integrantes dessa equipe, realizando tarefa assistencial e remunerada pelo seu trabalho, oferecendo suporte acompanhando o paciente em sua ansiedade, sua angústia, seus temores, sua desesperança, inclusive nos momentos de maior equilíbrio e, também, em quadros psicóticos(6).

Quando se pensa nesse paciente em crise, deve-se dar importância ímpar à sua família que, como o paciente, está também em crise, assim considerando o paciente que adoece não só como uma estrutura individual, mas também como um sintoma de uma estrutura familiar, também comprometida(5).

“A crise não é absolutamente sinônimo de doença mental”(7). Esse trabalho não pode cumprir-se de forma isolada, deve estar sempre atrelado a uma equipe, tudo em relação ao paciente deve ser discutido por essa equipe. É comum que o paciente confunda o AT com um amigo, por isso tudo deve ser explicado a ele antes de começar o tratamento. Informar que o AT pertence a uma equipe de trabalho e que é responsável pelo cumprimento das indicações que dela parte, e uma vez dito ao paciente, não é necessário que esse explicite permanentemente quem é e o que faz. Deve ficar bem claro que o AT não é um amigo, ainda que possam ser estabelecidos laços afetivos muito fortes na dupla, com toda a atenção ao profissionalismo e à ética nessa relação, pois se se apresentar como um amigo, o que em princípio pode facilitar o vínculo, pode tornar-se logo um elemento de distorção em todo o processo terapêutico(6).

Dessa forma, é importante apresentar as funções do acompanhante terapêutico, que são: conter o paciente no que diz respeito ao controle da sintomatologia de seu transtorno mental; oferecer-se como modelo de identificação; emprestar o ego; perceber, reforçar e desenvolver sua capacidade criativa; informar sobre o seu mundo objetivo; representar o terapeuta; atuar como agente ressocializador e servir como catalisador das relações familiares(7).

É importante falar ao paciente um pouco de cada uma delas, oferecendo suporte nos seus momentos de ansiedade, angústia, temor, desesperança e inclusive nos momentos de equilíbrio, mostrando a ele os diferentes modos de agir e atuar nas situações cotidianas da vida. Isso se mostra altamente terapêutico, pois o ajuda a aprender a esperar e desprezar determinadas situações desnecessárias (oferecer como modelo de identificação).

O AT se empresta no momento mais difícil, onde ele poderá decidir pelo paciente nas situações em que esse ainda não é capaz de agir por si mesmo. O AT deve dissociar-se para poder relacionar-se com o paciente e, ao mesmo tempo, manter distanciamento que lhe permita observar e avaliar a interação com o paciente. O AT empresta o ego ao paciente em determinados momentos e, como se fosse um espelho dos seus aspectos mais neuróticos ajuda-o a conseguir uma linguagem libertadora que lhe permita sair de seu enclausuramento para reintegrar-se à sociedade (emprestar o ego). O AT deve estimular o desenvolvimento das áreas mais organizadas da sua personalidade neurótica, propondo tarefas de acordo com seus interesses, canalizando as inquietudes do paciente que servem para liberar a capacidade criativa inibida, a estruturação da personalidade e ajudam-no a reencontrar-se com a realidade através dos objetos (perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente). É de importante valor diagnóstico registrar as mudanças observadas no paciente em relação ao vínculo com a família, o tipo de pessoas com que se relaciona, perceber mudanças no sono, alimentação, higiene pessoal, ou seja, nos vínculos significativos para o paciente (informar sobre o seu mundo objetivo). Muitas vezes o AT terá que auxiliar o paciente a metabolizar as interpretações feitas pelo terapeuta e, às vezes, refazê-las, criando um espaço a mais para a elaboração dos conteúdos da psicoterapia (representar o terapeuta). Facilitar o reencontro com o todo perdido, de forma cuidadosa e dosada e, como exemplo, pode ser citada a ajuda a um paciente a voltar às suas atividades diárias, como sair para comprar coisas para sua higiene pessoal, pegar um ônibus, organizar sua casa, entre outras (atuar como agente ressocializador). Deve-se facilitar as relações do paciente com a família, e orientar, para que a família seja colaboradora nesse processo (servir como catalisador das relações familiares)(7).

Então, essa terapia poderá ocorrer em qualquer ambiente como na rua, na própria residência do paciente e outros. Portanto, não existe uma atividade padrão para acompanhar. Poder escutar, prestar atenção na vida do outro, compartilhar a experiência de cada paciente, ajudando-o a restabelecer pontes com o mundo, são fatores básicos, ou seja, usar a criatividade e estratégias que o ajude a ganhar consistência, numa situação de encontro.

 

OBJETIVO

O presente estudo teve como objetivo mostrar a contribuição do AT na assistência a um portador de transtorno mental em tratamento, realizado por uma equipe multilprofissional de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

 

METODOLOGIA

Sujeito e local

Participou deste estudo um portador de transtorno mental, solteiro, do sexo masculino, com 31 anos de idade, diagnóstico de esquizofrenia do tipo hebefrênica, que fazia seguimento no CAPS da Secretaria Municipal da Saúde da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, e foi escolhido pela equipe multiprofissional deste Centro.

Procedimento

Estipulou-se 16 sessões de acompanhamento terapêutico, entendidas como suficiente para o propósito da presente pesquisa. Tais sessões foram desenvolvidas nos seguintes locais: praças, bosque, feira de artesanato, centro da cidade (calçadão) e dentro da própria residência, que se trata de uma casa para idosos (a família mora em outra cidade), entre outros.

As sessões, realizadas semanalmente, com duração média de duas horas e trinta minutos, foram rigorosamente observadas pelo próprio AT (observação participante) e os comportamentos considerados importantes apresentados pelo paciente nas sessões eram anotados em um diário de campo, para auxiliar na elaboração de um registro geral (relatório) que era realizado pelo próprio AT no final de cada sessão. O referido sujeito da pesquisa apresentava-se com empobrecimento e degeneração do pensamento, embotamento afetivo, perda de valores e vínculos, aquisição educacional inferior e retraimento social(3). O período de desenvolvimento da pesquisa foi entre os meses de maio e novembro do ano de 2003.

Análise dos resultados

Os resultados foram analisados de forma qualitativa descritiva a partir dos registros gerais das sessões, após serem realizadas sínteses de seus conteúdos, o que permitiu um agrupamento das 16 sessões em 4 grupos, devido às suas semelhanças(8).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As quatro primeiras sessões da AT foram no sentido de estimular o paciente a sair do quarto da instituição onde morava porque ele se sentia muito deprimido e tinha muita dificuldade de se relacionar com as pessoas. Ele queria apenas dormir. Apesar do diagnóstico de esquizofrenia do tipo hebefrênica, que leva a um grande comprometimento no pensamento, ele não apresentava desorganização severa.

Sua dificuldade em se relacionar dificultou o estabelecimento de vínculo. Investigando um pouco sobre o que gostava de fazer, descobriu-se que o seu maior prazer era andar de bicicleta. Foram propostas, então, saídas para a realização dessa atividade, o que o paciente aceitou prontamente. No começo ele não falava muito, mas a partir desse encontro já foi possível entrosamento maior. Deu-se início, então, a uma longa jornada, e as saídas de bicicleta perduraram por três sessões, o que o levou a se lembrar, inclusive, de sua mãe e até se emocionou ao mencionar que ela andava de bicicleta com ele quando era criança. Disse que fazia muito tempo que não conversava com ela e, nesse momento, foram resgatadas situações de sua infância, trazendo de volta um pouco de sua história. Nesse dia, ele pediu ao coordenador da casa de idosos para ligar para sua mãe.

Na oitava sessão, ambos foram ao bosque municipal, de carro, e ele estava sempre atento ao trânsito, falando sobre as regras. Chegando ao bosque, bem na entrada, estava um pavão. Ele ficou fascinado e disse que era o pássaro mais lindo que já tinha visto, que era majestoso e livre. Posteriormente se assustou com o leão e não quis chegar perto, mesmo sabendo que estava preso. No jardim japonês disse que adorava a natureza e que os peixes são lindos, ficando o tempo todo encantado. Na hora de ir embora pediu para tomar um sorvete. Encerrou-se, nesse momento, o segundo grupo das sessões de AT.

O terceiro grupo de sessões iniciou-se com a nona sessão no centro da cidade e o paciente achou muito tumultuado. Mostrou resistência ao andar pelo calçadão e logo pediu para sair dali. Então, o passeio prosseguiu pela Praça XV, tendo seqüência em uma pastelaria, onde comeu pastel e foi possível perceber que o paciente em questão tinha noções do valor do dinheiro, pois, além de pagar o que comeu, inclusive o refrigerante, conferiu o seu troco. Todos os encontros tiveram o intuito de resgatar o que estava adormecido dentro dele e que era possível sua ressocialização, passando segurança e mostrando que ele era capaz de participar da sociedade.

Dessa forma, o paciente começou a se familiarizar com os ambientes, mostrando possuir conhecimento sobre diversas áreas que aparentemente não lhe eram familiares. Mostrou conhecimento sobre regras de trânsito e também como lidar com o dinheiro.

Mostrou executar bem sua higiene pessoal, pois estava sempre bem vestido e ser uma pessoa de pouca conversa, preferindo ficar sozinho na maioria das vezes. Sua orientação também não estava alterada, sendo sempre bem orientado e se comunicando bem, sendo capaz, inclusive, de sair para comprar sorvete e tomar um café no posto de conveniência, que é ao lado do local onde mora, entre outros, mas sempre sozinho. Esse trajeto e atividades citadas tiveram a duração de quatro sessões. Foi feita ainda amizade com a moça que servia o café, tendo o paciente conseguido se relacionar bem com ela. Destaca-se que sempre se mostrava agradável e gentil com a referida moça nas idas ao referido café, e que o único vínculo afetivo que possuía era com uma tia que vinha visitá-lo aos domingos.

Passou posteriormente a recusar-se a sair, dizendo que não estava mais disposto. Nas últimas quatro sessões não conseguiu se submeter à psicoterapia, pois, dizia não estar com vontade. E, então, aos poucos, ele tentava se distanciar, até que pediu para que o AT não viesse mais porque ele já estava bom e não precisava mais dos atendimentos. Foi respeitada sua decisão, depois de mais algumas tentativas sem sucesso.

Assim sendo, buscou-se entender o que havia ocorrido com o paciente, tendo em vista que, após as primeiras sessões de AT, mostrou-se muito aderente à prática proposta e uma evolução que podia ser considerada excelente, tendo por base o seu diagnóstico psiquiátrico que não apontava para uma boa evolução. Nas últimas sessões, no entanto, apresentou regressão surpreendente.

Dois fatores podem ser considerados no entendimento da regressão apresentada. Um deles é o fato de terem sido previstas as 16 sessões de AT que, na realidade, foram suficientes para um propósito, ou seja, para as finalidades do presente estudo, mas que não eram suficientes para as necessidades do paciente que, frente ao término das mesmas, passou a não ter alternativas. Fica claro, portanto, a atenção que o serviço que prestava assistência a ele deveria ter o sentido da continuidade à prática proposta até a sua alta, ou a um término mais adequado.

O outro fator diz respeito à instituição em que ele morava, onde percebeu-se grande falta de estímulo para tudo, e o quanto era cômodo tê-lo como deprimido, levando-o a uma grande conformidade com a sua situação, pois, apesar de poucos encontros, o paciente mostrou plena capacidade de se relacionar e controlar melhor os sintomas do transtorno mental que o acometia, inclusive a depressão. Foi possível perceber que dentro dele havia uma pessoa cheia de vida e sentimentos, com capacidade de perceber o quanto ele podia transformar a sua vida e, com o incentivo do AT, nas sessões vinham muitas lembranças de sua mãe, de sua infância e de seu pai. Ele falava com emoção e dizia que há muito tempo não os via.

Esse fato, revelado pelo AT, mostrou o quanto a presença familiar influencia de forma favorável no controle dos sintomas dos transtornos mentais e conseqüentemente sua evolução positiva. Entretanto, nunca foi conseguido contato com familiares, particularmente os pais, pois nem ele, paciente, sabia o número do seu telefone, ou seja, a instituição em nada ajudava, pois, verificando esses fatos, apurou-se que quem fazia as ligações era o coordenador da mesma e, quando foi solicitado um contato com os referidos pais, esse coordenador da instituição (casa para idosos) não permitiu, dizendo que ele mesmo passava os recados quando havia.

 

CONCLUSÃO

Para ser um AT é preciso estar desprovido de qualquer tipo de preconceito, pois trata-se de um trabalho que se realiza junto a uma pessoa nas suas funções cotidianas e isso implica em envolvimentos em situações às vezes difíceis e constrangedoras, principalmente junto a pacientes onde se busca o resgate de sua sanidade.

Trata-se de uma longa jornada a percorrer e não se deve ter grandes expectativas quanto ao progresso, mesmo porque é um caminho ainda desconhecido em sua profundidade pela maioria dos profissionais de um modo geral e, particularmente, os da área da saúde. Obstáculos, como o preconceito, aparecem com freqüência, podendo ser detectados no caso apresentado, onde o paciente portador de esquizofrenia do tipo hebefrênica, se visto apenas pelo lado do diagnóstico, pouco se poderia esperar dele. Por isso é preciso baixar os preconceitos durante o tratamento, ter persistência, crença e dedicação nesse tipo de trabalho, pois os resultados podem aparecer a qualquer momento. Pode-se ver isso no caso do aparecimento do gosto do paciente pela bicicleta depois de muito estímulo para ele fazer alguma atividade, acreditando que, mesmo sendo um portador de diagnóstico tão desfavorável, muita coisa pode ser feita no sentido de melhora de sua qualidade de vida.

Observou-se que o paciente tinha uma rotina parada por morar em uma casa para idosos, sem deveres para realizar, permanecendo então a maior parte do tempo deitado. Faltava, dessa forma, incentivo para a realização de algumas atividades como as tarefas domésticas, existentes em qualquer lugar, e participar da psicoterapia.

A instituição falha muito no cuidado ao paciente que está longe de sua família. Não havia quem ‘cobrasse’ dele algumas atividades e lhe desse algum tipo de apoio ou incentivo na busca de uma vida mais agradável. Ao contrário, a instituição preferia tê-lo sobre seu domínio, ou seja, institucionalizando-o e tornando mais fácil o seu controle, não oferecendo nenhum subsídio para que ele próprio desenvolvesse o controle de seus sintomas, principalmente os depressivos. Ficava claro que a instituição onde ele morava, ou seja, a casa de repouso, optava por enclausurá-lo, conduta semelhante às desenvolvidas nos grandes hospitais psiquiátricos, onde os pacientes eram mantidos na ociosidade, e os funcionários, que tinham também a tarefa de mantê-los em atividade, pouco, ou nada, faziam por eles.

Foi uma tarefa difícil diminuir a resistência da instituição para trabalhar com o paciente. A falta de vontade dele, a princípio, era decorrente do pouco estímulo que havia recebido ao longo de sua permanência naquele local. O próprio diretor da referida instituição, em um determinado momento, pronunciou: vocês acreditam mesmo que essa técnica pode ajudar uma pessoa com esse grau de comprometimento? Ele não vai voltar a ser uma pessoa “normal”. Isso é uma psicoterapia? A resposta foi o silêncio, pois mesmo com uma enorme explicação, é difícil ter o entendimento que tal diretor teria sensibilidade, pelo menos mínima, para entender.

Os próprios resultados mostraram a eficiência do trabalho de AT desenvolvido. O quanto foi resgatado com o paciente em um curto período de tempo. É importante lembrar que, com um período de tempo maior e o estímulo da instituição, que no caso faz o papel da família, e também de uma programação adequada (para além de suas paredes), do serviço que cuida de sua assistência psiquiátrica (CAPS), o paciente em questão teria mais oportunidades de aderência à assistência psiquiátrica de um modo geral, e mais chances de resgatar outras coisas importantes de sua vida, isso não sendo possível após sua decisão prematura de encerrar o acompanhamento, decisão essa que pode ser explicada pela falta de planejamento de continuidade de tratamento após as 16 sessões de AT oferecidas e também pela falta de estímulo da instituição, conforme já referido que, na verdade, estimulava o contrário, de maneira negativa, pois nem permitia um simples telefonema do paciente à sua família.

Finalmente, pode-se considerar que este estudo mostrou a contribuição positiva de uma modalidade de assistência não tradicional em psiquiatria. A eficácia do trabalho de AT foi mostrada e, particularmente, com um paciente portador de um transtorno mental de prognóstico bastante desfavorável. Na condição de AT, há um grande sofrimento devido ao preconceito, pois as pessoas têm dúvidas sobre a eficácia desse tipo trabalho, conforme mostrado. Mas nada melhor do que resultados práticos que mostrem sua influência positiva, principalmente quando desenvolvido com um portador de transtorno mental com perdas, que incluem: a sua exclusão da sociedade; a sua referência de vida; o convívio com a família e a sua cidadania.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2 Desviat M. A reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 1999.        [ Links ]

3 Amarante P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 1995.        [ Links ]

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8 Minayo MC. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP): Hucitec-Abrasco; 2000.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Aline Dadalte Carniel
E-mail: alinedadalte@ig.com.br

Luiz Jorge Pedrão
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