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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.2 no.2 Ribeirão Preto Aug. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Projeto mente sã - uma experiência de atendimento à pessoa em sofrimento psíquico em um município de Minas Gerais*

 

El proyecto mente sana: una experiencia de atención a la persona con sufrimiento psíquico en un distrito municipal de Minas Gerais

 

The healthy mind project: an experience in care for mental patients in a city of Minas Gerais

 

 

Rosenara Viana BarbosaI; Amanda Márcia dos Santos ReinaldoII

I Enfermeira graduada pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
II Professor doutor em Enfermagem Psiquiátrica, docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Atualmente muitos municípios não possuem serviços de saúde mental por não atenderem aos critérios que o Ministério da Saúde (MS) exige para implementá-los. O município de Gouveia, MG, criou um dispositivo de atendimento alternativo para atender sua demanda, o Projeto Mente Sã (PMS). Este trabalho teve como objetivo apresentar as intervenções do projeto em relação à melhoria da qualidade de vida dos usuários desse serviço. A metodologia utilizada foi a história oral. O Mente Sã contribuiu para a melhoria da qualidade de vida de seus usuários e demonstrou a possibilidade de se criar dispositivos assistenciais ao doente mental para os municípios que não atendam às exigências do MS.

Palavras-chave: Saúde mental; Serviços de Saúde mental;


RESUMEN

En la actualidad, muchos distritos municipales no poseen servicios de salud mental porque no cumplen los criterios de ayuda exigidos por el Ministerio de la Salud para implementarlos. El municipio de Gouveia, MG, Brasil, creó un dispositivo de atención alternativa para atender a su demanda: el Proyecto Mente Sana. La finalidad de este artículo es presentar las intervenciones del proyecto con relación a la mejora de la calidad de vida de sus usuarios. La metodología usada fue la Historia oral de vida temática. El Proyecto Mente Sana contribuyó a la mejora de la calidad de vida de los pacientes y demostró la posibilidad de crearse dispositivos asistenciales al paciente mental para aquellos municipios que no cumplen las exigencias gubernamentales.

Palabras clave: Salud mental; Servicios de Salud mental.


ABSTRACT

Nowadays, many cities do not have mental health services because they do not attend to the help criteria the Ministry of Health requires for their implementation. In this context, the example of Gouveia, a city in Minas Gerais, Brazil, can be mentioned, which created an alternative care device to attend to its demand: the Healthy Mind Project. This article aims to present project interventions in relation to improvements in users’ quality of life. Oral history was the methodology. The Healthy Mind Project contributed to the improvement of patients’ quality of life and demonstrated the possibility to create care devices for mental patients for cities that do not attend to government requirements.

Keywords: Mental health; Mental health Services.


 

 

INTRODUÇÃO

Na última década, no Brasil começou a esboçar um movimento de territorialização no campo da saúde mental, com definição de metas antimanicomiais, de novos serviços que visam o desenvolvimento de formas de tratamento mais humanizadas, respeitando a individualidade do paciente, a sua história, suas crenças e valores. O conceito de saúde mental passa a significar, nos programas do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde, atenção aos egressos de hospitais psiquiátricos, num primeiro momento, e combate aos mecanismos de exclusão social dos pacientes psiquiátricos, posteriormente. Uma política é implantada, elegendo prioridades e sustentando, no campo da saúde mental, uma posição sobre onde investir o dinheiro público em tratamentos psiquiátricos.

Embora os recursos financeiros dos leitos fechados nos grandes manicômios não estejam acompanhando o usuário e sendo empregados nos serviços extra-hospitalares, como foi sinalizado em um primeiro momento pelo Programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no Sistema Único de Saúde, a criação de novos serviços dentro dessas diretrizes e a reformulação daqueles já existentes, para atender às portarias instituídas pelo Ministério da Saúde, é uma realidade no sentido de garantir não só atendimento aos usuários da saúde mental, mas também possibilitar a transformação do espaço social da pessoa em sofrimento mental, o que implica também a mudança do saber científico dos trabalhadores da área(1).

O resgate do doente mental para o convívio social implica em endereçar à comunidade a pluralidade de aspectos presentes no convívio da pessoa em sofrimento mental na vida social. Cabe aos próprios interessados esclarecer quais questões são relevantes no tratamento de casos considerados típicos ou diferentes, considerando que definição de bem viver faz sentido para eles. As transformações das práticas na clínica psiquiátrica não podem ser esquecidas nesse momento, quando estamos descobrindo que a relação entre o normal e o patológico, simplesmente, nos diz que não é o jeito normal de ser, é o outro jeito de ser que deve ser apreendido nas práticas da saúde mental.

As tentativas de exercer a psiquiatria fora do hospital datam de épocas bem anteriores à Segunda Guerra Mundial(2), mas sua época de ouro se deu apenas após esse período, financiada e propagada principalmente pela França (Psiquiatria de Setor), Inglaterra (Comunidade Terapêutica) e Estados Unidos (Psiquiatria Comunitária), com paralelos na União Soviética e outros países(3).

Na década de 1970, houve transposição para o contexto brasileiro das idéias comunitárias e, nesse momento, a designação biopsicossocial passou a ser a característica das práticas da Saúde Mental Comunitária(4). Nesse sentido, a assistência em saúde mental torna-se elemento de um conjunto maior de ações que englobam diferentes setores (o serviço, o governo, o movimento social, a sociedade) e que compõem esses vários sentidos em um só (político, cultural, jurídico, trabalhista entre outros). A discussão política, social no campo da saúde mental, repleta de atravessamentos, só existe porque “em algum lugar do mundo, existe alguém que ouve vozes, tem visões, alucinações e delírios”, e se acrescenta - tem direitos, que devem ser reconhecidos e legitimados. Faz-se necessário, então, repensar as cidades, os espaços, os caminhos que esses sujeitos trilham diariamente, em alguns casos apenas acompanhados por seus sintomas, como no velho manicômio. É necessário que o mesmo possa, finalmente, ocupar o território do campo social, conceito que vem sendo trabalhado e incorporado à saúde mental.

Atualmente as tecnologias empregadas no campo da saúde mental têm favorecido, aos usuários dos serviços de saúde mental, a demanda para a vida, ou seja, diante da possibilidade de tratamento e estabilização do quadro evolutivo da doença mental, as pessoas em sofrimento mental, que geralmente viviam à sombra de um futuro anunciado de exclusão, expressam o desejo de modificar sua condição de paciente. Desejam enfim a vida das ruas.

As modalidades terapêuticas em saúde mental para serem implementadas nos municípios, recebendo incentivo financeiro do Ministério da Saúde, têm que atender alguns requisitos, por exemplo, para serem introduzidos Centros de Atenção Psicossocial, o Município tem que atender critérios populacionais, possuir uma equipe mínima de saúde para atuar no CAPS e para introduzir o programa De Volta para Casa em sua sede, deve ter hospital psiquiátrico no local com maior concentração de pacientes que passaram longo tempo internados em uma Instituição psiquiátrica(6). Contudo, diversos municípios não atendem esses critérios exigidos pelo governo, o que faz com que vários deles não tenham assistência em saúde mental em sua sede, tendo que recorrer a outros locais que ofereçam esse serviço.

O Município de Gouveia, localizado no Estado de Minas Gerais, apesar de não atender os requisitos exigidos pelo governo citados anteriormente, criou uma modalidade de assistência alternativa ao doente mental denominada Projeto Mente Sã. Tal iniciativa surgiu em 2001, a partir da carência de serviços adequados, limitados a um Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) em Diamantina, município a 35 km de distância, que atende 14 municípios em sua área de abrangência, totalizando aproximadamente 154000 habitantes.

Devido a essa alta demanda pelo serviço prestado no CAPS e a distância dos municípios, esse ficava impossibilitado de oferecer atendimento nas oficinas de trabalho, de psicoterapia ou que estivesse vinculando à família e à comunidade, limitando-se a prestar o tratamento medicamentoso ao doente mental.(7-8)

O projeto de Saúde Mental é uma modalidade assistencial que merece atenção em termos de impacto de suas ações e melhoria na qualidade de vida de seus usuários. Ainda que essa seja uma observação empírica, supõe-se que a criação de serviços como esse tenha desdobramentos positivos em relação à saúde mental em nossa região.

Acredita-se que as explicações, que o usuário e trabalhadores do projeto Mente Sã atribuem acerca dos cuidados oferecidos anteriormente e posteriormente ao surgimento desse projeto alternativo em saúde mental, possibilitem avaliar a repercussão dessa experiência inovadora na qualidade de vida dos usuários e em relação à saúde mental.

A experiência das pessoas que vivenciam a criação do projeto Mente Sã, as dificuldades encontradas e as parcerias realizadas para se implementar esse serviço de saúde podem auxiliar e orientar a criação de equipamentos de saúde mental como esse nos Municípios onde não tenham serviços de atendimento ao doente psíquico. Este trabalho teve como objetivo apresentar as intervenções do projeto em relação à melhoria da qualidade de vida dos usuários desse serviço.

Serviços de atendimento ao doente mental de natureza comunitária: considerações a respeito do tema

As experiências que as pessoas têm sobre doença mental estão imersas em contextos sociais e culturais e assim é a vida na qual elas também se inserem. Após o estabelecimento da doença, o sujeito ou as pessoas que o cercam, seja familiares ou membros da rede social na qual ele está inserido, promovem um processo socialmente organizado de transformação do regime de vida. Essa transformação do regime de vida, geralmente está associada à exclusão dos espaços. O que antes da doença era considerado como ações rotineiras e cotidianas, tais como trabalhar, ir ao cinema e viajar, passam a ser vistas com receio por parte do sujeito doente e dos que o cercam.

Cabe dizer que não se pode esquecer das famílias diante desse cenário. A família é o ponto de confluência das realidades das crianças, do adolescente, do jovem, da mulher, do homem, do idoso e dos deficientes. É nesse local que se dá a produção da identidade social básica, tendo em vista a formação de uma cidadania ativa. A construção dessa identidade, individual e coletiva, deve, contudo, passar pela tolerância com a diversidade humana. Outro local importante para essa formação é a comunidade, é ela, somada à família, que dá sentido de se pertencer a algum lugar. A comunidade como território social e geográfico e a família, independente de sua configuração, devem ser capazes de sustentar e garantir que o doente mental possa viver, sentindo-se acolhido, protegido e respeitado. Nenhuma instituição substitui o convívio familiar e social.

Cerca de quatrocentos milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de algum transtorno mental e as repercussões sociais e econômicas desse contingente na sociedade são imensas. Os gastos, em serviços de saúde e sociais, e a perda da produção devido às altas taxas de desemprego entre as pessoas com transtornos mentais e seus familiares (principalmente os cuidadores) são alguns dos custos mais evidentes e mensuráveis. Menos evidentes resultam os custos financeiros, a redução da qualidade de vida e a tensão emocional sofrida pelos pacientes e suas famílias(9).

A expectativa de vida da população mundial está aumentando e existe previsão de que o número de pessoas vivendo com transtornos mentais aumentará, o que leva a crer que essas pessoas poderão viver mais do que seus atuais cuidadores. Essa realidade representa um custo imenso não só em sofrimento, incapacidade e perdas econômicas, mas, também, na elaboração de projetos direcionados para amenizar o impacto do inevitável: ter-se-á daqui a alguns anos pessoas com doença mental que, se não preparadas para se auto-responsabilizarem pelo seu cuidado, estarão sujeitas à exclusão, situação oposta ao pensamento atual.

A situação no Brasil não é diferente da enfrentada em outros países do mundo, quando se reporta à problemática dos transtornos mentais, o aumento da longevidade e a redução da infertilidade são apenas alguns dos fatores que preocupam as autoridades não só da área da saúde, mais também da área social, econômica e política no país. Convive-se com contradições em termos de saúde como, por exemplo, atualmente o Brasil é considerado um país-modelo em relação ao tratamento da AIDS e, ao mesmo tempo, lida com agravos decorrentes das condições de pobreza em que vive a maioria da população, tais como as infecções intestinais e respiratórias, portanto, é compreensível que hoje ainda depare com condições emergentes tais como as doenças crônico-degenerativas e os transtornos mentais(10).

Os pressupostos básicos das políticas de saúde mental são a inclusão social e a habilitação da sociedade para conviver com a diferença. O acolhimento, o vínculo, a responsabilização, a inclusão, a inserção e o respeito pelas possibilidades individuais também foram amplamente discutidos durante a III Conferência Nacional de Saúde Mental. Os serviços substitutivos se conformaram como os dispositivos pelos quais essas estratégias do cuidar fossem consolidadas, e os profissionais da saúde mental como os companheiros de andanças do usuário nos diferentes espaços de reprodução social, tornando-se viabilizadores de processos emancipatórios.

Desenvolver o poder criativo tem sido o caminho que os técnicos da saúde mental vêm trilhando há alguns anos, por intermédio da implementação das tecnologias de assistência (atendimento psicoterápico, individual ou em grupo, acompanhamento medicamentoso, terapia ocupacional, grupo de psicoeducação, atendimento familiar nuclear ou em grupo, grupo operativo, acompanhante terapêutico, visitas domiciliares, entre outras), partindo da compreensão de que se está tratando de uma pessoa que está doente e não de uma doença que está com a pessoa.

O deslocamento das pessoas, até então institucionalizadas, para a comunidade e a inevitável comparação entre ambas as modalidades de atenção, demonstrou, em alguns casos, a superioridade da segunda em relação à primeira, principalmente no que concerne ao tempo de permanência na comunidade sem recidiva, a freqüência de busca por atendimento antes da crise, a permanência no meio familiar, no trabalho, na escola e a redução nos sintomas produtivos da doença(11).

No Estado de Minas Gerais, são 36 serviços extra-hospitalares entre Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)(12). O Município de Gouveia, Minas Gerais, implementou, em 2001, um dispositivo assistencial de natureza comunitária denominado Projeto Mente Sã que passou a assegurar assistência à população que estava em sofrimento psíquico em Gouveia.

Até então, o único serviço de saúde mental, na região, era o Núcleo de Atenção Psicossocial (CAPS), instalado em Diamantina, e localizado a 35 km de Gouveia. Essa distância dificultava a participação ativa da família no tratamento do doente mental, o acompanhamento contínuo do tratamento do paciente pelos profissionais de saúde, a procura, pelo usuário, e até os custos elevados da prefeitura de Gouveia com o deslocamento do usuário até o serviço de saúde mental em Diamantina. Diante dessas dificuldades, foi criado o Projeto Mente Sã, o qual disponibilizou recursos financeiros para a implementação do projeto.

O Mente Sã tem como proposta orientar os familiares e a comunidade como prevenir e lidar com o transtorno mental, promover a inserção social dos pacientes e sua autonomia, envolvendo a comunidade nesse processo e acompanhar o tratamento das pessoas em sofrimento psíquico. Esse acompanhamento seria feito através da integração do Mente Sã com os Programas Saúde da Família (PSF) para que os agentes comunitários pudessem avaliar continuamente a evolução do tratamento do paciente e, se necessário, encaminhá-los para o Mente Sã para evitar a crise e, conseqüentemente, internação psiquiátrica. O Mente Sã presta atendimento das 7 às 17 horas, de segunda a sexta. Sua equipe é composta por uma psicóloga e uma oficineira.

A oficina terapêutica do Mente Sã oferece serviços artesanais com o objetivo de “oferecer um espaço de trabalho de reabilitação e ressocialização”, há também espaço destinado para horta, sendo que a opção pela atividade terapêutica que será realizada é do próprio usuário. Essas oficinas tornam-se também espaço de convivência social, pois é um local onde há conversa, brincadeiras entre os usuários e os profissionais do serviço e um local em que se encontra e se faz novos amigos(12).

A prestação de serviço do Mente Sã, no início de sua implementação, era feita através de convites dos psicólogos e do coordenador do Mente Sã para os indivíduos em sofrimento psíquico para que as pessoas conhecessem esse dispositivo de atendimento e começassem a participar das atividades propostas. Posteriormente a esse período de divulgação, a procura pelo Mente Sã foi feita de modo espontâneo, ou através de encaminhamentos de familiares ou de vizinhos. Ao chegar ao projeto, o indivíduo era acolhido pela psicóloga que estabelecia o tipo de tratamento necessário e discutia com o paciente a terapêutica proposta.

O Mente Sã oferece um tratamento humanizado, de qualidade e atua, principalmente, prevenindo o agravamento da doença mental e, assim, evitando a internação psiquiátrica. Anteriormente à criação do projeto, havia a média de 19 internações anuais. Após a implementação, o número de internações psiquiátricas caiu para 1. Atualmente, o Mente Sã é a base de atendimento ao doente mental no Município de Gouveia.

 

METODOLOGIA

Optou-se por abordagem qualitativa e por meio da história oral, pois se acredita que o relato das pessoas envolvidas no processo de criação, implantação e desenvolvimento do Projeto Mente Sã, possibilitaria avaliar o impacto desse na qualidade de vida dos usuários de Gouveia. Utilizou-se à história oral de vida temática que "busca o esclarecimento ou opinião do entrevistado sobre algum assunto específico, um tema pré-estabelecido. A objetividade é direta; aborda questões externas, objetivas, factuais, temáticas e seu caráter específico lhe confere características diferentes”(13), que pareceu adequada, visto que o interesse era história da criação, implantação e seu impacto na vida das pessoas que utilizam seus serviços.

Realizou-se a coleta de dados no mês de maio de 2005 por meio de entrevistas realizadas com o coordenador do projeto, um técnico da saúde mental e um paciente do serviço. Este estudo atende à resolução 196/96 do CONEP, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. Utilizou-se um roteiro de questões para nortear as entrevistas que foram gravadas em fita cassete e, posteriormente, transcritas e analisadas. O roteiro foi baseado em dados de identificação, envolvimento no projeto e percepções a respeito do mesmo. A análise foi feita de acordo com os temas emergentes e categorizadas em núcleos temáticos. Essa análise possibilitou a formação dos seguintes núcleos: Criação do Projeto Mente Sã, princípios e diretrizes, tratamento oferecido, desdobramentos e impacto.

 

RESULTADOS

Segundo o coordenador do Mente Sã, a iniciativa desse projeto ocorreu devido à carência, em Gouveia, de serviço de atendimento ao doente mental e que trabalhasse em parceria com a atenção básica.

No ano 2001, iniciaram-se as atividades do projeto e, desde então, mais de 500 usuários já utilizaram o serviço. Atualmente, são acompanhados, aproximadamente, 40 usuários com diagnóstico de psicose ou neurose grave. O atendimento era feito a partir da faixa etária dos 16 anos, pois a sua equipe era reduzida, composta por um psicólogo com carga horária de 4 h semanais e 2 oficineiras que permaneciam nesse serviço de 7 às 16h com a finalidade de acompanhar os usuários. Apesar de existir essa limitação de idade no atendimento, há uma agenda para a psicóloga realizar o acolhimento dos demais casos.

Em 2004, as atividades citadas anteriormente foram paralisadas devido ao prefeito da cidade não ter obtido êxito na reeleição. Então, somente em janeiro de 2005 o atendimento reiniciou com a posse do novo prefeito.

Os princípios do Mente Sã, segundo seu coordenador, são a prestação do atendimento à pessoa em sofrimento psíquico com qualidade, de forma a integrar a família e a comunidade ao tratamento psíquico, a desconstrução dos preconceitos relativos à doença mental e a promoção da inserção social do usuário na comunidade local. Tem como meta a não internação. Anteriormente à criação do Mente Sã, existiam usuários com várias passagens pelos Hospitais Psiquiátricos, mas, após o funcionamento desse serviço de saúde, há o registro de apenas uma internação. Tal fato era atribuído ao não envolvimento da família no processo do cuidado psíquico e à resistência ao medicamento por parte do usuário o que ocasionava o surto e seu encaminhamento para um dispositivo hospitalar.

A técnica do projeto referiu como princípios do Mente Sã, o tratamento do paciente em seu próprio domicílio, envolvendo a família no cuidado, oferecendo apoio a esses familiares, pois muitos deles têm medo de abrigar o doente psíquico.

As diretrizes do projeto são adequar a área física para proporcionar condições aos usuários dentro do processo de reinserção social, contratar um clínico que atenda a demanda local e de se transformar em referência para os outros Municípios que queiram implementar um serviço de saúde mental em sua sede. Porém, para a técnica, as diretrizes são tratar sem internar e devolver a cidadania ao paciente.

No que se refere ao tratamento oferecido no Mente Sã, o coordenador identificou o cuidado baseado na oficina e no trabalho desenvolvido pela psicóloga. Inicialmente, tanto o Coordenador quanto os funcionários do projeto apontam que, para começar o trabalho, tiveram que identificar as pessoas de Gouveia que freqüentavam o CAPS de Diamantina. Após essa etapa, foram feitos convites para que esses usuários comparecessem no Mente Sã e foram agendados os cuidados para os pacientes com a psicóloga e a oficineira; há uma associação do serviço com a comunidade, como exemplo, a participação de festas locais, onde o Mente Sã participou apresentando os trabalhos feitos nas oficinas artesanais.

Segundo a técnica entretanto, a comunidade ainda não está participando. Para ela, o tratamento consiste nas oficinas, nas terapias individuais e nas terapias em grupo, apesar de não haver, por enquanto, as terapias em grupo, pois o espaço que possibilita fazê-las ainda está em reforma.

Segundo o paciente, no início do projeto, o tratamento medicamentoso era realizado no Centro de Atenção Psicossocial de Diamantina (CAPS) e à medida que o paciente fosse “recuperando”, os funcionários do Mente Sã faziam o acompanhamento. O atendimento em Gouveia, para o usuário, era o trabalho artesanal, as caminhadas e as brincadeiras com os agentes comunitários de saúde.

Quanto à integração do Projeto Mente Sã com outros serviços assistenciais, o Coordenador apontou que, desde sua criação, o projeto é integrado às equipes do Programa de Saúde da Família (PSF). Inicialmente, os agentes comunitários foram capacitados para fazerem as abordagens necessárias nas visitas domiciliares. Cada agente comunitário conhecia o domicílio dos usuários em sofrimento psíquico em sua área. Então, o agente comunitário fazia as visitas quinzenalmente, semanalmente, ou mais de uma vez na semana. De acordo com a necessidade, o usuário consultava com o médico do PSF para uma avaliação, o qual renovava a receita médica para os pacientes receberem os medicamentos que passaram a serem entregues também para o Mente Sã através da assistência farmacêutica da Secretaria de Saúde, após o cadastramento dos usuários e seu encaminhamento para a Diretoria de Ações Descentralizadas de Saúde (DADS).

O Mente Sã é integrado ao CAPS de Diamantina. Então, sempre que ocorre um princípio de crise, os usuários são encaminhados para aquele local e há a participação dos pacientes do projeto nas atividades culturais do mesmo. A técnica relatou que o CAPS oferece o tratamento medicamentoso mensal ou quinzenal, sendo que o Mente Sã faz o acompanhamento desses usuários em Gouveia através das oficinas, terapias individuais e em grupo.

No que diz respeito aos desdobramentos do Projeto Mente Sã em Gouveia, segundo o Coordenador, o impacto foi a não internação desses usuários, a diminuição do deslocamento do paciente em crise para o hospital e não há, atualmente, pacientes delirando pela rua e sendo objeto de chacota. Percebe-se que as famílias estão mais satisfeitas com o resultado do cuidado oferecido, o usuário está mais integrado socialmente e mais valorizado, pois começou a ser reconhecido e pôde exercer alguma atividade laboral na cidade.

A técnica referiu que o impacto foi diminuir a quantidade de pacientes do CAPS de Diamantina, pois todos os pacientes em sofrimento psíquico procuravam aquele serviço todos os dias ou até três vezes na semana. Isso permitiu que o CAPS pudesse atender mais pacientes de outras regiões. Além disso, a existência de tratamento psíquico em Gouveia evitou o cansaço do paciente com o deslocamento que era feito até Diamantina e possibilitou que eles pudessem fazer o tratamento na própria cidade, permitindo acompanhamento contínuo pelos agentes comunitários e profissionais do projeto.

Para o paciente entrevistado, o tipo de tratamento oferecido ajudou, pois antes do projeto ele entrava em crise constantemente. Para ele, os profissionais estão desanimados, mas, apesar disso, o atendimento melhorou após o surgimento do projeto, pois o tratamento é feito na própria cidade do usuário, há o médico que prescreve o medicamento e avalia qual medicamento é necessário para o paciente, se está em excesso ou não.

Segundo o Coordenador, a sua pretensão e a dos trabalhadores do serviço de saúde de Gouveia é poder transformar, no futuro, o Mente Sã em um CAPS. Há uma área definida para a reforma onde haverá um espaço para a enfermagem, para as oficinas, para o consultório, para a cozinha, enfim, atendendo às exigências do Ministério da Saúde. Há também a intenção de contratar recursos humanos e adequar a área física, apesar da paralisação que ocorreu, no final do ano de 2004 por questões políticas, o Mente Sã está se reorganizando gradativamente e apresentando novas propostas de trabalho para a comunidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar que a proposta do Mente Sã está baseada na inserção social e autonomia do paciente envolvendo a família e a comunidade no tratamento. O Projeto Mente Sã promove a reinserção social do usuário e sua autonomia diante das oficinas terapêuticas que disponibilizam diversos trabalhos artesanais, no período matutino, deixando que o próprio paciente escolha o horário e o tipo de atividade a ser desenvolvida, sendo que algumas dessas atividades são divulgadas pelos próprios usuários em eventos que ocorrem em Gouveia, ou em Diamantina, para que se tenha uma integração do paciente com a comunidade. Entretanto, observou-se que não há associação do Mente Sã com o mercado de trabalho do Município, o que poderia contribuir para o retorno das funções do indivíduo no meio laboral.

Há uma articulação do Mente Sã com o Programa Saúde da Família (PSF) e com o Centro de Atenção Psicossocial de Diamantina. O PSF proporciona o tratamento medicamentoso que é realizado através da prescrição dos médicos do Programa Saúde da família após sua avaliação e o acompanhamento do tratamento do paciente pelos agentes comunitários, enquanto o CAPS orienta o tratamento medicamentoso e interfere quando o usuário está no momento de crise.

Todas essas parcerias possibilitaram que o Mente Sã oferecesse uma assistência considerada boa pelo usuário, ou seja, acompanhamento pelos agentes comunitários e pelos funcionários do projeto, avaliação médica do PSF, já que não há no Mente Sã um clínico geral. A promoção da inclusão social e o resgate da autonomia são estimulados por meio das oficinas terapêuticas, do acompanhamento da psicóloga e pela exposição dos trabalhos desenvolvidos pelos usuários.

Pode-se perceber que todas as ações promovidas pelo Mente Sã contribuíram para a melhor qualidade de vida do paciente, pois houve redução das internações, diminuíram-se os gastos com o deslocamento para Diamantina, associados à redução do número de crises dos usuários, o tratamento passou a ser realizado na cidade, permitindo, assim, acompanhamento contínuo pelos profissionais do Projeto e o paciente está mais integrado à comunidade. O Mente Sã tem como meta tornar-se um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e apresentar novas propostas referentes à melhoria da qualidade dos cuidados oferecidos, também faz parte de seus planos tornar-se referência para municípios vizinhos.

Acredita-se que esta iniciativa local configura-se como alternativa viável para a melhoria na qualidade de vida dos usuários do setor que residem em municípios que não preenchem os critérios adotados pelo Ministério da Saúde para credenciamento de serviços de saúde mental.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Amanda Márcia dos Santos Reinaldo
E-mail: amsreinaldo@hotmail.com

 

 

* Artigo referente à monografia de conclusão de curso de graduação de Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

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