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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.2 no.2 Ribeirão Preto Aug. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Levantamento dos motivos e dos responsáveis pelo primeiro contato de adolescentes do ensino médio com substâncias psicoativas

 

Inventario de los motivos y responsables por el primer contacto de adolescentes de enseñanza media con sustancias psicoactivas

 

Survey of motives and responsibles for secundary school adolescents' first contact with psychoactive substances

 

 

Elisângela Maria Machado PrattaI, Manoel Antônio dos SantosII

I Psicóloga, Mestre em Ciências – área de concentração: Psicologia, pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP. Doutoranda em Ciências – área de concentração: Psicologia, nesta mesma instituição. Membro do NEPPS - Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde. Agência de fomento: CAPES.
II Psicólogo, Doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professor doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP. Coordenador do NEPPS - Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde. Psicoterapeuta de Casal e Família pelo Instituto Familae-Ribeirão Preto. Bolsista de Produtividade Científica do CNPq.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou levantar os motivos apresentados por adolescentes para o primeiro contato com as drogas e os responsáveis pela introdução dos mesmos ao uso. Participaram 568 adolescentes que completaram um questionário de autopreenchimento que preservava o anonimato dos participantes. A análise dos resultados envolveu: a) descrição da distribuição das variáveis na amostra; b) teste qui-quadrado. Verificou-se que a curiosidade foi o motivo principal apontado para o uso de drogas pela primeira vez e que os responsáveis pelo início do consumo dessas substâncias pelos adolescentes foram os amigos. Os dados apresentam informações relevantes para o planejamento de estratégias preventivas ao uso de drogas na adolescência.

Palavras-chave: Adolescência, Uso de Substâncias Psicoativas, Motivações.


RESUMEN

La finalidad de este estudio fue: a) explorar los motivos presentados por adolescentes para el primer contacto con las drogas y los responsables por su introducción al uso. Participaron 568 adolescentes que completaron un cuestionario de auto relleno que preservaba el anonimato de los participantes. El análisis de los resultados involucró: a) descripción de la distribución de las variables en la muestra; b) test del quicuadrado. Se verificó que la curiosidad fue el motivo principal para el primer uso de las drogas por esos adolescentes y que los responsables por el inicio del consumo de esas sustancias fueron los amigos. Estos datos presentan informaciones relevantes para la planificación de estrategias preventivas al uso de drogas en la adolescencia.

Palabras clave: Adolescencia, Uso de Sustancias Psicoactivas, Motivaciones.


ABSTRACT

This study aimed to: a) explore the reasons presented by adolescents for their first contact with drugs and the people responsible for introducing them to the use of such substances. Participants were 568 adolescents, who completed a self-completion questionnaire that preserved participants’ anonymity. The result analysis involved: a) descriptive distribution of sample variables; b) chi-square test. We found that curiosity was the main reason for adolescents to use drugs for the first time and that friends were responsible for their first consumption. These data present significant information for the development of preventive strategies against addiction during adolescence.

Keywords: Adolescence, Use of Psychoactive Substances, Motivations.


 

 

INTRODUÇÃO

A utilização de substâncias psicoativas, ao contrário do que se pensa, não é um evento novo no repertório humano(1), mas uma prática milenar e universal(2), não sendo, portanto, fenômeno exclusivo da época em que vivemos. Pode-se dizer, então, que “a história do consumo de drogas se confunde com a própria história da humanidade”(3), ou seja, esse consumo sempre existiu ao longo dos tempos, desde as épocas mais antigas e em todas as culturas e religiões(4-5).

As drogas, historicamente, foram utilizadas por grupos variados com fins religiosos, culturais, medicinais, de obtenção de prazer(5-7), místicos, psicológicos e climatológicos(8) e até mesmo como forma de se buscar a transcendência, as alterações do estado de ânimo e da própria consciência(9). As drogas eram utilizadas, também, com o propósito de se obter força e coragem nos embates do trabalho ou, até mesmo, nas lutas da honra pessoal ou coletiva(10). Ou seja, o homem sempre buscou, através dos tempos, maneiras de aumentar o seu prazer e diminuir o seu sofrimento(11). Entretanto, é importante pontuar que os hábitos e costumes de cada sociedade é que direcionavam o uso de drogas em cerimônias coletivas, rituais e festas(7), sendo que, geralmente, esse consumo estava restrito a pequenos grupos(11).

Contudo, o consumo de substâncias psicoativas, que antes era restrito a determinadas situações como cerimônias, festas, rituais religiosos, aos poucos começa a se disseminar, sendo que os motivos para a utilização de drogas tornaram-se os mais variados(11).

Dessa forma, apesar do uso de drogas ter sempre existido, a toxicomania (primeiro termo empregado para se referir à dependência de drogas)(12) corresponde a um fenômeno da modernidade. Tanto é que, em nossa sociedade, em função do aumento do consumo dessas substâncias, o fenômeno da adição às drogas tornou-se preocupante nas últimas décadas do século XX e início deste século, constituindo questão de saúde pública(13), passando a ser encarada como um dos problemas mais sérios nessa área(14).

A literatura aponta que o primeiro contato com a droga geralmente ocorre na adolescência, uma vez que esse é um período marcado por muitas e profundas mudanças, tanto físicas quanto psíquicas, que tornam o adolescente mais vulnerável(15-17).

Entretanto, apesar de os adolescentes serem encarados como grupo de risco no que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas, os estudos, de forma geral, apontam que os fatores que podem levá-los a utilizar drogas são diversificados. Os principais deles estão relacionados às características individuais e sociais, incluindo, nessa última, a sociedade como um todo, a família e o grupo de pares(7,18).

Sendo assim, quando se procura refletir sobre os motivos que podem levar um adolescente a consumir drogas, torna-se importante ressaltar que não são pequenos motivos, ou uma única causa isolada, que levam o indivíduo a utilizar algum tipo de substância psicoativa. Geralmente, existe um conjunto de fatores que, ao atuarem no contexto no qual está inserido um determinado adolescente, acaba predispondo-o à utilização de drogas(19).

A partir da constatação da complexidade que envolve a problemática do uso e dependência de substâncias psicoativas e de seu contexto de determinação multifatorial, os objetivos do presente estudo foram: a) levantar os motivos que levaram adolescentes a utilizar substâncias psicoativas, exceto álcool e tabaco, pela primeira vez; b) identificar os responsáveis pela introdução do adolescente ao uso dessas substâncias.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A população alvo do presente estudo foram adolescentes entre 14 e 20 anos que estavam cursando o ensino médio, tanto em escolas públicas quanto em escolas da rede privada de ensino da cidade de São Carlos, SP. Em função do número elevado de adolescentes com o perfil estabelecido, foi selecionada uma amostra dessa população. Para a seleção, adotou-se o método de amostragem probabilística por conglomerados (escolas) e estratificada (considerando-se diferentes regiões da cidade, definidas por certas características sócioeconômicas homogêneas, dentro das quais estavam localizadas as escolas). A partir da seleção, participaram deste estudo 568 adolescentes, de ambos os sexos, com idades entre 14 e 20 anos, de diferentes níveis socioeconômicos, que estavam cursando o ensino médio nas escolas e nas turmas previamente sorteadas, devidamente autorizados pelos pais e/ou responsáveis legais para participarem do estudo.

 

 

Além desses aspectos, é importante ressaltar que a maioria dos adolescentes que compõe a amostra (87,5%) mora com os pais e irmãos (74,5% desse total), ou apenas com a mãe e com os irmãos (13% desse total), embora tenham sido verificados outros arranjos familiares, cujas porcentagens verificadas foram inferiores a 12%.

Entretanto, para as análises efetuadas tendo em vista alcançar os objetivos estabelecidos pelo presente estudo foram considerados dois subgrupos específicos de adolescentes inerentes à amostra: os adolescentes que já utilizaram ou fazem uso de substâncias psicoativas, exceto álcool e tabaco (n=134), e os adolescentes que nunca utilizaram nenhum tipo de substância psicoativa (n=57).

A coleta de dados foi realizada coletivamente em sala de aula em dias antecipadamente combinados com a escola, os professores e os alunos, sendo essa realizada apenas pela pesquisadora responsável pelo projeto. Quando necessário, foram realizadas até duas revisitas à escola com a finalidade de aplicar os instrumentos com os alunos ausentes, diminuindo, assim, o índice de perdas por faltas às aulas. A participação dos alunos na pesquisa foi voluntária e antecedida da assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos pais ou responsáveis.

Foi utilizado, para a coleta de dados, um questionário de autopreenchimento que preservava o anonimato dos participantes. Esse instrumento era composto por 62 questões fechadas, abordando dados demográficos, referentes ao participante e à organização familiar do mesmo (nível de escolaridade e profissão dos pais, situação econômica, etc.), além de questões que avaliavam o nível de conhecimento e as opiniões dos adolescentes sobre o uso de drogas e o padrão de consumo de substâncias psicoativas por parte dos mesmos. Ressalte-se que, para a obtenção de dados a respeito do uso de drogas, foi utilizado o modelo de instrumento proposto pela OMS, adaptado para a realidade brasileira(20), e para os demais dados tomou-se como base questionários desenvolvidos e aplicados em outros estudos conduzidos no contexto brasileiro(4,21-22). O instrumento foi previamente testado por meio de estudo-piloto com a finalidade de corrigir suas eventuais imperfeições, verificar o nível de compreensão das questões e sistematizar o procedimento de coleta de dados.

A análise dos dados obtidos foi efetuada com o auxílio do programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Foram realizadas análises descritivas, as quais envolveram: a) descrição da distribuição das variáveis na amostra estudada; b) teste do qui-quadrado.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

 

RESULTADOS

Em relação ao levantamento dos motivos que levaram os adolescentes a consumirem drogas sem receita médica, pela primeira vez, a Tabela 2 evidencia alguns aspectos relevantes.

 

 

Considerando-se o grupo de adolescentes que afirmou utilizar substâncias psicoativas, exceto álcool e tabaco, sem prescrição médica (n=134), os dados revelam que 15,7% dos adolescentes desse grupo pontuaram que o fator curiosidade foi o motivo do uso de drogas pela primeira vez, enquanto 9,7% afirmaram que o motivo do primeiro contato foi, simplesmente, por “diversão ou prazer”. Entretanto, é possível notar que as freqüências verificadas para os motivos mencionados pelos adolescentes não foram elevadas. É importante ressaltar que um número considerável de adolescentes não respondeu essa questão (44,8%).

Em relação ainda à questão do uso de substâncias psicoativas, outros dois aspectos necessitam ser avaliados: quem introduziu o adolescente no uso dessas substâncias e como ficou a vida do mesmo após o início do consumo. No que diz respeito à introdução do adolescente ao consumo de substâncias, a Figura 1 traz o levantamento das pessoas apontadas como responsáveis pela iniciação ao universo das drogas, segundo a visão do próprio adolescente.

 

 

Observando-se os dados, constata-se que a maioria dos adolescentes (58,2%) não respondeu essa questão. Entre os que responderam, nota-se que 14,9% afirmaram que os responsáveis pelo início de seu consumo de substâncias psicoativas foram os amigos, enquanto 8,2% afirmaram que a introdução ao consumo ocorreu na própria família.

Convém destacar que na categoria “outros”, cuja porcentagem verificada foi de 8,9%, foram incluídas as respostas dos adolescentes que não se enquadravam em nenhuma das outras categorias e que apresentaram freqüência absoluta igual a um. Como exemplo de respostas inseridas nessa categoria pode-se citar: traficantes, namorado(a), médicos, entre outros.

Ainda no que diz respeito aos motivos alegados para o início do consumo, a Tabela 3 apresenta a avaliação geral dos adolescentes a respeito das motivações para o uso de drogas. Nesse caso, cada adolescente avaliou determinados enunciados como sendo falsos, verdadeiros ou que não sabiam responder, no que tange a alguns possíveis fatores motivadores para o uso de substâncias psicoativas.

 

 

Verificando-se os dados apresentados acima, alguns aspectos chamam a atenção. De forma geral, a maioria dos adolescentes de ambos os grupos (usuários e não usuários) afirma serem verdadeiros a maior parte dos motivos apresentados como fatores que podem estar por trás do envolvimento de um indivíduo com o consumo de substâncias psicoativas.

No que diz respeito às afirmativas que foram avaliadas como verdadeiras pela maior parte dos adolescentes de ambos os grupos, faz-se necessário estabelecer algumas pontuações. A afirmativa “algumas pessoas usam drogas por curiosidade” foi a que apresentou as maiores freqüências para ambos os grupos. Nesse caso, 87,3% dos adolescentes do grupo de usuários e 84,2% dos adolescentes do grupo de não usuários endossaram essa afirmação como verdadeira.

Além desse, outros três enunciados apresentaram freqüências elevadas para ambos os grupos, sendo considerados como verdadeiros. São eles: “as pessoas usam drogas para fugir dos problemas”, que obteve 91,8% das indicações no grupo de adolescentes usuários e 73,7% no grupo de não usuários; “as pessoas usam drogas para fugir da realidade” (84,2% no grupo de usuários e 85,8% no grupo de não usuários) e “as pessoas usam drogas porque os amigos usam” (77,6% e 63,2%, respectivamente).

É interessante pontuar que apesar dessas três afirmativas apresentarem as maiores freqüências para ambos os grupos de adolescentes, foram significativamente superiores no grupo de adolescentes usuários (p<0,05).

É necessário destacar ainda que, em relação à afirmativa “as pessoas usam drogas porque não têm esperanças de um futuro legal”, pode-se sustentar que esta dividiu as opiniões dos adolescentes de ambos os grupos em várias posições, que apresentaram freqüências próximas.

A Figura 2, por sua vez, apresenta a avaliação dos adolescentes que utilizam drogas (n=134), exceto álcool e tabaco, acerca de como ficou sua vida após o início do consumo dessas substâncias. A figura revela que a maioria dos adolescentes desse grupo não respondeu à questão (58,%). Entre os que responderam, 27,6% afirmaram que a vida não se modificou após o início do uso de substâncias psicoativas, enquanto 5,2% pontuaram que houve alterações em sua vida, tornando-se pior do que estava antes do consumo.

 

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Em relação aos aspectos descritos na seção de resultados torna-se importante tecer alguns comentários. Os motivos associados ao início do consumo de drogas pelos adolescentes são variados e envolvem tanto aspectos individuais como sociais, sendo que, nesse último eixo, estão inseridos o grupo de pares, a família e a sociedade de um modo geral(7,18). Isso sugere que existem motivações tanto internas como externas ao indivíduo que podem predispô-lo a fazer uso de substâncias psicoativas(23).

Estudos apontam que muitos adolescentes passam a utilizar substâncias psicoativas, legalizadas ou não, primeiramente por “curiosidade” e, em um segundo momento, “porque os amigos usam”(24). No caso da curiosidade, essa corresponde a uma qualidade natural do ser humano, sendo que alguns indivíduos são naturalmente mais curiosos do que outros. Entretanto, existem períodos da vida nos quais o indivíduo torna-se mais curioso e mais aberto a novas experiências, como é o caso da adolescência(23). Em situações em que é exposto às substâncias, em um contexto que aumenta sua vulnerabilidade psicossocial, o indivíduo se permite experimentar alguma droga e pode, muitas vezes, tornar-se dependente da mesma, caso o uso se torne continuado. Entretanto, é importante lembrar que o fato de consumir certa substância não determina que o indivíduo vai, necessariamente, tornar-se dependente, uma vez que, dentre aqueles que experimentam algum tipo de substância, sabe-se que apenas uma pequena porcentagem desenvolverá a dependência.

Por exemplo, em um estudo realizado com o objetivo de avaliar a prevalência de fumantes entre universitários, foi constatado que o principal motivo que levou os estudantes a começarem a utilizar tabaco foi a curiosidade, categoria essa indicada por 44% dos participantes do estudo(25).

Por outro lado, um estudo realizado sobre as possíveis causas da farmacodependência, a partir de prontuários existentes em uma instituição destinada à recuperação de alcoolistas e farmacodependentes, revelou que a curiosidade foi o principal fator mencionado pelos jovens internos, sendo considerado, portanto, como motivo central do primeiro contato destes com as drogas, seguido pelo fator referente à influência dos amigos(3).

Entretanto, o fator mais freqüentemente associado ao uso de drogas na adolescência é a sua utilização pelos amigos(26), embora existam outros fatores que também possam contribuir e motivar o uso de substâncias psicoativas. Nesse sentido, outros estudos ressaltam que a principal motivação para o uso de substâncias psicoativas é busca do prazer. Um estudo realizado com estudantes de Medicina revelou que o prazer despontou como o principal motivo do consumo dessas substâncias entre eles, sendo seguido pela ansiedade e pelas pressões ligadas à realização dos exames(27).

No presente estudo, por exemplo, entre os indivíduos que declararam fazer uso de substâncias psicoativas, a maioria apontou que o motivo inicial que levou ao consumo foi a “curiosidade”. A segunda categoria mais freqüente concerne à “diversão ou prazer”.

Por outro lado, esses dados mostram algumas diferenças em relação ao que foi verificado no estudo realizado pelo IBOPE(28) para a Associação Parceria Contra as Drogas, no qual o segundo principal motivo apontado pelos adolescentes como determinante para o uso de substâncias psicoativas entre os mesmos foi a “busca de aceitação pelo grupo de amigos” (15% de indicações). O primeiro motivo apontado pelos participantes da pesquisa realizada foi a “necessidade de fugir de problemas familiares/com os pais” (35%).

Sendo assim, é interessante ressaltar que um estudo realizado com uma comunidade universitária (funcionários, alunos e docentes) revelou que 73% dos participantes, no geral, apontaram como principal fator predisponente ao uso as “más companhias”, enquanto 66,4% ressaltaram os “fatores familiares” e 57,4% pontuaram a questão da “curiosidade”. Além disso, os adolescentes que afirmaram utilizar drogas apontaram, no referido estudo, que os responsáveis pela introdução dos mesmos no consumo dessas substâncias foram os “amigos”, em primeiro lugar, seguidos da “família”(29).

Esse dado vai ao encontro do que um outro estudo constatou, ou seja, que a introdução ao uso de substâncias (excetuando-se o álcool e o tabaco) entre os participantes da pesquisa que declararam utilizá-las parece ter ocorrido graças à influência de colegas e amigos, o que foi notado para 71,3% dos usuários(27).

Além disso, é importante pontuar que o fato de o adolescente ressaltar que sua vida não se modificou após o início do uso é digno de atenção. Pode-se levantar a hipótese de que, dependendo do motivo que o levou ao uso de substâncias psicoativas, bem como o tipo de droga que ele utiliza, o fato de não se perceber nenhuma alteração pode tanto desestimular o uso pelo indivíduo quanto o contrário, ou seja, utilizar outra substância, ou aumentar a dosagem, para tentar atingir seu objetivo. Entretanto, para explorar melhor com essa questão seria necessário o levantamento de dados mais específicos, o que demandaria o desenvolvimento de novos estudos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer os motivos que podem predispor os adolescentes a se envolverem com o uso de drogas, bem como os responsáveis pela introdução dos mesmos nesse consumo, são dados relevantes que podem contribuir para o planejamento de programas preventivos em relação ao uso de substâncias psicoativas na adolescência, uma vez que esse segmento da população é considerado na atualidade como um grupo social altamente vulnerável no que diz respeito ao uso de drogas, lícitas ou ilícitas.

Os dados apontam que a curiosidade foi a principal razão alegada pelos participantes para o primeiro uso de droga. A curiosidade é uma característica comportamental muito presente nessa etapa do desenvolvimento humano, uma vez que os adolescentes estão vivenciando uma série de transformações e, conseqüentemente, buscam explorar novos caminhos e se engajar em experiências novas. Além disso, o sentimento de invulnerabilidade presente nessa etapa evolutiva torna o jovem ainda mais vulnerável, uma vez que ele tende a acreditar que pode expor-se a comportamentos de risco sem que nada de mau aconteça a sua pessoa. Essa crença errônea está geralmente alicerçada na falsa premissa de que as situações de dor, sofrimento e morte são fenômenos que ocorrem sempre com o “outro”, nunca consigo mesmo. Isso mostra que, apesar do maior nível de sofisticação cognitiva alcançado na adolescência, na medida em que se amadurece o raciocínio lógico abstrato, resquícios de pensamento onipotente permanecem como uma das características mais salientes do funcionamento mental do adolescente.

Um outro aspecto importante diz respeito à influência da família e do grupo de pares, os dois principais responsáveis pela introdução dos adolescentes ao uso de substâncias psicoativas segundo os resultados obtidos no presente estudo. Os dados obtidos retratam a influência que os modelos de comportamento podem exercer na vida do adolescente, seja o modelo familiar, caso ocorra o consumo de drogas (lícitas ou ilícitas) por pessoas próximas aos adolescentes (pai, mãe, irmãos ou outros parentes), ou o modelo oferecido pelo grupo de amigos, incluindo-se aí também a pressão social exercida em um período do desenvolvimento humano em que se é particularmente sugestionável e influenciável pela opinião dos pares.

Por outro lado, há necessidade de novos estudos que enfoquem essa temática sob novos vértices de análise, abarcando, por exemplo, outros aspectos relacionados ao consumo, tais como: a idade do primeiro contato com determinados tipos de substâncias psicoativas, a freqüência e o padrão de consumo de familiares e amigos, as conseqüências percebidas pelos adolescentes após o uso continuado da droga, entre outros.

 

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