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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.3 no.1 Ribeirão Preto Aug. 2007

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Embasamento político das concepções e práticas referentes às drogas no Brasil

 

La base política de los conceptos y de las prácticas relacionados con la droga en Brasil

 

Political foundations of the concepts and practices related to drugs in Brazil

 

 

Jacqueline de SouzaI; Luciane Prado KantorskiII

I Mestranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Brasil.
II Professora da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia, Universidade Federal de Pelotas; doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - Rua Victor Vapírio, 289 - CEP: 96020-250 - Três Vendas – Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de reflexão teórica que tem como eixo a concepção da problemática das drogas nas políticas públicas brasileiras. Tal reflexão foi sistematizada a partir dos documentos: Política Nacional sobre Drogas e Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas. O objetivo é mostrar o panorama do modo como tais políticas orientam as ações da sociedade e, sobretudo, dos serviços de saúde no tocante ao uso e usuários de substâncias psicoativas no Brasil, bem como apresentar um quadro sobre a estruturação nacional dos órgãos relacionados às políticas públicas nesse setor, além disso, ressaltar os principais parâmetros que subsidiam a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas, possibilitando a visualização do lócus que ela ocupa na Política Nacional.

Palavras-chave: Drogas ilícitas, Políticas públicas, Brasil.


RESUMEN

Este trabajo es una reflexión teórica sobre como es concebido el problema de las drogas por la política pública brasileña. Esta reflexión fue sistematizada a partir de los siguientes documentos: Política Brasileña ante las Drogas y Política de Salud Brasileña para la Atención Integral a los Usuarios del Alcohol y Otras Drogas. El objetivo es: demostrar la manera en que estas políticas orientan las acciones de la sociedad y del servicio de la salud para los usuarios de drogas en Brasil; presentar un mapa de los departamentos que componen la política pública en esta área; apuntar los parámetros principales que dan la sustentación a la Política de Salud Brasileña para la Atención Integral a los Usuarios del Alcohol y Otras Drogas, permitiendo la observación del espacio que ocupa en el política nacional.

Palabras clave: Drogas ilícitas, Políticas públicas, Brasil.


ABSTRACT

This is a theoretical reflection about the conception of the drugs problem in Brazilian public policy. This reflection was systematized on the basis of the following documents: Brazilian Drugs Policy and Brazilian Health Policy for Integral Care to Users of Alcohol and other Drugs. The objective is to show how these policies guide the actions of society and especially health services regarding users and their use of psychoactive substances in Brazil, as well as to present a scenario of the national institutions related to the public policy in this sector. In addition, it aims to highlight the main parameters that support the Health Policy for Integral Care to Users of Alcohol and other Drugs, in order to visualize the space it occupies in the national policy.

Keywords: Street drugs, Public policies, Brazil.


 

 

INTRODUÇÃO

O fenômeno do uso abusivo de substâncias psicoativas na sociedade atual tem se constituído problemática acentuadamente complexa e, embora as transformações histórico-culturais e as inovações científico-tecnológicas tenham sido marcantes nos últimos anos, as concepções e modelos de abordagem prática de tal fenômeno não têm avançado significativamente e requerem estudos e reflexões relacionados às intervenções, bem como às políticas e saberes teóricos que têm subsidiado as mesmas.

As drogas, lícitas e ilícitas, devido às conseqüências do seu uso abusivo, à influência que exercem nos fatores externos (violência, agressão, mortes, problemas familiares, perdas afetivas), quer pelo consumo quer pelo tráfico, além de seus reflexos na saúde pública brasileira (decorrente de internações, atendimentos de emergência etc.) se constituem, de fato, em problema social no Brasil.

Quando algo se constitui em problema social, se torna objeto de políticas voltadas a diminuir, inibir e/ou prevenir as causas desse problema(1). Ao passo que o uso abusivo das drogas é considerado um problema social, principalmente por gerar prejuízos nas esferas afetiva, educativa, produtiva, econômica, saúde e relações sociais, demanda políticas públicas eficientes com ações contextualizadas aos objetivos da sociedade. O autor critica as políticas públicas existentes que são voltadas basicamente à punição ou tratamento.

No Brasil, há duas filosofias que orientam as políticas públicas, porém, ambas norteadas pelo caráter punitivo (Tabela 1)(1).

 

 

Essas duas filosofias apresentadas pelo autor dizem respeito sobretudo à questão das drogas ilícitas, quando então ambas as filosofias, geralmente, estão imbricadas: o indivíduo é “descriminalizado” desde que submetido ao tratamento médico. Ou seja, o poder policial é relativizado pelo poder médico que passa a ser central a partir do momento em que a questão das drogas se institui como problema de saúde.

Autores(2) apresentam dois modelos de abordagem ao problema das drogas na América Latina, a saber: a) o modelo biomédico: o uso de drogas é visto como enfermidade psíquico–biológica e as intervenções são voltadas também ao ambiente; b) o modelo geopolítico estrutural: que considera o problema das drogas, incluindo fatores judiciais, políticos, econômicos e geográficos, centrando as intervenções no fortalecimento das estruturas governamentais, no estabelecimento de medidas de controle da venda, consumo e tráfico das drogas, diminuindo a oferta–demanda. Embora considerem ambas as estratégias com certo grau de desenvolvimento e evolução, destacam que ambas não têm apresentado resultados em termos de impacto social.

A orientação das políticas públicas que preconiza medidas repressivas para uma “sociedade livre das drogas” advém da filosofia ditada pelo EUA de War on Drugs. Embora seja evidente o fracasso de tais medidas, há continuidade nas propostas de cunho repressivo, repetindo as medidas punitivas acompanhadas, muitas vezes, por discursos eleitoreiros(3).

No nível nacional, a política relacionada às drogas, de fato tem se pautado nesses modelos previamente apresentados e, conforme observado, suas diretrizes enfatizam a distinção entre as drogas lícitas e ilícitas, considerando um ideal de sociedade “protegida do uso de drogas ilícitas e uso indevido de drogas lícitas”.

A idéia de um país completamente livre do uso de drogas é utópica e, portanto, há descompasso entre realidade, legislação e políticas públicas na população brasileira(4).

Considerando que o consumo de drogas lícitas, atualmente, é estimulado como produto “com mercado e marketing estabelecidos”, o Brasil tem como desafio encontrar um modo culturalmente aceitável de regulamentar a utilização das drogas, evitando o dano à saúde dos usuários e o dano à sociedade(5), pois, de fato, o álcool, o tabaco e alguns medicamentos são as drogas mais consumidas e as responsáveis pelos maiores índices de problemas(6).

Políticas distintas para as diferentes drogas e controles sociais efetivos deveriam ser atitudes pragmáticas para responder com eficácia pelo problema das drogas. Enfatiza que o estado atual da pesquisa científica permite saber as medidas eficazes para políticas de resultados comprovados, principalmente no tocante ao uso do álcool(7-8).

As últimas décadas têm sido marcadas pelo aumento do índice de drogas ilícitas no Brasil, o que denota a inadequação das medidas exclusivamente repressivas e reforça a necessidade de política integrada, coerente, respaldada por dados científicos, considerando a diversidade e demandas específicas da comunidade alvo das intervenções. As metas das ações devem ser o controle do consumo, a melhoria das condições sociais e de saúde, associada à liberdade individual com contabilização dos custos sociais(4).

De acordo com o estudo de 1997 a ineficácia da política repressiva é evidenciada também por Zaluar (1997)(9) que, por sua vez, ressalta que a redução dos problemas e processos sociais complexos, acenando apenas para a escolarização, profissionalização e oportunidades adequadas no mercado de trabalho é simplificar a questão das drogas que são também consumidas por profissionais bem remunerados, estudantes universitários de famílias prósperas etc. No entanto, é evidente que, em relação ao usuário pobre, a diferença está na dificuldade de acesso aos serviços de saúde para tratamento, no caso de uso abusivo, e dificuldades relacionadas à defesa, no caso de problemas com a Justiça(9).

Assim, a modificação do cenário de violência e injustiça no país só é possível através de política pública que modifique a atual criminalização do uso de drogas; política essa que preconize a redução dos riscos à saúde, associada a projeto educativo de prevenção do uso entre os jovens(9).

O presente estudo, portanto, tem como objetivo realizar uma reflexão teórica sobre as diretrizes da atual Política Nacional sobre Drogas, visando propiciar um panorama sobre o embasamento dos conceitos e das práticas relacionadas às substâncias psicoativas no Brasil, bem como apresentar os principais parâmetros que subsidiam a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas e o lócus que ela ocupa no âmbito da Política Nacional.

 

METODOLOGIA

Esta reflexão teórica foi sistematizada a partir da análise dos documentos: Política Nacional sobre Drogas e Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas. A discussão está estruturada iniciando com a elucidação dos eixos e principais pressupostos da Política Nacional, em seguida, apresenta-se quadro sobre a estruturação nacional dos órgãos relacionados às políticas públicas sobre a problemática das drogas. Finalmente, há a apresentação dos principais tópicos da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas, permitindo conceber um panorama sobre os conceitos que orientam as práticas com relação às substâncias psicoativas no país.

 

DISCUSSÃO

A atual Política Nacional sobre Drogas foi aprovada pelo Conselho Nacional Antidrogas (CONAD), no dia 27 de outubro de 2005, através da Resolução do Gabinete de Segurança Institucional nº3/GSIPR/CH/CONAD(10).

O escopo dessa Política baseia-se em cinco eixos: 1) prevenção; 2) tratamento, recuperação e reinserção social; 3) redução dos danos sociais e à saúde; 4) redução da oferta; 5) estudos, pesquisas e avaliações.

Com relação à prevenção, adota-se a filosofia da “Responsabilidade Compartilhada” (parceria entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira), pautada na construção de “redes sociais que visem à melhoria das condições de vida e promoção geral da saúde”; observando que as intervenções devem basear-se em princípios éticos, na promoção de valores relacionados à saúde física e mental, no bem-estar individual e coletivo, considerando a pluralidade cultural e a integração sócioeconômica; valorizando os diferentes modelos e relações familiares. O planejamento de tais intervenções deve ter como referencial o desenvolvimento humano, a educação para uma vida saudável, o acesso aos bens culturais (esporte, lazer), o conhecimento sobre as drogas, a participação dos jovens, famílias, escolas e sociedade, as especificidades culturais, a vulnerabilidade, o gênero, a raça e etnia do público-alvo(10).

O âmbito da redução da oferta abrange questões relacionadas à segurança das pessoas no tocante à violência e crimes, decorrentes do tráfico ilícito de drogas, como ações repressivas sobre as organizações criminosas, erradicação das drogas produzidas no país, bloqueio das drogas vindas do exterior(10).

Quanto aos crimes, delitos e infrações, a postura adotada nessa política refere-se à prevenção e coibição através de políticas públicas para “melhoria da qualidade de vida do cidadão”.

A Política Nacional sobre Drogas preconiza, também, diferenciação entre o usuário de drogas, o indivíduo que faz uso indevido, o dependente e o traficante e orienta que sejam tratados diferentemente. O pressuposto seguinte, por sua vez, estabelece que as pessoas usuárias ou dependentes de drogas lícitas e ilícitas, devem ser tratados de forma igualitária e sem discriminação.

Depreende-se que, quando falam de um tratamento diferente aos tipos diversos de relações dos indivíduos com as drogas, certamente referem-se às intervenções e abordagens que devem ser diferenciadas e específicas a cada caso. No entanto, conclui-se que é complexa a exigência de tratamento igualitário dentro de política que, ao mesmo tempo, se pauta na repressão e criminaliza o uso de determinadas drogas, além de fazer um chamamento à sociedade no sentido de auxiliar na consolidação das ações repressivas, delineando um caráter de julgamento moral quanto à opção pelo uso de drogas ditas “ilícitas”. Isso leva à associação direta entre o uso dessas drogas específicas e atividades criminais/periculosidade, inviabilizando que os indivíduos com problemas relacionados ao uso abusivo de substâncias psicoativas sejam tratados de forma igualitária, sem preconceitos ou discriminação.

Acredita-se que, para política que pretende adotar estratégias de redução de danos, os pressupostos e diretrizes, baseados em abordagens repressivas de erradicação das drogas “ilícitas” e discriminação com relação aos diferentes tipos de usuários de drogas, preconizando tratamento diferenciado com relação a eles, conforme adotado pela Política Nacional sobre Drogas, não é congruente. De fato, os pressupostos relacionados à redução de danos não deixam claro a concepção adotada com relação a essa abordagem, tal lacuna fica evidente, principalmente através do 6º pressuposto:

Não confundir as estratégias de redução de danos como incentivo ao uso
indevido de drogas, pois se trata de uma estratégia de prevenção(10).

Observa–se que o norte da atual Política Nacional sobre Drogas consiste na redução da demanda, redução da oferta e redução de danos. Porém, acredita-se ser questionável a possibilidade de associação entre essas três bases, tendo em vista que a redução da demanda e a redução da oferta se pautam principalmente em abordagens repressivas, enquanto as estratégias na perspectiva de redução de danos se pautam na liberdade de escolha do indivíduo e no não julgamento moral do mesmo.

Cabe acrescentar que, mesmo considerando que a corrupção e a lavagem de dinheiro devam ser os alvos principais no combate ao crime organizado (ou seja, concebendo que a dimensão da organização criminal, relacionada às drogas, abarca pessoas de alto escalão), culpabiliza-se, na concepção dessa Política Nacional, o usuário de drogas pelos crimes relacionados ao tráfico, de forma que as pessoas da alta liderança acabam adquirindo certa invisibilidade no tocante aos pressupostos de tal política.

Buscar a conscientização do usuário e da sociedade em geral de que o
uso de drogas ilícitas alimenta as atividades e organizações criminosas
que têm, no narcotráfico, sua principal fonte de recursos financeiros(10).

Ainda, nos pressupostos, propõe-se a intensificação da cooperação internacional com relação às resoluções dos problemas, relacionados às drogas, e que os programas, projetos e ações de prevenção, tratamento, reinserção psicossocial, redução da demanda, oferta e danos sejam fundamentados em resultados científicos de pesquisas e experimentos(10).

Preconiza-se a existência de conselhos de caráter articulador, normativo, deliberativo e consultivo para a implementação do Sistema Nacional Antidrogas, a fim de assegurar a composição paritária entre a sociedade civil e o governo. Além disso, propõe-se acompanhamento e avaliação sistemática dos diferentes tratamentos e modelos de iniciativas terapêuticas em suas diversas fundamentações, a fim de averiguar quais proporcionam resultados favoráveis(10).

Com relação às intervenções, a Política Nacional sobre Drogas reconhece a necessidade do trabalho interdisciplinar e multiprofissional, da capacitação continuada das diferentes lideranças (comunitárias, formais, informais, administrativas etc.), sendo que o foco deve ser no indivíduo e seu contexto sociocultural, buscando desestimular o uso das drogas, incentivar a diminuição do consumo, diminuir os riscos e danos, através da ampliação, articulação e fortalecimento das redes sociais.

É previsto o apoio técnico e financeiro descentralizado para o tratamento, recuperação e reinserção social dos indivíduos com problemas pelo uso abusivo de drogas, além da garantia de diferentes modalidades de tratamento e recuperação, reinserção social e ocupacional, qualificados e fundamentados cientificamente(10).

Considera-se que ações voltadas para a reinserção social e ocupacional são capazes de romper com o ciclo consumo/tratamento. Orienta-se, portanto a efetivação de parcerias e convênios com órgãos governamentais e organizações não-governamentais em prol da promoção de tais ações(10).

Prevê a integração das ações numa rede operativa com a finalidade de ampliação da abrangência e eficácia dessas:

Promover e garantir a articulação e integração em rede nacional das
intervenções para tratamento, recuperação, redução de danos,
reinserção social e ocupacional (Unidade Básica de Saúde,
ambulatórios, Centro de Atenção Psicossocial, Centro de Atenção
Psicossocial álcool e drogas, comunidades terapêuticas, grupos de
auto-ajuda e ajuda mútua, hospitais gerais e psiquiátricos, hospital-dia,
serviços de emergências, corpo de bombeiros, clínicas especializadas,
casas de apoio e convivência e moradias assistidas) com o Sistema
Único de Saúde e Sistema Único de Assistência Social para o usuário
e seus familiares, por meio de distribuição descentralizada
e fiscalizada de recursos técnicos e financeiros(10).

Tendo em vista a necessidade de subsídios teóricos para o planejamento e avaliação das intervenções, estabelece-se a necessidade de um banco de dados com informações científicas. Dessa forma, o OBID – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas consiste em instância responsável por pesquisas, armazenamento de dados e desenvolvimento de programas e intervenções voltados para a redução da demanda, redução de danos e redução da oferta de drogas(10).

Quanto aos estudos, pesquisas e avaliações, a política enfatiza a necessidade de estímulo e fomento à realização de pesquisas, estudos e avaliações permanentes a fim de aprofundar o conhecimento sobre drogas, a extensão do consumo, sua evolução, prevenção do uso indevido, repressão, tratamento, reabilitação, redução de danos, reinserção social e ocupacional, observando os preceitos éticos.

Incentivar e fomentar a realização de pesquisas básicas,
epidemiológicas, qualitativas e inovações tecnológicas sobre os
determinantes e condicionantes de riscos e danos, o conhecimento
sobre as drogas, a extensão do consumo e sua evolução, a prevenção
do uso indevido, repressão, tratamento, redução de danos, reabilitação,
reinserção social e ocupacional, desenvolvidas por organizações
governamentais e não-governamentais, disseminando amplamente
seus resultados(10).

No Quadro 1, apresenta-se panorama sobre a estruturação nacional dos órgãos relacionados às políticas públicas sobre essa problemática, no Brasil.

 

 

Com base nesse panorama, observa-se que, de fato, o problema das drogas no nosso país é considerado uma espécie de “caso de polícia”, tendo em vista o papel central do Gabinete de Segurança Institucional dentro do quadro organizacional do âmbito federal.

Com relação ao Ministério da Saúde, sua competência consiste na elaboração de normas, acompanhamento e avaliação dos programas federais da área da saúde, além de ser responsável pela implementação de políticas para os setores que representam através da definição de estratégias, diretrizes e prioridades referentes à aplicação dos recursos públicos(14).

As orientações do Ministério da Saúde, que constam na Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas, estão em consonância com os princípios da atual Política de Saúde Mental; portanto, o instrumento normativo máximo é a Lei 10216/2002 que, por sua vez, está em consonância com os pressupostos e propostas da Organização Mundial da Saúde(15).

A legislação básica que embasa essas orientações é:

• Portaria GM 336/2002: estabelece normas e diretrizes para a organização dos serviços;

• Portaria SAS 189/2002: regulamenta a Lei 336 e “cria” o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas no SUS (Sistema Único de Saúde);

• Portaria GM 816/2002: institui o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas.

Assim, essa política está pautada em quatro diretrizes básicas: intersetorialidade, atenção integral, prevenção, promoção e proteção da saúde.

A intersetorialidade refere-se à interação entre as áreas saúde, justiça, educação, social e desenvolvimento para a efetivação das ações nesse âmbito; tal diretriz prevê articulações com a sociedade civil, sindicatos, associações, organizações comunitárias e universidades em prol da defesa e promoção de direitos e de controle social, através da integralidade das ações(15).

Não obstante, a atenção integral corresponde à expectativa de o indivíduo ser concebido em sua rede social, ou seja, uma forma de intervenção pautada na visão integrada das dimensões educativa, assistencial e de reabilitação. Dessa forma, as ações terão como foco o usuário e as questões estruturais e legislativas, prevendo a participação comunitária e a descentralização das ações com a respectiva definição de papéis de cada nível (municipal, estadual e federal)(15).

Quanto aos aspectos correspondentes à prevenção, a política preconiza o planejamento, implantação e implementação de estratégias múltiplas, visando a redução dos fatores de risco e vulnerabilidade e o fortalecimento dos fatores de proteção, tendo a perspectiva de Redução de Danos como estratégia de planejamento das propostas, contemplando: a redução da iniciação no consumo, ou redução da freqüência e intensidade do uso ou, ainda, redução das conseqüências do uso abusivo(15).

Além disso, as ações preventivas devem facilitar a promoção da atenção global aos indivíduos, através da melhoria da acessibilidade à rede de serviços e rede de suporte social do território, facilitar a inserção e a integração comunitárias e auxiliar na melhoria da qualidade de vida(15).

Já a questão da promoção e proteção à saúde implica no desenvolvimento e fortalecimento dos fatores de proteção individuais e coletivos, visando a maximização da saúde, também tendo como referencial das ações a estratégia de Redução de Danos, utilizando-se da comunicação, materiais educativos, ações entre pares e incentivando os indivíduos à participação na formulação das políticas públicas(15).

Observa-se que, como parâmetro básico da estruturação da Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas, a perspectiva de redução dos agravos é mais enfatizada, ao invés de um foco centrado apenas na redução do consumo.

Além disso, a linguagem utilizada na elaboração da mesma, não condiz com o caráter prescritivo e “repressivo-moralista” da Política Nacional sobre Drogas; é possível apreender da linguagem utilizada, um movimento no sentido de transformação de concepções, definições, embasamento teórico e práticas relacionadas, acompanhando a lógica da atual Política de Saúde Mental estabelecida no país.

Tal percepção pode ser claramente evidenciada na preconização dessa política com relação à rede de assistência centrada na atenção comunitária, contando com as ações interativas entre as áreas da saúde e serviço social, associadas à rede de serviços extra-hospitalares, articulados à rede de saúde mental, observando enfaticamente os conceitos de território e rede e adotando as concepções de Redução de Danos na lógica ampliada (ou seja, as estratégias de redução de danos não se restringem à troca de seringas e sim são voltadas à diminuição de riscos e agravos à saúde em todos os aspectos), a busca ativa e os princípios da Reforma Psiquiátrica; além disso, no texto introdutório do documento é enfatizada a necessidade de atenção para o direito de cada cidadão como lógica que deve permear o planejamento das ações dos envolvidos na atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora seja perceptível, através da linguagem utilizada na elaboração do documento da Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool e Drogas, um movimento no sentido de transformação das práticas de saúde nesse âmbito, observa-se que a Política Nacional sobre Drogas ainda está arraigada às concepções tradicionais da temática. No entanto, é fato que tal política segue também preconizações de âmbito internacional, nos quais a problemática das drogas é concebida principalmente como questão neurobiológica e de segurança, e as propostas de abordagem ao fenômeno são, geralmente, baseadas em modelo tradicional e hegemônico pautado nessas premissas.

A concepção da Política Nacional sobre Drogas, quanto à distinção entre as drogas lícitas e ilícitas e sua premissa sobre um ideal de sociedade “protegida do uso de drogas ilícitas e uso indevido de drogas lícitas”, chama à reflexão sobre os critérios e parâmetros que sustentam a consideração de determinada droga como lícita ou ilícita, tendo em vista os evidentes prejuízos e sérias conseqüências à saúde do indivíduo usuário das drogas lícitas. O que as distingue das ilícitas? Qual o real posicionamento da sociedade com relação a isso? É viável um ideal de sociedade “protegida” do uso de drogas? Tal postura não denota um argumento de vitimização com relação à escolha individual de fazer ou não o uso de drogas? Além disso, em termos semânticos, a palavra proteção reflete um significado de periculosidade, reforçando a concepção moral com relação ao uso de drogas como comportamento “mau”, “inadequado”, “desviante”.

Pensa-se que uma sociedade com boas opções e perspectivas de vida, com seus direitos de cidadania assegurados, fortalecida democraticamente, ciente da necessidade de respeito às diferenças, solidária, atuante e participante politicamente, estaria apta a fazer as escolhas referentes ao seu modo de vida, ou seja, pensa-se que não é uma proteção paternalista e repressiva por parte do Estado que será decisiva no tocante ao comportamento das pessoas que optam pelo uso de substâncias ditas “ilícitas”, ou às que fazem uso abusivo das drogas lícitas.

 

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Endereço para correspondência
Jacqueline de Souza
E-mail: jacsouza2003@yahoo.com.br
Luciane Prado Kantorski
E-mail: kantorski@uol.com.br

Recebido: 06/05/2007
Aprovado: 15/06/2007

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