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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.3 n.1 Ribeirão Preto ago. 2007

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Processo de ressocialização de usuários de substâncias lícitas e ilícitas

 

Proceso de resocialización de usuarios de substancias lícitas e ilicitas

 

Process of resocialization of licit and illicit substance users

 

 

Terezinha PossaI; Solânia DurmanII

I Psicóloga. Especialista em Saúde da Família. Prefeitura Municipal de Cascavel – Paraná, Brasil.
II Enfermeira. Mestre em Assistência em Enfermagem. Docente do Colegiado de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Cascavel – Paraná, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa objetivou conhecer o modo de vida de oito indivíduos, moradores de rua, usuários de substâncias lícitas e ilícitas, na faixa etária de 21 a 50 anos, em processo de ressocialização, numa organização não-governamental: Associação Nova Aliança - ANA, no município de Cascavel, PR, em 2003. O estudo baseou-se nos pressupostos teóricos da reabilitação psicossocial emanados do Movimento da Reforma Psiquiátrica. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, descritiva, com a participação de 8 usuários. Os dados foram coletados por meio de 3 questões norteadoras, analisados qualitativamente à luz do referencial teórico. Este estudo apontou que o aspecto para trabalhar a ressocialização seria priorizar os aspectos sociais e econômicos, implicando no aumento de sua contratualidade afetiva, social e econômica, viabilizando sua autonomia.

Palavras-chave: Socialização, Transtornos relacionados ao uso de substâncias, Saúde mental.


RESUMEN

Esta investigación intentó conocer el modo de vida de ocho individuos, habitantes de la calle, usuarios de substancias lícitas e ilícitas, con edad de 21 a 50 años, en proceso de resocialización, en una organización no-gubernamental: Asociación Nova Alianza – A.N.A., en la municipalidad de Cascavel - PR, en 2003. El estudio se basó en los conceptos teóricos de la rehabilitación psicosocial emanados del Movimiento de la Reforma Psiquiátrica. Se trata de una investigación de naturaleza cualitativa, descriptiva, con la participación de 8 usuarios. Los datos fueron colectados por medio de 3 preguntas orientadoras, siendo analizados cualitativamente a la luz del referencial teórico. Este estudio nos mostró que el aspecto para trabajar la resocialización seria priorizar los aspectos sociales y económicos implicando en el aumento de su contractualidad afectiva, social y económica, viabilizando su autonomía.

Palabras clave: Socialización, Trastornos relacionados con sustancias, Salud mental.


ABSTRACT

This research aimed to get to know the way of life of eight homeless individuals, users of licit and illicit substances, between 21 and 50 years old, going through a resocialization process in a non-governmental organization: Associação Nova Aliança – A.N.A., in Cascavel, Paraná, Brazil, in 2003. This qualitative and descriptive study was based on the theoretical principles of psychosocial rehabilitation that emerged from the Psychiatric Reform Movement. The data were collected through three guiding questions and subject to qualitative analysis in view of the theoretical reference framework. This study evidenced the need to prioritize the social and economic aspects of the resocialization process in order to improve the affective, social and economic contractualism and, consequently, the individuals’ autonomy.

Keywords: Socialization, Substance-related disorders, Mental health.


 

 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a prevenção e o tratamento da dependência de substâncias têm sido tema de debate constante no meio científico e na comunidade em geral.

As pessoas com história de alcoolismo e outras drogas ilícitas, ao longo de seu viver, vão perdendo os vínculos que construíram, exemplos: a família, cônjuge, filhos, amigos mais íntimos. Não que essas pessoas os abandonem, mas, sim, porque as pessoas envolvidas com álcool e outras drogas invertem os valores das suas vidas, têm outras necessidades, não conseguem responder pelo vínculo afetivo familiar, sendo usuárias de drogas. Dessa forma, desenvolvem nos parentes e amigos sentimentos de hostilidade e raiva, estimulando os usuários a manterem-se nessa condição. Para romper com tal processo, é preciso que alguém com forte vínculo afetivo tenha um insight para ajudar e, também, que os usuários estejam disponíveis para receber ajuda.

Os profissionais de saúde mental muitas vezes encontram dificuldades no reconhecimento de problemas relacionados ao álcool e outras drogas que ocorrem concomitantemente com diagnósticos usuais. Assim, o diagnóstico dual de um transtorno psiquiátrico, mais um transtorno devido ao uso de substâncias lícitas e ilícitas, costumeiramente levam a sérias dificuldades no manejo e tratamento desses casos(1).

A Associação Nova Aliança (ANA) é organização não-governamental que trabalha somente com indivíduos do sexo masculino e apresenta como objetivo ressocializar o indivíduo carente, morador de rua, usuário de substâncias lícitas e ilícitas. Assim, partindo do princípio de que o dependente de drogas geralmente é visto como pessoa discriminada, tanto no mercado de trabalho, como no convívio social e familiar, procurou-se abordar, nesta pesquisa, a vivência e a convivência na atualidade, de pessoas moradoras em uma organização não-governamental, no sentido de conhecer como vislumbram seu retorno à família/sociedade.

No contexto da exclusão, o indivíduo torna-se muitas vezes incapaz de prover e suprir seus próprios meios de subsistência e suas necessidades básicas como alimentação, moradia, saúde dentre outras, o que pode contribuir negativamente para sua formação e atuação na sociedade, estando propenso à prática de crimes e/ou a mendigar, com intuito de satisfazer a própria dependência.

As dependências químicas, considerando-se o álcool e outras drogas, traduzem o problema que atinge todo o sistema de saúde. Atualmente, recebe atenção especial, haja vista as dificuldades quanto ao tratamento, relacionadas pela ineficácia, ou abandono do tratamento, reincidência e também pela não admissão do alcoolista e do dependente químico como doentes(2).

A vivência num ambiente familiar instável, intolerante, com falta de compreensão e afetividade, rejeição, hostilidade, excesso de mimo, falta de limites e de disciplina, dentre outras, favorecem o comprometimento da auto-estima, o que dificulta a superação das pressões do meio ambiente, podendo sucumbir às drogas(3).

O consumo de álcool e substâncias que causam euforia sempre estiveram presentes no decorrer da história. A produção, inicialmente, limitava-se ao âmbito doméstico, com as exigências de consumo que começaram a impor as trocas marítimas e comerciais, partindo-se, em seguida, para sua industrialização, que culminou na destilação do álcool, surgido em período relativamente recente(4).

Estudos(3) mostram que as pessoas tornam-se dependentes de drogas lícitas e ilícitas por três motivos: 1 - as drogas provocam sensações diferentes; 2 - apresentam tolerância; e, 3 - há no mercado.

De acordo com pesquisa consultada(5), todas as substâncias entorpecentes podem potencialmente causar dependência psíquica. No entanto, a dependência física está contida em número restrito de substâncias. A dependência física advém de sintomas físicos e psíquicos que se sobressaem quando da privação da substância, classificada como síndrome de abstinência, em função da perda do equilíbrio homeostático do organismo e específica para cada tipo de substância entorpecente.

Adultos crescidos numa família alcoolista se tornam alcoolistas, se casam com alcoolistas e produzem o alcoolismo num nível assustador, há indícios de que tenham sido vítimas de incesto ou abuso físico. Mediante experiência clínica, adultos oriundos desse modelo familiar apresentam maior propensão a desenvolver distúrbios de alimentação, fobias, problemas depressivos e adições a outras drogas(6).

A síndrome de abstinência do álcool (SAA) pode ser definida como conjunto de sinais e de sintomas apresentados quando a pessoa que bebe exageradamente diminui, ou pára de beber(5). Como sintomas iniciais, classificam-se tremores, ansiedade, insônia, náuseas e agitação. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam sintomas mais sérios como: febre baixa, taquipnéia, tremores e sudorese profunda. Aproximadamente 5% dos pacientes podem apresentar convulsões. Outra complicação grave é o delirium tremens (DT), que se caracteriza por alucinações, alteração do nível de consciência e desorientação. Constata-se que a taxa de mortalidade para pacientes que apresentam DT está entre 5 e 25%.

Segundo pesquisa aplicada(7), o tratamento ao uso de drogas ilícitas também está relacionado ao de outras substâncias de abuso, utilizando-se da abstinência e do apoio. A maioria dos pacientes alcoolistas busca o tratamento por pressão de seu cônjuge, do empregador ou por medo de que o hábito de beber traga-lhe conseqüência fatal. O melhor prognóstico é o das pessoas que procuram o tratamento de maneira voluntária, por se considerarem alcoolistas e que necessitam de ajuda.

A questão das ONGs aborda formas modernas de participação na sociedade brasileira por se organizar em torno dos direitos sociais modernos, incluindo a qualidade de vida, a não discriminação, a preservação do meio ambiente, entre outros; na busca da adequaação de valores individuais aos coletivos, da racionalidade individual à científica; bem como por abrir espaços coletivos de participação da sociedade civil, partindo-se dos interesses de grupos específicos, baseados em movimentos e organizações sociais(8). As ONGs são entidades que podem exercer o papel de mediadoras nas políticas que articulam o governo e a comunidade organizada.

O movimento da reforma psiquiátrica proporcionou um novo olhar, promovendo o repensar das múltiplas formas de tratar o indivíduo em sofrimento psíquico, incluindo o usuário de algum tipo de substância psicoativa e sua reinserção na sociedade.

Outra pequisa aborda a questão da reabilitação psicossocial, conceituando-a como conjunto de meios que abrangem programas e serviços, desenvolvido com a finalidade de facilitar a vida das pessoas detentoras de problemas severos e persistentes(9). Para a realização do trabalho, poder-se-ia associar inúmeras iniciativas supostamente articuladas na tentativa de redução de circunstâncias crônicas e desabilitantes dos tratamentos tradicionais, procurando desenvolver dentro e fora dos hospitais, utilizando-se, para tanto, de inúmeras técnicas como terapia vocacional, psicoeducação, grupos operativos dentre outros.

O processo de reabilitação como sendo de reconstrução, englobando o exercício pleno de cidadania, pontuando a importância do hábitat, rede social e trabalho com valor social(10).

 

OBJETIVO

Esta pesquisa teve como objetivo conhecer como ocorre a ressocialização de indivíduos usuários de substâncias lícitas e ilícitas, em tratamento na Associação Nova Aliança.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Esta é uma pesquisa(11) qualitativa, descritiva, que se refere ao universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. O estudo foi fundamentado nas falas de oito indivíduos em tratamento na Associação Nova Aliança, localizada na cidade de Cascavel, região oeste do Paraná, no período de 27/7/2003 a 6/8/2003. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se as seguintes questões norteadoras: quais são as suas perspectivas quanto a retornar ao campo de trabalho, na atualidade? Quanto ao enfrentamento de seus problemas e das dificuldades que ocorrem no dia-a-dia, como você os encara? Qual é a percepção que você tem de si mesmo, no momento atual?

Adotou-se, como referencial teórico, literaturas relacionadas ao uso de substâncias lícitas e ilícitas, processo de ressocialização e ao movimento de reforma psiquiátrica, que serviram para análise e compreensão dos dados coletados.

Para o desenvolvimento da análise e interpretação dos dados, trabalhou-se com unidades temáticas, classificando idéias, agrupando elementos e expressões em torno de um mesmo elemento(11).

Como amostra, houve 08 participantes, sendo que, no momento da coleta de dados, se encontravam num total de 25 indivíduos. Os sujeitos da pesquisa foram identificados ao longo do trabalho como: (Entr. 01), (Entr. 02) e assim sucessivamente. Para o desenvolvimento desta pesquisa foram respeitados os padrões éticos, segundo a Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa(12).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados permitiu a identificação de 3 áreas temáticas: perspectiva quanto ao trabalho, enfrentamento de conflitos no cotidiano, e autopercepção.

Perspectiva quanto ao trabalho

[...]eu tenho na minha vida o desejo de arrumar um trabalho fora poder contribuir com a casa trabalhar para esquecer de tudo o que eu fiz de errado (Entr. 1)
[...]eu não acredito né muito numa proposta de emprego igual ao que tinha antes[...]sem o álcool [...]começar tudo de novo sem os erros sem o alcoolismo mas não dá[...] (Entr. 4)
[...]é de estar em condições de me preparar novamente regularizar a minha situação [...]fazer um curso de atualização para poder voltar a exercer a minha profissão [...]eu tenho que estar seguro de que não vou voltar mais a ingerir bebida alcoólica [...]a recaída [...]faz parte do tratamento[...] (Entr. 5).

Estudos(13) apontam que, de forma geral, muito do comportamento social tem a finalidade de aumentar a afiliação entre as pessoas, quanto à aceitação e à inclusão social. Denota-se, assim, o sentimento desses indivíduos, de terem um vínculo com trabalho, levando-os a se sentirem cidadãos produtivos.

Para esses indivíduos estarem pensando em futuro, como especialização e outros planos para poder vir a ser, é bom sintoma, pois muda o sentido de vida da pessoa, quando se tem expectativa pessoal e profissional.

De acordo com pesquisa aplicada(14), desde que a pessoa estigmatizada consiga se destacar numa posição financeira, política ou ocupacional, possivelmente a ela será dada uma nova carreira, a de representante de sua categoria. De certa forma, o grupo estigmatizado, quer esteja ou não estabelecido, é nessa relação desse grupo de iguais que há a possibilidade para se discutir a história natural e a carreira moral da pessoa estigmatizada.

Quanto à questão do arrependimento e da relação com a recaída, no mesmo instante no qual o indivíduo se arrepende do tempo e do trabalho que perdeu, ele fala do medo de recaídas. Isso prova a insegurança e a vulnerabilidade que ele sente de não poder manter-se sóbrio.

Quando a família tem noção do que está acontecendo com seu familiar envolvido com álcool?drogas, tende a criar novos mecanismos e fortalecer suas relações, ao invés de se afastar do convívio social, busca maneiras e recursos para ajudar o seu familiar usuário de drogas, devolvendo-lhe sua dignidade e cidadania. Para que isso de fato ocorra, a família precisa de informações relativas à doença, de apoio e de diálogo com os profissionais da área de saúde(15).

Enfrentamento de conflitos no cotidiano

[...]vontade de usar droga essas coisas procuro ler um livro fazer algum trabalho [...]evitar discutir com as pessoas [...]da associação [...] (Entr. 2)
[...]tenho que encarar que enfrentar o povo [...]deixa a gente nervoso[...]tudo fica normal de novo[...] (Entr. 6)
[...]encaro ela friamente [...]já vem desde berço o sofrimento [...]faz 37 anos que eu to sofrendo [...] por causa do vício [...]das drogas [...]quando uso as drogas fico muito violento agrido qualquer um polícia agrido qualquer um [...]eu to vivo até hoje pela graça de Deus [...]não me abate em nada esse sofrimento que eu levo [...] (Entr. 8).

Os recursos de enfrentamento dos conflitos variam imensamente de uma pessoa para outra. A avaliação abrangente de um paciente com um problema de abuso de substâncias deve incluir a avaliação dos recursos pessoais, sociais e materiais de que ele dispõe. Deve-se avaliar também se há motivação e apoio social para tal mudança.

Há indícios de suscetibilidade ao meio e à dependência, debilidade da vontade pessoal, explosão interior de sentimentos, com muito sofrimento interno. No entanto, tem-se a crença, a esperança e a busca por ajuda de si e de outrem, a fim de conseguir lidar com a própria problemática.

O sistema de crenças de uma pessoa, a visão de mundo, a religião ou a sua espiritualidade também pode ter efeito positivo, ou negativo, sobre sua saúde mental. Os seres humanos, em geral, precisam encontrar um sentido e explicar suas experiências de vida, especialmente quando estão sofrendo ou angustiados. O comportamento de ajuda e de adesão ao tratamento depende de crenças, de normas sociais e de valores culturais do paciente(16).

Quando alguma situação ameaça, ou desfaz vínculos sociais, as pessoas podem ser dominadas por emoções negativas e, como conseqüência, pode haver rompimento desses vínculos, causando sentimentos de desânimo, insignificância, solidão, a vida torna-se vazia e sem sentido real(13).

Autopercepção

[...] o meu passado já foi negro né já fui muito desprezado pela família [...]tou me recuperando e quero ver se saio daqui com outra cabeça para encarar a sociedade (Entr. 3)
[...]no momento atual a percepção é a falta dum emprego com dignidade igual tinha antes [...]o que mais eu sofro é o sentimento de culpa é o arrependimento daquelas coisas que às vezes que cometi [...]podia ter evitado se não usasse o álcool[...] (Entr. 4)
[...]eu me sinto otimista no que eu tô pensando [...]eu tô me sentindo que tô outra pessoa né sem bebida eu me sinto melhor ainda [...]eu tô otimista que eu vou realizar [...]se Deus quiser (Entr. 7)
[...]eu me sinto péssimo [...]tem hora que eu desanimo até de viver [...]tirar a minha vida eu já tentei duas veiz [...]por Deus que eu tô vivo até hoje [...]eu tenho o objetivo é trabalhar ter minha família arrumar uma mulher [...]hoje em dia as mulher gosta de trabalhador cara que não bebe que não usa droga[...] (Entr. 8).

No que concerne à autopercepção, observa-se muitas perdas, principalmente grande perda de si mesmo, desprezos pessoais e familiares, quebra de vínculo afetivo, com tentativa de redimensionar planos e vivências no dia-a-dia, porém, há dificuldade em relação ao controle da dependência da droga.

Os sentimentos são a maneira como as pessoas se percebem, compreender os próprios sentimentos significa compreender a própria reação ao mundo que as circunda. Os sentimentos pessoais resumem o que as pessoas experimentam e dizem se o que elas estão experimentando é agradável ou doloroso(17).

Comparando-se os problemas causados pelo uso do álcool e outras drogas, os causados pelo àlcool tardam mais para serem detectados. É possível observar algumas características dos usuários como pessoas solitárias, com dificuldades quanto ao estabelecimento de vínculos profundos e duradouros, pessimistas e ressentidas contra o mundo, são dependentes psiquicamente, apresentam baixa tolerância à frustração, usam de agressividade, podem apresentar problemas na esfera sexual, riscos de suicídio e desleixo com sua saúde(2).

Observa-se que a autopercepção, no sentido da transformação pessoal e nível de consciência, com auxílio recebido, propicia mudança de atitude e benefícios próprios, também, a necessidade de mudança interior e no relacionamento com as pessoas, ressaltando o voltar para si mesmo na busca pela crença individual, espiritual e na capacidade de transformação como meio de superação da dependência.

Constata-se sentimento de culpa e de arrependimento por atos e comportamentos apresentados quando da ingestão de bebida alcóolica, com consciência de como é diferente no estado de sobriedade. Observa-se, também, sentimentos de tristeza, fuga de si e da realidade social, denotando debilidade interior quanto ao enfrentamento e superação das frustrações e dos obstáculos do cotidiano.

Os entrevistados revelam a percepção de não estar vivendo num plano ideal, ou seja, desejo de formar a própria família, não usar mais drogas, trabalhar e construir uma vida feliz e tranqüila. A vivência real, diferente do desejo ideal, acarreta a diminuição da auto-estima, desilusão, depressão e tentativa de extermínio de si mesmo na busca para amenizar o sofrimento psíquico.

Estudos(14) apontam que, quando alguma situação ameaça ou desfaz vínculos sociais, as pessoas podem se tornar dominadas por emoções negativas. Conseqüentemente, surgem formas graves de punição como o exílio, prisão e confinamento solitário. Observa-se que pessoas recentemente desanimadas podem sentir que a vida torna-se vazia e sem sentido real.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O indivíduo dependente de drogas quer sejam lícitas ou ilícitas, ao longo dos séculos, estabeleceu um parentesco com as culpas morais e sociais que parece longe de ser rompido, permanecendo nas representações sociais, no imaginário e contribuindo para o processo de estigmatização do indivíduo.

O consumo de drogas lícitas e ilícitas é problema que ocorre universalmente, sendo considerado de difícil abordagem e tratamento. Admite-se que se trata de fenômeno extremamente complexo, cujas raízes estão intrincadas nos aspectos sociais, culturais e filosóficos que representam a essência da existência humana. Assim, o trabalho com tal problemática não pode ser analisado de forma compartimentalizada, mas, ao contrário, receber tratamento holístico.

Nos dias de hoje, novas modalidades das organizações comerciais que trabalham na área da saúde mental, ainda tendem a determinar os tempos dos tratamentos em função dos custos econômicos, desrespeitando a concepção do tratamento no sentido gerador de um projeto de vida. Pode-se perceber que essa prática, além de dificultar o trabalho com a população pesquisada, parece, também, não surtir os resultados esperados e transformadores(17).

Conforme pesquisa(8) aplicada, as ONGs cidadãs são entidades que trabalham com questões da construção ou resgate da cidadania, exercendo o papel de introduzir novidades institucionais com menores custos e maior eficiência, focando o trabalho social para as populações menos favorecidas.

Para o tratamento do indivíduo usuário de algum tipo de substância, não há intervenções prontas. No seu processo de recuperação deve aprender ou recuperar sua capacidade de viver sem drogas. A fase mais complexa do processo terapêutico é quando o indivíduo se sente bem e se encontra em condições de regressar ao convívio social, por ter que enfrentar as realidades das quais fugiu, no mundo ilusório das drogas. Cabe à equipe interdisciplinar instrumentalizá-lo para que consiga tolerar essa situação; uma vez que o próprio indivíduo pode se deparar com a droga em qualquer circunstância, ou casualidade, e a incapacidade em tolerar o limite, que é dizer não à droga, se torna a causa mais comum de recaídas(18).

Segundo estudos(18), a dificuldade encontrada quanto ao tratamento significa que o indivíduo deve mudar seu projeto pessoal e reconstruir, transformar ou criar um projeto de vida, que, se não o tinha, vai exigir-lhe árdua tarefa e compromisso com a mesma, que deverá ter continuidade ao longo de sua vida.

De acordo com pesquisa(10), a questão da reabilitação psicossocial é conceituada como um conjunto de meios que abrangem programas e serviços, desenvolvido com a finalidade de facilitar a vida das pessoas detentoras de problemas severos e persistentes. Para a realização do trabalho poder-se-ia associar inúmeras iniciativas, supostamente articuladas, na tentativa de redução de circunstâncias crônicas e desabilitantes dos tratamentos tradicionais, procurando desenvolver dentro e fora dos hospitais, utilizando-se, para tanto, de inúmeras técnicas, como terapia vocacional, psicoeducação, grupos operativos dentre outras.

Acredita-se que o aspecto chave para se trabalhar ressocialização é a priorização de aspectos sociais e econômicos, visto que ressocializar o indivíduo usuário de drogas implica em aumentar sua contratualidade afetiva, social e econômica, viabilizando sua autonomia para a vida na comunidade.

Partindo-se do objetivo desta pesquisa, pôde-se observar que os entrevistados deixaram claro em suas falas o sentimento de exclusão, vivenciado ao longo de suas vidas, dificultando-os no processo da auto-realização. E o desafio dos mesmos está na busca pela transformação pessoal, necessidade de mudança interior e de atitudes, desenvolvendo sua crença individual e espiritual e, de alguma maneira, retomar o vínculo afetivo com seus familiares e, ainda, o retorno à atividade laboral, que proporcionaria a eles autonomia, subsistência, valorização pessoal e profissional, a fim de conseguir lidar com a própria problemática e a superar a posição na qual se encontram.

Considera-se que este trabalho deva ser desenvolvido com seriedade e responsabilidade, visualizando a sensibilização e conscientização da sociedade como um todo para a promoção de mudanças de hábitos e atitudes nos encaminhamentos que normalmente são feitos pelo governantes. Acredita-se, ainda, na necessidade de trabalhos direcionados nos currículos universitários a fim de estabelecer novo olhar para o uso de substância lícitas e ilícitas.

Espera-se que este estudo traga contribuições para a prática dos profissionais de saúde, salientando a compreensão de que indivíduos usuários de substâncias devem ser considerados como LOUCOS por afeto, oportunidade, aceitação, inclusão social e liberdade.

 

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Endereço para correspondência
Terezinha Possa
E-mail: tere_possa@hotmail.com
Solânia Durman
E-mail: durman@terra.com.br

Recebido: 27/10/2006
Aprovado: 18/04/2007

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