SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número1Diagnósticos de enfermagem, perfil social e clínico de adolescentes em tratamento para a drogadição em um centro de reabilitação de Medellin 2006Para mim, Paraty - Alcoolismo e loucura em Lima Barreto índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.4 n.1 Ribeirão Preto fev. 2008

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Reconhecimento do psiquiatra Jurandyr Manfredini entre estudantes da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, 1954-1955*

 

Recognition of psychiatrist Jurandyr Manfredini among students of the Nursing School Alfredo Pinto, 1954-1955

 

Reconocimiento del psiquiatra Jurandyr Manfredini entre los estudiantes de la Escuela de Enfermería Alfredo Pinto, 1954-1955

 

 

Louise Vieira de Mello VidalI; Wellington Mendonça de AmorimII

I Graduando da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO
II Professor adjunto do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da EEAP. Pesquisador do Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem – Laphe, da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto – UNIRIO.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudo histórico-social, baseado em análise documental, sobre o reconhecimento do corpo discente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto ao psiquiatra Jurandyr Manfredini, conferindo a esse a primeira denominação de seu Diretório Acadêmico. Ao assumir a direção do Serviço Nacional de Doenças Mentais, Manfredini desenvolveu relação de proximidade com o corpo estudantil da EEAP, mostrando-se atuante não apenas no que se refere às suas funções administrativas como também através de ações sociais. Manfredini conquistou a admiração dos estudantes ao defender seus interesses, dessa forma, o corpo discente concedeu ao psiquiatra a distinção de tornar-se a primeira denominação do Diretório Acadêmico da EEAP.

Palavras-chave: História da enfermagem, Escolas de enfermagem, Psiquiatria.


ABSTRACT

Historical-social study, based on document analysis, about the recognition by students from the Nursing School Alfredo Pinto (EEAP) to the psychiatrist Jurandyr Manfredini, granting him the first designation of their Academic Board. When he assumed the management of the National Service of Mental Diseases, Manfredini developed a close relationship with the students at EEAP, being active not only in administrative functions but also in social actions. Manfredini won the students' admiration by defending their interests. Thus, the students granted the psychiatrist the distinction of becoming the first designation of the Academic Directorate at EEAP.

Keywords: History of nursing, Nursing schools, Psychiatry.


RESUMEN

Estudio histórico-social basado en el análisis documental, acerca del reconocimiento del alumnado de la Escuela de Enfermagem Alfredo Pinto al psiquiatra Jurandyr Manfredini, confiriéndole la primera designación de su Dirección Académica. En asumir la administración del Servicio Nacional de Enfermedades Mentales, Manfredini pasó a desarrollar una relación de proximidad con el alumnado del EEAP, siendo activo no sólo en que se refiere a sus funciones administrativas sino también por sus acciones sociales. Manfredini conquistó la admiración de los estudiantes por defender sus intereses. Así, el alumnado le otorgó al psiquiatra la distinción de llegar a ser la primera designación de la Dirección Académica del EEAP.

Palabras clave: Historia de la enfermería, Escuelas de enfermería, Psiquiatría.


 

 

INTRODUÇÃO

Trata-se de estudo sobre o reconhecimento do corpo discente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto ao psiquiatra Jurandyr Manfredini, consagrando-o como a primeira denominação de seu Diretório Acadêmico, no período de 1954 a 1955.

No recorte temporal do estudo, definiu-se como marco inicial o ano 1954, data da nomeação de Jurandyr Manfredini como diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), órgão ao qual a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP) era subordinada, e como marco final, o ano 1955, em que o Diretório Acadêmico conferiu ao psiquiatra a referida distinção, tornando-o a primeira denominação dêsse Diretório, ainda na gestão de Maria de Castro Pamphiro de 1943 a 1956.

Jurandyr Manfredini nasceu em 21 de janeiro de 1905, na cidade de Piraí do Sul, localizada no estado do Paraná, diplomou-se em medicina pela Universidade do Paraná (fundada em 19 de dezembro de 1912, teve o Curso de Medicina e Cirurgia integrado à Universidade, em 28 de outubro de 1913). Mudou-se para o Rio de Janeiro durante a década de 1930, então Distrito Federal, após ser aprovado no concurso para oficiais do Exército, atuando como médico no Hospital Central do Exército(1).

Iniciou sua atividade catedrática em 1935, como assistente voluntário, depois assistente militar, do professor Henrique Roxo (psiquiatra formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com a tese de doutoramento Duração dos atos psíquicos elementares nos alienados, em 1901 chegou a catedrático de Clínica Psiquiátrica em 1921), na Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil. Ainda, na década de 1930, atuou como psiquiatra na Secção Nina Rodrigues do Hospital Psiquiátrico (Secção Militar de Observação Mental), onde foi o pioneiro na utilização da terapêutica de convulsoterapia; tal experiência possibilitou a ele produzir sua tese, em 1939, submetendo-a às provas do Curso de Docência Livre da Faculdade Nacional de Medicina, sob o título Subsídios para o Estudo Semiológico da Esquizofrenia(2).

No início da década de 1950, Jurandyr Manfredini, tornou-se assistente de Maurício de Medeiros, então diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil, ministrando aulas de psiquiatria aos alunos de psiquiatria e direito, como declara em seu livro O Casamento confiei a regência desses cursos ao zelo, dedicação e entusiasmo pelo ensino de meu assistente dr. Jurandyr Manfredini(3).

Nascido no Rio de Janeiro, em 1885, Maurício Campos de Medeiros diplomou-se em farmácia em 1903 e formou-se em medicina em 1907. Em 1914, tornou-se fundador e secretário-geral da Liga Pró-Aliados, que atuou até o fim do conflito (1ª Grande Guerra). Em 1915, foi nomeado diretor-geral de Higiene do Estado do Rio de Janeiro. Foi eleito Deputado Estadual (em 1916 e 1920) e Deputado Federal (em 1921 e 1930). Em 1923, tornou-se professor da seção de patologia geral da Universidade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi atingido pelas medidas repressivas do Governo Vargas, sendo afastado do cargo em 1936. Retornou à cátedra de clínica psiquiátrica em 1946. Em setembro desse ano, foi nomeado diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil. Em 1955, aposentou-se por limite de idade e tomou posse na cadeira n° 38 da Academia Brasileira de Letras.

Em 1954, foi nomeado diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais, sob indicação do então ministro da saúde Aramis Taborda de Ataíde (5/9/1954 a 20/11/1955)(4).

Nascido em Curitiba, em 1900, Aramis Taborda de Ataíde diplomou-se pela Faculdade de Medicina do Paraná, em 1924. Elegeu-se Deputado Federal pelo Paraná por duas vezes (em 1945 e 1950). Entre 1951 e 1954, ocupou as pastas do Interior e Justiça e de Educação e Saúde no Paraná, tendo ascendido ao cargo de Ministro da Saúde, durante o governo de Café Filho, em setembro de 1954. Após o movimento militar de 11 novembro, que acarretou o impedimento de Carlos Luz e de Café Filho, substituídos na Presidência da República por Nereu Ramos, exonerou-se do cargo, sendo substituído por Maurício Campos de Medeiros, em 1955.

A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto foi fundada em 1890, durante o governo do primeiro presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, com a denominação Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE), e tinha como um de seus objetivos emergenciais atender às necessidades do Hospício Nacional de Alienados (HNA)(4).

A criação da EPEE foi a primeira iniciativa de sistematização do ensino de Enfermagem no Brasil, sendo voltada para a formação de enfermeiros e enfermeiras, através de curso de dois anos, baseado em noções de disciplinas médicas, ministradas por psiquiatras, no Hospital Nacional de Alienados e na Colônia Feminina Gustavo Riedel. Por situar-se dentro do campo da psiquiatria, a Escola se encontrava sob a responsabilidade administrativa e pedagógica dos diretores dessas Instituições(5).

Em 13 de janeiro de 1937, através do Decreto n° 378, a Ministério da Educação e Saúde Pública foi reestruturado e passou a denominar-se Ministério da Educação e Saúde, reorganizando os órgãos do mesmo. Ao Departamento Nacional de Saúde ficava subordinado o Serviço de Assistência a Psicopatas, responsável pela EPEE(6).

Em 2 de abril de 1941, foi criado o Serviço Nacional de Doenças Mentais, através do Decreto-Lei 3.171, que reorganizou o Departamento Nacional de Saúde, do Ministério da Educação e Saúde, extinguindo a Divisão de Assistência a Psicopatas e o Serviço de Assistência a Psicopatas do Distrito Federal, transferindo suas atribuições e atividades ao SNDM, sendo assim, a EPEE passou a ser subordinada ao mesmo(7).

No período entre 1942 e 1944, a EPEE sofreu diversas mudanças, passando a denominar-se Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto, através do Decreto-Lei n° 4725, de 22 de setembro de 1942, que permitiu a participação de enfermeiras diplomadas na reorganização administrativa e pedagógica da EEAP. Em 18 de novembro de 1944, por meio do Decreto-Lei n° 7055, que tratou do Regulamento do SNDM, a Escola passou a denominar-se Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Apesar das modificações sofridas pela EEAP, o poder dos psiquiatras do SNDM perdurou na Escola até o final da década de 1960, quando foi desvinculada do Serviço Nacional de Doenças Mentais pelo Decreto n° 206, de 27 de fevereiro de 1967(7).

A posição hierárquica da EEAP, em relação ao campo da psiquiatria, definia a presença do Diretor do SNDM no espaço da Escola, estabelecendo-se vínculo entre a direção do SNDM e o corpo discente da EEAP. Sendo assim, em 1955, um psiquiatra consolidou seu prestígio junto à Escola, através de homenagem concedida ao então diretor do SNDM, Jurandyr Manfredini, com a denominação do recém-organizado Diretório Acadêmico(DA) da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto.

Considerando os fatos supracitados, emerge o seguinte questionamento: quais fenômenos justificaram a distinção concedida ao psiquiatra Jurandyr Manfredini para tornar-se, em 1955, a primeira denominação do Diretório Acadêmico da EEAP?

Para operacionalização do estudo, definiu-se como objetivos: descrever as circunstâncias que levaram o psiquiatra Jurandyr Manfredini a assumir a direção do SNDM; analisar os determinantes da presença do psiquiatra Jurandyr Manfredini no espaço da EEAP, no fim da gestão de Maria de Castro Pamphiro; discutir os desdobramentos da participação desse psiquiatra nos assuntos inerentes à organização estudantil que justificaram a primeira denominação do Diretório Acadêmico Jurandyr Manfredini, na EEAP.

 

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa de natureza histórico-social, sendo essa uma abordagem que prioriza a experiência humana e os processos de diferenciação e individualização dos comportamentos e identidades coletivas na explicação histórica(8). Optou-se por análises documentais para extração de informações, organizando-as e interpretando-as segundo os objetivos desta investigação.

Nessa proposta metodológica, adotou-se a noção de que documentos são portadores de um discurso e, assim considerados, não são vistos como fatos e fenômenos transparentes(9). Tornando-se necessário ter postura crítica diante dele, pois documento não é um fato isolado, é a resultante de diversas situações, devendo ser avaliado considerando o texto e o contexto no qual está inserido.

As fontes primárias consultadas para o desenvolvimento da pesquisa foram: leis, atas, relatórios, produções bibliográficas entre outros. Os acervos documentais utilizados foram: o Arquivo Setorial Enfª Maria de Castro Pamphiro, da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); a Biblioteca do Ministério da Fazenda; a Biblioteca Nacional; a Academia Nacional de Medicina; a Biblioteca do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB); Centro Cultural da Saúde; os Arquivos da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM); o Centro de Estudos, Treinamento e Aperfeiçoamento Paulo Elejalde e o Centro de Documentação da Casa Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).

Foram utilizadas como fontes secundárias as produções bibliográficas sobre História do Brasil, História da Psiquiatria, História da Enfermagem e Movimento Estudantil.

A partir do exame pormenorizado do conjunto de fontes primárias com suporte das fontes secundárias, procedeu-se à análise das informações, que se deu pelo agrupamento dos dados às categorias contidas nos objetivos, buscando relacionar texto e contexto no desenvolvimento do estudo.

 

RESULTADOS

O início da década de 1950 foi marcado pelo desenvolvimento econômico, com ênfase no setor industrial, ampliação da legislação trabalhista e nacionalismo, onde se pode destacar a campanha “o petróleo é nosso”, objetivando a emancipação econômica nacional. Getúlio Vargas apoiava os trabalhadores urbanos, empenhando-se em estabelecer laços mais sólidos com a classe operária, contudo, a liberalização dos movimentos sindicais e o aumento do custo de vida da população, devido ao avanço da inflação, culminaram em inúmeras greves durante o ano de 1953(10).

Em 25 de julho de 1953, o Ministério da Educação e Saúde dissociou-se, originando dois novos ministérios: Ministério da Saúde e Ministério da Educação e Cultura. A partir da sua criação, o Ministério da Saúde passou a encarregar-se, especificamente, das atividades até então de responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde (DNS), sendo transferidos à sua responsabilidade todos os órgãos e serviços do antigo Ministério da Educação e Saúde, referentes à saúde e à criança(11).

Com a dissociação do Ministério da Educação e Saúde, o SNDM passou a ser diretamente subordinado ao Ministério da Saúde. O diretor desse serviço era responsável por reformar, construir e manter em bom funcionamento todos os hospitais psiquiátricos federais dos Estados brasileiros, era ainda responsável por superintender as atividades dos órgãos oficiais de assistência a psicopatas, existentes no Distrito Federal(12).

Em 16 de setembro de 1954, por Decreto do Presidente em exercício, João Café Filho, Jurandyr Manfredini substituiu Adauto Botelho na Direção do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), indicado pelo Ministro da Saúde Aramis Taborda de Ataíde.

Em 1955, foi publicado o primeiro exemplar da Revista Brasileira de Saúde Mental, fundada por iniciativa de Jurandyr Manfredini, como órgão científico para divulgação dos trabalhos e pesquisas de médicos e técnicos componentes do Serviço Nacional de Doenças Mentais e seus órgãos subordinados, sua previsão era trimestral e objetivava complementar os Anais do Serviço Nacional de Doenças Mentais, que passaram a ser responsáveis somente pela divulgação de fatos administrativos(13).

O corpo redatorial do periódico era composto pelos diretores das Instituições de Assistência e de Ensino do Serviço Nacional de Doenças Mentais, dentre os quais a enfermeira Maria de Castro Pamphiro, diretora da EEAP.

A relação hierárquica do SNDM sobre a EEAP possibilitou a aproximação de Jurandyr Manfredini junto ao espaço social da Escola, que enfrentava um momento de crise entre alguns membros do corpo estudantil e a sua diretora, Maria de Castro Pamphiro. Contudo, Manfredini passou a assumir posição favorável frente os interesses da classe estudantil.

O diretor do SNDM, Jurandyr Manfredini, mostrava-se presente na EEAP, principalmente no que se refere aos interesses do corpo discente. Tal aproximação pode ser constatada através do relatório da diretora da EEAP, relativos ao ano letivo de 1955(14).

Hoje a escola conta com mobiliário suficiente para as suas necessidades e os alunos têm à sua disposição piano, rádios e mesa de ping-pong (oferecidas pelo diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais)... (Pamphiro, 1955).

Aos 3 dias do mês de maio, realizou-se o enlace matrimonial de uma aluna do 5° período,... pelo merecimento da citada aluna, o senhor diretor do SNDM ofereceu-lhe um útil presente e toda a escola rejubilou-se promovendo em reunião simples uma mesa de doces aos noivos (Pamphiro, 1955).

No primeiro trecho pode-se verificar que o diretor do SNDM mostrou-se atuante no espaço da EEAP não apenas no que se referia às atividades administrativas, mas também através de ações humanizadas; no segundo trecho pode-se observar o papel social desempenhado pelo psiquiatra ao envolver-se com os acontecimentos pessoais dos estudantes, interferindo diretamente no cotidiano dos mesmos.

Apraz-me declarar à V.Sª., ainda com satisfação de um dever cumprido, que o melhor funcionamento da EEAP durante suas atividades do ano de 1955 deve principalmente à suave e magnífica visão administrativa do Senhor Diretor do SNDM a quem cumpre-me apresentar os meus cumprimentos de elevada consideração. (Pamphiro, 1955).

Através do trecho supracitado, a diretora da EEAP demonstra respeito pelo diretor do SNDM, ao tecer elogios sobre a sua gestão. A cordialidade com a qual Pamphiro se refere Jurandyr Manfredini pode ser justificada pela sua satisfação com as ações executadas pelo psiquiatra ou, ainda, decorrente da relação hierárquica existente entre os mesmos, tendo em vista que os relatórios da diretora da EEAP eram enviados ao Diretor do SNDM.

Em 28 de maio de 1955, foi realizada a primeira Assembléia Geral do Corpo Discente da EEAP, na sede da União Metropolitana dos Estudantes (UME), objetivando a fundação de um Centro Acadêmico como órgão de representação estudantil, que foi organizado sem a autorização da direção da Escola(15).

Em 14 de julho de 1955, foi realizada nova Assembléia Geral do Corpo Discente da EEAP, nela estavam presentes a Diretora da EEAP e o Diretor do SNDM e, nessa assembléia, Maria de Castro Pamphiro reconheceu o DA demonstrando, porém, insatisfação com a criação de uma organização estudantil sem o prévio conhecimento da mesma. Jurandyr Manfredini, por sua vez, declarou que se congratulava com o diretório para o progresso da EEAP, dessa forma, a Assembléia foi encerrada com agradecimentos por parte da diretoria do DA ao psiquiatra(15).

...a diretora (da EEAP), com a palavra, declarou que o aluno presidente do DA faltou com a ética por ter criado o DA sem dar o prévio conhecimento à diretoria da Escola e naquele momento reconhecia o DA Com a palavra, o prof. Jurandyr Manfredini, dizia que reconhecia o DA e, na qualidade de diretor do SNDM, congratulava-se com o mesmo DA para o progresso da Escola. Ainda que se prontificava ao DA no que fosse possível... (Ata da Assembléia Geral do Corpo Discente, realizada em 14 de julho de 1955).

O trecho supracitado foi redigido por alunos, sendo assim, reflete os seus pensamentos e opiniões, nele pode-se verificar o posicionamento de Jurandyr Manfredini frente à criação do Diretório Acadêmico da EEAP. O diretor do SNDM apoiava tal organização estudantil, indo de encontro com a diretora da EEAP que assumiu postura contrária à fundação do DA. Dessa forma, Manfredini conquistava prestígio junto aos estudantes, principalmente em relação àqueles que eram contrários à gestão de Maria de Castro Pamphiro.

Dois meses após a criação do Diretório Acadêmico da EEAP, o Presidente da República, João Café Filho, regulamentou a constituição dos órgãos de representação do corpo discente e suas relações com a direção dos institutos de ensino superior(16), que conferia autonomia aos Diretórios Acadêmicos, reduzindo, conseqüentemente, o controle dos diretores das Instituições de Ensino sobre a organização do corpo discente, tendo em vista que os alunos poderiam, respaldados pelo Decreto, mobilizar-se em diretórios e centros para tomar decisões a eles convenientes sem a necessidade de prévia autorização por parte das direções escolares.

A organização do Diretório Acadêmico da EEAP e a autonomia a ele concedida intensificaram ainda mais a difícil relação entre os estudantes e a diretoria da Escola. Tal indisposição entre ambas as representações pode ser elucidada através do trecho abaixo, contido nas atas das Assembléias Gerais do corpo discente(16).

O colega presidente do DA declarou a sessão aberta e disse estar na ocasião oportuna para um abaixo-assinado, com exposição de motivos, pedindo a saída da diretora da Escola, explicando ele que a Escola está em abandono, não há um aparelho sanitário funcionando... (Ata da Assembléia Geral, realizada em 8 de novembro de 1955).

Durante a assembléia é citada a presença do diretor do SNDM, Jurandyr Manfredini, o que ilustra a aproximação do psiquiatra junto ao corpo discente da Escola.

Ainda nesse ano, deu-se a primeira denominação do Diretório Acadêmico em homenagem ao diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais, o psiquiatra Jurandyr Manfredini, conforme consta no relatório da diretora da EEAP sobre as atividades de 1955(15): ...é digno de nota, aqui, a fundação do Diretório Acadêmico da EEAP, em meados do ano de 1955, cujo nome passou a ser Diretório Acadêmico Jurandyr Manfredini em homenagem ao Senhor Diretor do SNDM.

 

DISCUSSÃO

É importante ressaltar que acontecimentos históricos, como a indicação de uma determinada personalidade para assumir a direção de um serviço, não são fatos isolados e dependem de uma série de fatores, situações e contextos.

Sendo assim, pode-se citar, como constatações relevantes, que podem justificar a nomeação de Jurandyr Manfredini como Diretor do SNDM o fato desse psiquiatra manter relação próxima com o Ministro da Saúde Aramis de Ataíde, tendo em vista que os mesmos foram diplomados em medicina concomitantemente pela Faculdade de Medicina do Paraná, outra verificação importante é o vínculo que Manfredini possuía com importantes personalidades engajadas na política nacional, dentre os quais o catedrático da cadeira de Psiquiatria da Universidade do Brasil, psiquiatra Henrique Roxo e o psiquiatra Maurício de Medeiros, diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil.

Jurandyr Manfredini, durante toda a sua trajetória de amadurecimento profissional e iniciação no cenário político nacional, esteve em contato intenso com personalidades politicamente influentes e dedicou-se, durante a maior parte de sua vida profissional, à atividade catedrática, o que lhe proporcionou relação de proximidade com os estudantes. Tal formação política, baseada em ideais progressistas, conferiu a Manfredini uma visão liberal que lhe permitia compreender a relevância da organização estudantil para o desenvolvimento das Instituições de Ensino, apoiando as reivindicações apresentadas pelo corpo discente da EEAP, dentre as quais a criação de um Diretório Acadêmico, a fim de organizar um espaço para o convívio dos estudantes e discussão de temas de interesse dos mesmos.

Jurandyr Manfredini mostrou-se atuante no espaço da EEAP não apenas no que se referia às atividades administrativas, mas também através de ações sociais, como o fornecimento de materiais de lazer e interação do corpo estudantil, mostrava-se ainda presente em reuniões do Diretório Acadêmico e eventos sociais da Escola e preocupava-se com o bem-estar dos estudantes, desempenhando papel paternal devido à sua atuação humanizada no espaço da EEAP, indo, em muitas situações, de encontro aos interesses de Maria de Castro Pamphiro em defesa dos ideais da classe estudantil.

 

CONCLUSÃO

Jurandyr Manfredini era articulado e exerceu poder de sedução sobre os alunos, através da figura do ‘grande pai’ com atitudes que iam além de seus deveres enquanto diretor do SNDM, aproximando-o da classe estudantil por meio de atitudes acolhedoras e humanizadas e, dessa forma, buscava manter boa relação com o corpo discente, pois era conveniente trazer para si uma organização que conquistava cada vez mais poder no jogo de forças no cenário político e social da época, podendo reivindicar assuntos de interesse do SNDM e de sua diretoria.

Através de ações que iam além de suas obrigações administrativas, o psiquiatra conquistou prestígio e admiração junto aos discentes, que o viam como personalidade de grande influência política e posição hierárquica favorável frente à EEAP, podendo, dessa forma, defender as reivindicações do corpo acadêmico, tendo em vista que a Escola enfrentava momento de crise entre as lideranças dos estudantes e sua diretoria. Conferir a Jurandyr Manfredini o privilégio de tornar-se a primeira denominação de seu Diretório Acadêmico foi a estratégia encontrada pelos estudantes para garantir que o bom relacionamento entre eles e o diretor do SNDM se mantivesse, em prol dos interesses da classe estudantil.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Universidade do Paraná (BR). Anais da Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná. Paraná (PR); 1962.        [ Links ]

2 Manfredini J. Subsídios para o estudo semiológico da esquizofrenia: A esquizofrenia contada pelos esquizofrênicos.[tese]. Rio de Janeiro (DF): Universidade do Brasil; 1939.        [ Links ]

3 Medeiros MC. O casamento (Psiquiatria Forence). Rio de Janeiro (RJ): Universidade do Brasil; 1956.        [ Links ]

4 Serviço Nacional de Doenças Mentais (BR): Revista Brasileira de Saúde Mental 1968; 14: i-iv.        [ Links ]

5 Amorim WM. A reconfiguração da primeira escola de enfermagem brasileira: A missão de Maria de Castro Pamphiro, 1937-1949.[tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ; 2004.        [ Links ]

6 Ministério da Educação e Saúde Pública (BR). Lei n° 378 de 13 de janeiro de 1937. Dá nova organização ao Ministério da Educação e Saúde Pública. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro (DF); 1937.        [ Links ]

7 Ministério da Educação e da Saúde (BR). Decreto-Lei 3.171 de 2 de abril de 1941. Reorganiza o Departamento Nacional de Saúde, do Ministério da Educação e Saúde, e dá outras providências. Coleção das Leis, Atos do Poder Executivo, 1941; 3: 7-9.        [ Links ]

8 Castro H. História Social In: Cardoso CF, Vainfas R, organizadores. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. 5ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Campus; 1997.        [ Links ]

9 Cardoso CF, Vainfas R. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. 5ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Campus; 1997.        [ Links ]

10 Fausto B. História do Brasil. 8ª ed. São Paulo (SP): Editora da Universidade de São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Educação; 2000.        [ Links ]

11 Ministério da Saúde (BR). Lei 1.920 de 25 de julho de 1953. Cria o Ministério da Saúde e dá outras providências. Legislação Federal do Setor Saúde. 2ª edição, v.1, Brasília (DF): MS; 1977.        [ Links ]

12 Ministério da Educação e da Saúde (BR). Decreto 15.185 de 18 de novembro de 1944. Aprova o regimento do Serviço Nacional de Doenças Mentais do Departamento Nacional de Saúde do Ministério da Educação e da Saúde. Coleção das Leis, Atos do Poder Executivo, 1945; 08: 424-37.        [ Links ]

13 Ministério da Saúde (BR). Revista Brasileira de Saúde Mental. 1955; 1.        [ Links ]

14 Serviço Nacional de Educação e Estatística (BR). Relatório da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto de 1955. Arquivo Setorial Enfª Maria de Castro Pamphiro. Rio de Janeiro (DF): EEAP/UNIRIO; 1955.        [ Links ]

15 Livro de Atas Relativas às Assembléias Gerais do Corpo Discente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, 1955 (BR). Arquivo Setorial Enfª Maria de Castro Pamphiro. Rio de Janeiro (DF): EEAP/UNIRIO; 1955.        [ Links ]

16 Decreto nº 37.613 de 19 de julho de 1955 (BR). Regulamenta a constituição dos órgãos de representação do corpo discente e suas relações com a direção dos institutos de ensino superior. Rio de Janeiro (DF): Coleção de Leis do Brasil; 1955.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Louise Vieira de Mello Vidal
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
Rua Francisco, 327 – Vila Valqueire
21320-190 Rio de Janeiro - RJ
E-mail: louisevieirademello@gmail.com

Wellington Mendonça de Amorim
E-mail: amorimw@gmail.com

Recebido: 30/05/2007
Aprovado: 15/01/2008

 

 

* Trabalho de Pesquisa apresentado na I Mostra Científica de História da Enfermagem da IV Semana Professora Glete de Alcântara, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP.

Creative Commons License